Terceirização das relações de trabalho

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Diante das recentes alterações legislativas e percepções deste fenômeno trazido pela reforma trabalhista, há que se indagar: os benefícios da terceirização superam os malefícios que ela pode causar em sociedade? E em que medida?

Resumo: O presente artigo discorre sobre a flexibilização das relações trabalhistas, questão em voga no Brasil, diante da recente reforma da Legislação Trabalhista, com foco na terceirização do trabalho e suas consequências quanto aos direitos humanos.

Palavras-chaves: Relação de Emprego – Flexibilização –Terceirização – Direitos humanos.

Abstract: This paper discusses the flexibilization of labor relations, an issue in vogue in Brazil, in view of the recent reform of Labor Legislation, with a focus on outsourcing labor and its consequences for human rights.

Keywords: Employment relationship – Flexibilization – Outsourcing labor – Human rights.

Sumário: 1. Introdução. 2. Relação de trabalho e relação de emprego. 3. Flexibilização das relações de trabalho. 4. Flexibilização interna e externa: o caso da terceirização. 5. Terceirização: 5.1 Origens históricas; 5.2 Conceito de terceirização; 5.3 Terceirização e o TST; 5.4 Terceirização e a OIT; 5.5 Tipos de terceirização. 6. Conclusão: terceirização e preservação dos direitos humanos. 7. Referências bibliográficas.


Introdução

O período de transformações rápidas e profundas pelo qual passou a humanidade nos últimos séculos resulta daquilo que a sociologia clássica vem chamando de "projeto moderno" e que, segundo Weber, tem como um de seus principais traços característicos a racionalização[1].

Encontrando seu ápice na revolução industrial, essas transformações, até então sem precedentes, não deixaram inalterados, nem mesmo os aspectos mais elementares do convívio em sociedade. Cultura, ideias, direito, organização social, religião, enfim, tudo o que diz respeito ao Homem e suas relações com seus semelhantes, sofreu o impacto das modificações estruturais operadas pelo ocaso da sociedade tradicional.

Com o mundo do trabalho não foi diferente. Elemento central do capitalismo em todas as épocas, a organização do trabalho talvez tenha sido o fato da vida no qual é possível identificar com maior clareza os impactos do processo de racionalização moderno referido por Weber.

Visando à maximização do lucro, mola motriz que empurra o Homem em direção ao mercado, os fatores de produção foram submetidos a sucessivas vagas de racionalização, em substituição às formas ancestrais.

Passado o período de valorização e proteção do trabalho, no contexto pós-Guerra, que trouxe consigo a criação de uma série de mecanismos legais de proteção ao trabalhador, as crises do capitalismo financista e o incremento da concorrência em nível mundial fizeram com que racionalização moderna se voltasse novamente para as relações de trabalho.

É nesse contexto que o presente artigo se insere. Discute-se aqui uma das faces mais marcantes desse processo: a flexibilização das relações trabalhistas. Mais especificamente, refletimos sobre a terceirização, forma de flexibilização que, nas últimas décadas, tem avançado sobre o mercado de trabalho, atraindo a atenção da sociedade como um todo, mas, principalmente, de legisladores e juristas, os responsáveis pela sua formatação jurídica.


Relação de trabalho e relação de emprego

A relação de trabalho, em interpretação extensiva,[2] pode ser extraída do artigo 594 do Código Civil, o qual prescreve que “toda espécie de serviço ou trabalho lícito, material ou imaterial, pode ser contratada mediante retribuição”.

No entanto, é imperioso observar que a relação de trabalho não é sinônimo de relação de emprego. Todas as relações de emprego são consideradas relações de trabalho, mas nem todas as relações de trabalho são relações de emprego, já que é necessária a presença de requisitos legais para a sua configuração.

De acordo com Amauri Mascaro Nascimento, a relação de emprego é aquela “relação jurídica de natureza contratual tendo como sujeitos o empregado e o empregador e como objeto o trabalho subordinado, continuado e assalariado”.[3]

À luz do conceito descrito acima, e em consonância com o artigo 3° da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), segundo o qual “considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”, verifica-se que a relação típica de trabalho é composta pelo elemento da pessoalidade que consigna que o sujeito da relação jurídica empregado deve prestar seus serviços em favor do empregador pessoalmente[4], sem poder se fazer substituir.

