Os convênios e protocolos ICMS no cenário tributário brasileiro, a legalidade e a moralidade tributária

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16/03/2018 às 11:14
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UM POUCO DE HISTÓRIA, A NATUREZA JURÍDICA E OS FUNDAMENTOS DE VALIDADE DOS CONVÊNIOS E PROTOCOLOS ICMS

UM POUCO DE HISTÓRIA

Muito se fala acerca dos protocolos e convênios no âmbito do ICMS, mas originalmente, além do muito que se pode dizer acerca de ambos, pode-se, sem a menor sombra de dúvidas, afirmar-se que ambos não se confundem com a figura de lei, mas no máximo, pertencentes ao universo legislativo tributário como norma complementar, e que pudemos observar com mais propriedade, quando da análise dos artigos 96 a 112 do CTN, na obra “Código Tributário Anotado”[36] editado eletronicamente pela OAB Paraná e pela Escola Superior de Advocacia.

A única exceção histórica quanto a ambos e com o devido respaldo do artigo 34, § 8º da ADCT da Constituição Federal[37], diz respeito ao Convênio ICM 66/88, substituído pela Lei Complementar 87/96 (a conhecida Lei Kandir), sendo que o STF lhe conferiu o status de Lei Complementar como se pode observar da sentença abaixo:

“O Convênio ICM 66/1988, enquanto instrumento normativo de regência provisória da matéria pertinente ao ICMS, qualifica-se, nos termos do art. 34, § 8º, do ADCT/1988, como sucedâneo constitucional da lei complementar exigida pelo art. 146, III, a, da Carta Política.” (RE 156.287, rel. min. Celso de Mello, julgamento em 30-11-1993, Primeira Turma, DJ de 20-5-1994.)

Neste mesmo sentido, reconhecendo o caráter excepcional desse Convênio em especial, a mesma corte entendeu se tratar de “Legitimação dos Estados para ditarem norma geral, de caráter provisório, sobre a matéria, de conformidade com o art. 34, § 8º, do ADCT/1988, por meio do Convênio ICM 66/88 (art. 2º, I) e, consequentemente, do Estado de São Paulo para fixar o novo momento da exigência do tributo (Lei 6.374/1989, art. 2º, V).”[38]

À exceção do citado Convênio ICM 66/88 (justamente por possuir um aval constitucional transitório), qualquer outro Convênio ICMS ou Protocolo (o mesmo se aplicaria aos Ajustes SINIEF), não são leis no seu sentido estrito, notadamente porque em se tratando de um tributo cuja competência constitucional é dos Estados e do DF, a função de respeito aos princípios da territorialidade (leia-se no sentido de competência aqui em função do artigo 155, II do texto magno) e pacto federativo, decorrem, em síntese dos demais princípios constitucionais estabelecidos no artigo 150 do mesmo texto, de onde se pode extrair o da legalidade como complemento necessário à compreensão da problemática proposta.

Desta forma, jamais se pode atribuir tarefa necessariamente limitadora de garantias constitucionais à Lei Complementar pelo artigo 146 do texto constitucional[39], notadamente porque fica evidente, sob a ótica da argumentação tópica anteriormente trazida (frise-se tratar de mero exercício lógica nem sempre admitido), que há um contorno de segurança mínima trazida ao contribuinte, que nos permitiria inclusive (sob todas as críticas possíveis) imaginar, inclusive, neste contexto moral legislativo constitucional tributário, que a mesma visa assegurar direitos e estabelecer obrigações, trazendo um equilíbrio entre as partes (sujeito ativo x sujeito ativo), respeitadas as necessidades do Estado politicamente organizado.

Neste condão, a despeito de discordâncias possíveis, seria possível se entender, considerando a necessidade de justiça fiscal e equilíbrio entre as partes, que a interpretação da Lei Complementar descrita no art. 155, § 2º, XII de nossa constituição deveria, antes de trazer limitações a direitos constitucionais[40], respeitá-los para fazer cumprir a necessidade moral e ética do tributo tanto para o contribuinte quanto para o Estado.


