A “coisificação” dos direitos fundamentais no Brasil ante a realidade dos fatos.

Uma análise pontual e crítica entre a utopia da cidadania e a sua efetiva construção num país em crise

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16/03/2018 às 11:38
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o estado social brasileiro – ALGUNS APONTAMENTOS DE COMO chegamos ao estágio atual PARA COM OS DIREITOS FUNDAMENTAIS

A mesma Constituição de 1988, que estabeleceu os direitos fundamentais, na esteira do que vinha acontecendo no mundo em termos de valorização do indivíduo e à valorização da dignidade humana, acabou por produzir um verdadeiro Estado Social em que tais direitos (os fundamentais) passaram a fazer parte do chamado cardápio de direitos, num fenômeno natural de constitucionalização após situações clássicas como as Constituições do México (1917) e de Weimer (1919), ou ainda Convenção Americana dos Direitos Humanos (1969) e que influenciaram em muito nosso texto constitucional.

No contexto dos Direitos Fundamentais, Celso Lafer[39], citado por Vicente Bagnoli (2009, p. 85), escreve que “os valores fundantes da democracia provêm de ‘um processo histórico incessante de integração de valores de convivência’, composto de vários legados. ”

Mais que isso, Bagnoli (2009, p. 84), a pretexto dessa evolução histórica observa:

A Constituição Federal de 1988, como a maioria das cartas que seguem a da República de Weimar, influenciada por sua vez pela Encíclica Rerum novarum de 1891 e por dois acontecimentos de 1917, a Constituição Mexicana e a Revolução Russa, tem em eu corpo a preocupação com o econômico e o social, elevando esses dois conceitos a preceitos constitucionais observados e garantidos pelo Estado.[40]

A CF/88 (DA SILVA, 2014, p. 23-24) consagra outros casos clássicos, ao contrário da alemã, que (no contexto dos direitos fundamentais) consagra essencialmente direitos de caráter liberal, ou seja, liberdades públicas, e, a despeito de ser caracterizada como de “Estado Social e Democrático”, consagra essencialmente, direitos de proteção dos indivíduos contra violações estatais, exigindo fundamentação não trivial, justificando a importância que a doutrina e jurisprudência germânicas dão ao tema.

Segundo o autor, o caso brasileiro é diverso, já que, além dos direitos de cunho meramente protetivo, a CF/88 garante os direitos sociais e os direitos dos trabalhadores, sendo que os casos alemães dos efeitos dos direitos fundamentais nas relações entre particulares não ensejam discussão na doutrina brasileira devido a disposições expressas em nossa Constituição.

Exemplo clássico, sob sua ótica ainda, em comparação com a Alemanha – a despeito de seu grande comprometimento com o Estado social - é a discussão entre a diferença de salários entre homens e mulheres, que aqui não despertam discussão pela previsão expressa na CF,[41] havendo enorme dificuldade em lidar com os efeitos horizontais dos direitos fundamentais naquele país.

Em vista do art. 7º de nossa carta, no âmbito social-trabalhista, a extensão dos direitos fundamentais às relações particulares é de maior relevância, o que não significa que não possam acontecer situações de tensão entre direitos fundamentais e liberdade privada.[42]

Antevendo a discussão da constitucionalização do Direito, Da Silva (2014, 23-24), notadamente na relação entre particulares, assim se pronunciou:

A dificuldade em lidar com o problema da constitucionalização do direito e da extensão dos direitos fundamentais às relações entre particulares tem relação direta, com Tushnet originalmente propôs, com o arcabouço normativo-constitucional do sistema e não com um comprometimento real com o Estado social.[43]

Considerando as dificuldades anteriormente comentadas, não nos propomos a um histórico longínquo dos fatos, limitando-nos a alguns aspectos pontuais (e naturalmente críticos) que possam, dentre outras observações possíveis, dar a dimensão da má gestão do dinheiro público ao longo dos anos, tendo-se como ponto de partida a mesma Constituição Federal de 1988.