O segundo elemento que deve estar presente na relação de emprego é a habitualidade, ou seja, o empregado deve prestar seus serviços ao empregador de maneira não eventual e deve ser necessário à atividade normal do empregador[5].

Deve estar igualmente presente o elemento da onerosidade, que consiste na remuneração do trabalho realizado pelo empregado por parte do empregador[6].

E, por fim, o elemento da subordinação jurídica que determina a subordinação da prestação de serviços do empregado ao empregador[7].

A propósito, cumpre observar que, à luz da reforma trabalhista engendrada pela Lei 13.467/2017, situações que anteriormente configuravam relação de emprego passaram a sofrer enquadramento diverso. É o caso do trabalho autônomo, disciplinado pelo art. 442-B da CLT, introduzido pela referida lei:

Art. 442-B. A contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado prevista no art. 3º desta Consolidação.

No regime anterior, conforme aponta a doutrina[8], sempre que presentes elementos característicos, como habitualidade e exclusividade, a tendência era a de se aceitar sua presença como indicativo da existência de uma relação de emprego típica, a despeito de a relação estar travestida de trabalho autônomo.

Com a reforma, no entanto, a existência ou não desses elementos característicos passou a ser desprezada na distinção entre trabalho autônomo e relação de emprego, permanecendo, todavia, a subordinação como marco diferenciador.

Assim, à guisa de exemplo, se anteriormente uma relação fosse marcada pela pessoalidade, continuidade e exclusividade, a despeito de haver um contrato de autônomo e de não estar presente a subordinação, ela seria subsumida à categoria de relação de emprego.

Com a entrada em vigor da nova redação da CLT, no entanto, o trabalho autônomo não mais é ilidido pela existência desses elementos característicos, salvo se presente a subordinação, que passou a ser o elemento central para a caracterização do vínculo empregatício.

Nesse sentido, pontua Hensel:

Assim, exemplificativamente, podemos pensar em um montador de móveis que presta serviços para uma empresa moveleira de forma exclusiva, habitual, com onerosidade e pessoalidade. Se ele tiver autonomia para aceitar ou não as montagens, negociando valores e a disponibilidade de tempo, sem sofrer qualquer penalidade, não haverá vínculo empregatício pois não há subordinação. No entanto, se o montador tiver que seguir ordens estabelecidas pela empresa, prazos de montagens, roteiros prévios, ou seja, não tiver liberdade de atuação, existirá vínculo empregatício. Percebe-se que com a reforma trabalhista o grande traço distintivo entre o autônomo e o empregado será a existência ou não de trabalho subordinado[9].


Flexibilização das relações de trabalho

Com o início do desenvolvimento do trabalho assalariado em massa, decorrente da Revolução Industrial e as precárias condições a que eram submetidos os trabalhadores, os Estados passaram a interferir na regulamentação do trabalho mediante a edição de normas que protegessem a mão de obra humana e garantissem condições mínimas de trabalho[10].

No entanto, com todas as mudanças advindas da nova ordem social contemporânea, a crise econômica da década de 70 do século XX, a necessidade de competição com os países orientais, iniciou-se um processo de flexibilização das normas trabalhistas, o qual pode ser conceituado pelo “conjunto de regras que tem por objetivo instituir mecanismos tendentes a compatibilizar as mudanças de ordem econômica, tecnológica ou social existentes na relação entre o capital e o trabalho”[11].

Nas palavras de Luiz Carlos Amorim Robortella, a flexibilização:

é um instrumento de política social caracterizado pela adaptação constante das normas jurídicas à realidade econômica, social e institucional, mediante intensa participação de trabalhadores e empresários, para eficaz regulação do mercado de trabalho, tendo como objetivos o desenvolvimento econômico e o progresso social[12]. 

Por sua vez, Oscar Ermida Uriarte conceitua a flexibilização pela “eliminação, diminuição, afrouxamento ou adaptação da proteção trabalhista clássica, com a finalidade – rela ou pretensa – de aumentar o investimento, o emprego ou a competitividade da empresa”[13].

