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A socialização das relações contratuais:

A função social do contrato ante o fenômeno da constitucionalização do direito civil

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11/01/2019 às 12:20
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CONCLUSÃO

O presente trabalho se propôs a analisar a socialização das relações contratuais frente ao fenômeno da constitucionalização do Direito Civil. Para isso foi necessário buscar, inicialmente, as diretrizes teóricas que nortearam o novo Código Civil.

Investigou-se a influência de Miguel Reale e de sua filosofia, de base culturalista, na elaboração do novo diploma. Verificou-se que a atual codificação está assentada em três principais pilares: eticidade, operabilidade, e socialidade, sendo esta última de fundamental importância para o deslinde do Direito Civil contemporâneo, figurando como característica do novo sistema.

Posteriormente, fez-se necessário aprofundar o estudo no fenômeno da constitucionalização do Direito Civil, percorrendo-se todo o percurso interpretativo, desde as bases do Código Napoleônico, onde o Código Civil figurava como hegemônico, até o advento do Estado Social, quando perde seu papel de “constituição” do Direito Civil.

Passou-se a analisar a influência da constitucionalização do Direito Civil e da socialidade nas relações contratuais, a fim de investigar uma definição de interesse público apta a justificar a atribuição de uma função social aos contratos.

Decorrido todo esse percurso evolutivo, pode-se chegar a algumas conclusões, que serão adiante explicitadas.

Quanto a Miguel Reale e sua filosofia culturalista, pode-se dizer que teve enorme influência na nova codificação. Através do culturalismo, Reale traduziu na legislação muitos dos anseios da sociedade brasileira.

A quebra com o individualismo que predominava na legislação anterior é uma das marcas mais evidentes, e contemporiza o diploma Civil com a realidade contemporânea.

A adequação do Código aos preceitos constitucionais também é evidente, coadunando-o com os princípios e regras trazidos pela Carta Constitucional de 1988, principalmente, no que interessa ao estudo em epígrafe, em relação à funcionalização dos institutos jurídicos e à solidariedade social.

A socialidade torna-se, a partir da nova codificação, característica do Direito Civil, onde conceitos como função social vão buscar sua aplicação prática, pois, mesmo que seu fundamento de validade já estivesse expresso na Constituição da República, sua aplicação in concreto ficava comprometida pelo dogmatismo reinante e o apego às formas positivistas.

Em auxílio na consecução dos objetivos, em consonância com as diretrizes traçadas por Miguel Reale, a constitucionalização do Direito Civil vem reiterar os fundamentos do Estado Social, trazendo para a órbita do Direito Privado valores que viriam a trazer a repersonalização das relações interprivadas.

Valores como o da função social passaram a integrar os textos das Cartas Políticas, em resposta aos conflitos sociais que emergiam. Paulatinamente o Direito Civil individualista vai perdendo espaço no contexto jurídico, mitigado por legislações especiais carregadas de conteúdo social.

Porém, conclui-se que o Direito Civil não perdeu importância no cenário jurídico, apenas não estava fora de sintonia com a sociedade. Tal descompasso, acredita-se, já está superado pela nova codificação, pelo menos em grande parte.

O novo sistema, baseado em cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados, é capaz de se adequar mais facilmente às transformações pelas quais passa a sociedade.

Com relação à função social, pode-se concluir que, ao contrário do que sustentam alguns doutrinadores, o contrato é sim âmbito de sua aplicação. Foi demonstrado que não só é possível, como é necessária a funcionalização das relações contratuais a fim de concretizar a solidariedade social.

A funcionalização dos institutos jurídicos é a pedra de toque do ordenamento jurídico, e deve ser conduzida sempre almejando concretizar os objetivos constitucionais basilares do Estado brasileiro.

Foi possível concluir que o sistema jurídico possui mecanismos capazes de viabilizar a aplicação da função social aos contratos, bem como de retirar do mundo dos fatos os que a ela não respeitarem, vencendo talvez uma das maiores barreiras à aplicação deste princípio às relações contratuais.

De tudo que foi aqui estudado, pode-se dizer que há indicativos suficientes para concluir que a função social está se expandindo para os institutos jurídicos, sem distinção, não limitando a autonomia da vontade, mas certos abusos na liberdade dos indivíduos, com vistas ao bem estar coletivo.           


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Notas

[1] MARTINS-COSTA, Judith e BRANCO, Gerson Luiz Carlos.  Diretrizes teóricas do Novo Código Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 38.

[2] Ibidem loc. cit.

[3] REALE, Miguel. Visão geral do novo Código Civil . Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 54, fev. 2002. Artigo disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2718>. Acesso em: 15 Janeiro de 2006.

[4] REALE, Miguel. Visão geral do novo Código Civil . Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 54, fev. 2002. Artigo disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2718>. Acesso em: 15 Janeiro de 2006.

[5] MARTINS-COSTA, Judith e BRANCO, Gerson Luiz Carlos.  Diretrizes teóricas do Novo Código Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 49.

[6] Palestra Ministrada em 13 de Junho de 2002 pelo Professor Miguel Reale, intitulada O novo Código Civil: Para novas estruturas, novos paradigmas. Disponível em <http://www.sescsp.org.br/sesc/revistas_sesc/pb/artigo.cfm?Edicao_Id=133&Artigo_ID=1882&IDCategoria=1946&reftype=1> acesso em 25 de Janeiro de 2006.