Sob tal ótica, e sem desvelo de admitir-se outras hipóteses, nosso texto de 1988 parece-nos ter sido o momento exato da constitucionalização dos reclamados Direitos Sociais, quando se estabeleceram privilégios (ou garantias segundo alguns) das mais variadas ordens[44], não só no artigo 5º (direitos e garantias individuais), como no 6º (direitos sociais), no 7º (direitos dos trabalhadores), dentre outros tantos dispositivos a serem observados ainda, visando mostrar a necessidade de se buscar alternativas a escassez de recursos, sabendo-se de antemão que dispomos do instrumento da regulação estatal para este fim.[45]

Anteriormente comentamos acerca da mitigação dos princípios fundamentais decorrentes do texto constitucional ante as notícias anteriormente mencionadas no introito deste opúsculo, que, demonstram parte considerável do caos em que vivemos atualmente em nosso Estado contemporâneo brasileiro, seja por falta de planejamento - dentre outras explicações possíveis -, bem como por falta de ação mais efetiva ou por pura inação dos representantes políticos em cumprir a determinação de atender o rol de direitos consagrados em nosso texto constitucional vigente, ou até mesmo, por não haver o devido comprometimento com a ideia central de nossa carta constitucional, que seria o respeito à dignidade humana.

Rawls (1995, p. 217-218), considera fundamental para que tal feito seja atingido, se respeite um conteúdo mínimo, indispensável para o exercício da pretendida dignidade humana, observando que o mesmo deixa de ser um fim a ser atingido pelo legislador, independentemente de atuação legislativa, mas um meio, e que, nos dias atuais, vem sendo visivelmente vilipendiado por conta da confusão que se faz com o conceito de “mínimo vital”.

Nesse diapasão, a pretexto dos direitos básicos, vale a transcrição de John Rawls:

Observese que existe, ademas, outra importante distincion entre los principios de justicia que especifican los derechos y las libertades básicas em pie de igualdad y los principios que regulan los asuntos basicos de la justicia distributiva, tales como la liberdad de desplazaimiento y la igualdad de oportunidades, las desigualdades sociales y económicas y bases sociales del respeto a si mismo.

Un principio que especifique los derechos y libertades basicas abarca la Segunda clase de los elementos constitucionales esenciales. Pero aunque algun principio de igualdad de oportunidades forma parte seguramente de tales elementos esenciales, por ejemplo, un principio que exija por lo menos la liberdad de desplazamiento, la eleccion libre de la ocupacion y la igualdad de oportunidades (como la he especificado) va mas alla de eso, y no sera un elemento constitucional. De manera semejante, si bien un minimo social que provea para las necesidades basicas de todos los ciudadanos es tambiem un elemento esencial, lo que he llamado el “principio de diferencia” exige mas, y no es un elemento constitucional esencial.

Este conceito de mínimo existencial[46], em que pese remontar a uma ideia de origem socialista (com algumas ressalvas liberalistas mais radicais de direita), já é considerado até mesmo no campo liberal, que também admite a necessidade de garantia de condições básicas de vida como assecuratório da possibilidade de gozo da liberdade humana, sendo premissa inclusive para que a dignidade humana seja preservada. Neste sentido John Rawls, citado por Daniel Sarmento (2005, p. 167-217), em obra posterior, em que trata da Teoria da Justiça (1994), entendeu que uma “sociedade justa, atribuíra absoluta prioridade à proteção, igual para todos, das liberdades individuais básicas”, complementando:

[...] e só depois de assegurado plenamente esse princípio de maximização das liberdades, passar-se-ia à aplicação do segundo princípio de justiça, que ele chamou de princípio da diferença, segundo o qual as desigualdades econômicas deveriam ser distribuídas de forma que: (a) beneficiasse as pessoas menos favorecidas; (b) mantivesse sempre abertas oportunidades iguais para todos.

Outro aspecto a ser considerado em nossas observações críticas dizem respeito ao histórico das receitas tributárias ao longo dos anos, pois desde o advento da CF/88, fica evidente que a malversação dos recursos públicos é latente em território pátrio, como aliás, comentamos em matéria de nossa lavra (MEIRA JUNIOR, 2016, p. 7-8), nos seguintes termos:

A mesma Constituição de 1988, que estabeleceu os direitos fundamentais, reestruturou o sistema tributário nacional,[47] produzindo um rearranjo nas fontes de receita e dos detentores de competência tributária, Isto nos permite, num rápido corte contextual, entender, em parte, o estágio em que nos encontramos financeiramente atualmente, pois retirou, v.g., da União, em relação à Constituição anterior (1967); as receitas oriundas de energia elétrica, combustíveis e lubrificantes, minerais, serviços de transporte, serviços de comunicação, nos moldes do então artigo 22[48], transferindo-os para as Unidades Federadas de forma incorporada ao atual art. 155, II da Constituição Vigente (o ICMS)[49], mas mantendo sob responsabilidade do primeiro ente todos os encargos atinentes à: manutenção da estrutura de telefonia e comunicação, malha viária, produção e distribuição de energia, exploração petrolífera e minerária.[50]

