A edição de convênios no âmbito do ICMS: limites à legalidade

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16/03/2018 às 11:43
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O CONFAZ, AS MODALIDADES DE CONVÊNIOS E SUA JURIDICIZAÇÃO

Para se compreender a amplitude dos Convênios, e considerando o nosso sistema federativo, bem como a relativa competência que os Estados tem quanto ao ICMS, preocupando-se com a já comentada harmonização do tributo, criou-se, o CONFAZ (Conselho Nacional de Política Fazendária), cabendo ao referido Conselho, em especial, a produção do instituto dos Convênios no âmbito do ICMS. Com o advento da já citada Lei Complementar n° 24/75, coube a esse órgão, estabelecer que os convênios do ICM à época (ICMS atualmente), versassem sobre os benefícios fiscais relativos ao tributo, e que seriam celebrados em reuniões para as quais tenham sido convocados representantes de todos os Estados e do Distrito Federal, sob a presidência de representantes do Governo federal.

A tal órgão, vinculado ao Ministério da Fazenda cabe, em colegiado, a produção de inúmeros instrumentos que são reconhecidos como legislação complementar na esfera tributária (art. 100 do CTN), e, em especial, os chamados Convênios ICMS.

O seu regimento interno,[30] considera fatores como a validade, vigência e eficácia os Convênios ICMS dentro dos Estados-membros[31], bem como a competência individual de cada UF em instituir o seu imposto, toma os devidos cuidados para que os Convênios sejam inseridos no ordenamento interno de cada um dos entes tributantes, naquilo que se convencionou chamar de juridicização. Em seus artigos 35 a 37, os Convênios e Ajustes SINIEF seguem uma rotina de aprovação que privilegia tal competência, que também dita regras quanto ao seu rito habitual de produção, sanção, publicação e efetiva eficácia.

Desta forma, valendo-se do pressuposto de que nem todas as normas podem ter aplicação imediata - o que no caso dos Convênios ICMS guarda importância ímpar -, e, podendo haver imperfeições ou omissões na sua confecção, sem contarmos ainda a peculiaridade da competência constitucional derivada do art. 155, II atribuída a cada ente federado, é que emprestamos, por uma questão meramente didática, entendimento adotado pelo STF, oriundo da doutrina de José Afonso da Silva[32], para entender que tais instrumentos, por possuírem características especiais, mesmo que não tratem exclusivamente de benefícios, podem ser classificados, em analogia à compreensão constitucional do autor, como normas de eficácia limitada[33], pois aos membros de cada Federação caberá a efetiva introdução no seu ordenamento próprio.

É de se observar, portanto, considerando o disposto no art. 155, II, § 2º, XII, “g” da CF/88, que nem todos os dispositivos são aplicados com a simples feitura do texto constitucional, o que se justifica a partir regra decorrente do seu art. 146, da LC 24/75 e da própria circunstância peculiar da internalização da norma em cada UF.

A despeito de se considerar que não se aplicaria tal posicionamento nesta esfera, é acertado dizer que os Convênios ICMS, como os Protocolos ICMS e os Ajustes SINIEF, não teriam aplicação imediata na legislação estadual, passando por uma rotina própria.

3.1. as Modalidades de Convênios com Funções Distintas

Embora tenhamos, conceitualmente, um convênio como sinônimo de acordo firmado entre as unidades federadas, convém ressaltar que, segundo o regimento interno do CONFAZ, há, na realidade, um conceito lato sensu para tal instituto que prevê, pelo menos, três modalidades distintas: a) Convênios ICMS: acordos que envolvem todos os Estados, e, pressupondo a unanimidade de aprovação, tratam de matérias específicas como os benefícios fiscais, procedimentos documentais comuns de operacionalização e de arrecadação, bem como outros que dizem respeito à necessária integralidade das UFs, na estrita observância do já citado regimento interno, visando a que haja uma harmonia mínima de um tributo de competência estadual em nível nacional; b) Protocolos ICMS: via de regra não tratam de benefícios. São acordos multilaterais ou bilaterais celebrados apenas entre os interessados, permitindo a adição ou exclusão dos interessados a qualquer tempo, como é o caso de criação substituição tributária em operação interestadual entre os interessados[34], ou casos que envolvam operações estruturadas e que digam respeito apenas a alguns Estados; e, c) Ajustes SINIEF: diferentemente dos anteriores, que só admitem os Estados, aqui é incluída a atividade industrial, que é contribuinte do IPI (tributo federal), o que explica também a presença do Ministério da Fazenda no referido órgão.

