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O direito real de superfície e o seu reingresso no ordenamento jurídico brasileiro

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22/03/2005 às 00:00
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CAPÍTULO III – ABORDAGEM TEÓRICA E O DIREITO DE SUPERFÍCIE NO NOVO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO E NO ESTATUTO DA CIDADE

3.1 – ABORDABEM TEÓRICA

Serão pontuados na seqüência alguns aspectos concernentes a uma abordagem teórica do direito de superfície que não podem deixar de ser transcritos. Observar-se-á que determinados assuntos já foram tratados anteriormente, mas para um ordenamento dos pensamentos, se faz necessária uma nova construção. Antes, porém, de forma preliminar, será exposto um breve cotejo do tema com um princípio que se mostra de suma importância para a compreensão do seu escopo.

3.1.1 – A Função Social da Propriedade e o Direito de Superfície

Os direitos reais estão colocados como um meio ou instrumento de utilização do que de alguma forma pertence ao indivíduo. O direito real por excelência, e um dos direitos mais absolutos consagrados pelo ordenamento jurídico passado, é o direito de propriedade. No Código Civil de 1916 o ideal de propriedade tinha como ponto de partida o privilégio ao indivíduo. Toda força era dada a ele para que, no aspecto estrutural, pudesse usar, gozar, dispor e reivindicar a coisa conforme quisesse. Eram os preceitos do Estado Liberal. Haviam certas limitações entretanto, como o direito de vizinhança p. ex., mas que não desvirtuavam esta característica. Todavia, as mudanças ocorridas na sociedade influenciaram esta ideologia que vigorava, e o Estado passou a adotar, num aspecto funcional, uma postura intervencionista, onde o homem não seria mais livre como antes. Era necessário uma interferência do poder público no uso da propriedade para controlar (nunca de forma excessiva) os interesses unicamente privados. Não seria retirado do dono os poderes de usar, gozar e dispor, devendo exercer seu domínio como melhor lhe coubesse, mas obedecendo os ditames sociais.

Grande parte destas mudanças culminaram com a Constituição de 1988, que dentre os destaques que nos interessam, trouxe a função social da propriedade de forma expressa no artigo 5º, XXIII, além das menções nos artigos 183 e 191 estabelecendo formas de tomada pelo uso obedecendo a função social [66].

No entanto, quando do advento da Constituição, o Código Civil de 1916 já vigorava sobre a égide dos ditames anteriores. Deveria então haver uma aplicação simétrica do ideal anterior com o novo, porém a doutrina e a jurisprudência não perceberam bem esta mudança e a figura não alcançou a repercussão que deveria.

E datas recentes, surgiram algumas leis que colocaram em voga o princípio da função social da propriedade. O Estatuto da Cidade trouxe em seu bojo mecanismos concernente ao tema sobre a utilização do solo a fim de promover o bem estar social. O Novo Código Civil também absorveu essas mudanças e veio ratificar o segmento.

Muitos pensam que este ideal da função social fragiliza o direito de propriedade, o que vem a ser um engano. Segundo pensamento do jurista Humberto Theodoro Junior, a função social não é meio jurídico, e sim meio social aplicado ao ramo jurídico. Não há prejuízo pois não é da natureza do instituto, visa apenas evitar prejuizo à sociedade [67]. Segundo Sylvio Capanema de Souza, partilhando mesma opinião, a função social visa dar um enfoque ao direito em consonância com a ideologia social para não haver prejuízo à sociedade [68].

Dentro de todo este enfoque anteriormente dito, a figura do direito de superfície que fora incluída no ordenamento brasileiro, tem grande relevância pois atua como uma destas formas de se conseguir que a propriedade alcance sua função social. Como já foi dito, o Estatuto da Cidade e o Novo Código Civil trouxeram meios para fomentar o uso conforme o ideal social, e dentre estes, o tema em estudo revela relevante atuação.

