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Voto impresso: Senado defende constitucionalidade

19/03/2018 às 16:45
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A Lei n° 13.165/2015 determinou que a urna eletrônica deverá gerar um registro impresso de cada voto. A PGR ajuizou ação direta de inconstitucionalidade apontando violação ao sigilo do voto e retrocesso institucional. O Senado Federal defende a constitucionalidade da lei, apontando que as informações do registro impresso do voto já constam do registro digital do voto, que os deficientes visuais já contam com auxílio, e que a inovação representa transparência.

EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO DO  SUPREMO  TRIBUNAL FEDERAL GILMAR MENDES, RELATOR DA  AÇÃO DIRETA DE IN CONSTITUCIONALIDADE n° 5.889

REQUERENTE: PROCURADORIA -GERAL D A REPÚBLICA

INTERESSADOS: CONGRESSO NACIONAL e PRESIDENTE DA REPÚBLICA,

(Processo SF t f 00200.00328312018-22)

O CONGRESSO NACIONAL, por meio da Advocacia do Senado Federal, nos termos do art. 52, XIII, da Constituição da República, dos arti- gos 230, §§ 1° e 5°, 78 e 31 do Regulamento Administrativo do Senado Federal (Resolução do Senado Federal n° 11/2017), em  atenção ao  Ofício n°  2.067,  de  9 de fevereiro de 2018, vem prestar, nos termos do art. 12 da Lei n° 9.868/1999, as seguintes


INFORMAÇÕES

para o julgamento da Ação Direta de  Inconstitucionalidade n°  5.889, propos- ta pela PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA.

A ação é voltada contra o art. 59-A da Lei n° 9.504/1997, incluído pela Lei n° 13.165/2015 de seguinte redação:

“Art. 59-A. N o processo de votação eletrônica, a urna imprimirá o registro de cada voto, que será depositado, de forma automática  e sem contato manual do eleitor, em local previamente lacrado.

Parágrafo único. O  processo  de votação não  será concluído até  que o eleitor confirme a correspondência entre o teor de seu voto e o registro impresso e exibido pela urna eletrônica”.

Pede-se a decretação da inconstitucionalidade  do  citado  artigo  de lei e inclui pedido cautelar por decisão  monocrática, ad  referendum do  plenário, para suspensão imediata da eficácia da norma questionada O Min. Relator solici-  tou informações do Congresso Nacional, tendo adotado o rito do art. 10 da Lei n° 9.868/1999.

E o breve relatório.


I - Da controvérsia constitucional

Alega a requerente ter havido violação da Constituição pelo fato de que a impressão do registro viola o sigilo do voto (art. 14, caput, da Constituição Federal), nos seguintes termos: a) a norma (art. 59-A da Lei 9.504) não explicita quais dados estarão contidos na versão impressa do voto, o que abre demasiadas perspectivas de risco quanto à identificação pessoal do eleitor, com prejuizo à inviolabilidade do voto secreto; b) o problema torna-se mais grave caso ocorra algum tipo de falha na impressão ou travamento do papel na urna eletrônica. Tais situações demandarão intervenção humana para a sua solução, com a inüudível exposição dos votos já registrados e daquele emanado pelo cidadão que se encon- tra na cabine de votação; c) há ainda  que  se  considerar a situação  das  pessoas com deficiência visual e as analfabetas, que não terão  condições  de  conferir  o voto impresso sem o auxílio  de terceiros, o  que, mais uma vez, importará quebra  do sigilo de voto.

O artigo 59 da Lei n° 9504 criou o Registro  Impresso  do  Voto (RIV) que seria um documento impresso pela urna do qual constam a votação do eleitor para os cargos em disputa e a informação acerca da confirmação ou do cancelamento de suas escolhas. Veja-se que este documento não é impresso e entregue ao eleitor, mas é depositado em uma urna plástica descartável (repositório onde serão depositados automaticamente os RIVs, confirmados ou não, bem como relatórios de controle).

A impressão do voto destina-se ã verificação, pelo eleitor, da correspondência entre o teor de seu voto e o registro impresso, assim  como o  exibido pela urna eletrônica. Entretanto, o eleitor não terá contato manual com o RIV (Lei n° 9.504/1997, art. 59-A, parágrafo único).

