6. Conclusão: terceirização e preservação dos direitos humanos
Diante das recentes alterações legislativas e percepções do fenômeno, há que se indagar: os benefícios da terceirização superam os malefícios que ela pode causar em sociedade? Em que medida?
A sustentabilidade, o meio ambiente do trabalho saudável e a terceirização regrada segundo os princípios que informam o sistema jurídico, representam a retomada da consciência coletiva para retornar à prevalência dos valores humanos fundamentais.
O trabalho possui ligação íntima com a saúde, repercutindo sobre ela de forma positiva como de maneira negativa, favorecendo assim, tanto a doença, a infelicidade, como a boa saúde, a felicidade, o prazer. Assim, o trabalho nunca é neutro relativamente à saúde, exercendo sempre reflexos no organismo humano, que tanto podem gerar a doença como podem ocasionar a saúde.
Os valores sociais do trabalho foram erigidos em princípios fundamentais, assim como a dignidade humana. Da contraposição entre “livre iniciativa” e “valores sociais do trabalho” extrai-se que o regime capitalista fora adotado pelo ordenamento jurídico, salvaguardando-se os valores sociais do trabalho, representando este resguardo como limite ao poder econômico.
Como acentua Gustavo Filipe Barbosa Garcia:
O trabalho humano, protegido constitucionalmente, não pode, em hipótese alguma, ser objeto de intermediação, nem ter tratamento semelhante ao de mercadoria, sob pena de afronta ao direito fundamental da dignidade da pessoa humana.”[44]
Os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados, o que permite a ligação entre direito ambiental e desenvolvimento da atividade econômica, até para que se estabeleça um ponto de equilíbrio e convivência entre ambos.
A Organização Internacional do Trabalho ao fornecer o conceito de trabalho, lhe atribui a condição de “decente”, concedendo-lhe a verdadeira e real importância que possui, enquanto garantia de vida a todas as pessoas que dele vivem. Ressalta o seu caráter multidimensional, porque deve atender e satisfazer às necessidades materiais e sociais do trabalhador e de sua família, representando a implementação dos seus direitos fundamentais em respeito à sua dignidade enquanto ser humano.
Refere-se ainda, à sua proteção social quando não pode ser exercido (desemprego, doença, acidentes, entre outros) e afirma que deve assegurar-se uma renda para sua aposentadoria. Por fim, acentua as condições de liberdade, equidade e segurança para o seu exercício e o direito à representação e à participação no diálogo social.
Ao mesmo tempo em que a OIT estabelece todos os parâmetros para o trabalho decente, prevê por meio da Convenção 161, aprovada e promulgada pelo Brasil, a terceirização de atividades de assistência médica nos serviços de saúde do trabalho.
Não há dúvida de que o desafio na compatibilização entre a terceirização e a sustentabilidade é grande, mas necessário e imprescindível, já que os direitos e garantias fundamentais são de aplicação imediata e irrestrita. Aponte-se que, tanto o trabalho quanto o meio ambiente representam os direitos humanos.
Diante das alterações nas linhas de produção, com reflexos na prestação de serviços e consequentemente nas relações de trabalho, a busca pelo ponto de equilíbrio entre o progresso econômico e a qualidade de vida do trabalhador deve ser constante.
O Tribunal Superior do Trabalho, por longo tempo, reviu os conceitos de atividade-fim e atividade-meio, por si só inexatos, admitindo a terceirização na atividade principal da empresa, nos termos da Súmula 331. Constata-se, que a terceirização ganha campo no seu conceito e reconhecimento de possibilidades em áreas próprias das atividades empresariais, executadas por trabalhadores alheios aos quadros da empresa.
A possibilidade de terceirização da atividade-fim, inclusive foi objeto de crítica pelo Ministério Público do Trabalho que, acerca da reforma trabalhista, observou:
O primeiro aspecto a se destacar é que o projeto [nota técnica escrita ainda ao tempo do projeto de reforma] permite a terceirização sem limites, abrangendo as atividades finalísticas da empresa tomadora.