Desta forma, se uma propriedade estiver de forma ociosa sem um uso que seja relevante nem mesmo para o dono, este pode conceder a outrem o direito de superfície para lhe dar uma destinação satisfatória dentro do panorama social. Anteriormente, uma solução para este problema era a enfiteuse, mas daí poderia resultar uma prejuízo ao dono devido a perpetuidade atinente ao instituto. Com a superfície não há este efeito. A concessão far-se-á por prazo determinado ou indeterminado, mas não de forma perpétua (trataremos deste assunto posteriormente), ou seja, com o fim da concessão, a propriedade retornaria ao domínio pleno do dono. Daí nota-se que há o uso da propriedade obedecendo a função social e não haverá o prejuízo ao dono que receberá o valor pactuado (se houver) e não ficar privado de algum dos poderes inerentes ao domínio de forma definitiva. Continuando nesta abordagem, é evidente que entre deixar a propriedade

sem utilização onde não trará benefício algum ao dono ou a sociedade, e, dá-la em concessão de direito de superfície para que o concessionário a aproveite de maneira a proporcionar vantagem a si e sem malefícios ao meio social, é preferível esta opção. É neste propósito que a lei maior vislumbrou este pensamento

Passado este momento, será dada continuidade a abordagem teórica do tema.

3.1.2 – Partes da Relação Superficiária

A grosso modo, o direito de superfície é o direito vindo de uma concessão de um sujeito a outrem para que nele se possa construir, plantar ou outro fim especificado. É uma concessão para se construir ou plantar em solo alheio. Desta forma, há a figura do concedente, que é o proprietário do solo (dominus soli), que outorga a outra pessoa o direito de construir ou plantar em solo seu. Pode também alienar construção existente ou parte da propriedade. Do outro lado temos o concessionário ou superficiário, a quem é dado o direito de se utilizar de solo alheio, par construir ou fazer plantação, ou ainda, a quem é dada a propriedade do solo (somente), construção ou plantação. É o dono da propriedade superficiária.

Importante dizer, conforme salienta Fernando Dias Menezes de Almeida, que quem pode conceder o direito de superfície é exclusivamente o proprietário do terreno, por livre vontade sua. O poder público não pode impor vontade ao dono [69]. Continua narrando, em valiosos dizeres, que pode o poder público fazer como se particular fosse, e conceder superfície sobre suas terras, visto que não se trata de alienação de bem público e sim de cessão voluntária a

temporária do domínio útil, não ferindo então o princípio da inalienabilidade dos bens públicos. Outra questão interessante versa sobre os condomínios. Já foi dito que só o dono pode conceder tal direito, e como no condomínio existem vários donos, somente com a concordância de todos, pode haver a concessão.

Indagação importante é feita por Ricardo Lira quando pergunta se será possível constituir direito de superfície sobre a propriedade separada superficiária ou direito de superfície sobre direito de superfície. Existe o chamado direito de Sobrelevação? [70]. Sobre a sobrelevação, compara dizendo que é a figura do Direito de Laje, nas favelas do Rio de Janeiro [71]. Em resposta elaborada por ele mesmo, diz que na Itália, o objeto não é somente a construção, mas com ênfase maior, o solo sobre o qual esta última se eleva, permitindo portanto a sobrelevação. No direito suíço, há também esta possibilidade, pois a superfície passa a ser de propriedade do superficiário, e este pode conceder outro direito de superfície sobre seu direito de superfície. É dito pelo autor que em nossa doutrina relativa à propriedade horizontal não se pode admitir propriedades distintas superpostas sem a propriedade indivisa do solo por parte de todos os proprietários distintos.

3.1.3 – Direitos e Deveres das Partes e Objeto do Direito de Superfície

Visto quem pode ser parte, cumpre destacar quais são seus possíveis direitos e deveres [72]. É certo que o legislador não elencou a todos e de forma explícita, mas em linhas gerais, será traçado um paralelo, sem pretensão de exauri-los.

São direitos do concessionário:

a)utilizar a parte do imóvel que não faz parte da concessão, inclusive o subsolo e espaço aéreo, obedecendo eventuais restrições;

b)se oneroso, receber o pagamento do valor estipulado (canon ou solarium);

c)exercer a preferência em caso de alienação da superfície;

d)proceder a resolução da superfície pelo advento do termo, se temporária, se o superficiário não edificar ou plantar no prazo estipulado, ou se o fizer em desacordo com o pactuado, ou se der destinação diversa da prevista;

e) constituir gravames reais sobre o solo;

f)tornar-se dono da construção ou plantação se extinta a superfície, indenizando ou não o concessionário.

Como seus deveres e obrigações temos:

a)não praticar atos que impeçam ou prejudiquem a concretização ou o exercício do objeto do direito de superfície;

b)dar preferência ao superficiário na aquisição da propriedade do solo, caso esta se faça a título oneroso.