[7] LÔBO, Paulo Luiz Netto. Constitucionalização do Direito Civil. Artigo disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=507 > Acesso em 25 de Janeiro de 2006.

[8] MARTINS-COSTA, Judith e BRANCO, Gerson Luiz Carlos.  Diretrizes teóricas do Novo Código Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 51.

[9] MARTINS-COSTA, Judith e BRANCO, Gerson Luiz Carlos.  Diretrizes teóricas do Novo Código Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 131.

[10] REALE, Miguel. Visão geral do novo Código Civil . Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 54, fev. 2002. Artigo disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2718>. Acesso em: 28 Maio de 2006.

[11] MARTINS-COSTA, Judith e BRANCO, Gerson Luiz Carlos.  Diretrizes teóricas do Novo Código Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 144.

[12] FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 15.

[13] GALGANO, Francesco. Il diritto privato fra codice e costituzione. Bologna: Zanichelli, 1983. p. 152.

[14] REALE, Miguel. O projeto de Código Civil – situação atual e seus problemas fundamentais. São Paulo: Saraiva, 1986. p.32.

[15] MARTINS-COSTA, Judith e BRANCO, Gerson Luiz Carlos.  Diretrizes teóricas do Novo Código Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 144.

[16] NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Anotado, 2ª Edição, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p.125.

[17] MARTINS-COSTA, Judith e BRANCO, Gerson Luiz Carlos.  Diretrizes teóricas do Novo Código Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 157.

[18] TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 03.

[19] TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 05.

[20] TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 07.

[21] LORENZETTI, Ricardo Luis. Fundamentos do Direito Privado. São Paulo: RT, 1998. p. 254-255

[22] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 2. ed. Coimbra: Almedina, 1998. p. 1.151.

[23] PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro / São Paulo: Renovar, 2002. p. 12.

[24] MATTIETTO, Leonardo. apud TEPEDINO, Gustavo [coord.]. Problemas de Direito Civil-   Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 167:

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[25] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. op. cit. p.1.153.

[26] TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 07.

[27] GALGANO, Francesco. Il diritto privato fra codice e costituzione. Bologna: Zanichelli, 1983. p. 58.

[28] BITTAR, Carlos Alberto. O direito civil na Constituição de 1988, 2. ed. rev. e atual. São Paulo, RT, 1991, p. 26.

[29] MOTA PINTO, Carlos Alberto da. Teoria Geral do Direito Civil, 3ª ed. actual.Coimbra: Coimbra Editora, 1999. p. 74.

[30] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 2. ed. Coimbra: Almedina, 1998. p. 1.158.

[31] Ibidem loc. cit.

[32] MOTA PINTO, Carlos Alberto da. Teoria Geral do Direito Civil, 3ª ed. actual. Coimbra: Coimbra Editora, 1999. p. 74-75.

[33] NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional. Curitiba: Juruá, 2001. p. 32.

[34] TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 22.

[35] NALIN, Paulo. op. cit. p. 31.

[36] AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Princípios do novo direito contratual e desregulamentação do mercado (parecer). Revista dos Tribunais, 750/117. p. 116 apud THEODORO JÚNIOR, Humberto. O contrato e sua função social. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p.4.

[37] MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: RT, 1995. p.36.

[38] THEODORO JÚNIOR, Humberto. O contrato e sua função social. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p.19.

[39] op. cit. p.11.

[40] AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Princípios do novo direito contratual e desregulamentação do mercado (parecer). Revista dos Tribunais, 750/117. p. 116 apud THEODORO JÚNIOR, Humberto. O contrato e sua função social. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p.13.

[41] THEODORO JÚNIOR, Humberto. O contrato e sua função social. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p.13

[42] GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 246.

[43] NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional. Curitiba: Juruá, 2001. p. 217.

[44] GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 235.

[45] ROSAS, Roberto, Constituição e Direito Civil, apud Revista dos Tribunais, v. 761. p. 66.

[46] WALD, Arnoldo. Obrigações e contratos. 12. ed., rev., ampl. e atual. - São Paulo : RT, 1995. p. 197.

[47] LORENZETTI, Ricardo Luis. Fundamentos do Direito Privado. São Paulo: RT, 1998. p.541.

[48] Ibidem loc. cit.

[49] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 9.

[50] THEODORO JÚNIOR, Humberto. O contrato e sua função social. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 40.

[51] REALE, Miguel. Noções preliminares de direito. 20 ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 2.

[52] THEODORO JÚNIOR, Humberto. O contrato e sua função social. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 57.

[53] NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional. Curitiba: Juruá, 2001. p. 235.

[54] Ibidem loc. cit.

[55] NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional. Curitiba: Juruá, 2001. p. 236.

[56] NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional. Curitiba: Juruá, 2001. p. 238.

[57] GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 15. ed. Atual. por Humberto Theodoro Júnior. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 473.

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Sobre o autor
Rodrigo Binotto Grevetti

Graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba (2004). Especialista em Direito Civil e Empresarial pela PUC-PR (2005). Especialista em Direito Administrativo pelo Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar (2009). Licenciado em Geografia pela Universidade Federal do Paraná - UFPR (2010)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GREVETTI, Rodrigo Binotto. A socialização das relações contratuais:: A função social do contrato ante o fenômeno da constitucionalização do direito civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5672, 11 jan. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/65447. Acesso em: 26 abr. 2024.

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