Além desta que seria a mais importante das funções a serem exercidas pelo referido órgão, ressalte-se, ainda haver uma maior amplitude de atuação do CONFAZ, de forma que também estão sob sua responsabilidade inúmeras outras atribuições, muitas das quais de caráter mais efetivamente administrativo fazendário:  a) promover a celebração de atos visando o exercício das prerrogativas previstas nos artigos 102 e 199 do CTN, como também sobre outras matérias de interesse dos Estados e do Distrito Federal[35]; b) promover a gestão do Sistema Nacional Integrado de Informações Econômico-Fiscais - SINIEF, para a coleta, elaboração e distribuição de dados básicos essenciais à formulação de políticas econômico-fiscais e ao aperfeiçoamento permanente das administrações tributárias; e, c) promover estudos para aperfeiçoamento da Administração Tributária e do Sistema Tributário Nacional como meio de desenvolvimento econômico e social, nos aspectos de inter-relação da tributação federal e da estadual.

Dessa atribuição, os Convênios ICMS, que são, em sua essência, instrumentos administrativos, decorrem inúmeras possibilidades, não só quanto ao seu alcance e o respeito aos princípios da legalidade e da segurança jurídica quando o tema envolvido extrapola a concessão de benefícios fiscais de isenção, redução de base de cálculo, crédito presumido, manutenção de crédito, etc.

Tal preocupação se justifica, na medida em que comentamos anteriormente que, considerando ainda as peculiaridades já observadas, em função da estrita legalidade, não é permitido aos Convênios versar sobre itens da regra-matriz de incidência tributária, excetuando-se, como já dito, casos de concessão de benefícios fiscais no ICMS e a sujeição ativa no ITR, o que significa dizer que tal instrumento, no sentido strictu sensu (ou até mesmo no contexto lato sensu acima apontado), deve se limitar às regras do art. 155, § 2º, XII, “g” da CF/88 e ao caso de concessão de benefícios fiscais.

Nota preocupante diz respeito aos convênios produzidos pelo CONFAZ que tem exacerbado tal função, observando-se casos de convênios que tratam, por exemplo, de conflitos de competência e que não tratam de questão envolvendo fiscalização, num reconhecimento imediato que temos, a despeito da polêmica, dois tipos convênios com naturezas distintas, sendo um instrumento hábil para concessão de incentivo (lastreado no art. 155, § 2º, XII, “g”) e outro de natureza meramente de administração fazendária (arts. 100, IV e 199 do CTN), para os quais não se lhe aplicam as regras já aventadas anteriormente de relativa exceção e flexibilização aludidas anteriormente.

Resta-nos, portanto, em que pese comentarmos em modalidades de Convênios no sentido genérico, observar que, no sentido específico também entendemos como possível pelo menos três tipos de Convênios ICMS, a saber: a) benefícios fiscais: art. 155, § 2º, XII, “g” e da LC 24/75; b) fiscalização e demais procedimentos de arrecadação: arts. 100, IV e 199 do CTN; e, c) extraterritorialidade, antecipação e substituição tributária: art. 102 do CTN e art. 155, § 7º da CF/88.

3.2. A QUESTÃO DA INTERNALIZAÇÃO DOS CONVÊNIOS

Do que se disse até aqui, e admitindo-se que o Estado-membro deva internalizar o Convênio (mesmo aqueles afeitos a temas de caráter meramente administrativo), constatamos, por se tratar, em essência, de instrumento jurídico administrativo, que tal temática, como não poderia deixar de ser, também é discutida no campo do Direito Administrativo. Neste sentido aliás, Luciano Elias Reis[36] observa entendimentos opostos que comprovam tal afirmativa, citando, de um lado, Odete Medauar[37] (que entende pela desnecessidade de aprovação do Poder Legislativo quanto aos atos praticados pelo Poder Executivo), ao passo que para Hely Lopes Meirelles[38] haveria, a imperiosidade de aprovação de tais convênios pelo Legislativo.

