Intervalo intrajornada é o descanso concedido dentro da própria jornada de trabalho. (1)
De acordo com a duração da jornada diária de trabalho, o art. 71, da CLT, determina a concessão do intervalo, o qual se destina à recomposição física do trabalhador, por intermédio da alimentação. (2)
Na jornada de trabalho com até quatro horas não existe obrigatoriedade para a concessão de intervalo, salvo disposição especifica de lei ou norma coletiva de trabalho. Duração de trabalho superior a quatro horas e inferior a seis, o intervalo será de quinze minutos. Por fim, quando o trabalho for prestado por mais de seis horas contínuas, o intervalo para refeição e descanso será de uma hora, podendo estender-se até duas horas. (3) O contrato de trabalho escrito, o acordo ou a convenção coletiva de trabalho poderá prever um intervalo superior a duas horas (art. 71, caput, CLT). (4)
O limite mínimo de uma hora para repouso ou refeição poderá ser reduzido por ato do Ministério do Trabalho, quando, ouvida a Secretaria de Segurança e Medicina do Trabalho, se verificar que o estabelecimento atende integralmente às exigências concernentes à organização dos refeitórios e quando os respectivos empregados não estiverem em regime de trabalho prorrogado a horas suplementares (art. 71, § 3º). (5)
Os intervalos não são considerados na somatória da jornada de trabalho (art. 71, § 2o, CLT). Como regra, o intervalo intrajornada é suspensão do contrato de trabalho, pois há paralisação de serviços pelo obreiro, sem qualquer obrigatoriedade quanto ao pagamento dos salários. (6)
O Enunciado n. 88 do TST, cancelado em 17 de fevereiro de 1995, estabelecia que o desrespeito ao intervalo mínimo entre dois turnos de trabalho, sem importar em excesso na jornada efetivamente trabalhada, não dá direito a qualquer ressarcimento ao obreiro, por se tratar apenas de infração sujeita à penalidade administrativa (art. 75, CLT). Em outras palavras, a não concessão do intervalo por parte do empregador, não implicava no pagamento de horas extras, desde que observado o limite da jornada legal ou contratual de trabalho. (7)
Com a inserção do § 4º no art. 71 da CLT, pela Lei n. 8.923, de 27 de julho de 1994, a não concessão ou restrição do intervalo por parte do empregador, independente da prestação de horas suplementares, implica no pagamento do período como jornada extraordinária.
Apesar da indicação legal como hora extra, essa imposição remuneratória ao empregador não se coaduna com a natureza jurídica da jornada suplementar. Pela doutrina, a hora extra entrelaça-se com o trabalho prestado além da jornada normal de cada empregado, comum ou reduzida.
A princípio, essa inovação legislativa tem a natureza jurídica de punição ao empregador, o qual não propicia o intervalo mínimo para repouso e alimentação aos seus trabalhadores.
Todavia, não se deve apenas realçar o aspecto punitivo ao empregador, já que o dispositivo determina a remuneração dos serviços prestados durante o intervalo não usufruído, o que implica, inclusive, nas incidências dessa parcela em férias, 13º salário, FGTS, aviso prévio e nos DSR e feriados.
Isso significa que o art. 71, § 4º, da CLT, possui uma natureza jurídica híbrida: a) sanção – punição ao empregador que não concede o intervalo intrajornada de forma regular; b) remuneração pelo trabalho parcial ou total quanto à duração do intervalo intrajornada como hora extra. (8)
Com base nessas premissas ousamos discordar da Orientação Jurisprudencial n. 307, da SDI-I, do TST: "Após a edição da Lei n. 8.923/94, a não-concessão total ou parcial do intervalo intrajornada mínimo, para repouso e alimentação, implica o pagamento total do período correspondente, com acréscimo de, no mínimo, 50% sobre o valor da hora normal de trabalho (art. 71 da CLT)".
O motivo da discordância repousa na afirmação de que o Tribunal Superior do Trabalho, com essa orientação jurisprudencial, somente está realçando o caráter punitivo do art. 71, § 4º, da CLT, o que de fato, não retrata a sua efetiva natureza jurídica (9), o que irá prejudicar as incidências dessa parcela em outros títulos decorrentes do contrato individual de trabalho.