Por outro lado, deve-se salientar que a Lei n° 10.740 instituiu o Re- gistro Digital do Voto (RDV). O RDV é uma lista emitida depois de todo o pro- cesso de votação e apuração dos votos, que permite  aos  partidos  políticos  e  outros interessados realÍ2ar eventual recontagem dos mesmos, assim  dispõe  § 4° do Art. 59 da Lei 9.504/1997, incluído pela Lei 10.740/2003, que determina:

§ 4°. A urna eletrônica disporá de recursos que, mediante assinatura digital, permitam o registro digital de cada voto e a identificação da urna em que foi  registrado, resguardado o anonimato do eleitor

O argumento de que a lei não explicita o conteúdo do Registro Impresso do Voto e que  assim  essa impressão poderia vir a  conter informações em prejuizo ao sigilo do voto, não mercê prosperar. Nesses termos, cita-se Amü-  car Brunazo Füho^:

Mas uma leitura atenta do parágrafo único do artigo de lei questionado pela PGR mostra que está determinado que haja correspondência entre  o  conteúdo do  registro  digital do voto  e do registro impresso do mesmo voto, a serem  exibidos  pela urna eletrônica para confirmação do eleitor, nos seguintes termos:

Parágrafo único. O processo de votação não  será concluído  até que o eleitor confirme a correspondência  entre  o  teor  de seu voto e o registro impresso e exibido pela urna eletrônica.

Assim, estabelece a norma questionada que ambos os registros do voto, digital e impresso, contenham as mesmas e corres- pondentes informações e admitir a hipótese aventada pelo Parquet,de que o registro impresso poderia conter dados que prejudiquem a inviolabüidade do voto, remete diretamente à conclusão de que também o Registro Digital do Voto conteria tais dados impróprios.

Como já citado, o Registro Digital do Voto foi criado pelo

§ 4° do Art. 59 da Lei 9.504/1997 que determina que este esteja as- sociado à assinatura digital da urnas e que resguarde o anonimato do eleitor, nos seguintes termos:

§ 4°. A urna eletrônica disporá de recursos que, mediante assinatura digital, permitam o registro digital de cada voto e a identificação da urna em que foi registrado, resguardado o anonimato do eleitor.

Embora o Registro Digital do Voto venha sendo usado em todas as eleições desde 2004 no Brasil,  seu uso  nunca foi contesta- do e nunca foi solicitado a declaração de sua inconstitucionalidade, nem mesmo pela PGR, porque poderia hipoteticamente conter in- formações em prejuizo à inviolabilidade do voto e, uma vez que ambos os registros devem conter os mesmos dados, não há  porque alegar que o conteúdo do Registro Impresso do Voto poderia vulnerabilizar o sigilo do voto.

O entendimento de que o Registro Impresso do Voto deve conter as mesmas informações do Registro Digital do Voto, é cor- roborado pelo Grupo de Trabalho criado pela Portaria TSE n°  620 de 07 de de2embro de 2015 para “realizar estudos e apresentar so- luções para a implantação do voto impresso”.

(•••)

A “Minuta de Requisitos do Voto Impresso”, emitida pelo mesmo Grupo de Trabalho do TSE na mesma ocasião, apresenta a seguinte especificação do conteúdo do voto impresso:

5.4. Cada registro em papel deve conter  um  resumo, legível por humanos, da imagem do registro eletrônico da cédula. Além disso, todos os registros em papel devem conter as seguintes in- formações para auditoria:

5.4.1. Número interno da urna eletrônica;

5.4.2. Número interno do MIE;

5.4.3. Número do pleito/processo eleitoral;

5.4.4. Circunscrição, tal como Município, Zona e Seção, da eleição;

5.4.5. Data da eleição; e

5.4.6. Resumo completo das escolhas do eleitor, registrando fielmente aquilo que foi digitado pelo eleitor, acrescido da identifi- cação de voto nulo, quando for o caso;

5.4.7. Uma indicação de que o registro em papel fora CON- FIRMADQ ou CANCELADO pelo eleitor;____________________

5.4.8. Código de barras bidimensional do tipo QRCode con- tendo todas as informações do RIV, para permitir a automati2ação da contagem;

