Os limites da revista de empregados

19/03/2018 às 19:39
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É possível que ela ocorra como uma exceção e, de preferência, sem contato físico ou que não cause constrangimento ao empregado.

1 Introdução

A revista de empregados é um tema que, por vezes, gera atritos na relação de trabalho.

É certo que o empregador pode e deve buscar resguardar o seu patrimônio de condutas delitivas porventura perpetradas por um trabalhador faltoso. Por outro lado, o empregado tem o direito de ver resguardada a sua intimidade e dignidade, com apoio, inclusive, constitucional.

Nessa senda, o presente artigo pretende, de maneira sucinta, responder a seguinte indagação: quais são os limites para que ocorra a revista de um empregado?

2 AS MEDIDAS DE SEGURANÇA PARA PROTEGER O PATRIMÔNIO

O empregador pode possuir em suas dependências objetos valiosos, tais como equipamentos de informática, dinheiro ou joias. Por conta disso, há uma preocupação natural em mitigar o risco de perdas dos seus bens.

Quando se trata de um estranho, alheio ao quadro funcional da empresa, o empregador utiliza de mecanismos de proteção como muros, cercas elétricas, portas reforçadas, dentre outros itens de segurança. Contudo, o empregado tem acesso facilitado a bens que um terceiro não teria neste exemplo hipotético. Assim, o empregador acaba por buscar alternativas adicionais para impedir ações delituosas em seu estabelecimento.Uma das soluções que pode ser ventilada é a revista, geralmente após a jornada de trabalho, dos funcionários.

3 A REVISTA DE PERTENCES DOS EMPREGADOS

Sobre o tema, o TST possui decisões que admitem a revista visual nos pertences dos empregados ao entendimento de que, desde que não realizada de maneira discriminatória ou com ofensa à intimidade e dignidade do trabalhador[1], se trata do exercício dos poderes de direção e de fiscalização próprios do empregador[2]:

RECURSO DE REVISTA. DANO MORAL. REVISTA VISUAL DE BOLSAS E ARMÁRIOS. Esta Corte Superior tem se posicionado no sentido de que a revista visual de pertences dos empregados, feita de forma impessoal e indiscriminada, é inerente aos poderes de direção e de fiscalização do empregador e, por isso, não constitui ato ilícito. No presente caso, do quadro fático delineado pelo acórdão regional, entendo que não ficou evidenciado abuso de direito no procedimento de revista adotado pelo réu. Não se registrou, por exemplo, a existência de contato físico com os empregados, nem a exposição indevida destes durante a revista, ou então a adoção de critérios discriminatórios, para a realização da inspeção. Assim, não se há de falar em ato ilícito da reclamada. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento.

 

RECURSO DE REVISTA. DANO MORAL. EMPREGADO SUBMETIDO A REVISTAS VISUAIS EM BOLSAS, ARMÁRIOS E VEÍCULOS. O entendimento adotado pelo Regional demonstra sintonia com a jurisprudência desta Corte, segundo a qual a revista visual realizada nos pertences dos empregados (bolsas, armários e veículos), de forma razoável, assim considerada aquela em que não ocorre contato corporal ou despimento e desvinculada de caráter discriminatório, não configura, por si só, ato ilícito a ensejar a reparação por dano de índole moral, mas constitui exercício regular do poder de direção e fiscalização do empregador. Recurso de Revista não conhecido.

Vê-se, das decisões acima transcritas, que, ainda que juridicamente admitida a revista, são necessárias algumas cautelas na conduta do empregador ou de seu preposto ao revistar o empregado vistoriado, na medida em que a revista pode ser entendida como violação à dignidade humana e ao direito à intimidade.

A esse respeito, cumpre ressaltar que a intimidade e a dignidade do trabalhador encontram guarida no artigo 5º da Constitucional Federal, bem como, no caso de empregada, há expressa vedação legal no art. 373-A da CLT.

Para evitar atingir à intimidade ou dignidade do trabalhador, que caso provada tal conduta pode dar ensejo à ação de reparação por danos morais, a revista deve ser realizada da maneira menos invasiva possível, de forma superficial, através de simples constatação visual, por exemplo, em mochilas, sacolas e bolsas, com o intuito único e exclusivo de verificar se os pertences carreados são estritamente de caráter pessoal. Ou seja, é prudente que o empregador, em regra, não realize qualquer contato íntimo ou revista corporal, resumindo-se o ato à verificação visual.

Sobre isso, Eduardo Pragmático Filho  leciona[3]:

A revista, ela é possível, mas ela deve ser uma revista impessoal, deve ser combinada previamente. Deve ser prevista em algum acordo coletivo ou convenção coletiva ou em algum regulamento da empresa dizendo que pode haver a revista. A empresa, ela sempre deve utilizar o meio mais alternativo possível. Mas, se não puder, se não tiver um jeito, aquela revista deve ser feita de forma superficial, de forma impessoal, mas nada que atinja a dignidade dos trabalhadores.

