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O valor social do idoso e a violência no âmbito familiar: uma revisão teórica

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Inversão de perspectiva: o olhar do idoso

Para conceituar a velhice, deve-se ter em mente a compreensão de sua totalidade, pois esta é um fenômeno biológico com consequências psicológicas, tendo em vista que alguns comportamentos já ganharam rótulos de serem característicos da velhice. Além disso, deve ser entendida como uma etapa da vida, em que, devido à avançada idade cronológica, ocorrem diversas mudanças de caráter biopsicossial que afetam as relações do indivíduo no contexto social em que vive. (FERNANDES E GARCIA, 2010).

De acordo com relatos coletados em diversos trabalhos de pesquisa, é possível ratificar que esse fenômeno está estreitamente relacionado às formas materiais e simbólicas que identificam socialmente cada indivíduo. Existem diversos fatores que sustentam essa diversidade da velhice, dentre ele os que estão ligados ao gênero, à família, às gerações e ao trabalho. Com isso, certifica-se que muitas vezes não é tão bem-querida pelos idosos, estes possuem medo da dependência e da rejeição, quando questionados acerca do pensam sobre a velhice, verifica-se que suas respostas estão sempre ligadas a sentidos comuns, como “finitude”, “doença” e “problemas e limitações”. (FERNANDES E GARCIA, 2010).

Finitude

“[...] que a pessoa está se acabando devagarinho. É o fim da carreira (Sr. D, 74 anos)”.

Doença

“[...] quando uma pessoa envelhece, não tem por onde não ter uma dor de cabeça. É uma AVC [Acidente vascular Cerebral]! É um infarto! O sujeito não deixa de ser diabético, de ter pressão alta, tudo isso faz parte de velhice (Sr. G, 73 anos)”.

Medo

“[...] tenho medo, penso em ficar acamada, é disso que tenho medo (Sra. E, 66 anos)”.

Problemas e limitações

“[...] vêm na minha mente muitos problemas. A gente não é mais jovem, não é mais. Tudo muda. Mas, eu vou levando com o poder de Deus [...]. Mas, não falta problema. É mais doença, mais desprezo, limitações no corpo (Sra. N, 61 anos)”.

Feiura

“[...] na minha mente a velhice é muito feia. A velhice é muito feia! Porque a velhice só tem ruga, canseira, cansaço, o povo enjoa a gente! [...]. É uma coisa feia! (Sra. P, 70 anos)”.

É importante ressaltar que cada indivíduo vê/espera a velhice de uma forma, isso só pode ser afirmado porque a velhice é a soma de todas as experiências da vida, é o resultado de todas as decisões e escolhas feitas em seu percurso, tornando-a, assim, um fenômeno individual, onde cada um o encara de um jeito. Portanto, nada mais adequado, para o esclarecimento da velhice, do que se basearem em estudos de relatos dados pelos próprios protagonistas desse fenômeno, os idosos. (FERNANDES E GARCIA, 2010).


Violência familiar contra o idoso

Violência, segundo a Rede Internacional para a Prevenção de Abusos ao Idoso, é “o ato único ou repetido, ou a falta de uma ação apropriada, que ocorre no âmbito de qualquer relacionamento onde haja uma expectativa de confiança que cause dano ou angústia a uma pessoa mais velha”. (SILVA et al, 2008).

Para a o Ministério da Saúde as características familiares listadas a seguir, podem ser consideradas como fatores de risco para a ocorrência de violência familiar contra o idoso: várias doenças crônicas ao mesmo tempo;

  • Dependência física ou mental;

  • Déficits cognitivos;

  • Alterações do sono;

  • Incontinência urinária e/ou fecal;

  • Dificuldades de locomoção;

  • Necessidade de cuidados intensivos ou de apoio para realizar atividades da vida diária, como alimentar-se, ir ao banheiro, trocar de roupa ou tomar medicamentos.

Os idosos mais vulneráveis aos maus tratos são os dependentes física ou mentalmente, principalmente, aqueles que possuem déficits cognitivos, alterações de sono, incontinência ou dificuldades de locomoção, necessitando por isso de cuidados intensivos em suas atividades da vida diária. Situações que representam risco elevado são comuns quando o agressor é dependente econômico do idoso, quando o cuidador consome abusivamente álcool ou drogas, apresenta problemas de saúde mental ou se encontra em estado de elevado estresse na vida cotidiana. No entanto, a violência contra o idoso não chama tanto a atenção como aquela perpetrada contra mulheres e crianças. Estes casos ocupam, diariamente, destacados lugares em nossos meios de comunicação. (SILVA et al, 2008).