5.4.9. Indício criptográfico para a integridade e autenti- cidade do voto”

Assim, pode-se afirmar, com absoluta certe2a, que não há nenhuma identificação do eleitor no voto impresso, não  havendo vulneração  do  princípio do voto secreto. Ao contrário do que fa2  crer a requerente, a impressão  do voto, nos moldes preconizados pelo dispositivo impugnado, não possibilita a identifi- cação do voto com seu eleitor, sendo, portanto, afastada a suposta ofensa ao dis- positivo 14 da Constituição.

Quanto ao argumento de que poderia haver situações em que a impressora falharia e assim poderia haver uma quebra de sigilo, o argumento dia- loga com um caso excepcionalíssimo, “Trata-se de um eventoJortuito, uma exceção de remota, talve^i remotíssima, ocorrênciajá que não há nenhuma citação a esse evento em nenhum relatório sobre nenhuma eleição com voto impresso seja no brasil ou mesmo no resto do mundo".

Por último, o argumento de que pessoas com deficiência visual e as analfabetas, que não terão condições de  conferir o  voto impresso  sem  o  auxílio  de terceiros, o que, mais uma vez, importará quebra do sigilo  de voto  também deve ser afastado, uma vez que ''trata-se de mais uma condição de exceção que ocorre tam bém na votação sem o  voto im presso com  idêntica incidência,  sem nun- ca antes ter tido sua constituáonalidade questionada”"^. Veja-se que estas situações já são dirimidas pela Lei n° 13.146/2015 e pela Resolução n° 23.456/2015  do TSE, nes- tes termos:

Lei n° 13.146/2015

Art. 76. O poder público deve garantir à pessoa com deficiência todos os direitos políticos e a oportunidade de exercê-los em igual- dade de condições com as demais pessoas.

§ 1°. A pessoa com deficiência será assegurado  o  direito de votar e  de ser votada, inclusive por meio das seguintes ações:

IV - garantia do livre exercício do direito ao voto e, para  tanto, sempre que necessário e a seu pedido, permissão para que a pessoa com deficiência seja auxiliada na votação  por pessoa  de sua escolha.

Resolução TSE 23.456/2015

Art. 49. Será permitido o uso de instrumentos que auxiliem o eleitor analfabeto a votar, os quais serão submetidos à decisão do presidente da Mesa Receptora, não sendo a Justiça Eleitoral obrigada a fornecê-los (Lei no 9.504/1997, art. 89).

Art. 50. O eleitor com deficiência ou mobilidade reduzida, ao votar, poderá ser auxiliado por pessoa de sua confiança, ainda que não o tenha requerido antecipadamente  ao  Juiz  Eleitoral (Lei no 13.146/2015, art. 76, § lo , inciso IV).

§ 1° O presidente da Mesa Receptora de Votos, verificando ser imprescindível que o eleitor com deficiência  ou mobilidade reduzida seja auxiliado por pessoa  de  sua confiança para votar, autorizará o ingresso dessa segunda pessoa com o eleitor, na cabina, podendo esta digitar os números na urna.

§ 2° A pessoa que auxiliará o eleitor com deficiência ou mobilidade reduzida não poderá estar a serviço da Justiça Eleitoral, de partido político ou de coligação.

Desse modo, data venta, da narração dos fatos não decorre logicamente a conclusão apresentada pela Chefe do Varquet. Não subsiste, de conseqüência, toda argumentação apresentada na inicial, baseada  em premissa inexistente, qual seja, a de que o eleitor será identificado.

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Com efeito, se não haverá  qualquer possibilidade  de  identificação do eleitor, não ocorrerá qualquer prejuízo ao direito de resguardo  do  sigilo  do voto, ainda que haja necessidade de manutenção de equipamento ou recontagem.

Tal providência representa o oposto de retrocesso político: é avanço, dado que aumenta a transparência do sistema —que pode ser periciado pelo eleitor comum, e não só por engenheiros de tecnologia com sofisticada formação específica, no momento do voto —sem prejudicar a segurança do sigilo do voto.