O que chama a atenção aqui é que a partir de 1988, as unidades federadas (inclua-se o Distrito Federal) receberam, sem qualquer exigência de contrapartida, uma receita adicional considerável, ficando evidente, para o mais leigo dos versados em tributos, a ideia de que todo esse expressivo recurso adicional ou foi mal gerenciado ou se perdeu no meio do caminho, pelas mais diversas razões que podemos apontar; observe-se que, como comentado alhures em nosso introito, quase todos os Estados e uma infinidade de municípios, na atual conjuntura econômico-financeira, estão em situação de calamidade financeira, não reunindo condições mínimas de auto sustentabilidade, quem dirá para o atendimento de direitos e garantias fundamentais mínimas do cidadão, como saúde, habitação, educação, dentre outros serviços públicos, etc.

Isso nos conduz a uma triste constatação, pois ainda que se admita o crescimento exponencial da população ao longo de quase 30 anos[51], os Estados[52] geriram mal os novos recursos (nos referindo ao comparativo da CF/88 x CF/67-69) que “ganharam” na nova ordem constitucional, e, não só produziram um quadro caótico nas respectivas finanças públicas, como deixaram de atender ao clamor do cidadão até mesmo em situações que envolvam o mínimo existencial a que alude John Raws (1995, p. 218-219), em sua obra clássica “Liberalismo Político”, que por sua vez, sustenta que o mesmo independe de lei, sendo também um princípio constitucional essencial, assegurado independentemente do poder legislativo.

O que se observa, do que já se disse até aqui, é que houve, desde o advento de nossa Constituição vigente, um sucateamento do Estado que não vem atendendo às necessidades básicas (ditas fundamentais) e até mesmo o que alguns chamam de “mínimo vital” [53], que estaria ligado apenas ao conceito de sobrevida, enquanto o que se busca é a dignidade humana preconizada em nosso texto magno.

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O certo, do que já se disse e dos fatos de amplo conhecimento público, é que o Estado encontra-se em crise, pelos mais variados motivos, notadamente porque com o texto constitucional de 1988 sua intervenção se acentuou, como assevera Leila Cuéllar (2001, p. 55), permitindo-nos, em apertada síntese, observar haver uma combinação desastrosa de má gestão, gigantismo e ineficiência[54] como registra em seus comentários ao tratar de uma necessidade de reforma do que se convencionou chamar de Estado Social,[55],[56] bem como pela importância dos órgãos reguladores que cresceu a partir de então:

O crescimento desmesurado do Estado Social, determinado pela ampliação de suas atribuições (passou o Estado a assumir responsabilidade por inúmeras atividades e serviços, como as grandes infraestruturas de transporte e comunicação, por exemplo) e de sua atividade interventiva, a forma burocrática de organização, os níveis elevados de gastos públicos, a crise financeira, dentre outros fatores, acarretaram a ineficiência do Estado no desempenho de muitas de suas atividades. Esse quadro traduz-se na crise de um modelo de Estado, apontado a necessidade de sua revisão.

De tudo o que se disse até o momento, pode-se acrescentar que as dificuldades de atendimento de funções de cunho social do Estado chegaram a um estágio preocupante pelas dificuldades financeiras do Estado Brasileiro, que são somados, evidentemente, a outras causas, mas que produzem uma preocupação natural para se atravessar essa crise e induzem à busca de soluções de curto, médio e longo prazo.[57]

A urgência aqui tratada, ante a insegurança econômica, não se limita aos fatos experimentados na atualidade brasileira, trazendo evidentes prejuízos à liberdade do cidadão como se pode observar do pensamento de Amartya Sen (2010, p. 30) ao falar dos problemas econômicos e da falta do seu desenvolvimento.