De acordo com o núcleo de defesa do idoso da Defensoria Pública do Distrito Federal (2015) têm-se os seguintes tipos de violência contra o idoso:

Violência Física: Uso da força física para obrigar a pessoa idosa a fazer algo que não deseja, para ferir, causar dores, incapacidade ou morte do idoso. Exemplo: tapas, socos, puxões de cabelo, empurrões, ferimentos com arma. (DEFENSORIA PÚBLICA – DF, 2015).

Violência Psicológica: Agressões verbais ou gestos que visem afetar a autoestima, a autoimagem, a identidade ou aterrorizar a pessoa idosa. Exemplo: insultos, xingamentos, ameaças, humilhações, chantagens, restrições do convívio social e familiar. (DEFENSORIA PÚBLICA – DF, 2015).

Violência Sexual: Ato ou jogo sexual realizado com a pessoa idosa, sem o desejo e o consentimento desta. Exemplo: carícias e/ou relações sexuais não desejadas pelo idoso, exibicionismo. (DEFENSORIA PÚBLICA – DF, 2015).

Violência financeira ou patrimonial: Exploração indevida da renda e apropriação do patrimônio do idoso. Exemplo: obrigar o idoso a contrair empréstimos contra a sua vontade, utilizar a renda do idoso para fins diversos do autorizado por ele, não permitir que o idoso decida sobre a destinação de sua renda e patrimônio, tomar posse dos bens do idoso ou deles dispor sem o seu consentimento. (DEFENSORIA PÚBLICA – DF, 2015).

Abuso financeiro ou material é caracterizado por extorsão e controle do dinheiro da pensão. Sobre os fatores de risco de maus tratos na relação idoso-cuidador, um estudo mostrou que 92% dos idosos com risco de sofrer maus tratos, eram beneficiários da previdência social, recebendo apenas um salário mínimo. Este também era constituído por um grupo de idosas, sobretudo viúvas, em processo de fragilização e dependência funcional, mas continuando a ser a pessoa de referência na família, por ser quase exclusivamente a principal provedora do sustento desta. Assim, uma situação de risco elevado para violência contra o idoso é aquela em que o agressor é seu dependente econômico. (MELO et al, 2008).

No Estatuto do Idoso, Capítulo II Dos crimes em espécie, Art. 102, é destacado que se apropriar de ou desviar bens, proventos, pensão ou qualquer outro rendimento do idoso, dando-lhes aplicação diversa da sua finalidade, pode levar a reclusão de um a quatro anos e multa. Sobre isso, uma pesquisa documental sobre maus tratos em idosos, revelou que das queixas registradas em um órgão oficial de denúncias contra violência, 27% destas estavam associadas à apropriação indébita de aposentadoria. Essa situação, portanto, está de acordo com a literatura e denota uma realidade social atual, onde por conta do desemprego, a renda do idoso com a aposentadoria, tem sido a principal fonte mantenedora em muitas famílias. (MENEZES et al, 2008).

 Violência Institucional: Violência praticada pelos órgãos de atendimento ao idoso, através da recusa em prestar o atendimento ou prestá-lo com má qualidade. Exemplo: fazer o idoso peregrinar por vários serviços, negar atendimento ou não garantir a prioridade à pessoa idosa, tratar com descaso ou rispidez, dificultar o acesso às informações. (DEFENSORIA PÚBLICA – DF, 2015).

 Negligência: Falta de atenção para com as necessidades da pessoa idosa. Exemplo: não prover alimentos e moradia, descuido com a saúde, segurança e higiene da pessoa idosa. (DEFENSORIA PÚBLICA – DF, 2015).