Quanto ao concessionário ou superficiário, podemos dar como seus direitos:

a)utilizar a superfície do solo de outrem, conforme avençado;

b)usar, gozar e dispor da construção ou da plantação superficiário como coisa sua, separada da propriedade do solo;

c)onerar com ônus reais a construção ou plantação, que se extinguirão com o termo final da concessão da propriedade superficiária;

d)a faculdade de hipotecar seu direito de superfície;

e)exercer o direito de preferência na aquisição do solo, caso o proprietário a aliene a título oneroso;

f)reconstruir a edificação ou refazer a plantação, caso pereça, enquanto durar a concessão.

Como suas obrigações, mencionamos:

a)se for onerosa a concessão, deve pagar o valor ajustado (canon ou solarium);

b)utilizar-se do direito da superfície conforme pactuado;

c)responder pelos encargos e tributos que incidam sobre a propriedade superficiária, enquanto durar a concessão;

d)conservar a obra superficiária sem demoli-la;

e)dar preferência ao dono do solo à aquisição da propriedade superficiária, caso se faça a título oneroso.

Agora, falando do objeto do direito de superfície, pode ser relativo à construção (ad aedificandum) ou plantação (ad plantandum). Encontramos na doutrina tratamento para a primeira como edilícia e para a segunda como rústica, agrária, agrícola ou vegetal. No direito romano não era prevista esta forma de superfície vegetal, e nem todos os ordenamentos admitem as duas formas, permitindo ou um ou outro.

Apesar de ter como centro construções e plantações, podemos encontrar sobre vários objetos. Expandindo a idéia de construção pode-se ter direito de superfície sobre pontes, edifícios, diques, muros, monumentos ou até sobre uma pluralidade de construções, bancos de praça ou igrejas, camarotes e cadeiras de teatro ou estádios [73], porém não a uma parte de uma construção [74]. Como plantação englobamos toda formação vegetal existente em um terreno, podendo ser até mesmo uma floresta ou uma árvore isolada [75]. Neste ponto, diz Bruno de Albuquerque Baptista que paira certa controvérsia. Sustenta que José de Oliveira Ascensão, em artigo específico sobre o tema, se posiciona no sentido de que a direito de superfície agrícola só pode ser concedido se seu objeto não for culturas efêmeras ou passageiras, como o milho por exemplo, mas admite igualmente sobre árvore isolada [76].

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3.1.4 – Constituição do Direito de Superfície

A constituição do direito de superfície é outro ponto que merece destaque.

No direito romano, constituía-se por contrato ou por ato de última vontade. Igualmente pode-se dizer do direito moderno. Para o testamento exige-se que o testador seja dono do imóvel e que tenha capacidade para testar. Mônica Castro em artigo diz que silenciou o legislador a respeito da constituição por testamento, mas esta forma sustentada pela doutrina coaduna-se as inteiras com nosso ordenamento [77]. Entretanto, no que tange ao contrato, não basta simplesmente o acordo de vontade entre concedente e concessionário, deve ainda ser transcrito e registrado no Cartório de Registro de Imóveis, justamente para se dar a publicidade dos direitos reais e conferir sua prerrogativas. O contrato superficiário é solene, devendo ser obedecida forma prevista para a constituição de direitos reais sobre imóveis.

Dada a relevância, será aberto um item apartado para tratar da possibilidade de aquisição do direito de superfície por usucapião.

3.1.4.1 – Direito de Superfície e sua constituição por Usucapião.

Tratados os modos de constituição da superfície em sues modos gerais, um deles, por ser controvertido, merece exaltação. É a constituição por meio de usucapião.

Em linhas gerais, o usucapião é um modo originário de aquisição da propriedade vinda pelo decurso de certo lapso temporal em conjunto com outros requisitos exigidos pela lei, como a posse mansa e pacífica e o animus de dono. Parte da doutrina segue a posição de que é perfeitamente possível constituir o direito de superfície por este modo, mesmo dizendo que é modalidade rara e difícil de acontecer [78]. Dizem que o usucapião extraordinário é mais conturbado, pois, até mesmo pela acessão, ao se ter posse da coisa superficiária, também se daria a posse do solo onde se encontra, além de que, pelo mesmo prazo, se adquiriria a propriedade do imóvel. Referindo-se ao usucapião ordinário, José Guilherme Braga Teixeira [79] admite em caso de concessão anterior a non domini, podendo ocorrer contra o proprietário do imóvel desde que obedecesse o tempo previsto e não carecesse de boa-fé. O Código Civil Português prevê de forma expressa a possibilidade de constituição por contrato, testamento e também por usucapião.