II. Dos Limites da jurisdição constitucional. Self-restraint ádiS cortes cons- titucionais. Da afronta à cláusula pétrea da separação dos Poderes.

Tendo em vista o papel democrático e representativo do Poder Le- gislativo, deve-se revisitar a legitimidade da jurisdição constitucional enquanto instância revisora das decisões políticas democraticamente tomadas pelo Poder Legislativo, que é o intérprete primeiro do texto constitucional e,  certamente,  o mais representativo da pluralidade e da complexidade das sociedades contempo- râneas.

A análise crítica da jurisdição constitucional não pode  desconside- rar que o direito constitucional dos países ocidentais sofreu significativa trans- formação nas últimas décadas. Essas modificações podem  ser  estudadas a partir  de três marcos fundamentais: o histórico, o filosófico e o teórico.

Na Europa ocidental, o marco  histórico  foi  o  constitucionalismo do pós-guerra, que redefiniu o papel da Constituição e sua influência nas demais instituições. A aproximação das ideias de constitucionalismo e  democracia  fez surgir uma nova forma de organização política denominada Estado Democrático  de Direito. No Brasil, o marco histórico assenta-se na redemocratização e na elaboração e promulgação da Constituição da República de 1988.

Como marco filosófico, tem-se o pós-positivismo, consubstanciado na superação dos modelos puros do jusnaturalismo (princípios de justiça universalmente válidos) e do positivismo (equiparação do Direito á lei, dissociando-o de discussões como justiça e legitimidade), por um conjunto difuso e abrangente de ideias no qual se verifica uma reaproximação do Direito com a ética e com a füo- sofia. Após a queda dos regimes totalitários europeus (nazismo e fascismo), iniciou-se um processo de reflexão da função social do Direito e da sua interpretação, com a superação da legalidade estrita e a busca por teorias de justiça, sem, contudo, desconsiderar o direito posto.

Por fim, como marco teórico tem-se o neoconstitucionalismo, alicerçado sobre três grandes paradigmas na aplicação do direito constitucional: a  força normativa da constituição (normas constitucionais como normas jurídicas dotadas de imperatividade), a expansão da jurisdição constitucional (constitucionalização dos direitos fundamentais) e o  desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional (princípios da supremacia da Constituição, da presunção de constitucionalidade das normas e atos do poder público, da interpretação conforme, da razoabilidade, da unidade e da efetividade).

Sob esses paradigmas, os Estados  constitucionais  promoveram  uma significativa expansão do papel do Poder Judiciário, que não mais aplica as normas contidas nas leis, mas se investe do poder de criar as normas jurídicas a partir dos diversos métodos de interpretação dos textos legais.

Ocorre que, levada ao extremo, a expansão da jurisdição constitucional propiciará ao Poder Judiciário investir-se da função de realizar escolhas entre as concretizações politicamente possíveis, inclusive quando as normas constitucionais não ordenam nem proíbem nada acerca dos direitos fundamentais, aparentemente desconsiderando a legitimidade democrática ínsita ao corpo legislativo.

Noutras palavras, a materialização da Constituição tem franqueado  ao juiz constitucional um âmbito de discricionariedade que, num modelo de Constituição composto apenas de regras  de  competência e de limites  ao poder,  era exclusivamente reservado ao legislador.

Nesse sentido, a problemática da efetividade das normas constitu- cionais tem se deslocado do âmbito da legislação para o  âmbito da decisão judicial, minimizando o espaço político e jurídico do legislador na conformação dessas normas e, consequentemente, tornando menos importante  qualquer aprofundamento teórico acerca da teoria da legislação.

Se, por um lado, o neoconstitucionalismo impõe uma releitura do princípio da separação de poderes, o qual, em sua concepção clássica, impunha rígidos limites à atuação do Poder Judiciário, também é verdade que a excessiva judicialização na defesa de direitos e valores constitucionais relativiza as concepções estritamente majoritárias do princípio  democrático, endossan- do uma concepção substancial de democracia que legitima amplas restrições ao Poder Legislativo.