Negligência do cuidado pessoal e do ambiente de moradia se constitui numa recusa ou falha em desempenhar a obrigação de cuidar do idoso, podendo ou não envolver uma tentativa consciente ou intencional de infligir sentimento físico ou emocional a este. Ocorrências de maus tratos observadas em uma pesquisa mostraram que 67% destas se referiam a abandono do idoso, e dos que recebiam assistência da família, 38% sofriam negligência por parte desta. A negligência pode ser ativa, quando o cuidador tem conhecimento dos cuidados adequados, porém não os utiliza, ou passiva, quando há falta de conhecimento dos cuidados apropriados por parte do cuidador. Dessa forma, os idosos mais vulneráveis são os dependentes física e mentalmente. Os maus tratos ocorrem especialmente quando estes apresentam déficits cognitivos, alterações do sono, incontinência e dificuldades de locomoção, necessitando, portanto, de auxílio em suas atividades da vida diária. Em muitos casos, os maus tratos acontecem pelo estresse do cuidador. Esse, com relativa frequência, além do papel de cuidador, desempenha outras funções domésticas, atividades no trabalho e cuidados com outros membros da família. Além disso, é comum apresentarem também idade avançada e problemas de saúde, tendo que assumir, na maioria das vezes, de modo solitário o idoso dependente. (MENEZES et al, 2008).

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O Estatuto do Idoso, em seu Art.3º, parágrafo Único tópico V, mostra que é priorizado o atendimento do idoso por sua própria família em detrimento do atendimento asilar, exceto dos que não a possuam ou careçam de condições de manutenção da própria sobrevivência. Ainda no Estatuto do Idoso Capítulo II, Art. 99, diz que expor a perigo a integridade e a saúde física ou psíquica do idoso, submetendo-o a condições desumanas ou degradantes ou privando-o de alimentos e cuidados indispensáveis, quando obrigado a fazê-lo, ou sujeitando-o a trabalho excessivo ou inadequado, pode levar a pena de detenção de dois meses a um ano e multa. (MENEZES et al, 2008).

Abandono: Ausência ou recusa dos responsáveis, sejam eles familiares ou órgãos governamentais e não governamentais, em prestar socorro e auxílio à pessoa idosa que necessite de proteção. (DEFENSORIA PÚBLICA – DF, 2015).

 Autonegligência: Conduta da pessoa idosa que ameaça a sua própria saúde ou integridade física e mental. Exemplo: não se alimentar, não tomar remédios ou seguir recomendações médicas, não cuidar da higiene pessoal, acumular lixo, recusar ajuda de familiares, amigos ou de agentes públicos. (DEFENSORIA PÚBLICA – DF, 2015).

Estudos mostram como a concepção de família fundada no modelo patriarcal configura uma referência que justifica atos violentos, como assassinatos em nome da legítima defesa da honra e estupros e agressões, cometidos em nome de determinada representação da sexualidade masculina ou feminina. (SARTI, 2012, p.504)

Trata-se de entender as práticas violentas ocorridas em contextos familiares como condutas que se inscrevem numa ordem de sentido que as tornam explicáveis e, frequentemente, justificáveis do ponto de vista moral para quem age, embora contra o sistema jurídico. São condutas referidas a valores sociais que mantêm estreita relação com a concepção de família dominante na sociedade brasileira. (SARTI, 2012.)

A possibilidade de tornar visível a violência familiar

“[...] como problema social se relaciona, portanto, não só com o enfraquecimento do modelo patriarcal de família como referência social e política, mas também com a emergência da noção de individualidade, baseada no princípio da cidadania moderna que faz do indivíduo um “sujeito de direitos”. (SARTI, 2012, p.505).”

Em outras palavras, “a extensão dos direitos individuais de cidadania a mulheres, crianças e, cada vez mais, idosos, reconhecendo-os como “sujeitos de direitos”, permitiu qualificar como violência passível de punição criminal atos até então invisíveis, quando não tolerados ou legitimados pela lógica privada do modelo patriarcal instituído como lei absoluta sobre a família”. (SARTI, 2012, p.505).

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Sobre as autoras
Caroline Gabriele Trindade Queiroz

Graduada em Geografia – UNIMONTES Acadêmica do Curso de Direito – Universidade Estadual de Montes Claros / UNIMONTES

Adriana Santos Domingos

Acadêmica do Curso de Direito – Universidade Estadual de Montes Claros / UNIMONTES

Laura Costa Silva

Acadêmica do Curso de Direito – Universidade Estadual de Montes Claros / UNIMONTES

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

QUEIROZ, Caroline Gabriele Trindade ; DOMINGOS, Adriana Santos et al. O valor social do idoso e a violência no âmbito familiar: uma revisão teórica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5432, 16 mai. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/64617. Acesso em: 22 dez. 2024.

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