A necessidade de confirmação destes convênios mediante lei (ou até mesmo por intermédio decreto legislativo) a fim de fazer prevalecer o princípio da legalidade, é objeto de questionamentos tanto na esfera do Direito Administrativo quanto no campo do Direito Tributário, pois é imperioso que se considere a competência constitucional dos Estados em legislar o ICMS, a quem cabe a efetiva internalização dos mesmos na em seu ordenamento, em observância das regras que tratam de vigência, validade e eficácia da norma jurídica no espaço e no tempo como descrito nos artigos 101 e 102 do CTN.

No universo tributário, embora a prática seja a simples convalidação rotineira do CONFAZ e a posterior inserção via Decreto do Executivo no ordenamento jurídico interno de cada UF, questiona-se a necessidade de Lei ou Decreto Legislativo Estadual (em função da competência Constitucional do art. 155, II e do próprio art. 150, I) para que o referido convênio venha a ser juridicizado na legislação estadual. Neste sentido, entendimento de Heron Arzua[39] entendendo que, mesmo internamente, Convênios ICMS só poderiam ser incorporados no ordenamento jurídico interno após o crivo do legislativo estadual, seja por meio de lei ou de decreto-legislativo.


Análise de Caso: Os Convênios ICM 66/88 e ICMS 93/2015. OS LIMITES DA LEGALIDADE E DA CONSTITUCIONALIDADE

Muitos casos de convênios carecem de amparo constitucional para sua aplicação, pois não dizem respeito aos alentados benefícios fiscais já comentados, não podendo extrapolar nosso ordenamento, conforme entende Lucas Galvão de Britto[40]. Segundo ele, porque nossa ordem jurídica, sendo pautada no princípio da estrita legalidade tributária, não se poderia admitir a produção de instrumento diverso para versar sobre o critério espacial ou o domínio espacial de vigência.  Para o autor, ainda que se aceite que as normas postas pelos convênios não tratam da instituição de tributos, mas de disposições da competência para fazê-lo, o procedimento constitucional para a produção de tais expedientes seria a Lei Complementar, à luz do art. 146, II da CF/88.

Ou seja, por tudo que se disse até aqui, qualquer coisa que extrapole a concessão de benefícios, desrespeitando o art. 155, § 2º, XII, “g” da CF/88 e a LC 24/75, ou, em caso de convênio meramente de cunho administrativo fazendário o que dispõem os arts. 100, IV e 199, ou, ainda o caso de substituição tributária de que tratam os art. 102 e 128 do CTN, pode ser considerado anomalia jurídica, e certamente estariam no campo da ilegalidade e da própria inconstitucionalidade, por invasão absoluta de competência legal.

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Britto ainda cita como exemplo o Ajuste SINIEF 07/2011 (Convênio no sentido lato sensu), que em sua cláusula segunda, § 3º limitava o local de incidência nas operações de venda de bebidas e alimentos no interior de aeronaves), bem como o Convênio ICMS 52/2005 (que “delimitou” o conflito de competência entre o Estado do prestador e o do tomador nos serviços de telecomunicação por satélite). Também merece observação a concessão de incentivos que não passem necessariamente pelo CONFAZ, e que sejam concedidos unilateralmente pelas UFs, mesmo que o sejam por intermédio de leis estaduais, pois a condição constitucional já descrita estabelece o órgão como local para tal situação em respeito ao pacto federativo e à harmonia do tributo.[41]