Segundo ele, “O desenvolvimento econômico apresenta ainda outras dimensões, entre elas a segurança econômica. Com grande frequência, a insegurança econômica pode relacionar-se à ausência de direitos e liberdades democráticas. ”

Nesta mesma linha, fazendo conexão com os direitos fundamentais como exigência e concretização do princípio da dignidade humana, Ingo Wolfgang Sarlet (2010, p. 96) assim leciona:

[...] verifica-se ser de tal forma indissociável a relação entre a dignidade da pessoa e os direitos fundamentais que mesmo nas ordens normativas onde a dignidade ainda não mereceu referência expressa, não se poderá – apenas a partir desse dado – concluir que não se faça presente, na condição de valor informador de toda a ordem jurídica, desde que nesta estejam reconhecidos e assegurados os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana.

Por certo, o papel do Estado e sua função social poderiam ser revistos, mas essa seria uma demanda de longo prazo e de indigesta discussão, até porque estaria vinculada a uma questão de fundo, que exigiria saber-se qual o nível de intervenção estatal desejado pela população (seja ela a mais privilegiada ou a dita ralé brasileira), o que só seria possível após ampla discussão[58], e que certamente resultaria em uma eventual convocação de assembleia constituinte. Isto nos pareceria tratar-se de solução de médio e longo prazo, que não atenderia ao desiderato de nossos comentários, uma vez que entendemos haver certa urgência de transição, existindo outros mecanismos passíveis de adoção e de resultado mais efetivo neste instante em que o imediatismo se sobrepõe ao idealismo[59].

Para Emerson Gabardo (2009, p. 180-182) ao adotar-se a ideia de um Estado de bem-estar social, é preciso que se faça uso de uma interpretação moral da Constituição, evitando-se uma visão simplista de que o direito se limita ao contido ao texto escrito da lei.

Nessa linha de raciocínio, Gabardo (2009, p.171) identifica três princípios básicos a serem considerados:

A partir desta relação indissociável entre a Constituição e o Estado, torna-se possível identificar três princípios básicos de ordenação das instituições políticas no regime democrático: a) o reconhecimento de direitos fundamentais, que o poder deve respeitar; b) a representatividade social dos dirigentes e da sua política; e c) a consciência de cidadania, do fato de pertencer a uma coletividade fundada sobre o direito.

Segundo ele, os fundamentos éticos de um Estado de bem-estar seriam a tolerância e a solidariedade, tendo-se como fundamento implícito deste entendimento, a redistribuição de riqueza.

a problemática da corrupção generalizada e a perda do referencial da autoridade pública brasileira

Além de todas as questões anteriormente apresentadas como causas (ou consequências segundo o teorema de Tostines) do atual estado de descalabro em que vivemos, podemos reservar apontamentos especiais para o altíssimo nível de corrupção em que estamos envolvidos, em todos os níveis e setores que tem acirrado os ânimos e inviabilizado o diálogo pois há evidentes conflitos de interesse.

Compreender como chegamos ao quadro atual não se limita mais a admitirmos que teremos correção de rumo somente com as ações afirmativas (de gosto generalizado e geralmente aprazível) para as ditas minorias, ou ainda a adoção de ações interventivas - que podem ser a alternativa à resolução do problema de escassez de recursos públicos (e que naturalmente não são populares gerando conflitos das mais variadas ordens)[60].

Há sim conflitos a serem tratados com extrema serenidade e urgência, naquilo que Boaventura Santos (1997, p. 289) chama de “conflitualidade paradigmática”, assim dizendo: “[...] conflitualidade tem lugar entre dois grandes paradigmas de desenvolvimento social, que designo simplesmente de paradigma capital-expansionista e paradigma eco-socialista.”

É importante que se frise que, em que pesem tais fenômenos e as dificuldades deles decorrentes (sejam de ordem financeira, econômica ou até mesmo institucional), os mesmos representam fatos sociais que devem ter resposta adequada do Estado, para que possam estar em linha com a pretensão constitucional, e mesmo que se admita não ser possível deduzir todos os eventos possíveis no campo do Direito, segundo Alf Ross (2000, p. 43), o direito está no fato social.

Ele entende a dificuldade da definição dos fatos no campo do direito tendo em vista a complexidade do envolvimento social, com características próprias e peculiares que grupo social possui, admitindo, portanto, que uma norma deve abranger o maior grau possível de elementos comuns a todos aqueles que à norma estarão submetidos.