Bibliografia
Delgado, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2ª edição, 2003.
Jorge Neto, Francisco Ferreira; Cavalcante, Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante. Manual de Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2ª edição, 2004.
Magano, Octavio Bueno. Manual de Direito do Trabalho – Direito Tutelar do Trabalho – v. 2. São Paulo: LTr, 2ª edição, 1992.
Notas
1
"Intervalos e jornada, hoje, não se enquadram, porém, como problemas estritamente econômicos, relativos ao montante de força de trabalho que o obreiro transfere ao empregador em face do contrato pactuado. É que os avanços das pesquisas acerca da saúde e segurança no cenário empregatício têm ensinado que a extensão do contato do empregado com certas atividades ou ambientes laborativos é elemento decisivo à configuração do potencial efeito insalubre ou perigoso desses ambientes ou atividades. Tais reflexões têm levado à noção de que a redução da jornada em certas atividades ou ambientes, ou a fixação de adequados intervalos no seu interior, constituem medidas profiláticas importantes no contexto da moderna medicina laboral. Noutras palavras, as normas jurídicas concernentes à jornada e intervalos não são, hoje, tendencialmente, dispositivos estritamente econômicos, já que podem alcançar, em certos casos, o caráter determinante de regras de medicina e segurança do trabalho, portanto, normas de saúde pública" (Delgado, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2ª edição, 2003, p. 912).2
"A finalidade precípua da pausa em foco é a de minimizar os efeitos nocivos da fadiga sobre o organismo do trabalhador. Secundariamente, deve servir de oportunidade para que este se alimente. Contém-se no preceito (art. 71, caput, CLT) uma disjuntiva, o que logicamente implica opção entre repouso ou alimentação. Na prática, porém, o que se dá é que o trabalhador usa da pausa para cumulativamente repousar e se alimentar" (Magano, Octavio Bueno. Manual de Direito do Trabalho – Direito Tutelar do Trabalho – v. 2. São Paulo: LTr, 2ª edição, 1992, p. 50).3
Ao contrário do trabalhador urbano, no trabalho contínuo, de duração superior a seis horas, o empregado rural terá um intervalo para repouso e alimentação, observados os usos e costumes da região, não sendo computado na duração do trabalho (art. 5o, Lei n. 5.889/73).4
"O empregador goza de certa discrição na determinação da pausa para repouso ou alimentação. Pode fixá-la em uma hora no mínimo e em duas horas no máximo. Vale dizer que pode também fixá-la em uma hora e quinze minutos, em uma hora e trinta minutos, em uma hora e trinta e cinco minutos e assim por diante. Para exceder o limite máximo acima apontado (duas horas), precisa fundar-se em acordo escrito ou contrato coletivo de trabalho. Para diminuir o limite mínimo acima apontado, carece de autorização expressa do Ministério do Trabalho. O acordo coletivo de que cuida a lei é o que se traduz em cláusula do contrato individual de trabalho. Em outras palavras, isso quer dizer que ao ser admitido no emprego pode o trabalhador pactuar com o seu empregador pausa superior a duas horas. Todavia, se isso não ocorrer, a pausa não pode ser aumentada no curso do contrato de trabalho, porque tal procedimento implicaria violação do art. 468 da CLT. O contrato coletivo de trabalho, mencionado na lei, é a convenção ou o acordo coletivo de trabalho" (Magano, Octavio Bueno. Op. cit., p. 50).5
A princípio, entendíamos que a negociação coletiva poderia reduzir a duração do intervalo intrajornada, já que representava uma compensação ou redução da jornada de trabalho. O fundamento legal que validava a negociação coletiva é a flexibilização prevista no art. 7o, XIII, da Constituição Federal, além do reconhecimento constitucional quanto aos instrumentos normativos (art. 7º, XXVI). Contudo, deve ser dito que a autonomia privada coletiva não é tão ampla, não sendo possível a sua adoção em questões de ordem pública, como é o caso do art. 71 da CLT. A redução do intervalo só é admissível quando for o caso de autorização expressa do Ministério do Trabalho (art. 71, § 3º). A jurisprudência não é pacífica quanto a essa temática:"Redução do intervalo de refeição – Necessidade de autorização do Ministério do Trabalho, mesmo havendo acordo ou convenção coletiva a respeito do tema, vez que se trata de norma de ordem pública. Inteligência dos arts. 7º, XIII e XXVI, Constituição Federal, 71, § 3º, da CLT, e 2º, §§ 1º e 2º, LICC" (TRT – 15ª R – 3ª T – Ac. n. 15976/2002 – Relª. Luciane S. da Silva – DJSP 22.4.2002 – p. 62).