O modelo neoconstitucionalista não pode ignorar que o  pluralismo constitucional constitui um amplo espectro de diversidades que se institucionalizam como alternativas jurídicas. Nesse sentido, a tese da força irradiante das normas constitucionais, caso levada às últimas conseqüências, pode acarretar a total conformação da própria atividade legiferante, retirando do legislador qualquer espaço de atuação sob  o  argumento  de  que todos  os  espaços já estão constitucionalmente regulados.

O ideal de uma constituição onipresente e expansiva pode  se  reve- lar incompatível com um modelo de constitucionalismo aberto e com a compre- ensão da democracia como um processo permanente de conjecturas  e  de submissão a refutações, no qual o legislador e os demais atores  políticos  desfrutam de um espaço aberto para a crítica, para o debate  e para a busca de  alternativas institucionais aptas a resolver os problemas que não foram previamente decididos no plano jurídico-constitucional.

O Estado Democrático de Direito pressupõe um corpo legislativo legitimado a tomar decisões políticas em nome  da  comunidade. Sendo assim, o viés judicialista deve ser criticamente analisado, porque os  juízes  não são democraticamente eleitos como o são os parlamentares e porque a de- mocracia pressupõe que a maioria das decisões políticas seja tomada mediante a participação igualitária dos cidadãos na esfera pública. O Parlamento revela-se ainda o espaço mais amplo e pluralizado para essa prática discursiva.

Embora em alguns casos as normas  constitucionais, especialmente as instituidoras de direitos e garantias fundamentais, possuam densa significação fundamental, restando ao legislador atribuições de significado instrumental ou procedimental, noutros casos o constituinte utüÍ2a-se  de  formas  menos precisas, de modo que a atividade legislativa assume um caráter substancialÍ2ador ou defi- nidor do próprio conteúdo da norma constitucional.

De fato, o postulante pretende, com esta ADI, alterar a decisão prevalecente no Congresso Nacional, transformando o Supremo Tribunal Federal em instância revisora de um processo decisório eminentemente político, ainda que também jurídico.

A nulidade das normas  pela  declaração  de  inconstitucionalidade não pode se dar pelo controle concentrado de constitucionalidade, sob pena de banalizar a própria jurisdição constitucional, que não pode ser tida como panaceia para a viabüização todas as soluções jurídicas discutidas no âmbito social ou  em cada processo in concreto.

Nesse contexto, é imprescindível que o Supremo Tribunal Federal reconheça que, num Estado Constitucional, as Cortes Constitucionais devem atentar para a necessidade de autocontenção {self-restrainí) na revisão e na interpre- tação dos atos legislativos, sob o risco de se investirem de um suprapoder, desna- turando o pacto constituinte fundado na harmonia e na independência entre os poderes.

Ainda que o embate travado entre Carl Schmitt e Hans Kelsen, so- bre quem seria o guardião da Constituição, tenha se resolvido com a preponde- rância da jurisdição constitucional em detrimento do soberano (do Presidente do Vs£ÍcB), permanecem atuais as preocupações de Schmitt acerca da destruição do Estado Democrático pelo Estado Constitucional.

Segundo o autor, a Constituição é a consagração de decisõespolíticas fundamentais e as opções sistêmicas nela contidas —separação de poderes, sistema parlamentar unicameral ou bicameral, maior rigide2 ou flexibilidade do poder de reforma constitucional —expressam as opções mediante as quais uma sociedade política se configura em uma determinada ordem política.

Desse modo, tais pactos jurídico-constitucionais, que se mesclam, indissociavelmente com a noção moderna de nação, não  podem  ser  subvertidos ou ignorados pelos poderes políticos, no exercício das suas funções, até porque o contrário  seria um paradoxo inaceitável, na medida em que esses pactos é que  são   a fonte que valida tais poderes.

Nesse sentido, Otto Bachof advertiu sobre os riscos de catástrofe quando as sentenças constitucionais afiguravam-se politicamente inexatas ou falsas. Isto porque nas sociedades democráticas o dado medular é representado pela distribuição e pelo equilíbrio do poder consignado a diferentes setores do Estado, aos quais se reconhecem certas atribuições que devem sempre ser exercidas conforme precisos procedimentos e sempre ajustados a determinados limites.

