Mal foi publicada a Medida Provisória nº 821/2018 criando o Ministério Extraordinário da Segurança Pública e já foi dado início aos debates internos nas instituições policiais.
A criação do ministério gerou repercussões entre as entidades que representam delegados e agentes da Polícia Federal. A Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) divulgou nota na qual avaliou que a criação do novo Ministério da Segurança Pública "pode ser prejudicial". De outro lado, como era de esperar, a Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), disse ver a medida com "otimismo".
Consoante o art. 40-A, a ser acrescido na Lei 13.502/17 (Medida Provisória nº 821/2018), caberá à pasta do Ministério Extraordinário da Segurança Pública exercer a política de organização e manutenção da Polícia Civil, da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal; e a defesa dos bens e dos próprios da União e das entidades integrantes da administração pública federal indireta.
O novo Ministério da Segurança Pública será responsável, por exemplo, pela Polícia Federal e pela Polícia Rodoviária Federal, atualmente sob o comando do Ministério da Justiça. Igualmente, o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), os conselhos de Segurança Pública e de Política Criminal e Penitenciária, além da Secretaria Nacional de Segurança Pública, também migrarão para o novo ministério.
Por se cuidar de uma Medida Provisória, o ato de criação do ministério já passa a valer como lei com a publicação. A partir de então, o Congresso Nacional terá até 120 dias para aprovar, rejeitar ou até mesmo modificar a medida provisória. Se o texto não for analisado nesse prazo, a medida provisória perderá validade.
Em outra oportunidade recente, já foi criticada a criação de uma pasta para o assunto. Em tempos de intervenção federal, não se pode querer modificar um modelo de Polícia com clara repartição de atribuições constitucionais. Tais órgãos de Polícia Judiciária, mesmo com o sucateamento velado e sistematizado denunciado ao longo do tempo, apresenta resultados além das expectativas para a realidade que os circunda.
E mais, a intervenção federal que está ocorrendo no Estado do Rio de Janeiro é medida política e sem planejamento, tendo por objetivo (ou deveria) auxiliar as forças policiais a recuperar ordem pública. As forças federais devem agir sem violar os direitos fundamentais dos cidadãos, já que a intervenção federal não é sinônimo de Estado de Defesa.
Necessário ressaltarmos que o modelo de Polícia previsto pela Constituição Federal de 1988 nunca recebeu investimentos adequados, tanto na Polícia de prevenção, quanto na Polícia de repressão criminal, o que nos faz pensar na necessidade de, antes de discutirmos um modelo ideal para a Segurança Pública no Brasil, investir no modelo atual além de conceder autonomia administrativa e financeira a estes órgãos tão importantes para garantia dos direitos fundamentais.
Em suma, a falta de investimento - principalmente nas Polícias Civis e Federal, responsáveis pela investigação e umbilicalmente ligadas ao Poder Judiciário e ao sistema de Justiça Criminal – gera ineficiência e impunidade.
Investir na inteligência policial, materiais adequados para o exercício da atividade e, claro, nos profissionais que compõem seus quadros são medidas que se fazem necessárias para que, não só o pequeno crime seja evitado e reprimido, mas também a criminalidade organizada.
A fiscalização das fronteiras e divisas do Brasil ganham relevância quando o assunto é o tráfico de drogas e de armas. Possibilitar o ingresso de tais produtos no Brasil é facilitar o empoderamento da atuação do crime organizado.
Do contrário do que vem sendo pregado por algumas entidades e, até mesmo, por congressistas, não acreditamos que a criação de pautas como a da unificação das Polícias e, até mesmo, criação de carreira única dentro das Polícias Civis e Federal sejam de interesse público.
Tais questões possuem caráter oportunista e não buscam solucionar o verdadeiro problema da Segurança Pública no Brasil, mas sim atender interesses de certas classes de servidores públicos que buscam, por vezes, burlar o sistema de acesso ao cargo que se dá por meio do concurso público.
Afinal, há ou não a (in)constitucionalidade da Medida Provisória que criou o Ministério Extraordinário de Segurança Pública?
Nos termos do art. 62 “caput” da Constituição Federal relevância e urgência são pressupostos constitucionais para a edição de Medidas Provisórias. A matéria, por sua vez, é relevante, haja vista que a sociedade tem inserido a segurança pública como prioridade do Estado há anos.
Contudo, a mesma sorte não assiste à hipotética urgência pois, se assim fosse, a medida provisória já teria sido editada. Com o advento da criminalidade organizada, principalmente com o PCC (Primeiro Comando da Capital – São Paulo) e com o CV (Comando Vermelho – Rio de Janeiro) a Segurança Pública começou a apresentar sinais de falência.
