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Contratos em moeda estrangeira:

uma nova perspectiva

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O Decreto-Lei n.º 857, de 11/09/1969, que consolida e altera a legislação sobre moeda de pagamento de obrigações exeqüíveis no Brasil, dispõe que são nulos de pleno direito os contratos, títulos e quaisquer documentos, bem como as obrigações que, exeqüíveis no Brasil, estipulem pagamento em ouro, em moeda estrangeira, ou, por alguma forma, restrinjam ou recusem, nos seus efeitos, o curso legal do cruzeiro

Todavia estabelece referida norma legal que tal determinação não se aplica aos empréstimos e quaisquer outras obrigações cujo credor ou devedor seja pessoa residente e domiciliada no Exterior, excetuados os contratos de locação de imóveis situados no território nacional.

A vedação acima mencionada, qual seja, a nulidade de contrato que estipule pagamento em moeda estrangeira, gerou discussão jurisprudencial, a qual firmou entendimento no sentido de ser legítimo o pacto celebrado em moeda estrangeira, desde que o pagamento se efetive pela conversão em moeda nacional.

Há que se distinguir a estipulação de pagamento em moeda estrangeira, que pode impactar o curso legal da moeda nacional, da indexação de débito com base em oscilações de cotações do dólar norte-americano, que em nada atinge o fluxo natural da moeda nacional.

Assim sendo, a restrição normativa inclusa na linha da vedação da cláusula-ouro em contratos, se relaciona com a necessidade de garantir-se a fluência da moeda nacional do país. Trata-se de norma assecuratória de exclusividade à moeda nacional.

Por outro lado, a cotação da moeda estrangeira funciona como mero indicador na atualização do valor-base previsto no contrato. Não constitui estipulação em moeda estrangeira, mas simples mecanismo de determinação do valor real da obrigação de pagamento, como qualquer outro índice.

Alguns autores não somente confirmam esse entendimento, mas também encontram diversos argumentos para o uso de moeda estrangeira em referidos contratos. Luiz Gastão Paes de Barros Leães (in Revista dos Tribunais, 693/100, p. 110) tem a opinião de que: "quando celebrados por prazo ou período de repactuação inferior a um ano, a indexação só poderá ser feita com base em índices que reflitam a variação do custo de produção, ou do preço dos insumos utilizados, até a efetiva entrega do bem ou prestação do serviço, hipótese em que a variação cambial somente poderá ser admitida quando refletida na média em que o custo de produção ou dos insumos for incorrido em moeda estrangeira. Quando pactuado por prazo igual ou superior a um ano, não há nenhuma restrição da lei, pelo que é lícita a estipulação da cláusula com qualquer índice de reajuste, inclusive adotando como índice a variação da taxa de câmbio."

Vale ainda mencionar que, se o custo de produção ou o preço dos "insumos" for estabelecido em dólares, então a preferência pela moeda estrangeira para manter o valor do contrato pode ser considerada justificável.

Entretanto, também é importante ressaltar que no caso de uma desvalorização da moeda nacional, há a possibilidade de uma revisão judicial do contrato com indexação em moeda estrangeira, sob fundamentação de excessivo encargo sofrido por um dos contratantes. Exemplo concreto ocorreu recentemente quando o real sofreu forte desvalorização gerando inconformismos aos consumidores, que fecharam contratos por meio de operações de leasing em dólar com empresas financeiras, gerando mais de cinco mil ações individuais e 20 ações coletivas, das quais, muitas ainda pendem de julgamento e, diante da diversidade de decisões, ainda não existe entendimento pacífico sobre a matéria.

Por outro lado, alguns aspectos relevantes na legislação brasileira não corroboram sequer a indexação em moeda estrangeira, o que certamente impõe uma posição cautelosa nesse assunto.

As Leis nsº 9.069/95 e 8.880/94, que implementaram a nova moeda Brasileira ("Real"), estabeleceram a nulidade dos contratos com correção monetária utilizando como índice a variação da taxa de câmbio, com exceção das hipóteses permitidas pela Lei (art. 2º do Decreto-Lei nº 857/69).

O objetivo da proibição supra indicada tem que ser analisado juntamente com os esforços do Governo Brasileiro na direção de evitar altos índices inflacionários. Outra medida adotada pelo Governo e disposta nessas leis é a correção do valor dos contratos se dar em período inferior a um ano.


Há decisões recentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ) admitindo a indexação de contratos em moeda estrangeira, desde que a obrigação e o pagamento contratados sejam feitos em moeda nacional. Entretanto, nenhum processo que verse sobre contratações com indexação em moeda estrangeira, posterior à implementação do Plano Real, foi levado a um tribunal superior.

Mais recentemente, foi publicado decisão de julgamento da 3ª Turma do STJ admitindo que a moeda estrangeira não pode ser adotada como meio de pagamento, mas pode ser utilizada como indexador.

O relator do recurso, Ministro Ari Pargendler, em seu voto, demonstra e fundamenta através da citação de julgados de outras Turmas do próprio STJ, que a obrigação pode ter como referencial de correção o dólar americano se as partes contratarem em moeda nacional, com pagamento em moeda nacional.

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Entretanto, o próprio Ministro Ari Pargendler já ressaltou que, nos julgamentos dos processos posteriores à lei do Plano Real, o entendimento sobre a matéria poderá ser outro, uma vez que a referida norma possui dispositivos que não admitem sequer a indexação em moeda estrangeira.

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Sobre os autores
Oscar Petersen

advogado e economista em São Paulo (SP)

Carolina Ragazzi

estagiária de Direito em São Paulo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PETERSEN, Oscar ; RAGAZZI, Carolina. Contratos em moeda estrangeira:: uma nova perspectiva. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 46, 1 out. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/646. Acesso em: 25 abr. 2024.

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