Neste diapasão, expõe Ross:

... a ciência do direito jamais poderá ser separada da sociologia do Direito. Embora a ciência do direito esteja interessada na Ideologia, e sempre uma abstração da realidade social. Mesmo que o jurista não esteja interessado no nexo que liga a doutrina à vida real, esse nexo existe. Reside no conceito de "direito vigente" que, ..., constitui parte essencial de todas as proposições doutrinárias, pois esse conceito, em consonância com nossa análise provisional, se refere à efetividade das normas enquanto constituintes de um fato social.

Para Alf Ross o direito está no fato social.  O realismo de Ross entende que a norma deve ser interpretada a partir da efetividade social das normas jurídicas. Deste modo, uma norma é vigente se é aceita pela consciência jurídica popular.

É certo portanto, que tivemos, em função desses conflitos de interesses, em um País dividido, radicalizado, corrompido e insensível, em que o Estado Brasileiro não está cumprindo com suas funções básicas e tampouco deixando antever que haja luz no final do túnel, nos permitindo dizer, acerca destas mesmas autoridades, em todos os níveis, sejam elas civis, militares ou eclesiásticas, que as nossas autoridades se abeberam do bônus do poder, mas não estão assumindo o ônus que este mesmo poder lhes impõe e que a sociedade reclama em grau de quase desespero e que sensibilidade (ou a falta dela) não lhes permite observar.

Ao mesmo tempo, temos um povo que não mais acredita em seus governantes, representantes e nas já citadas autoridades, e que cada vez mais começa a se indispor com a ordem legalmente estabelecida (arruaças, destruições, saques no Espírito Santo, etc) e agindo como se de fato e de direito, não vivessem num País com ordenamento legal, que caminha, a passos largos, para o anarquismo.

As consequências, dentro do contexto proposto, são muitas, mas resultam em descumprimento de obrigações do Estado para com o cidadão, das mais variadas ordens, chegando, inclusive ao extremo de desrespeito à dignidade humana[61], o que é estarrecedor, não bastando apenas entender o resultado, mas buscar as causas, saneá-las e estabelecer alternativas de sustentabilidade a um Estado mínimo de fato. Nosso Estado de direito se encontra longe de ser uma realidade, seja porque há escassez de recursos, seja porque a intervenção estatal não vem cumprindo seu papel, ou ainda por outras infindáveis razões.

A discussão sobre os novos papéis do Estado e de suas estruturas administrativas resultaram em doutrina nacional decorrente dos valores estabelecidos na Constituição Federal de 1988, que traz consigo princípios de verdadeiro exercício de democracia.

Neste diapasão, Ana Paula de Barcellos (2006, p. 56), ao analisar o neoconstitucionalismo, os direitos fundamentais e o controle das políticas públicas, em obra sobre os direitos fundamentais, em homenagem ao Professor Ricardo Lobo Torres, reconhecendo o fim essencial da promoção dos direitos fundamentais no texto constitucional brasileiro, entende que “as políticas públicas constituem o meio pelo qual os fins constitucionais podem ser realizadas de forma sistemática e abrangente, mas envolvem gasto de direito público”, observando ainda a escassez dos recursos públicos e da importância das escolhas de gastos e políticas públicas.

Ao cidadão comum, buscando-se discutir muito mais as consequências atuais do que as causas que nos trouxeram até aqui, pois às notícias anteriormente apresentadas ainda é possível se somar os incontáveis escândalos que tomamos conhecimento com a presença efetiva de empresas no papel de agente corruptor ou colaborador nos fatos que induzem ao descumprimento do papel social da empresa e o desrespeito aos fundamentos de validade preconizados em nosso texto constitucional vigente.

Não nos parece, a esta altura dos acontecimentos, deixarmos de observar a lógica utilitarista do nosso texto constitucional, voltado para o indivíduo, de forma a considerarmos o antropocentrismo natural que dela decorre.

Também nos parece urgir o momento em que teremos que nos posicionar e começar a buscar alternativas para a resolução, pelo menos paliativa, dessas distorções escandalosas, sob pena de revivermos uma revolução social que não se limitará às passeatas, colocando em risco o Estado Democrático de Direito conquistado ao longo dos anos, deixando-se antever a óbvia necessidade de revisão dessa situação sob pena de se perder o controle.

Potenciais ALTERNATIVAS DE RESOLUÇÃO DA PROBLEMÁTICA e considerações finais

A questão que se trouxe no contexto é de extrema gravidade e a pergunta que se pode fazer, seria como viabilizar a passagem de uma nação no meio de uma tormenta econômica, política e moral e que venha a atender a plenitude de direitos fundamentais de seus cidadãos, pois fica patente que a curto e médio prazo não previsão de que haja a satisfação das funções mínimas do Estado.