Em rápida análise, a criminalidade organizada surge diante da ausência do Estado. Logo, inexistindo a presença do Estado em certa localidade e ausente repressão por parte da Polícia, braço armado do Estado, a título de exemplo, o grupo que, inicialmente era de pequena relevância no cenário criminal ganha força, dinheiro, arma-se e passa a controlar um bairro. Ausente o Estado, o grupo se expande e cria um verdadeiro “Estado paralelo”, com normas e regramentos próprios.
Vejam que o surgimento do crime organizado no Brasil é recente e data da década de 70, momento em que presos políticos foram enclausurados juntamente com presos comuns. A partir de então, o Estado demonstrou, cada vez mais, sua incompetência para lidar com este tipo de criminalidade especializada.
Há muito tempo a segurança pública tem dado sinais e recados de que algo era preciso ser feito e apenas quando se chega ao caos, ou próximo dele, procurar estabelecer uma medida com força de lei, em ano eleitoral e de importantes votações do Congresso Nacional nos parece uma medida eleitoreira, tangenciando o verdadeiro objetivo da Medida Provisória.
Logo, vê-se de cara que a Medida Provisória nº 821/2018 carece de um de seus pressupostos de validade, qual seja, a urgência, o que a faz formalmente inconstitucional.
Outro ponto intrigante está no fato de ser criado um Ministério Extraordinário da Segurança Pública o que, necessariamente, o faz ter caráter excepcional, ou seja, somente existirá enquanto a Segurança Pública no Brasil não for “passada a limpo”. Pelo visto, veremos que, mais uma vez, algo que deveria ter prazo de duração tornar-se-á permanente.
Por último, ao vermos que a indigitada Medida Provisória também ampliou o rol de atribuições do art. 144 da Constituição Federal, se percebe uma burla à vedação constitucional (que proíbe modificações constitucionais em tempos de intervenções federais) e o quadro juridicamente se agrava mais ainda, quando se visualiza que a propalada medida provisória, por via transversa, mira fazer às vezes de uma emenda constitucional – vedada durante a intervenção federal ao tratar questões que estão inseridas na Lei Maior (art. 60, § 1º, da CF/88).
A propósito, confira o que estabeleceu a aludida medida provisória quanto ao alargamento das atribuições, estabelecendo que competirá ao Ministério Extraordinário da Segurança Pública exercer
a) a competência prevista no art. 144, § 1º, incisos I a IV, da Constituição, por meio da polícia federal;
b) o patrulhamento ostensivo das rodovias federais, na forma do art. 144, § 2º, da Constituição, por meio da polícia rodoviária federal; (...)
Ora, pode ser que tenha havido uma “impropriedade legislativa”, facilmente resolvida por meio da hermenêutica, mas sabemos que o Ministério não possui competência, ou melhor tecnicamente dizendo, atribuição legal e constitucional para exercer, ainda que indiretamente, as atribuições da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal, o que se levado adiante pode constituir numa verdadeira usurpação às avessas ou por via oblíqua ao Texto Constitucional – sem dizer da inconstitucionalidade patente.
Conclusão
Em rápida e breve conclusão, pensamos ser discutível a constitucionalidade da medida provisória que criou o Ministério Extraordinário da Segurança Pública, já que o pressuposto da urgência foi desarrazoadamente utilizado.
Ademais, focar em medidas singelas como criação de nova pasta ministerial com ações vagas e genéricas – até o momento anunciadas pelo Governo Federal – sem medidas auxiliares na prevenção, no combate e repressão ao crime, não traz melhorias à sociedade. A falta de investimentos em educação, saúde, criação de empregos, distribuição de renda e outros direitos sociais fazem com que a medida seja inócua e eleitoreira.
O trato da Segurança Pública deve ir além da criação de um Ministério. Merece, antes de qualquer coisa, com já dito, investimentos maciços para a efetivação dos direitos sociais; lembrar ao Poder Judiciário que ele é um dos atores no sistema e que suas decisões refletem diretamente no micro e macro ambiente criminal.
Em suma, a (in)constitucionalidade da Medida Provisória nº 821/18 vai além de questões de natureza jurídica, passando pela necessidade de uma nova avaliação da história brasileira e do comportamento social dos cidadãos e, principalmente, dos Poderes da República.
Referências bibliográficas
LEITÃO JÚNIOR, Joaquim. Autonomia administrativa e financeira das polícia judiciárias em tempos de intervenção federal. Publicado no site do Portal Nacional dos Delegados.com. Disponível em: <https://delegados.com.br/jurídico/autonomia-administrativaefinanceira-das-policia-judiciarias-em-tempos-de-intervencao-federal>. Acesso em 27 de fevereiro de 2018.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 15º Ed. São Paulo. Saraiva. 2011.