Para Nelson Mannrich, a flexibilização está relacionada com a desregulamentação:

A expressão flexibilização parece estar consagrada, indicando o processo de ajustamento do direito do trabalho à atuais realidades da sociedade pós-industrial. No fundo, o debate envolve uma questão encoberta: como conciliar essa adaptação aos princípios do Direito do Trabalho. O que se pretende é o ajuste das normas jurídicas à realidade econômica, contribuindo-se, assim, para a solução dos problemas trabalhistas atuais[14].

A flexibilização das normas trabalhistas foi considerada um imperativo advindo da globalização que buscou adequar-se ao novo conceito da relação capital-trabalho e conter a grande massa de desempregados[15].

Para os neoliberalistas, a flexibilização é um fenômeno inevitável e imposto pela globalização, deste modo, os países que almejam a instalação de parques industriais de empresas multinacionais e o desenvolvimento de postos de trabalho que estas empresas podem proporcionar, são forçados a desregulamentar seu mercado de trabalho para aumentar a competitividade e reduzir custos[16].

A busca pelo investimento estrangeiro ocasionou uma verdadeira batalha entre os Estados, que para se tornarem mais competitivos buscaram reduzir o custo do trabalho humano em prejuízo dos próprios trabalhadores.

A flexibilização foi incentivada, igualmente, pela reestruturação da organização do trabalho originada na empresa Toyota, no Japão, criada pelo engenheiro Taiichi Ohno. Em oposição aos sistemas de produção em massa fordista e taylorista, surgiu o movimento toyotista que buscava uma alternativa à crise do capital no ocidente[17].

A principal característica do sistema toyotista é a flexibilidade, a qual foi aplicada em grande parte da linha de produção, na gestão comercial e na organização do trabalho, eliminando a rigidez fordista, em busca da maximização da obtenção de lucro. Para tanto, a organização da produção passou a ser conhecida como lean production ou produção enxuta que associa as vantagens da produção em massa com a produção artesanal, baseando-se me três premissas: o trabalho em equipe, o processo de aperfeiçoamento continuado e o just in time ou produção por demanda[18].

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A questão da flexibilização das normas trabalhistas reflete que o direito do trabalho atua como mediador entre os interesses econômicos e sociais[19], exercendo importante papel de garantias dos direitos mínimos do trabalhador, mas por outro lado, sem atuar como um obstáculo aos imperativos do crescimento econômico e do progresso da tecnologia[20].


Flexibilização interna e externa: o caso da terceirização

Para melhor compreensão do instituto, Alice Monteiro de Barros[21] identifica dois momentos históricos da flexibilização, sendo que o primeiro faz referência ao “direito do trabalho de emergência”, relativo a um processo temporário, e o segundo coincide com a “instalação da crise” e alinha-se com as reivindicações patronais permanentes.

De acordo com a autora[22], a flexibilização pode se apresentar de duas maneiras: a flexibilidade interna e a flexibilidade externa.

A flexibilização interna se consubstancia na modificação da ordenação do trabalho na empresa, mobilidade funcional e geográfica, alteração substancial das condições de trabalho, do tempo de trabalho e a suspensão do contrato de trabalho, como prescrevem os artigos 58-A e 476-A da CLT.[23]

Da mesma forma, inclui-se na classificação de flexibilização interna, a modificação das condições de trabalhos admitidas na Constituição Federal, sob tutela sindical, como a redutibilidade salarial no artigo 7°, inciso VI, a redução da jornada de trabalho no artigo 7°, inciso XIII, e o trabalho em turnos ininterruptos de revezamento no artigo 7°, inciso XIV.

Cumpre salientar que a flexibilização interna está relacionada com o período histórico de “instalação da crise”.

Já a flexibilização externa refere-se à forma de contratação do trabalhador, período de duração do contrato, possibilidade de rescisão, descentralização de gestão de mão-de-obra, contratação de trabalhadores temporário, indicando-se que este tipo de flexibilização está relacionado com o “direito do trabalho de emergência”.

A terceirização, objeto de estudo do presente artigo, está incluída na modalidade de flexibilização externa.

Terceirização

 Origens históricas

Com o decurso do tempo, as relações de trabalho sofreram diversas modificações, em especial relacionadas à relação típica de emprego, decorrentes do fenômeno da flexibilização.