Ricardo Lira defende tese contrária, alegando não conseguir vislumbrar como possa o direito de superfície constituir-se pela via do usucapião [80]. Diz que quanto a propriedade superficiária não haveria dificuldade no plano dogmático, mas no caso prático a história muda de figura. Alega que não se pode chegar a posse de uma construção sem lançar mão do solo a qual está edificada. No concernente a concessão para construir ou plantar, diz não ver, pelo menos em face do nosso ordenamento, como aceitar o usucapião ordinário, fundado em título outorgado a non domini. Cita Orlando Gomes, onde esclarece aceitar o usucapião da coisa superficiária e rejeitar a possibilidade do usucapião relativo ao direito de edificar ou plantar em solo alheio, pois carecerá de posse da coisa, e não há como conceber a posse do direito, porque o seu exercício se cumpre mediante a construção [81]. Contudo, diz que haveria um único caso em que possa admitir a aquisição por usucapião do direito de superfície. Seria a aquisição de coisa superficiária sobre solo público. Como se sabe, não pode ocorrer a prescrição aquisitiva sobre imóvel público dada a sua característica da imprescritibilidade. Este bem não é passível de usucapião (de domínio) por não ser objeto hábil. Desta forma, não haveria usucapião do domínio, sendo que este e a propriedade ainda pertenceriam a pessoa pública. É por isso que se admite o usucapião do direito de superfície em terreno público, nem tanto pelo animus de dono do superficiário, mas pela impossibilidade de usucapião do domínio.

Dado os relatos apresentados, e teses pós e contra a aquisição por usucapião, pode-se dizer que a constituição do direito de superfície, conforme a doutrina pode operar-se por contrato, por testamento ou por sentença judicial (vinda do usucapião).

A transmissão do aludido direito pode ocorrer de forma parecida. Transmite-se por contrato de cessão devidamente registrado em cartório, por sucessão hereditária e por usucapião, para quem admite.

3.1.5 - Duração, extinção e Proteção do Direito de Superfície

Referindo-se a respeito da duração do direito de superfície, é dito que varia conforme o tratamento que o ordenamento jurídico dá a matéria. Pode ser por prazo estipulado ou não, e com isso, temporário, indeterminado ou perpétuo. Há quem veja diferença entre prazo indeterminado e perpétuo. Em alguns países como Suíça, Alemanha, Itália e Portugal, pode ser tanto temporário como perpétuo. Em outros como Áustria, que o dá por tempo de 30 a 80 anos, ou Bélgica e Espanha que o admitem por 50 anos, o prazo é determinado. Voltaremos a esta questão quanto tratarmos da duração no Novo Código Civil e no Estatuto da Cidade.

Será objeto de estudo agora a extinção do direito de superfície. São reunidas pelos autores várias causas ensejadoras da extinção ou fim do direito

comentado. Dentre elas pode-se citar [82]:

a)pelo advento do termo, onde é estipulado um tempo certo e esse chega ao fim;

b)pelo descumprimento das obrigações assumidas pelo superficiário, quando a resolução do direito for conseqüência prevista;

c)pelo não exercício do direito de construir ou plantar dentro do prazo legal. Esta forma é também chamada de decadência. Algumas legislações prevêem um prazo legal ou contratual para o exercício. Em Portugal, salvo disposição contratual, o prazo é de 10 anos. Na Itália, são 20 e na Espanha, são 5 anos ;

d)pela renúncia do direito pelo superficiário, que deverá ser expressa e se revestir de forma adequada para o cancelamento, inclusive no Cartório de Registro de Imóveis;

e)pelo distrato ou rescisão bilateral do contrato, onde as partes desfazem a concessão, que deve ser averbado e levado a registro;

f)pelo perecimento do objeto, pois se este não mais existe, não há mais onde recair o direito. Porém, se o perecimento ocorrer somente sobre a propriedade superficiária, é possível que o concessionário a refaça, desde que não haja estipulação em contrário;

g)pela confusão, quando se reúne sobre a mesma pessoa a propriedade do solo e da superfície, não havendo mais o direito sobre imóvel alheio. Se dá quando o superficiário adquire a propriedade do solo, ou vice-versa, ou ainda quando terceira pessoa adquire ambas;

h)pela desapropriação, quando há o interesse da coletividade sobre o imóvel. Neste caso dá-se a extinção tanto do direito de superfície quanto do direito de propriedade do dono do solo. Caberá então indenização também ao concessionário, na proporção de seu direito. Se a desapropriação for parcial, não afetando a concessão, entende-se que esta não se extingue.