Lastreado nesta preocupação, quase angustiante, é que entendemos que muito ainda terá que se caminhar, mas por certo o caminho, ante a escassez de recursos públicos e ao seu mau gerenciamento, merece relevo a ação interventiva inteligente, efetiva e eficaz do Estado, mediante um aperfeiçoamento da atividade regulatória do Estado, pois ainda temos muito a caminhar nesse projeto de construção de uma nação que garanta os direitos fundamentais mais lídimos e é esse universo que se pretende avaliar neste ensaio.

Crescem, inclusive, aqueles que sustentam uma revisão do papel do Estado da sua estrutura (na clássica discussão do Estado mínimo), pois desde os idos de 1988, quando a Constituição vigente estabeleceu a prevalência do indivíduo, o impacto de tantas benesses no campo teórico, quando colocadas na prática, tem sofrido questionamentos vários, notadamente porque é cediço que possuímos uma estrutura comprometida, inchada e ineficiente, com questionável gestão.

Não bastasse isso, há exemplos de desvios aos cântaros, com corrupção generalizada[62] (quase endêmica), aliado a um momento divisor entre classes binomiais de brasileiros: os de esquerda e os de direita, os do sul e os do norte, etc., afastando-nos do conceito de nação una (dado ao radicalismo[63] que começa a vicejar).

Uma reforma do Estado passaria necessariamente, em sentido amplo, por meio de numa nova Constituição, o que evidentemente é uma tarefa de extrema complexidade e que não estaria na agenda política, além do que pressuporia uma revisão do próprio papel do Estado, sendo forçoso se resgatar a ideia de um novo pacto social, revendo obrigações e extinguindo desigualdades.

Acrescente-se, a pretexto do tema, que se sabe que em que pese defendermos um novo pacto social, sabemos que não é algo simples, pois há todo processo prévio que trate de garantir a segurança do indivíduo com evidente privilégio à comunidade (ROSSEAU, 2002, p. 9) num momento em que nem as garantias mínimas estão sendo atendidas.

Segundo ROSSEU (2002, (Livro I, Cap. VI), “uma sociedade política, regida por leis e fundada em um acordo universal e invariável, que beneficia todos igualmente, e organizada com base em deveres mútuos privilegiando a vontade coletiva”, assim se pronunciando ainda (ROSSEAU, 2002, p. 9):

Eu imagino os homens chegados ao ponto em que os obstáculos, prejudiciais à sua conservação no estado natural, os arrastam, por sua resistência, sobre as forças que podem ser empregadas por cada indivíduo a fim de se manter em tal estado. Então esse estado primitivo não mais tem condições de subsistir, e o gênero humano pereceria se não mudasse sua maneira de ser. Ora, como é impossível aos homens engendrar novas forças, mas apenas unir e dirigir as existentes, não lhes resta outro meio, para se conservarem, senão formando, por agregação, uma soma de forças que possa arrastá-los sobre a resistência, pô-los em movimento por um único móbil e fazê-los agir de comum acordo

Fala-se abertamente também da necessidade de se realizar uma atividade mais efetiva de compliance e de práticas de governança, tão usuais atualmente nas atividades empresariais, mas isso é de difícil execução na medida em que a corrupção generalizada não se limita ao público, mas se alastra na atividade privada (o efeito Tostines antes comentado), dando-nos a ideia de que só isso não seria suficiente, podendo parecer mera medida profilática, e, portanto, como dito, paliativa, pois há inúmeras formas de corrupção existentes, e em todos os níveis.

Segundo Marcia Carla e Patrícia Dittrich (RIBEIRO; DINIZ, 2015, p. 88) conceitualmente compliance seria:

Compliance é uma expressão que se volta para as ferramentas de concretização da missão, da visão e dos valores de uma empresa.