Portanto, as diretivas em comento assinalam que a interpretação constitucional deve orientar-se no sentido de conservar e fortalecer a unidade e o regime político que a sociedade estabeleceu em sua lei fundamental.

Esta funcionalidade do regime político está indissociavelmente li- gada ao equilíbrio entre  os  Poderes  constitucionais, de  modo a buscar entre  estes a cooperação e não o choque, além da imperiosa necessidade de  evitar a expansão  de um destes Poderes em prejuízo do outro.

Assim é que a doutrina, identificando este pouvoir neutre — segundo Benjamin Constant —nas repúblicas modernas  como  o  órgão ao  qual  se confiou o controle de constitucionalidade exige deste mesmo órgão, no exercício de suas competências, o respeito ao quadro político de Poderes, órgãos, competência e relações institucionais desenhados pela Lei Maior. Esta defesa se processará frustrando quaisquer intentos —ainda que originários de disfunções oriundas da pró- pria Corte Constitucional —de violentar os freios e os contrapesos —checks and balances.

O objetivo é obter-se, sempre, a máxima funcionalidade do regime político constitucional. Isso não implica a absoluta soberania do Parlamento, mas o  reconhecimento de  que  o  Parlamento, casa política que encarna o sistema de representação política consagrado desde a Grécia Clássica, representa a vontade popular em ação - articulando, desarticulando, construindo, de- molindo e reconstruindo - a vivência sociopolítica e espelhando, da melhor maneira até hoje alcançável, o querer dos cidadãos.

N o caso em tela, por exemplo, o locus primordial e democrático do debate é o Congresso Nacional e nada obsta que nele seja realizado, diante do pluralismo político que a República tem como fundamento.

Assim é que se sustenta que os Tribunais Constitucionais têm, como função, não introduzir novas dificuldades no sistema político-constitucional, econômico e social, mas sim o de afastar os porventura existentes. A justiça constitucional, para estes autores, deve sempre facilitar, não obstaculizar.

Portanto, espera-se do exegeta jurídico que  opte  pelas  alternativas de julgamento que preservem e afiancem o sistema político fixado no pacto polí- tico nacional e que, ademais, ao agir,  sopese,  sempre, as  conseqüências políticas  de suas sentenças, tendo em vista a precisa distribuição das forças políticas par- lamentares, suas necessidades e interesses, aos quais o Poder Judiciário não pode pretender substituir.


III. Conclusão

A interferência do Poder Judiciário nas funções típicas do Poder Legislativo só pode ser tolerada em casos excepcionalíssimos e constitucionalmente permitidos, o que não ocorre na ação em tela. Por todos esses fundamen-  tos. não resta outra conclusão que não a de que a presente ação deve ser julgada improcedente.

Há requerimento de medida cautelar na petição inicial que, no caso dos autos, deve ser negado.

Não há Jumus bonijuris necessário ao deferimento da medida soli- citada. Na esteira de todo o exposto anteriormente,  deferir  a  liminar  é  abonar uma solução em detrimento  das  várias  propostas  no  Congresso Nacional, além de se constituir em inconstitucional interferência nas atribuições do Poder Legis- lativo.

Em resumo, por todos os fundamentos expostos, requer-se a denegação da medida cautelar e, no mérito, a decisão pela improcedência do pe- dido veiculado na presente ação direta.

São estas as  considerações necessárias ao atendimento da solicita- ção contida no Ofício n° 2.067, de 9 de fevereiro de 2018, do Ministro do  Su-  premo Tribunal Federal GILMAR MENDES, e ao julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 5.889.

Brasília, 14 de março de 2018.

[vide assinatura eletrônica]

MATEUS FERNANDES VILELA LIMA

Advogado do Senado Federal O A B /D F 36.455

[vide  assinatura  eletrônica]

JOSÉ ALEXANDRE LIMA GAZINEO

Advogado do  Senado Federal

[vide  assinatura  eletrônica]

FERNANDO CESAR DE SOUZA CUNHA

Advogado-Geral em exercício

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FEDERAL, Senado. Voto impresso: Senado defende constitucionalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5374, 19 mar. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/64883. Acesso em: 23 nov. 2024.

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