Com a extinção, o principal efeito proveniente é a retomada do proprietário do solo da construção ou plantação. Isto não ocorrerá se a extinção vier pelo perecimento do solo ou da desapropriação. Reverte-se a coisa superficiária ao dono do solo [83]. Já foi mencionado anteriormente que o direito de superfície é uma causa de suspensão ou de não incidência do princípio

superficies solo cedit. Com isso, a regra da acessão fica, enquanto durar a concessão, inaplicada. Porém, quando termina o direito referido, a regra de que a superfície acede ao solo retoma seu poder, e a coisa superficiária volta para a propriedade do dono do solo. Quanto ao caso de indenização vinda do termino da concessão, analisaremos posteriormente.

Findando esta abordagem, será proferido um estudo sobre a proteção do direito de superfície.

Nas linhas de Ricardo Lira encontra-se o seguinte:

"...goza o superficiário das pretensões fundadas no direito de propriedade, como titular da propriedade separada superficiária, e como possuidor da edificação ou plantação e do solo edificado ou plantado, goza de proteção possessória em geral." [84]

Já se defendia no direito romano que o interdito que protegia a superfície era um interdito quase possessório.

É de se notar que há uma dominação direta do superficiário decorrente

do direito real sobre o objeto da concessão, atribuindo-se a ele a oponibilidade erga omnes (fazendo valer seu direito contra todos), e o direito de seqüela (para buscar a coisa onde e nas mãos de quem quer que esteja). Por esta razão, é sustentado por Rogério José Pereira Derbly que as ações destinadas a protegê-lo dirigem-se contra quem esteja na posse do bem de vida de seu titular [85].

Por fim, cabe então ao detentor do direito de superfície, ao se tornar

proprietário da propriedade superficiária, a proteção através da ações petitórias (reivindicatória, negatória e confessória) e, por ser possuidor, as ações possessórias, além de assistir-lhe o direito de beneficiar-se, por ser proprietário e ter a posse do bem, das ações de embargos de terceiro, de nunciação de obra nova e de dano infecto.

3.2 - DIREITO DE SUPERFÍCIE NO NOVO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO E NO ESTATUTO DA CIDADE

Já viu-se que dois diplomas legais vigentes em nosso ordenamento fazem referência expressa ao direito de superfície. Desta forma, não se pode negar sua atual existência no sistema jurídico brasileiro.

O Estatuto da Cidade – Lei 10.257/ 2001 – foi quem primeiro reviveu o instituto entre nós, todavia, não era ainda elencado no rol numerus clausus dos direitos reais. Posteriormente, com sua previsão também no Novo Código Civil – Lei 10.406/ 2002 –foi erigido finalmente a categoria de direito real, que o é, sendo elencado na dita lista. A primeira lei mencionada tem mecanismos que visam traçar diretrizes para uma política urbana, mas mesmo com esse ponto de vista urbanístico, o legislador cuidou de matéria civil [86]. A segunda regulamenta todo a sistemática geral da vida civil, substituindo o Código de 1916. Entretanto, o instituto comporta tratamento tanto pelo ângulo de vista do direito civil, como pelo do direito urbanístico, em perspectivas que se complementam [87].

Pode haver divergência entre os autores sobre qual diploma legal irá regular a matéria, pois ambas as leis disciplinam o instituto. Segundo Silvio de Salvo Venosa é de se perguntar se, no conflito de normas, o novo código, como lei posterior, derrogará os princípios do estatuto" [88] Sabe-se que o Estatuto da Cidade entrou em vigor anteriormente ao novo Código Civil, e se for seguida a regra que a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior, a solução será aplicar o Código Civil. Entretanto, prosseguindo conforme o mesmo autor tem-se:

"...se levar-mos em conta que o Estatuto da Cidade instituiu um microssistema, tal como o Código de Defesa do Consumidor e a Lei do Inquilinato, portanto, sob esta óptica, o Estatuto vigorará sobranceiro, em princípio, sobre as demais leis, ainda que posteriores" [89].