A NATUREZA JURÍDICA DOS CONVÊNIOS E PROTOCOLOS ICMS E SUAS DIFERENÇAS

Os Convênios, Protocolos e Ajustes que entre si celebrem a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios são normas complementares das leis, dos tratados e das convenções internacionais e dos decretos, conforme estabelece o art. 100, inciso IV, do Código Tributário Nacional.

Por mais que não se chegue a um consenso sobre a exata natureza jurídica de tais institutos, é certo afirmá-los na condição de legislação complementar como descrito no artigo 96 do CTN, sendo um exagero atribuir-lhe competência equivalente à de uma lei, e isto, por certo, estaria longe de se discutir a adoção doutrinária das correntes dicotômica e tricotômica da Lei Complementar, mas sim de absoluta invasão de competência que faria Kelsen ruborizar se estivesse apresentando sua famosa pirâmide.

Desta forma, sem invadir competências, dentro das atribuições legais do CONFAZ, Convênios e Protocolos, tem como natureza jurídica em si, o processo de harmonização do ICMS em nível nacional, não se sobrepondo às questões de ordem legal no sentido estrito.

No tópico seguinte ainda encontraremos outras razões que explicam a natureza jurídica de tais institutos e que complementariam tais comentários.


OS FUNDAMENTOS DE VALIDADE DOS CONVÊNIOS E PROTOCOLOS ICMS

Aliás, para a devida compreensão da temática envolvendo os convênios e protocolos no contexto do ICMS, é mister, considerando a complexa estrutura legislativa brasileira, que sejam consideradas as seguintes premissas legais, que, outrossim, foram considerados na análise do presente estudo:

  1. Art.150, § 6º (Necessidade de Lei para a fixação de benefícios);[41]
  2. Art. 155, II e § 2º, XII, “g” da Constituição Federal;[42]
  3. Art. 20, § 1º da CF (Competência União - Recursos Minerais e Hídricos);
  4. Art. 37 (Discricionariedade do Agente Público) e inciso XXII[43] (administração tributária);
  5. Lei Complementar nº 24/75, art. 170 CF (Redução desigualdades) e 176 do CTN (Necessidade da Lei);
  6. Lei Complementar 87/96 (Arts. 5º a 10);
  7. Lei Complementar 101/2000 (Disponibilidade Orçamentária);
  8. Regimento Interno do CONFAZ (Convênio ICMS 133/97);
  9. Regimento Interno do COTEPE;
  10. Art. 100, III e IV do CTN;
  11. Arts. 102 (Vigência, Validade e Eficácia) e 199 da Lei nº 5.172/68 (Assistência e fiscalização mútua, troca de informações);
  12. Arts. 176 a 179 do CTN (Legalidade).

Uma vez firmado um convênio ou um protocolo entre Estados e DF, os mesmos devem ser ratificados pelos Estados e só passam a ter eficácia[44] quando da sua internalização na legislação respectiva.[45],[46]

A essa internalização, dita juridicização, atribui-se tarefa fundamental para que não se discuta a eficácia da norma em função da competência propalada no artigo 155, II da nossa Constituição e como visto em comentários anteriores, não poderia ser feita mediante decreto (como habitualmente é feito pelas UFs), mas sim por lei ordinária.

Ainda a pretexto de compreensão dos institutos aqui tratados, temos, nos termos do Convênio ICMS 133/1997 (regimento interno do CONFAZ), que Protocolos são acordos firmados entre dois ou mais Estados e Distrito Federal, estabelecendo procedimentos comuns visando os seguintes fins:

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  1. Implementação de políticas fiscais;
  2. Permuta de informações e fiscalização conjunta;
  3. Fixação de critérios para elaboração de pautas fiscais;
  4. Outros assuntos de interesse dos Estados e do Distrito Federal.

Portanto, os acordos estabelecidos em Protocolos são de natureza fiscalizatória, procedimental e não podem estabelecer normas relativas ao aumento, diminuição, instituição ou revogação de benefícios fiscais, cuja matéria é reservada aos Convênios.

Mais complexos que os Protocolos, os Convênios[47] possuem maior espectro de matérias que, através deles, podem ser normatizadas.