Uma das principais consequências do processo da flexibilização trabalhista e da nova organização do trabalho foi a terceirização da produção de bens e serviços, decorrente da fragmentação da produção das empresas.

O surgimento da terceirização não é recente, já que na Europa, nos séculos XVI a XVIII, alguns comerciantes da zona urbana forneciam aos camponeses a lã, o tecido de lã, o metal e ferramentas para que eles trabalhassem a matéria-prima e produzissem o produto “final”, o qual era retornado para os comerciantes para a venda[24].

Apesar da terceirização ter sido constatada há alguns séculos, a amplitude de sua utilização só foi iniciada recentemente. Com a Segunda Guerra Mundial, quando as empresas produtoras de armas estavam sobrecarregadas e não conseguiam atender toda a demanda, começaram a repassar alguns de seus serviços a terceiros e perceberam que era possível aumentar a produção e satisfazer os pedidos que lhe eram feitos[25].

No Brasil, a terceirização foi resultado da implantação do modelo toyotista de organização do trabalho que teve início na década de 70 com as empresas multinacionais que procuravam manter o foco em sua atividade principal, como no caso da indústria automobilística que passou a terceirizar a produção de alguns dos componentes dos veículos e por empresas de limpeza e conservação que estão presentes em nossa sociedade desde a década de 60[26].

Conceito de terceirização

A terceirização surgiu como uma estratégia econômica voltada para diminuir custos empresariais, aumentar a competitividade no mercado, tornar processos de produção de bens ou serviços mais ágeis por meio da transferência de atividades acessórias a terceiros, com o fim de permitir que a empresas mantenham o foco em sua atividade principal[27].

A terceirização, por um lado, adapta as normas trabalhistas às novas exigências do mercado, atendendo os anseios e estratégias empresariais e adota o caráter flexível por meio da utilização da força de trabalho de maneira diferente, mas, por outro lado, contribui para a precarização das relações de trabalho e das condições de saúde e emprego[28].

Nesse diapasão, a definição de alguns dos principais estudiosos do tema:

“processo de repasse para a realização de complexo de atividade por empresa especializada, sendo que estas atividades poderiam ser desenvolvidas pela própria empresa”[29].

“consiste a terceirização na possibilidade de contratar terceiro para a realização de atividades que geralmente não constituem o objeto principal da empresa. Essa contratação pode envolver tanto a produção de bens como serviços, como ocorre na necessidade de contratação de serviços de limpeza, de vigilância ou até serviços temporários”[30].

“terceirização é o meio da empresa obter trabalho de quem não é seu empregado, mas do fornecedor com quem contrata”[31].

“é uma estratégia econômica que proporciona qualidade, agilidade, simplicidade e competitividade, mediante um processo de transferência, a terceiros, das atividades acessórias e de apoio, permitindo às empresas concentrarem-se no seu objetivo final ou atividade-fim”[32].

Por todos, a definição de Alice de Barros Monteiro[33], para quem a “terceirização consiste em transferir para outrem atividades consideradas secundárias, ou seja, de suporte, atendo-se a empresa à atividade principal. Assim, a empresa se concentra na sua atividade-fim, transferindo as atividades-meio”.

Destarte, para melhor compreensão do conceito de terceirização, necessário é pontuar as definições de atividade-fim e atividade-meio.

Por atividade-fim entende-se a atividade principal da empresa, aquela que consta em seu objeto social e tem caráter preponderante, enquanto a atividade-meio é aquela viabiliza o alcance da atividade principal, mas com ela não coincide, é considerada uma atividade de apoio.

No entanto, com os avanços tecnológicos e as mudanças sofridas nos modos de produção, tornou-se difícil a delimitação da atividade que se enquadrada no conceito de atividade-fim ou no conceito de atividade-meio, uma vez que atividades que anteriormente eram consideradas atividades principais, hoje são entendidas como atividades de apoio e atividades consideradas essenciais para o desenvolvimento da atividade principal são vistas como atividades acessórias.

