Prescrição intercorrente sob análise na Segunda Seção de Direito Privado no Superior Tribunal de Justiça (Incidente de Assunção no RESP n. 1.604.412/SC, cadastrado como IAC n.1)

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Não é dado ao Estado a eternidade como limite na busca pela solução da execução fiscal e cível, isto posto, a prescrição intercorrente deve ser analisada sob a ótica do princípio da proteção judicial efetiva e do princípio da dignidade humana.

 

Por: Flavia Falcão Gordilho Oliveira[1]

 

Recentemente o ministro relator Marco Aurélio Bellizze, do Superior Tribunal de Justiça,  de oficio, propôs o Incidente de Assunção de Competência no Resp nº 1.604.412/SC, cadastrado como IAC n. 1), a fim de seja julgado na Segunda Seção de Direito Privado a divergência de entendimentos entre a Terceira e a Quarta Turmas do Superior Tribunal de Justiça – que discute os seguintes temas: cabimento da prescrição intercorrente e a eventual imprescindibilidade de intimação prévia do credor; necessidade de oportunidade para o autor dar andamento ao processo paralisado por prazo superior àquele previsto para a prescrição da pretensão veiculada na demanda.

       Na opinião da autora, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) é grande órgão regulador do mercado privado no país, que necessita fornecer segurança jurídica na construção do Estado Democrático de Direito para não gerar disfunção ou intervenção anômala do Judiciário nos negócios típicos de atuação privada.

Dessa forma, vimos a prescrição como uma regra de ordem, de harmonia e de paz, imposta pela necessidade de certeza nas relações jurídicas, como lembra Clovis Beviláqua[2], por consequência, o instituto da prescrição intercorrente encontra sua razão de ser não em uma punição à negligência do credor, em virtude de sua inércia, mas sim pela necessidade de paz social e da segurança da ordem jurídica integrante à Constituição como forma de garantir a certeza e a estabilidade nos negócios típicos de atuação privada.

A prescrição assinalou Enneccerus[3]: "serve à segurança geral do direito e à paz pública, que exigem que se ponha limite às pretensões jurídicas envelhecidas ... ".

Carpenter[4], em seu notável trabalho sobre o tema, já realçava: "A explicação positiva é a seguinte: o fundamento da prescrição, quer extintiva, quer aquisitiva, é a necessidade social, é a ordem social”.

Dito isto, o decurso do tempo, indiscutivelmente, leva à estabilização das relações e atentaria contra a tranquilidade o magistrado conceder oportunidade para o autor dar andamento ao processo paralisado por prazo superior àquele previsto para a prescrição da pretensão veiculada na demanda, que daí resultaria, admitir a eternização da demanda.

Neste aspecto, não compete ao Judiciário vigiar o curso do prazo ou provocar o credor à prática de atos para a satisfação de seu credito dentro do prazo prescricional, uma vez que, é ônus da parte, maior interessada, provocar a atividade jurisdicional (Artigo 2º, do CPC/1973).

Na mesma trilha, o Código de Processo Cível de 1973, expressamente atribui que é ônus da parte provocar o judiciário, vem a razão pela qual, advogados - públicos ou privados - serem essenciais à administração da Justiça, de acordo com o artigo 133, da Constituição da República Federativa do Brasil, além de que, consoante o entendimento pacífico da jurisprudência de que o PRINCÍPIO DO IMPULSO OFICIAL NÃO É ABSOLUTO.

Continuando o raciocínio, o Código de Processo Civil de 2015, prevê expressamente no artigo 6º, o princípio da cooperação, o qual já se encontrava no ordenamento anterior, que todos os sujeitos da relação processual, devem contribuir entre si para obtenção de decisão de mérito justa e efetiva em tempo razoável.

Ademais, a Constituição da República, em seu artigo 5º, inciso LXXVIII, determina que “a todos, no âmbito judicial e administrativo são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

Ora, a legislação infraconstitucional e constitucional impõe aos ligantes boa-fé processual, de modo a buscar a satisfação da pretensão sem onerar sobremaneira a parte contrária,  colocada em situação de devedor eterno, até mesmo porque a paralisação processual, onera excessivamente o devedor, uma vez que a atualização da dívida durante o período de inatividade injustificada da demanda torna o debito desproporcional à violação originaria, contribuindo assim para o enriquecimento ilícito sem causa. 

Portanto, paralisada a execução por período superior ao da prescrição do título o executado, revela-se acertada a decisão que reconhece a prescrição intercorrente sem a necessidade de intimação do credor para dar andamento a execução, visto que em 1963, o STF (então competente para uniformizar a interpretação da lei federal) editou a Súmula 150/STF, reconhecendo a possibilidade de prescrição da pretensão executória pelo mesmo prazo da ação, nos seguintes termos: Súmula 150/STF - Prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição da ação.

Como visto, não deve ser dado oportunidade para que o autor/credor dê andamento ao processo paralisado por prazo superior àquele previsto para a prescrição da pretensão veiculada na demanda.

Isto posto, concluímos que não é dado ao Estado a eternidade como limite na busca pela solução da execução fiscal e cível, isto posto, a prescrição intercorrente deve ser analisada sob a ótica do princípio da proteção judicial efetiva e do princípio da dignidade humana, a fim de não permitir que o réu/devedor seja submetido a uma execução fiscal e cível eterna e imprescritível.

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[1] Advogada e Pós-Graduada em Direito Público; Presidente da Escola de Gestão Pública da Bahia; Sócia do Escritório Falcão Gordilho & Oliveira.

[2] Tratado Geral do Direito Civil, 1972, p. 310

[3] Tratado de Dir. Civil, I, § 211

[4] Da Prescrição, artigos 161 a 179 do Código Civil, atualização e notas do Prof Arnold Wald, 3a ed., Editora Nacional de Direito Ltda., Rio de Janeiro, RJ, 1958, p. 80

 

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Flavia Falcão Gordilho Oliveira

Advogada e Pós-Graduada em Direito Público; Presidente da Escola de Gestão Pública da Bahia; Sócia do Escritório Falcão Gordilho & Oliveira.

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