Na mesma esteira, Alice Monteiro de Barros[4] entende que a revista não pode ocorrer como primeira opção do empregador, mas sim quando seja o último recurso por falta de outras medidas preventivas eficazes:

A nosso ver, a revista se justifica, não quando traduza um comodismo do empregador para defender o seu patrimônio, mas quando constitua o último recurso para satisfazer o interesse empresarial, à falta de outras medidas preventivas. Essa fiscalização visa à proteção do patrimônio do empregador e à salvaguarda da segurança das pessoas (…). Quando utilizada, a revista deve ser em caráter geral, impessoal (…).

Observa-se, portanto, que a revista dos pertences do obreiro deve ser feita vedando, em regra, a revista íntima, vexatória ou que possa caracterizar constrangimento além do necessário para a proteção do patrimônio do empregador. Ademais, a revista deve ter cunho genérico, para que não caracterize o ato como discriminatório, já que todo o universo de funcionários pode ser alvo da verificação de pertences.

Além disso, é necessário que o empregado tome conhecimento da possibilidade de revista, bem como a sua forma, nas normas da empresa ou no código de conduta empresarial, com o intuito de demonstrar que ele tinha pleno conhecimento que naquela empresa existe normas de segurança que podem resultar em uma revista.

Ultrapassada tal questão, pergunta-se: será que em nenhum caso é possível a revista íntima do empregado?

4 A REVISTA ÍNTIMA DO EMPREGADO

De acordo com a jurisprudência do TST, a revista íntima configura abuso de direito do empregador e ofensa à intimidade do obreiro, o que viabiliza a condenação ao pagamento de indenização por danos morais[5]:

RECURSO DE REVISTA. RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. REVISTA PESSOAL. CONTATO FÍSICO. VALOR ARBITRADO À CONDENAÇÃO. A jurisprudência atual desta Corte é no sentido de que a mera revista visual realizada nos pertences dos empregados (bolsas, armários e outros), de forma razoável e sem caráter discriminatório, não configura, por si só, ato ilícito a ensejar a indenização por dano moral, constituindo exercício regular do poder de direção e fiscalização do empregador. No presente caso, todavia, é possível extrair do acórdão regional que houve revista íntima com contato físico, ainda que de forma moderada e eventual, o que, sem dúvida, demonstra a violação da intimidade da reclamante e o constrangimento por ela sofrido, em flagrante abuso de direito por parte do empregador. Por outro lado, o quantum indenizatório (R$3.000,00) revela-se compatível com a extensão do dano, a condição econômica dos envolvidos e o caráter pedagógico da condenação, em plena observância aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, sem promover o enriquecimento ilícito da reclamante. Incólumes os dispositivos invocados. Dissenso de teses não configurado. Recurso de revista não conhecido.

No entanto, ainda que haja uma certa resistência da doutrina e da jurisprudência para situações em que o empregado possa ser exposto a situações humilhantes, como é o caso de uma revista íntima ou com contato físico, não se pode olvidar que, a depender das peculiaridades da empresa, pode ser necessário se valer deste meio para a proteção do patrimônio.

Basta pensar, por exemplo, em uma tesouraria em que há uma grande movimentação de dinheiro em espécie ou uma joalheria que possua milhões de reais em pequenas pedras preciosas.

Nestes casos, que caracterizam situações excepcionalíssimas, a utilização de outros meios de proteção patrimonial, como detector de metais ou câmeras de vigilância, podem não ser suficientes para proteger os bens do empregador.

É certo que a relação empregatícia é pautada na fidúcia depositada pelo empregador em seu empregado, e este deve pautar sua conduta pela ética e boa-fé com o seu patrão, mas, infelizmente, isto nem sempre ocorre, principalmente quando envolve grandes quantias em que a ganância pode suplantar uma conduta proba.

Mesmo que uma conduta faltosa possa ser sancionada, com base no poder diretivo do empregador, até mesmo com a dispensa por justa causa, a depender da gravidade da falta, quando se envolve grande patrimônio que pode ser facilmente subtraído parece que a segurança dos bens do empregador deve prevalecer, excepcionalmente, frente à intimidade obreira, pois a sanção é insuficiente para restabelecer o dano causado.

Neste caso, a revista íntima é defensável juridicamente e pode ser feita, se outros meios de proteção não estiverem disponíveis, desde que feita de forma moderada, dentro de uma conduta patronal razoável para a situação.

Claro que deve se buscar outros meios de segurança patrimonial menos invasivos, como roupas especiais, monitoramento intensivo com câmeras, cofres ou restrição de acesso a determinadas áreas da empresa. Porém, se, mesmo assim, a segurança dos bens estiver vulnerável, em razão da relação empregatícia, é um direito do empregador adotar medidas para evitar perdas patrimoniais.

É certo que a jurisprudência é firme, tanto no TST como nos Tribunais Regionais, no sentido de que constitui um ato de abuso de direito, passível de indenização por danos morais, a revista pessoal do empregado, mesmo quando se está em jogo a proteção do patrimônio do empregador[6].

Não obstante, não se pode olvidar que, a depender do caso concreto, a revista íntima é a única alternativa de proteção ao patrimônio.