A matéria é polêmica e ainda será objeto de grandes discussões. O que se sabe é que a tendência atual vai pela vertente de que o Estatuto dirige-se exclusivamente ao caráter urbanístico (situações de Plano Urbano e Plano Diretor, p.ex.), e o Código Civil regulará as relações de caráter privado e, incontestavelmente, aos imóveis rurais.

Antes de traçar um paralelo entre as previsões de cada diploma legal, será de suma importância apresentar, como ponto de partida, o que dizem ambos.

No Novo Código Civil, sobre o direito de superfície é dito:

"Art. 1.369. O proprietário pode conceder a outrem o direito de construir ou de plantar em seu terreno, por tempo determinado, mediante escritura pública devidamente registrada no Cartório de Registro de Imóveis.

Parágrafo único. O direito de superfície não autoriza obra no subsolo, salvo se for inerente ao objeto da concessão.

Art. 1.370. A concessão da superfície será gratuita ou onerosa; se onerosa, estipularão as partes se o pagamento será feito de uma só vez, ou parceladamente.

Art. 1.371. O superficiário responderá pelos encargos e tributos que incidirem sobre o imóvel.

Art. 1.372. O direito de superfície pode transferir-se a terceiros e, por morte do superficiário, aos seus herdeiros.

Parágrafo único. Não poderá ser estipulado pelo concedente, a nenhum título, qualquer pagamento pela transferência.

Art. 1.373. Em caso de alienação do imóvel ou do direito de superfície, o superficiário ou o proprietário tem direito de preferência, em igualdade de condições.

Art. 1.374. Antes do termo final, resolver-se-á a concessão se o superficiário der ao terreno destinação diversa daquela para que foi concedida.

Art. 1.375. Extinta a concessão, o proprietário passará a ter a propriedade plena sobre o terreno, construção ou plantação, independentemente de indenização, se as partes não houverem estipulado o contrário.

Art. 1.376. No caso de extinção do direito de superfície em conseqüência de desapropriação, a indenização cabe ao proprietário e ao superficiário, no valor correspondente ao direito real de cada um.

Art. 1.377. O direito de superfície, constituído por pessoa jurídica de direito público interno, rege-se por este Código, no que não for diversamente disciplinado em lei especial." [90]

Já no Estatuto da Cidade, lê-se o seguinte:

"Art. 21. O proprietário urbano poderá conceder a outrem o direito de superfície do seu terreno, por tempo determinado ou indeterminado, mediante escritura pública registrada no cartório de registro de imóveis.

§ 1º O direito de superfície abrange o direito de utilizar o solo, o subsolo ou o espaço aéreo relativo ao terreno, na forma estabelecida no contrato respectivo, atendida a legislação urbanística.

§ 2º A concessão do direito de superfície poderá ser gratuita ou onerosa.

§ 3º O superficiário responderá integralmente pelos encargos e tributos que incidirem sobre a propriedade superficiária, arcando, ainda, proporcionalmente à sua parcela de ocupação efetiva, com os encargos e tributos sobre a área objeto da concessão do direito de superfície, salvo disposição em contrário do contrato respectivo.

§ 4º O direito de superfície pode ser transferido a terceiros, obedecidos os termos do contrato respectivo.

§ 5º Por morte do superficiário, os seus direitos transmitem-se a seus herdeiros.

Art. 22. Em caso de alienação do terreno, ou do direito de superfície, o superficiário e o proprietário, respectivamente, terão direito de preferência, em igualdade de condições à oferta de terceiros.

Art. 23. Extingue-se o direito de superfície:

I – pelo advento do termo;

II – pelo descumprimento das obrigações contratuais assumidas pelo superficiário.

Art. 24. Extinto o direito de superfície, o proprietário recuperará o pleno domínio do terreno, bem como das acessões e benfeitorias introduzidas no imóvel, independentemente de indenização, se as partes não houverem estipulado o contrário no respectivo contrato.

§ 1º Antes do termo final do contrato, extinguir-se-á o direito de superfície se o superficiário der ao terreno destinação diversa daquela para a qual for concedida.

§ 2º A extinção do direito de superfície será averbada no cartório de registro de imóveis." [91]

Sendo assim, será dado o confronto.

