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Os paraísos fiscais e sua implicação mundial

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17/05/2018 às 14:10
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O DESENVOLVIMENTO INICIAL DOS PARAÍSOS FISCAIS

Durante os anos 1920 e 1930, alguns pequenos países liderados pela Suíça estavam começando a fazer um nome para si como paraísos fiscais. Liechtenstein, um pequeno principado situado entre a Suíça e a Áustria, adotou o franco suíço como moeda em 1924, e ao mesmo tempo promulgou o seu próprio Código Civil. Liechtenstein sintetizou e codificou práticas suíças e austríacas, criando uma nova forma corporativa com base no conceito de fundamentação austríaco. A nova Lei de Sociedade não impôs exigências ou restrições relativas à nacionalidade dos acionistas das sociedades em Liechtenstein.

Kuenzler sugere que um triângulo Zurich-Zug-Liechtenstein surgiu como o primeiro verdadeiro eixo dos paraísos fiscais durante os anos 1920. Algumas holding companies (segundo Nusdeo, é uma sociedade cuja totalidade ou parte de seu capital é aplicada em ações de outra sociedade gerando controle sobre a administração das mesmas) vinculadas a offshore e trusts existiam na Suíça antes da guerra, mas o número de participações aumentou implacavelmente depois de 1920. O cantão de Zurique não estava interessado em oferecer privilégios fiscais a estas holding companies, mas a elite financeira da cidade usou o mais favorável dos cantões rurais mais pobres de Glarus e Zug, os quais reformularam suas leis sob o conselho de advogados e banqueiros de Bahnhofstrasse de Zurique. Esses mesmos advogados e banqueiros aconselharam Liechtenstein. Através destas facilidades, Zurique se tornou o centro para as sociedades anônimas suiças e empresas de correspondêcia.

Luxemburgo também foi um dos primeiros países a introduzir o conceito de holding company. Nos termos da lei de 31 de Julho de 1929, essas empresas tornaram-se isentas de imposto de renda. Há evidências também de que Bermuda, Bahamas e Jersey, bem como o Panamá foram todos utilizados de forma limitada como paraísos fiscais nos anos entre guerras.


O AUGE DOS PARAÍSOS FISCAIS, 1960 - 1990

O desenvolvimento de paraísos fiscais modernos é normalmente associado com o aumento da tributação na década de 1960. Isto é um pouco enganador por duas razões. Em primeiro lugar, como vimos, os paraísos fiscais desenvolveram-se muito antes da década de 1960. Em segundo lugar, os anos 1960 foram particularmente importantes não tanto por causa do aumento da tributação nos países industriais avançados, o que de fato ocorreu, mas provavelmente, por causa de uma decisão do Banco da Inglaterra em 1957 e o surgimento do Euromarket, ou o mercado financeiro offshore no final de 1950. Em setembro de 1957, o Banco parece ter aceitado a proposição de que as transacções efetuadas pelos bancos do Reino Unido em nome de um credor ou devedor que se localizava no Reino Unido não estavam oficialmente consideradas como tendo ocorrido no Reino Unido para fins de regulamentação, embora a transação só fora registrada como tendo lugar em Londres.

O Euromarket é um mercado financeiro de 'atacado', que, devido a este entendimento implícito entre o Banco da Inglaterra e os bancos comerciais, não é regulado pelo Banco. Mas uma vez que as transações ocorrem em Londres, nenhuma outra autoridade regula o mercado e, portanto, tornou-se efetivamente regulamentada ou offshore. O desenvolvimento do Euromarket na cidade de Londres provou ser a principal força por trás de uma economia offshore integrada, centrada em Londres e incluindo remanescentes do Império Britânico.


