Os desafios da cyberpropaganda nas eleições 2018

08/03/2018 às 16:42
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É certo afirmar que as eleições de 2018 serão uma das mais virtualizadas de todos os tempos?

No Brasil, o acesso à internet na última década saltou, segundo dados do IBGE, de 7,2 milhões para 39,3 milhões de casas conectadas. Em 2016, éramos 116 milhões de pessoas conectadas à internet, o equivalente a 64,7% da população brasileira com idade acima de 10 anos. O número de smartphones já supera a marca de 208 milhões de aparelhos, o que representa a proporção de 1 aparelho por habitante no país, segundo dados da 28ª Pesquisa Anual de Administração e Uso de Tecnologia da Informação realizada pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP).

Atualmente, superamos a marca de 147 milhões de eleitores e, nesse universo tecnológico de informação, não há como menosprezar o poder da internet para a divulgação de propaganda eleitoral em velocidade e alcance antes inimagináveis.

A propaganda eleitoral na internet passou a ser prevista no art. 57-A da Lei das Eleições a partir da minirreforma promovida pela Lei nº 12.034/09, sendo permitida em sítio do candidato, partido ou coligação; por meio de mensagens eletrônicas, blogs, redes sociais, sítios de mensagens instantâneas e aplicações de internet cujo conteúdo seja gerado ou editado por candidatos, partidos ou coligações, e até mesmo por pessoas naturais, desde que estas não contratem impulsionamento de conteúdos.

Com o advento da Lei nº 13.488/17, que alterou dispositivos da Lei nº 9.504/97, ficou proibida a veiculação de conteúdos de cunho eleitoral mediante cadastro de usuário de aplicação de internet com a intenção de falsear identidade (fakes), bem como a utilização de impulsionamento de conteúdos e ferramentas digitais não disponibilizadas pelo provedor da aplicação de internet, ainda que gratuitas, para alterar o teor ou a repercussão de propaganda eleitoral, tanto próprios quanto de terceiros. Vedou ainda a veiculação de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga na internet, excetuado o impulsionamento de conteúdos, desde que identificado de forma inequívoca como tal e contratado exclusivamente por partidos, coligações e candidatos e seus representantes.

Com a universalização da internet, aliado ao impacto do estabelecimento de limites cada vez mais estreitos de gastos de campanha, candidatos, partidos e coligações, a cada eleição, vêm migrando com maior força para a propaganda eleitoral por meio das redes sociais, cujo custo se mostra consideravelmente menor, quando comparado às demais formas de propaganda tradicionais.

Nesse contexto, surgem como desafios da legislação eleitoral lidar com certos, digamos, “efeitos colaterais” decorrentes do abuso do direito fundamental da livre expressão do pensamento, bem como da distorção do conceito da livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença, valores consagrados no art. 5º, IV e IX da Constituição Federal.

Com lastro no falso supedâneo da liberdade de expressão, as fake news – notícias falsas – têm sido veiculadas e ruminadas com as mais diversas finalidades, que vão desde o mero humorismo sarcástico até a desconstrução sistemática de axiomas para o estabelecimento de novos padrões sociais.

Sob o efeito desse fenômeno digital, as últimas eleições presidenciais norte-americanas e francesas, que elegeram, respectivamente, Donald Trump e Emmanuel Macron, passaram a ser consideradas paradigmáticas quanto à ação das fake news nos pleitos eleitorais, o que levou o Tribunal Superior Eleitoral – TSE a criar uma força-tarefa com a participação de representantes do Ministério da Defesa e da Agência Brasileira de Inteligência – Abin.

O fenômeno das fake news, por essência, baseiam-se em fato inverídico travestido de verdade com forma de notícia. No espectro eleitoral, tal fato necessariamente precisa possuir um plus de relevância tal, a ponto de causar um efeito positivo ou negativo em determinada candidatura.

Portanto, para que as fake news sejam puníveis na seara eleitoral, não se exige tão somente a distorção de um fato verídico. É a distorção do fato, ou mesmo a criação de fato inexistente para o fim específico de beneficiar determinado candidato, ou de desconstruir a imagem pública de candidato a cargo eletivo.

Todavia, importante destacar que as fake news, por si só, não constituem tipo específico de conduta ilícita, sendo necessário que o caso concreto se adeque a uma das situações tipificadas na legislação eleitoral.