Há algumas linhas anteriores, foi exposta uma noção geral sobre a duração do direito de superfície. Na ocasião, viu-se que a concessão admite a modalidade por prazo determinado, indeterminado ou perpétua, conforme o ordenamento. Notamos que, em nosso ordenamento, as leis reguladoras dão tratamento divergentes. No Código Civil, há uma previsão da concessão por tempo determinado, diferentemente do descrito no Estatuto da Cidade, onde o tempo pode ser determinado ou indeterminado. Segundo Silvio de Salvo Venosa, é vedada a modalidade perpétua. Não se confunde o prazo determinado com a perpetuidade, que entre nós é proibida [92]. Desta forma posiciona-se que somente é possível entre nós os tipos temporários, ou por tempo determinado ou por tempo indeterminado, não sendo possível estipulação perpétua. Também neste sentido, Fernando Dias Menezes de Almeida diz que o direito de superfície, diferentemente da enfiteuse, não é perpetuo. Pelo contrário, é estabelecido de modo temporário, seja por tempo determinado ou indeterminado [93]. Entretanto, outros optam por dizer que pode também ser desta forma, pois a menção da forma indeterminado estende-se a forma perpétua. Não há uma diferença visível entre o perpétuo e o indeterminado sem um limite previsto.

Fernando Dias Menezes de Abreu continua salientando que em se tratando de prazo indeterminado, pode haver a ruptura do vínculo em defesa do

interesse da parte que não a detém. O Estatuto da Cidade não explicitou nenhum meio de denúncia unilateral, devendo então, ser convencionado no contrato. Mas, se as partes não vislumbrarem a hipótese, este recurso pode ser utilizado de forma análoga ao que é previsto para outros institutos (como o comodato p. ex.), onde não havendo prazo estipulado, presume-se que seja o necessário para o uso concedido, não podendo o comodante, salvo necessidade imprevista e urgente, reconhecida pelo juiz, suspender a concessão [94].

Outro ponto merecedor de estudo é o meio da utilização concernente a possibilidade de fracionamento da superfície. As legislações em estudo adotaram e fizeram alusão a divisão do domínio em camadas. Para o Estatuto, o direito de superfície abrange o direito de utilizar o solo, subsolo e o espaço aéreo relativo ao terreno, até um certo limite, devendo entretanto, obedecer ao contrato e as legislações urbanísticas. O Código não autorizou obra no subsolo, salvo se inerente ao objeto da concessão. Nada disso porém sobre o espaço aéreo.

Ambos os diplomas legais fizeram constar que a concessão pode ser gratuita ou onerosa. Se onerosa, as partes pactuarão o valor, que poderá ser pago da uma única vez ou parceladamente. Todavia, o que não pode figurar é a previsão de parcelas a serem pagas de forma contínua. Deve ter um preço determinado, que pode até ser dividido em parcelas, até a quitação. Entende-se que não havendo no contrato referência alguma de valor, a concessão é gratuita, pois a onerosa deve vir descrita. Silvio de Salvo Venosa porém, assevera que, na dúvida, há de se presumir a onerosidade, pois se trata de cessão de parcela importante da propriedade" [95] Se

porém for gratuita, não é afastada a obrigação com o pagamento dos encargos e tributos que incidirem sobre o objeto do contrato.

Já que foi mencionado, cabe falar da situação dos encargos e tributos que venham recair sobre o objeto. O Código diz que o superficiário arcará com os

encargos e tributos que recaírem sobre o imóvel. Carece nesta legislação de divisão das responsabilidades ou quantias em caráter proporcional correspondente a parcela de ocupação ou de utilização do imóvel, o que ficou um tanto confuso, pois sabe-se que com a concessão, o objeto da superfície fica a disposição do concessionário. Diferentemente acontece no Estatuto, onde é previsto que o superficiário responderá integralmente pelos encargos e tributos que incidirem sobre a propriedade superficiária, arcando, ainda, proporcionalmente à sua parcela de ocupação efetiva, salvo disposição em

contrario existente no contrato. Conforme Fernando Menezes de Almeida, isso significa que os credores de encargos e o Fisco devem efetuar a cobrança diretamente ao superficiário [96]. Todavia, o contrato que rege a relação pode disciplinar esse ponto de modo diverso.