Não se pode confundir o Compliance com o mero cumprimento de regras formais e in­formais, sendo o seu alcance bem mais amplo, ou seja, “é um conjunto de regras, padrões, procedimentos éticos e legais, que, uma vez definido e implantado, será a linha mestra que orientará o comportamento da instituição no mercado em que atua, bem como a atitude dos seus funcionários” (CANDELORO; RI­ZZO; PINHO, 2012, p. 30). Será instrumento responsável pelo controle dos riscos legais ou regulatórios1 e de reputação, devendo tal função ser exercida por um Compliance Officer2, o qual deve ser independente e ter acesso direto ao Conselho de Administração.3

O Compliance envolve questão estratégica e se aplica a todos os tipos de organização, visto que o mercado tende a exigir cada vez mais condutas legais e éticas, para a consolidação de um novo comportamento por parte das empresas, que devem buscar lucratividade de forma sustentável, focando no desenvolvimento econômico e socioambiental na condução dos seus negócios.

Como dito acima pelas autoras, a questão de compliance deve ser abordada de forma estratégica e a possibilidade de êxito em nosso País, considerando o estado vigente, é muito pequena considerando as inúmeras formas de corrupção existentes.

Inúmeras são as definições de corrupção existentes. Merece destaque a definição de Klitgaard (1994, p. 40), pela qual corrupção é o comportamento que se desvia dos deveres formais de uma função pública devido a interesses privados (pessoais, familiares, de grupo fechado) de natureza pecuniária ou para melhorar o status, ou que viola regras contra o exercício de certos tipos de comportamento ligados a interesses privados.

Outra alternativa, dentro do contexto legal e constitucional vigente, seria uma gestão de redistribuição, não significando dizer que seja necessário diminuir a presença do Estado ou destitui-lo de sua função, estando, portanto adstrito o debate sobre a função das agências reguladoras, que deverá ser instrumental e perseguir este objetivo procurando dotar as agências de regulação, que deverá se pautar por princípios regulatórios em lei (redistribuição, etc) e o processo de produção normativa que se espera para tal desiderato.

Desta forma, em caráter de complementação destes comentários, fica evidente, a toda prova, que o caminho, por mais doloroso que seja, para que o Estado Social passe a ser uma realidade em nosso conturbado momento econômico e financeiro, é a correção imediata de rumos naquilo que é mais imediato, com reformas estruturais de curto, médio e longo prazos.

 Como opção considerada de curto e médio resultado, além de correção de rumos aos erros de gestão já antecipados – o que pressupõe um fortíssimo choque de moralidade na atividade pública de todos os poderes e em todos os níveis - seria acreditar-se na estrutura de que já dispomos, corrigindo-a e investindo-se na intervenção positiva do Estado na regulação, seja no fomento ou mesmo na busca de parcerias público-privados, concessões, terceirizações, dentre outras, pois há muito tempo, e até mesma pela já alentada escassez de recursos, pois como algures demonstrado, fica patente a convicção de que o Estado contemporâneo brasileiro não tem condições de atendimento de atender aos Direitos Fundamentais.

Mais que uma mera suposição, trata-se de convicção ideológica, pois temos um texto constitucional igualado ao das melhores nações democráticas do mundo, mas estamos longe de atingir o padrão que esses países transferem aos seus cidadãos, agravados pela falta de identidade e pelos graves problemas que atravessamos.

Há por certo muito a caminhar e para que não se repitam as revoluções que a história nos mostrou ao longo do tempo, é preciso navegar em águas serenas, e mesmo que não sejam, como diria Fernando Pessoa, navegar é preciso![64]

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Sobre o autor
José Julberto Meira Junior

Advogado; Mestre em Direito Empresarial pelo Programa de Pós-Graduação do Centro Universitário Curitiba (2018) e especialista em Direito Tributário (1999) pelo IBEJ/FESP; Professor Universitário nos cursos de especialização da UNICENP, FAE BUSINESS, FESP, ABDCONST (Curitiba), FAG (Cascavel e Toledo), CTESOP (Assis Chateaubriand); UniOPET EAD (Curitiba); Instituto Navigare / Faculdade Stª Fé (São Luis – Maranhão), UFPR/Ciências Contábeis (Curitiba), PUC (Curitiba); com estágio docente realizado na Universidade de Santiago de Compostela (USC/Espanha); Membro do Comitê Tributário da OAB/PR; membro honorário do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT); membro do Instituto de Direito Tributário do Paraná (IDT); membro do Comitê de Estudos Tributários, Fiscais e Contábeis do CRC/PR e do Conselho Temático Tributário da Federação das Indústrias do Paraná (FIEP). Lattes: http://lattes.cnpq.br/2581196308704093 E-mail: [email protected]

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