Neste caso, cabe redobrar os cuidados no trato com o obreiro, evitando ao máximo contato físico, intimo ou vexatório. Se, por exemplo, a revista visual de um empregado, ou empregada, de roupa intima for suficiente para a proteção patrimonial, é desproporcional apalpar o obreiro ou a obreira vistoriada. De igual forma, o preposto responsável pela vistoria deve ser do mesmo gênero, bem como a revista deve se dar individualmente e em uma cabine que garanta o mínimo de privacidade, para evitar maiores constrangimentos perante o corpo funcional.

A reforçar tal argumento, a própria polícia, no exercício do seu poder, ao fazer uma batida policial, acaba por ter que, em casos excepcionais, em nome da segurança pública, vistoriar, ainda que rapidamente, o corpo do suspeito, em busca de algum objeto ilícito sem que isto se configure um abuso de autoridade. Do mesmo modo, o empregador, no exercício do seu poder diretivo e fiscalizatório, em nome da segurança de seu patrimônio, excepcionalmente, pode ter que realizar uma revista pessoal.

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Isto não deve ser encarado, a depender do caso concreto, como um ato abusivo ou ilícito do empregador, mas apenas um regular exercício fiscalizatório. Em situações da espécie, a indenização é incabível e eventual ação judicial não merece prosperar.

Por fim, cabe ressaltar que, da mesma forma que na revista de pertences, o empregado deve ser previamente cientificado de como procede a empresa em relação a revistas dos seus obreiros, deixando claro que é possível, ainda que como exceção, a necessidade de revista pessoal.

5 CONCLUSÃO

A revista de empregados acaba por gerar uma tensão adicional na relação trabalhista estando em jogo, de um lado, a intimidade e dignidade do trabalhador e, do outro, a segurança patrimonial do empregador.

Como visto, é possível que ela ocorra como uma exceção e, de preferência, sem contato físico ou que não cause constrangimento ao empregado, pois isto violaria a intimidade e a dignidade do trabalhador.

A jurisprudência trabalhista admite a revista de pertences, por meio de contato visual, mas tende a reprimir as revistas íntimas.

Não obstante, a depender do caso concreto, é possível que a revista íntima seja a única alternativa para proteger os bens do empregador. Em situações da espécie, a conduta do empregador parece ser lícita e não revestida de abuso do poder diretivo, capaz de ensejar uma indenização por danos morais.

Referências

BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 6ª Ed. São Paulo: LTr. 2010.

BRASIL. Tribunal Regional da 12ª Região. RO 03816-2008-016-12-00-0. Relatora: Viviane Colucci. Data de Publicação: 06/11/2009.

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. RR 154800-12.2012.5.13.0023. Relatora Ministra Dora Maria da Costa. Data de Julgamento: 02/10/2013. 8ª Turma. Data de Publicação: DEJT 04/10/2013.

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. RR 367000-67.2007.5.09.0245. Relator Ministro Márcio Eurico Vitral Amaro. 8ª Turma. Data de Julgamento: 11/10/2011. Data de Publicação: DEJT 14/10/2011.

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. RR 371400-80.2007.5.09.0001. Relator Ministro Pedro Paulo Manus. 7ª Turma. Data de Julgamento: 17/08/2011. Data de Publicação: DEJT 02/09/2011.

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Você sabe quais são os limites da revista pessoal no trabalho? Disponível em: <http://www.tst.jus.br/noticias/-/asset_publisher/89Dk/content/voce-sabe-quais-sao-os-limites-da-revista-pessoal-no-trabalho->. Acesso em: 20/02/2017.


[1] BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. RR 367000-67.2007.5.09.0245. Relator Ministro Márcio Eurico Vitral Amaro. 8ª Turma. Data de Julgamento: 11/10/2011. Data de Publicação: DEJT 14/10/2011.

[2] BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. RR 371400-80.2007.5.09.0001. Relator Ministro Pedro Paulo Manus. 7ª Turma. Data de Julgamento: 17/08/2011. Data de Publicação: DEJT 02/09/2011.

[3] BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Você sabe quais são os limites da revista pessoal no trabalho? Disponível em: <http://www.tst.jus.br/noticias/-/asset_publisher/89Dk/content/voce-sabe-quais-sao-os-limites-da-revista-pessoal-no-trabalho->. Acesso em: 20/02/2017.

[4] BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 6ª Ed. São Paulo: LTr. 2010. p. 589.

[5] BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. RR 154800-12.2012.5.13.0023. Relatora Ministra Dora Maria da Costa. Data de Julgamento: 02/10/2013. 8ª Turma. Data de Publicação: DEJT 04/10/2013.

[6] BRASIL. Tribunal Regional da 12ª Região. RO 03816-2008-016-12-00-0. Relatora: Viviane Colucci. Data de Publicação: 06/11/2009.

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Sobre o autor
Alexandre Santos Sampaio

Advogado. Mestre em Direito pela Uniceub - Centro Universitário de Brasília. Especialista em Direito Público pela Associação Educacional Unyahna. Especialista em Direito Civil pela Universidade Federal da Bahia. Bacharel em Direito pela Universidade Católica do Salvador. Bacharel em Administração pela Universidade do Estado da Bahia.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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