Tanto numa legislação como noutra é dado o direito de preferência em caso de alienação do imóvel ou do direito de superfície. Se o proprietário do terreno quiser alienar seu imóvel ou o superficiário quiser alienar o objeto da concessão, a outra parte terá o direito de preferência na aquisição em igualdade de condições com terceiros. Há uma reciprocidade de preferência. Todavia, Silvio de Salvo Venosa [97] alega que quando não for concedido o direito de preferência, responderá aquele que deixou de concedê-la por perdas e danos, respondendo também,

solidariamente o adquirente de má-fé. Continua dizendo que não existe a possibilidade do preterido depositar o valor e haver para si a coisa, como ocorre na locação.

A transmissão do direito pode ser feita a terceiros, obedecendo os

termos do contrato e a preferência, e em caso de morte do titular, é dada aos seus herdeiros. O código diz que não pode ser estipulado pelo proprietário qualquer pagamento pela transferência, isto para evitar abusos que certamente haveriam na sucessão entre vivos. O estatuto não regulou desta forma, mas sustenta Silvio de Salvo Venosa que a restrição deve ocorrer em qualquer caso, pois o Código Civil deve ser aplicado supletivamente no que for omissa a lei especial [98]. A aquisição então pode vir do contrato ou pela sucessão. Não deu nenhum dos dois diplomas legais, abordagem a aquisição por meio de usucapião. Há quem admita e quem o negue, conforme já fora objeto de estudo.

No tocante a extinção, o Código Civil prevê que poderá se resolver a concessão antes do termo final, se o superficiário der ao terreno destinação diversa daquela para qual foi concedida. Neste aspecto, o estatuto partilhou a opinião. Acrescenta o Estatuto de forma expressa que extingue-se também o direito pelo advento do termo, e pelo descumprimento das obrigações assumidas pelo supeficiário. A continuação do superficiário na superfície após o advento do termo, autoriza a reintegração de posse. Se entretanto, após o termino do prazo o superficiário continuar exercendo o direito, ficando o concedente inerte, entende-se que passa a ser instituído por tempo indeterminado, até mesmo pelo registro que deve ter a extinção averbada, pois caso contrário, continua gerando efeito erga omnes. Não havendo acordo entre as partes quanto a extinção, caberá ao judiciário a apreciação. O Código Civil não vislumbra mais causas expressas. Entende-se assim, que as causas idôneas a extinguirem o direito são as normais de sua natureza, conforme já tratamos em oportunidade anterior, na abordagem teórica do tema. O descumprimento de cláusula contratual (capaz de ensejar a extinção no Estatuto da Cidade), na seara do Código, pode resultar em perdas e danos, de acordo com entendimento de alguns.

Com a extinção, o proprietário tornará a ter o domínio pleno do imóvel (terreno, construção, plantação e outras benfeitorias introduzidas nele advindas da concessão), independentemente de indenização, se não houver estipulação em contrário. Isto ocorre porque devido ao fim da concessão, o princípio da acessão, que estava temporariamente suspenso, volta a vigorar. Se a superfície acede ao solo e o solo pertence de forma plena ao proprietário, a superfície também pertencerá a este. Mas como já foi dito, cabe estipulação contrária, pois não é Regra de ordem pública, conforme salienta Silvio Rodrigues [99].

Acrescenta o Código Civil que no caso de extinção proveniente de desapropriação, a indenização cabe ao proprietário e ao superficiário no valor correspondente ao valor do direito real de cada um.

O estatuto termina por dizer que a extinção deve ser averbada no cartório de registro de imóveis, o que não tratou o código, mas mesmo assim deve ser seguido. Essa averbação se faz necessária, pois com ela virá a publicidade do ato. A Lei de Registro Público (Lei 6.015/73), em seu artigo 169, I, admite que a averbação possa ser feita à margem do registro a que se refere, facilitando assim a consulta de eventuais interessados. [100]

Finaliza o código narrando que o direito de superfície constituído por pessoa jurídica de direito público interno, será regido por ele, no que não for diversamente disciplinado em lei especial.

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Sobre o autor
Adriano Barcelos de Azevedo

Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Campos e Pós-Graduando em Direito Civil e Processo Civil pela Faculdade de Direito de Campos

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AZEVEDO, Adriano Barcelos. O direito real de superfície e o seu reingresso no ordenamento jurídico brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 622, 22 mar. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6479. Acesso em: 25 abr. 2024.

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