EUROMARKET E OS PARAÍSOS FISCAIS BRITÂNICOS

Os bancos britânicos começaram a expandir suas atividades como Euromarekt em Jersey, Guernsey e Ilha de Man no início de 1960. Em 1964, eles se juntaram aos três grandes bancos norte-americanos - Citibank, Chase Manhattan e o Bank of America. Os anos 1960 viram a emergência das Ilhas Cayman e Cingapura como um paraíso fiscal. Com a I Guerra da Indo-China, sendo um antecedente para a Guerra do Vietnã, em meados da década de 1960 não foram aumentados os gastos em moeda estrangeira na região, mas um aperto do crédito ocorreu em 1967 e 1968, contribuindo para o aumento das taxas de juros no mercado do eurodólar. Como resultado, os saldos de dólar na região da Ásia-Pacífico se tornaram atraentes para muitos bancos. Cingapura respondeu através da criação de incentivos para as filiais de bancos internacionais a mudar-se para lá. Uma filial do Bank of America foi o primeiro a estabelecer um departamento especial internacional para lidar com transações para não residentes no que foi chamado de Unidade de Moeda Asiática (ACU).

Tal como acontece com todas as outras operações do euromercado, o ACU criou um conjunto separado de contas, as quais eram gravadas todas as operações com não residentes. Embora a ACU não estar sujeita ao controle de câmbio, os bancos são obrigados a apresentar relatórios mensais detalhados de suas transações com a autoridade de controle de câmbio em Cingapura.

Cingapura, atualmente, é o setor bancário privado com o crescimento mais rápido no mundo. Na verdade, o principal problema que Cingapura enfrenta atualmente em sua busca para se tornar o maior centro bancário privado do mundo, é descrito por eles mesmos como uma "escassez de talentos" - uma tênue carência de especialistas empregados que geram grandes rendimentos -, mesmo que o tal centro financeiro empregue cerca de 130.000 pessoas. O crescimento dos ativos em Cingapura tem sido fenomenal, subindo de U $ 150 bilhões em 1998 para 1,173 trilão dólares até o final de 2007.


OS PARAÍSOS FISCAIS E A EXPANSÃO GLOBAL

O relativo sucesso de paraísos fiscais europeus e do Caribe trouxeram novos operadores para o jogo. O primeiro paraíso fiscal do Pacífico foi fundado em 1966, na Ilha Norfolk, um território externo autogovernado da Austrália. O governo federal australiano buscou consistentemente bloquear o desenvolvimento do porto de Norfolk, em grande parte com sucesso para fins internacionais, mas não para os cidadãos australianos. Como Jason Sharman notou, porém, uma vez que “a Ilha Norfolk estabeleceu o precedente em 1966, em Vanuatu (1970-1971), Nauru (1972), as Ilhas Cook (1981), Tonga (1984), Samoa (1988), as Ilhas Marshall (1990) e Nauru (1994) têm-se realizado cada vez mais o método padrão das cópias de legislação dos atuais líderes no campo e, em seguida, engajam-se em concorrência feroz para os negócios que muitas vezes geradas apenas a mais fina das margens”. Todos estes paraísos introduziram uma legislação familiarizada e modelada em paraísos fiscais de sucesso, incluindo provisão para zero ou perto de zero em tributação para as empresas isentas e as sociedades não residenciais, o estilo suiço de lei de sigilo bancário, companias de lei de trust, leis de seguros offshore, bandeiras de conveniência para o transporte de frotas marítimas e locação de aeronaves, e, mais recentemente, estabelecendo leis vantajosas destinadas a facilitar o comércio electrônico e jogos de azar on-line.

Outro centro importante a ser desenvolvido mais tarde foi o Centro de Serviços Financeiros da Irlanda, em Dublin. Após o sucesso de sua zona de processamento de exportação Shannon, criada em 1959, a Irlanda estabeleceu o Centro de Serviços Financeiros da Irlanda em Dublin em 1987, com o seu regime fiscal favorável para determinadas atividades financeiras e baixa taxa de imposto sobre as sociedades (12,5% em 2008).