"Intervalo para repouso e alimentação – Redução. Indefere-se o pagamento do período destinado ao repouso e alimentação se a sua redução decorre de negociação coletiva havida entre o empregador e o Sindicato representante da categoria dos trabalhadores" (TRT 15ª R – 1ª T – RO n. 816/2001.105.15.00-0 – Rel. Eduardo Benedito de O. Zanella – DJSP 17.10.03 – p. 21).
6
A concessão de intervalos não previstos em lei, por parte do empregador, na jornada de trabalho, representa tempo à disposição da empresa, remunerado como serviço extraordinário, se acrescido ao final da jornada (En. n. 118, TST). A interpretação jurisprudencial do Enunciado n. 118 decorre da aplicação do art. 4o, caput, da CLT, onde se tem que a jornada de trabalho compreende o lapso temporal em que o empregado está à disposição do empregador, executando ou aguardando ordens. É uma forma de impor limites à ação desmesurada de um empregador, que poderia estabelecer quatro horas na parte da manhã e outro tanto à noite, fazendo com que o trabalhador ficasse horas à sua disposição, sem qualquer tipo de remuneração.7
"Como este lapso temporal não integra a jornada laborativa obreira, não tendo a natureza de tempo de serviço do empregado, a jurisprudência entendia que tal conduta desrespeitosa não ensejava qualquer pagamento específico ao trabalhador (caso não houvesse extrapolação da jornada regular efetivamente laborada), tipificando-se como mera infração administrativa. (...) Mais atenção: esse antigo entendimento somente prevalecia caso o desrespeito não implicasse efetivo aumento da jornada obreira, por além das fronteiras legais pertinentes (por exemplo, trabalho diário de 8:00 às 16:00 horas, sem intervalo intrajornada). Caso o desrespeito ao intervalo implicasse efetiva extrapolação da jornada padrão obreira (por exemplo, trabalho diário de 8:00 às 17:00 horas, com apenas 30 minutos de intervalo – ou nenhum intervalo), a repercussão do desrespeito já importaria no pagamento de respectivo período como hora extra" (Delgado, Maurício Godinho. Op. cit., p. 922).8
O adicional a ser observado é o de 50% (art. 7º, XVI, CF), não se admitindo outros adicionais, como os previstos em norma coletiva (acordo ou convenção coletiva). Os fundamentos: a) a fixação não é hora extra propriamente dita (hora extra, consoante a melhor doutrina, é o que extravasa da jornada normal diária – contratual ou legal); b) o fato de o legislador impor a inexistência parcial ou total do horário intrajornada como hora extra, não implica, necessariamente, que se trata de hora extra, já que o seu deferimento não está atrelado à existência da jornada suplementar diária (como ocorria anteriormente à época do Enunciado n. 88 do TST).9
"Concessão parcial de intervalo intrajornada – Horas extras. 1º. Combinando o caput com o § 4º do artigo 71 da CLT, a conclusão só pode ser uma. Nos casos em que a jornada de trabalho exceda de seis horas, o empregador está desincumbido da obrigação legal de remunerar como trabalho extraordinário o período de intervalo intrajornada, quando concedido o intervalo mínimo de uma hora para repouso ou alimentação. Usufruído o intervalo de tão-somente 20 minutos, deverá o empregador suportar o ônus de remunerar de forma integral o período do intervalo como trabalho em jornada extraordinária. 2º. Recurso de revista conhecido e desprovido" (TST – 1ª T – RR n. 771886/2001-0 – Rel. Emmanoel Pereira – DJ 17.10.03 – p. 552).