Assim, temos como matérias normatizadas por Convênios:

  1. Isenções do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias
  2. Redução da base de cálculo;
  3. Devolução total ou parcial, direta ou indireta, condicionada ou não, do tributo, ao contribuinte, a responsável ou a terceiros;
  4. Concessão de créditos presumidos;
  5. Quaisquer outros incentivos ou favores fiscais ou financeiro-fiscais, concedidos com base no Imposto de Circulação de Mercadorias, dos quais resulte redução ou eliminação, direta ou indireta, do respectivo ônus;
  6. Prorrogações e às extensões das isenções vigentes nesta data.

Como característica típica, os convênios podem dispor que a aplicação de qualquer de suas cláusulas seja limitada a uma ou a algumas Unidades da Federação.

Segundo José Eduardo Soares de Melo[48], os Convênios de ICMS têm natureza impositiva ou autorizativa, questionando o fato de se desconhecer questões judiciais pela ausência de Lei Estadual internalizando os mesmos no conjunto de regras do Estado.

Observando-se o regimento interno do órgão quanto à forma de celebração, nos termos da Lei 24/1975, art. 2º, os Convênios serão celebrados em reuniões para as quais tenham sido convocados representantes de todos os Estados e do Distrito Federal, sob a presidência de representantes do Governo federal, sendo de Competência do CONFAZ sua promoção.

Desta forma, não é por falta de regramento específico que tais institutos são vilipendiados e usados com relativa frequência em função para a qual não foram criados, mas que transitam, dada à ineficácia legislativa, num perigoso limite da legalidade e da segurança jurídica, o que, ato contínuo, permitem uma ilação natural com a moralidade tributária aqui discutida.


CONCLUSÃO

Ora, o que se pretendeu dizer neste breve opúsculo, é que há limites de atuação do CONFAZ na instituição de regras que extrapolem tais acordos, pois estariam ferindo a competência privativa do legislativo, não se podendo aludir o exemplo do Convênio ICM 66/88 pois que se trata de regra excetuada pelo art. 34, § 8º das Disposições Transitórias da Constituição Federal, mas que por certo permitirá o quanto Convênios como o 93/2015, que pretendeu regulamentar a Emenda Constitucional 87/2015 e que vem sendo alvo de sucessivas ADIns[49] tal a invasão de competência experimentada nessa seara ante a completa omissão de nossos legisladores.

Não se procurou abordar todos os aspectos que mereceriam maior consideração, mas apenas iluminar o caminho da discussão para os limites de atuação do CONFAZ e das figuras de Convênios e Protocolos, pois a inação (para não se dizer omissão irresponsável[50]) crescente vem chamando a atenção para tal problemática e trazendo desdobramentos possíveis ao tema, que por certo, tornam nossa tarefa inconclusiva.

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Sobre o autor
José Julberto Meira Junior

Advogado; Mestre em Direito Empresarial pelo Programa de Pós-Graduação do Centro Universitário Curitiba (2018) e especialista em Direito Tributário (1999) pelo IBEJ/FESP; Professor Universitário nos cursos de especialização da UNICENP, FAE BUSINESS, FESP, ABDCONST (Curitiba), FAG (Cascavel e Toledo), CTESOP (Assis Chateaubriand); UniOPET EAD (Curitiba); Instituto Navigare / Faculdade Stª Fé (São Luis – Maranhão), UFPR/Ciências Contábeis (Curitiba), PUC (Curitiba); com estágio docente realizado na Universidade de Santiago de Compostela (USC/Espanha); Membro do Comitê Tributário da OAB/PR; membro honorário do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT); membro do Instituto de Direito Tributário do Paraná (IDT); membro do Comitê de Estudos Tributários, Fiscais e Contábeis do CRC/PR e do Conselho Temático Tributário da Federação das Indústrias do Paraná (FIEP). Lattes: http://lattes.cnpq.br/2581196308704093 E-mail: [email protected]

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Trata-se de estudo preliminar que serviu de subsídio para a dissertação de mestrado do autor entregue em 2018.

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