  A respeito da dificuldade de delimitação dos conceitos de atividade-fim e atividade-meio, Cássio Mesquita Barros[34] apresenta interessante exemplo: as instituições financeiras não podem, sob hipótese alguma, dispensar o serviço de segurança, o que torna o serviço de segurança essencial ao desenvolvimento da atividade bancária, todavia, o serviço de vigilância é considerado atividade de apoio, quando na verdade poderia ser considerado atividade-fim devido a sua imprescindibilidade.

  Tendo em vista a inexatidão dos conceitos de atividade-fim e atividade-meio, em virtude dos avanços tecnológicos e as consequências da globalização, Cássio Mesquita Barros propõe a revisão dos critérios que definem estes conceitos.

Terceirização e o TST

Antes do advento da Lei nº 13.429 de 31 de março de 2017, o entendimento predominante a respeito da terceirização era balizado pelo Tribunal Superior do Trabalho por meio de enunciados, súmulas e julgados.

A Súmula 239 do TST afirma que “é bancário o empregado de empresa de processamento de dados que presta serviço a banco integrante do mesmo grupo econômico, exceto quando a empresa de processamento de dados presta serviços a banco e a empresas não bancárias do mesmo grupo econômico ou a terceiros”, com o fim de combater a fraude, o TST entendeu ilícita a contratação de terceiro empregado do mesmo grupo econômico para a prestação de serviços de processamento de dados em banco.

A Súmula 256 do TST, que foi cancelada, estabelecia como totalmente ilícita a terceirização de serviços, com exceção do trabalho temporário e de vigilância: “salvo os casos de trabalho temporário e de serviço de vigilância, previstos nas Leis nºs 6.019, de 03.01.1974, e 7.102, de 20.06.1983, é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, formando-se o vínculo empregatício diretamente com o tomador dos serviços”.

A Súmula 257, por sua vez, que dispõe sobre os serviços de vigilância, consagrada “o vigilante, contratado diretamente por banco ou por intermédio de empresas especializadas, não é bancário. ”

O Tribunal Superior do Trabalho manifestou seu entendimento a respeito da terceirização por meio da edição da Súmula 331, a qual foi atualizada recentemente:

CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE

I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei no 6.019, de 03.01.1974).

II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).

III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei no 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.

(acrescenta os itens V e VI)

V – Os entes integrantes da administração pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n. 8.666/93, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.

VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação.

Por meio da leitura do Enunciado 331 do Tribunal Superior do Trabalho, entende-se que a terceirização é considerada lícita quando há a contratação de prestação de serviços de vigilância, limpeza e conservação ou de serviços ligados à atividade-meio da empresa, desde que não exista pessoalidade ou subordinação direta.[35]

O mencionado enunciado afirma, ainda, que a terceirização lícita não gera vínculo de emprego entre o tomador de serviços e o trabalhador, e que o tomador de serviços possui responsabilidade subsidiária à empresa interposta pelo pagamento das obrigações trabalhistas, desde que tenha participado da relação processual.

Em relação à postura do TST sobre a terceirização, e a necessidade de revisão dos conceitos de atividade-fim e atividade-meio, merece destaque o julgamento do Recurso de Revista de Revista nº 66000-77.2008.5.03.0006 que considerou lícita a terceirização de atividades-fim no setor das telecomunicações, como se verifica pela transcrição de trecho do acórdão:

Cinge-se a presente discussão à licitude da terceirização de atividades inerentes aos serviços de telecomunicações.

Dispõe o art. 94, II, da Lei nº 9.472/97:

"Art. 94. No cumprimento de seus deveres, a concessionária poderá, observadas as condições e limites estabelecidos pela Agência: (...) II – contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço, bem como a implementação de projetos associados."

A Lei Geral das Telecomunicações define o conceito de serviço de telecomunicações e enuncia as atividades essenciais (ou atividades-fim) das empresas de telecomunicações. Assim dispõe o art. 60:

"Art. 60. Serviço de telecomunicações é o conjunto de atividades que possibilita a oferta de telecomunicação. § 1° Telecomunicação é a transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza. § 2° Estação de telecomunicações é o conjunto de equipamentos ou aparelhos, dispositivos e demais meios necessários à realização de telecomunicação, seus acessórios e periféricos, e, quando for o caso, as instalações que os abrigam e complementam, inclusive terminais portáteis."