No âmbito penal-eleitoral, o conteúdo de uma fake news poderá constituir crime de: divulgação de fatos sabidamente inverídicos e relação a partidos ou candidatos, capazes de exercerem influência perante o eleitorado (Código Eleitoral, art. 323); calúnia (Código Eleitoral, art. 324); ou injúria (Código Eleitoral, art. 326). Tais condutas deverão ser apuradas por meio da competente ação penal.

Na esfera cível-administrativa-eleitoral, prevê o § 1º do art. 22 da Resolução TSE nº 23.551/2017, que “a livre manifestação do pensamento do eleitor identificado ou identificável somente é passível de limitação quando ocorrer ofensa à honra de terceiros ou a divulgação de fatos sabidamente inverídicos”. Assim, as fakenews serão consideradas propaganda irregular quando houver ofensa à honra de terceiros (candidatos, partidos ou coligações) ou a divulgação de fatos sabidamente inverídicos acerca destes, sujeitando o usuário responsável pelo conteúdo e, quando comprovado seu prévio conhecimento, o beneficiário, a multa de 5 a 30 mil reais ou valor equivalente ao dobro da quantia despendida, se esse cálculo superar o limite máximo da multa, por meio de representação de que trata o art. 96 da Lei nº 9.504/97, instruída com prova da autoria ou do prévio conhecimento do beneficiário.

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Além das fake news, há outros fenômenos ligados à internet que poderão ter efeitos na propaganda eleitoral, como as junkie news e os aparentemente inocentes memes.

Por junkie news, que poderíamos traduzir livremente por “viciados em notícias”, entendem-se a propagação de notícias, ainda que verdadeiras, que vez ou outra ressurgem em outro cenário espaço-temporal. Diferentemente das fake news, tais notícias são verossímeis, porém não atuais. Na propaganda eleitoral, determinadas notícias passadas poderão ressurgir propositadamente no intuito de manter viva uma lembrança ou fato passado que possa beneficiar ou difamar determinado candidato, partido ou coligação, constituindo, em tese, o crime de difamação, tipo previsto no art. 325, caput, do Código Eleitoral.

Por fim, e não menos importante, os memes, termo de origem grega que significa “imitação”, refere-se a um fenômeno que objetiva rápida “viralização”, por seu conteúdo, geralmente engraçado, nas redes sociais. Na propaganda eleitoral ganhou notoriedade para a promoção de políticos “alternativos”, cujos bordões engraçados acabaram cativando grande número de votos. Apesar de tal característica, geralmente no sentido de promover candidaturas, eventualmente os memes também poderão ter como mote a ridicularização de candidatos, situação que deve também ser observada com atenção e reprimida, caso resulte em ofensa à honra de terceiros.

De toda forma, o princípio norteador da propaganda eleitoral na internet é o da liberdade de manifestação do pensamento do eleitor identificado ou identificável (portanto, vedado o anonimato), sendo a atuação da Justiça Eleitoral em relação a conteúdos divulgados na internet, realizada com a menor interferência possível no debate democrático (art. 33 da Resolução TSE nº 23.551/17).

Em que pese a veiculação de propaganda por fakes (perfis falsos) ou bots (robôs virtuais que simulam ações humanas) esteja passível de medida judicial para a remoção de conteúdo (art. 23, § 2º c/c art. 33, § 2º da resolução TSE nº 23.551/17), a ausência de identificação imediata do usuário responsável pela divulgação do conteúdo não constitui circunstância suficiente para o deferimento do pedido de remoção, e somente será considerada anônima caso não seja possível a identificação dos usuários após a adoção das providências previstas nos arts. 10 e 22 da Lei nº 12.965/14 (Marco Civil da Internet), que tratam da guarda, disponibilização e fornecimento dos registros de conexão e de acesso a aplicações de internet.

Se as Eleições Gerais de 2018 serão decididas na propaganda eleitoral pela internet, apenas o futuro dirá. O fato é que estaremos diante da campanha eleitoral mais virtualizada de todos os tempos. Além dos desafios tecnológicos, há também o desafio de combater a desinformação disseminada pelos fenômenos virtuais, com o antídoto eficaz da informação.

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Sobre o autor
JOSE SEIXAS DE OLIVEIRA

Bacharel em Direito, Especialista em Direito Eleitoral e em Direito Processual Civil, Analista Judiciário e Assessor Jurídico do TRE-AP. Cristão, músico, esposo e pai.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Esclarecimentos sobre os fenômenos da internet e a aplicação das regras atinantes á propaganda eleitoral na internet.

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