Em outubro de 1975, Bahrein iniciou uma política de licenciamento de unidades bancárias offshore (OBU), seguido logo por Dubai. Os anos 1980 e 1990 testemunharam uma grande proliferação de paraísos fiscais em outras regiões do mundo, tais como o Oceano Índico, África e agora repúblicas pós-soviéticas.

Até o início dos anos 1990, havia entre sessenta e cem paraísos fiscais do mundo, dependendo da definição aplica-se a um fenômeno. Mais preocupante, as estatísticas do BIS mostrou que cerca de metade dos empréstimos internacionais foram encaminhados através destes paraísos, que pelo menos um terço de todos os investimentos internacionais diretos ao estrangeiro foram encaminhados através deles, se tornaram um importante instrumento de evasão fiscal em todo o mundo e constituíram a maior drenagem em desenvolvimento de economias dos países. Com esta atividade em tamanha escala, entendeu-se que algo devia ser feito a respeito para a ocorrência de controles.

53 Países indentificados pela Receita Federal do Brasil:

A Receita considera "paraísos fiscais" países ou dependências que tributam a renda com alíquota inferior a 20%. O país, cuja legislação protege o sigilo relativo à composição societária das empresas, também é classificado pelo Brasil como "paraíso fiscal".

Veja a relação:

I - Andorra;

II - Anguilla;

III - Antígua e Barbuda;

IV - Antilhas Holandesas;

V - Aruba;

VI - Comunidade das Bahamas;

VII - Bahrein;

VIII - Barbados;

IX - Belize;

X - Ilhas Bermudas;

XI - Campione D’Italia;

XII - Ilhas do Canal (Alderney, Guernsey, Jersey e Sark);

XIII - Ilhas Cayman;

XIV - Chipre;

XV - Cingapura;

XVI - Ilhas Cook;

XVII - República da Costa Rica;

XVIII - Djibouti;

XIX - Dominica;

XX - Emirados Árabes Unidos;

XXI - Gibraltar

XXII - Granada;

XXIII - Hong Kong;

XXIV - Lebuan;

XXV - Líbano;

XXVI - Libéria;

XXVII - Liechtenstein;

XXVIII - Luxemburgo (no que respeita às sociedades holding regidas, na legisl ação luxemburguesa, pela Lei de 31 de julho de 1929) ;

XXIX - Macau;

XXX - Ilha da Madeira;

XXXI - Maldivas;

XXXII - Malta;

XXXIII - Ilha de Man;

XXXIV - Ilhas Marshall;

XXXV - Ilhas Maurício;

XXXVI - Mônaco;

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XXXVII - Ilhas Montserrat;

XXXVIII - Nauru;

XXXIX - Ilha Niue;

XL - Sultanato de Omã;

XLI - Panamá;

XLII - Federação de São Cristóvão e Nevis;

XLIII - Samoa Americana;

XLIV - Samoa Ocidental;

XLV - San Marino;

XLVI - São Vicente e Granadinas;

XLVII - Santa Lúcia;

XLVIII - Seychelles;

XLIX - Tonga;

L - Ilhas Turks e Caicos;

LI - Vanuatu;

LII - Ilhas Virgens Americanas;

LIII - Ilhas Virgens Britânicas.


OS PARAÍSOS FISCAIS SOB ATAQUE

As estatísticas surpreendentes associadas aos paraísos fiscais nos dizem que eles têm desempenhado um papel central no decorrer da evolução econômica mundial. Como poderiam os principais países industriais permitir que essas pequenas jurisdições crescessem e florescessem, aparentemente, à sua custa fiscal direta? De fato, países como os EUA, Reino Unido, França e Alemanha têm procurado ao longo do tempo fechar certas brechas, pressionar este ou aquele paraíso fiscal para alterar algumas das suas regras e políticas. Havia também algumas tentativas fracas, que datam do período entre guerras para tentar desenvolver uma resposta internacional coordenada para paraísos fiscais. Mas, francamente, muito não foi realizado. Na verdade, como as seções anteriores indicaram paradoxalmente os mesmos países, com a possível exceção da França e da Alemanha após a Segunda Guerra Mundial, foram os principais jogadores do desenvolvimento do fenômeno paraísos fiscais.