Da redação dos dispositivos transcritos, verifica-se que a Lei Geral de Telecomunicações ampliou as hipóteses de terceirização. Assim, a previsão do art. 94, II, no sentido de que é possível a contratação de empresa interposta para a prestação de atividades inerentes, autoriza a terceirização das atividades-fim elencadas no § 1º do art. 60.

Mesmo sendo as tarefas desempenhadas pelo Reclamante atividade-fim, é lícita sua terceirização, ante a previsão contida na Lei Geral de Telecomunicações.

Dessa forma, não há contrariedade à Súmula nº 331, I, do TST, uma vez que a terceirização de atividades inerentes aos serviços de telecomunicações é autorizada por lei.

Contudo, a licitude da terceirização não afasta a responsabilidade subsidiária da tomadora, nos termos da Súmula nº 331, IV.

O Tribunal Regional do Trabalho da 3a Região reconheceu a ilicitude da terceirização realizada pela empresa tomadora de serviços em virtude do trabalhador terceirizado realizar a atividade-fim da empresa.

Para fundamentar a ilicitude do contrato, o Tribunal Regional do Trabalho da 3a Região expôs diversos conceitos abordados no presente trabalho, tais como a alteração da organização do trabalho originada pelo toyotismo, as consequências presentes na sociedade pós-moderna, as atividades consideradas principais e as atividades de apoio de uma empresa, a flexibilização e etc.

No entanto, o Tribunal Superior do Trabalho reformou a decisão do Tribunal a quo e considerou lícita a terceirização de atividade-fim na área das telecomunicações, negou o vínculo de emprego entre a tomadora de serviços e trabalhador terceirizado e ampliou as possibilidades de terceirização constantes na Lei n. 9.472/97, artigo 94, inciso II que prevê tão somente hipóteses de atividades acessórias[36].

Terceirização e a OIT

A Organização Internacional do Trabalho – OIT não dispõe especificamente acerca da terceirização, porém, percebe-se certa permissão de sua prática, como observa Sérgio Pinto Martins.[37]-[38]

A Convenção n. 161 da OIT, aprovada e promulgada no Brasil, dispõe em seu artigo 7º sobre serviços de saúde do trabalho e prevê a terceirização de atividades de assistência médica, o que demonstra a permissão da terceirização pela OIT[39].

Tipos de terceirização

Podem ser observados dois tipos de terceirização no mercado de trabalho brasileiro: o primeiro deles corresponde à terceirização de serviços que ocorre dentro de uma empresa, e o segundo tipo, refere-se à terceirização de atividades que ocorrem fora da empresa[40].

De acordo com Gabriela Neves Delgado[41]:

A primeira forma de exteriorização do referido fenômeno preconiza a terceirização de serviços (terceirização para dentro da empresa tomadora), ou seja, a empresa tomadora incorpora em seus quadros o trabalho de terceiros, vale dizer, empregados contratados pela empresa terceirizantes. A tomadora continua sendo responsável pela produção de bens e atividades, com a única ressalva de que utilizará mão-de-obra terceirizada. Esta é a hipótese regulada pelo Enunciado 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST).

Já a segunda forma de terceirização, aquela que atividades são terceirizadas para fora da empresa contratante, é indicada por alguns doutrinadores pela terminologia genérica de “subcontratação”:

A subcontratação dá origem a uma parceria entre empresas, cada qual especializada em determinada atividade, direta ou indiretamente ligada ao ciclo produtivo, com seus próprios empregados ou prestadores de serviços, sem qualquer relação subordinante entre elas, mas com divisão e definição de responsabilidades. Da mesma forma, os empregados da empresa contatada não se sujeitam ao poder de comando da empresa contratante[42].

Apesar da utilização da terminologia “subcontratação”, por Luiz Carlos Amorim Robortella, entende-se que a definição é ampla para referir-se tão somente à terceirização de atividades para fora da empresa, já que o conceito de subcontratação comporta outras relações jurídicas como a “locação de serviços” e a “empreitada”[43].

Por esta razão, melhor referir a “terceirização de atividade” para identificar a relação existente entre a empresa contratante e a empresa chamada parceira para terceirização de atividade fora da empresa.

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Sobre a autora
Ana Paula Sawaya Pereira do Vale B. David

Doutoranda e Mestre pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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