O ordenamento trabalhista – e a legislação correlata – define que o empregador deve contratar diretamente, ao menos, os empregados que serão responsáveis imediatos pela consecução do empreendimento econômico, ou seja, aqueles alocados na atividade-fim da empresa.
Ao permitir a transferência das atividades inerentes à empresa, de forma ampla e permanente, o PL vai contra o próprio conceito de terceirização, desvirtuando a figura, que passa a ser mera intermediação de mão de obra.[45]
A Lei 13.428/17 permitiu a terceirização da atividade-fim quando se tratar de trabalho temporário, mantendo, ao que tudo indica, o entendimento da referida súmula.
A terceirização, por representar a flexibilização das normas trabalhistas, deve necessariamente compartilhar conceitos de sustentabilidade e do meio ambiente do trabalho, para não atentar contra a dignidade da pessoa humana. Assevera a Nota Técnica do MPT:
A norma do artigo 7º, I, da CF/88 pressupõe a relação direta entre o trabalhador e o tomador dos seus serviços, que se apropria do fruto do trabalho. A terceirização da atividade-fim caracteriza intermediação ou locação de mão de obra, com a interposição de terceiro entre os sujeitos da prestação de trabalho, reduzindo o trabalhador à condição de objeto, de coisa. Arranjo artificial que ofende a dignidade da pessoa humana. (...)
Igualmente, incompatível com as normas do artigo 170 da CF/88, que define a ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano e na busca do pleno emprego.
Nesse sentido, importa destacar que o Brasil aderiu aos princípios fundamentais de direito internacional do trabalhador proclamados na constituição da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 1919, após o fim da primeira guerra mundial (Tratado de Versalhes), reafirmados na Declaração da Filadélfia, em 1944, que reformulou a Constituição da OIT, explicitando suas atribuições, fins e objetivos no mundo d trabalho, com vistas a promover a justiça social e assim assegurar a paz universal.
Os conceitos que norteiam a terceirização e giram em torno da atividade-fim e atividade-meio, precisam ser revistos, para que não se perca o ponto de equilíbrio entre o meio ambiente do trabalho, com sadia qualidade de vida para o trabalhador, reveladores dos direitos humanos fundamentais diante dos interesses meramente econômicos.
A empresa, para efetivamente alcançar a condição de sustentabilidade perante a sociedade, referente ao meio ambiente, deve considerar que nele está incluído o meio ambiente do trabalho, eis que a divisão entre natural, artificial, cultural e do trabalho é meramente didática, sendo o conceito de meio ambiente uno e indivisível.
Considerando que a maior riqueza dos Estados é o desenvolvimento humano dos seus cidadãos, a sustentabilidade deve apresentar conceito completo e profundo para abarcar todas as esferas possíveis da ação humana e atingir o equilíbrio social para a redução dos efeitos negativos da larga expansão da economia.
Assim, a empresa que ostenta a insigne da sustentabilidade aliada à sua imagem e marca deve, por primeiro, primar pelo seu meio ambiente de trabalho, para que se dê de forma sadia e reflita a qualidade de vida digna para o trabalhador, em todas as dimensões, tanto no caso da prestação de serviços obtida dentro da sua área física, como aquela realizada fora do espaço físico da empresa, pois ambas compõem a sua cadeia produtiva.
Da mesma forma, para alcançar a condição de empresa sustentável no meio ambiente de trabalho, as dimensões social, ambiental e econômica devem ser observadas em conjunto, sob o olhar do pensamento complexo, uma vez que o meio ambiente somente será considerado equilibrado, seguro e sadio se os três aspectos da sustentabilidade caminharem juntos.
As três dimensões referidas, no campo social, ambiental e econômica, devem ser adotadas para o estabelecimento das regras que caracterizam a terceirização, a fim de que ocorra a observância do bem estar pleno do trabalhador.
Para a consecução dessa finalidade, todas as formas de ações são válidas. Destaque-se a elaboração de códigos de condutas que impõem regras a serem seguidas pelas empresas terceirizadas e impostas por algumas empresas contratantes, com o fim de ampliar a sustentabilidade de suas próprias empresas, para toda a cadeia de produtos ou serviços. A fiscalização da sociedade sobre os atos de governo, neste momento, também é primordial.
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