4.1. A SITUAÇÃO DO CONVÊNIO ICM 66/88

Exceção à regra, o Convênio ICM 66/88, editado com fulcro no art. 34 § 8° do ADCT da CF/88, e recebeu o status de Lei Complementar, o que é inadmitido para os convênios em geral, pois que, embora tenham regramento específico, não se confundem com a lei. Desta forma, considerando tal autorizatório constitucional, o referido Convênio cumpriu o papel que seria destinado a Lei Complementar (art. 146 da CF/88) e atendeu ao princípio instituidor originário do art. 155, II da CF/88, não havendo aqui, em princípio, ferimento à estrita legalidade descrita no art. 150, I, o que não significa passar incólume pelo princípio da segurança jurídica. Observe-se que aludido Convênio, poderia regular o ICMS de maneira provisória caso foi provisoriamente (sic) cumprida pelo Convênio ICM 66/88, que, por tal período teve o status de Lei Complementar.

A restrição que se pode fazer aqui se prende ao fato de que o “provisório” durou quase 8 (oito) anos, pois a referida e pretendida Lei Complementar descrita para tal fim, só foi editada em 1996, demonstrando o descaso do nosso legislativo com importante tributo e que afeta o cotidiano dos contribuintes. Parece-nos, pois, que princípios como o republicano e a segurança jurídica foram vilipendiados, pois o contribuinte sujeitou-se, por longo período, ao ente tributante ditando regras sobre o tributo que lhe dizia respeito, o que torna o império da lei ato do príncipe que não respeita princípios de democracia e a tripartição dos poderes.

A SITUAÇÃO DO Convênio ICMS 93/2015

Outro caso que merece cuidado e que avança perigosamente sobre o limite da legalidade, decorre das mudanças da Emenda Constitucional 87/2015, que mudou drasticamente o perfil do ICMS, estabelecendo que parte do tributo ficaria com o destinatário, nos casos de operações e prestações destinadas a não contribuintes, alterando perigosamente a estrutura do imposto por meio de Convênio quando o correto seria por intermédio de lei complementar, que, a despeito da situação comentada no subitem anterior, também não for produzida pelo nosso ineficiente Congresso Nacional.

Dentre as questões que merecem observação, e que ratificam haver desrespeito ao critério da legalidade, o convênio 93 alterou o conceito de destinatário jurídico da mercadoria e dos serviços, notadamente porque estamos falando de um imposto “relativo” à circulação de mercadorias em que o adquirente nem sempre é o recebedor efetivo admitindo-se uma transferência jurídica e econômica a outrem que não o recebedor. Tal conceito aliás, decorre de tema pacificado no STF, que entendeu que o destinatário da mercadoria não era o recebedor físico necessariamente, havendo, portanto, uma mudança de regra-matriz por meio de Convênio, como se observa dos RE 430372[42] e  600559.[43]

Não bastasse tal questionamento, no âmbito do STF já repousam três ADINs, a 5439, a 5464 (com liminar concedida) e a 5469, que, em essência, questionam o referido Convênio 93/15, por afrontar regras decorrentes do art. 155, II da CF/88, mas principalmente, porque invade a competência restrita à lei federal complementar e deveria se limitar ao disposto nas regras já comentadas.

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Sobre o autor
José Julberto Meira Junior

Advogado; Mestre em Direito Empresarial pelo Programa de Pós-Graduação do Centro Universitário Curitiba (2018) e especialista em Direito Tributário (1999) pelo IBEJ/FESP; Professor Universitário nos cursos de especialização da UNICENP, FAE BUSINESS, FESP, ABDCONST (Curitiba), FAG (Cascavel e Toledo), CTESOP (Assis Chateaubriand); UniOPET EAD (Curitiba); Instituto Navigare / Faculdade Stª Fé (São Luis – Maranhão), UFPR/Ciências Contábeis (Curitiba), PUC (Curitiba); com estágio docente realizado na Universidade de Santiago de Compostela (USC/Espanha); Membro do Comitê Tributário da OAB/PR; membro honorário do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT); membro do Instituto de Direito Tributário do Paraná (IDT); membro do Comitê de Estudos Tributários, Fiscais e Contábeis do CRC/PR e do Conselho Temático Tributário da Federação das Indústrias do Paraná (FIEP). Lattes: http://lattes.cnpq.br/2581196308704093 E-mail: [email protected]

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