No entanto, o sentimento nos países desenvolvidos começou a mudar no final da década de 1990. Desde então, uma série de iniciativas, lideradas inicialmente por campanhas, como “concorrência fiscal prejudicial” da OCDE, começaram a ganhar força. Jason Sharman expôs esses esforços, em grande parte, argumentando que os paraísos fiscais foram capazes de explorar as contradições da campanha da OCDE, por exemplo, o tratamento preferencial que deu seus próprios membros como a Suíça e Luxemburgo. No entanto, apenas três anos depois, pode-se dizer que os paraísos fiscais estão agora sob maior ameaça do que nunca. Enquanto a preocupação com os paraísos fiscais remonta um longo tempo, seu impacto total sobre a economia mundial teve um longo tempo para amadurecer e parece agora ser apreciado com mais intensidade pelos líderes da União Europeia. Embora a campanha da OCDE ter sido em grande parte na crise, a UE tem emergido como uma líder mais eficaz para tratar da questão dos paraísos fiscais e as suas consequências econômicas. Se, no entanto, o importante apoio dos EUA proporcionaria o passo seguinte, sob a administração de Obama continua a ser avaliada. Tanto as administrações de Clinton e as de George W Bush estiveram alertas para o problema.

A administração de Clinton foi um dos condutores dos esforços multilaterais contra os paraísos fiscais. Mas um dos primeiros atos da administração Bush estava a retirar o apoio aos esforços multilaterais para combater a concorrência fiscal prejudicial. O presidente Obama, no entanto, sinalizou suas preocupações sobre os paraísos fiscais enquanto ele ainda era um senador. Neste ponto, a pressão sobre os paraísos fiscais está se intensificando. O G-20 de Londres Communiqué dedica uma seção inteira de propostas para uma nova regulação dos paraísos fiscais. Alguns prevêem que o sigilo bancário seja improvável para sobreviver na sua forma atual, ainda mais no tardar do século XXI. No entanto, apesar da crescente pressão sobre os paraísos fiscais, as mais recentes estatísticas do BIS não mostram declínio no volume total de dinheiro que passa por eles.

Como exemplo, uma das reuniões com esse assunto em pauta obteve a agenda composta por projetos da OCDE/OMA/BRICS, especialmente, o combate à erosão da base tributária, questão da transferência de lucros, formação de opiniões convergentes em fóruns multilaterais e troca automática de informações tributárias e aduaneiras. Pascal Saint-Amans, diretor de Política Tributária da OCDE, destacou que os esforços dos países que compõem o grupo estão voltados especialmente para a neutralização de estratégias que permitem a dupla não tributação de recursos, erodindo a base tributária de vários países. Amans citou estimativas de que apenas as companhias norte-americanas têm cerca de dois trilhões de dólares de lucros mantidos em paraísos fiscais, ou seja, que não foram tributados em nenhum lugar.Os paraísos fiscais podem atingir proporções não desejáveis à economia mundial, visto que pode ser alvo do crime financeiro, o qual é uma das maiores ameaças ao bem-estar econômico das pessoas de todos os países.

Atividades financeiras ilícitas como evasão fiscal, corrupção, financiamento do terrorismo, lavagem de dinheiro e dentre outros, são problemas globais que demandam atenção mundial. Por isso é necessário uma grande cooperação mundial orientada por grupos como G-20, OCDE, GAFI/FATF e muitos outros. Assim como atenta o art. 4º da nossa Constituição Federal, em seu inciso IX, o qual traz como um dos princípios de relação internacional a “cooperação entre os povos para o progresso da humanidade”, visto que esse é um tema crucial para o mundo como um todo.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ESTRELA, Pedro. Os paraísos fiscais e sua implicação mundial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5433, 17 mai. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/64618. Acesso em: 18 abr. 2024.

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