A Constituição Federal. Obrigatoriedade e exceção do processo de contratação pública

Leia nesta página:

A regra é licitar, como salientado. A Constituição Federal é expressa ao estabelecer que a “legislação” especificará as exceções à regra da obrigatoriedade da licitação.

A Constituição Federal. Obrigatoriedade e exceção do processo de contratação pública

A regra é licitar, como salientado. A Constituição Federal é expressa ao estabelecer que a “legislação” especificará as exceções à regra da obrigatoriedade da licitação.

Não se pode aceitar o argumento de que somente as normas gerais, de competência da União, poderão tratar das exceções. Trata-se de matéria administrativa, e como tal, a autonomia administrativa das unidades federativas deve prevalecer, pois, se relaciona ao Princípio Federativo e à própria autonomia política desses entes.

O termo “legislação” é bem mais amplo que o conceito de “lei”, abrangendo, inclusive atos normativos gerados pelos Poderes Executivo e Judiciário. Na Constituição não há termos vazios. Se a Constituição desejasse incumbir. A necessidade da abertura para uma interpretação mais ampla se deve também às distinções sociais e econômicas entre as unidades político-federativas.

Do exposto, se pode concluir que não coadunamos com o Supremo Tribunal Federal, no sentido de que não poderia a lei estadual ampliar os casos de dispensa de licitação fixados em lei federal (RDA 145/131). Excluir-se-ia qualquer regra que tenha a isonomia como princípio moderador das discrepâncias entre órgãos e unidades federativas. Além do exposto, o princípio reitor da autonomia das unidades políticas contém a autonomia administrativa, matéria exclusiva de cada entidade política. Dessa forma, a autonomia administrativa, o fator social, econômico e organizacional dos órgãos e entidades devem ser levados em conta. Por isso que a Constituição foi bastantes precisa quanto ao termo “legislação” e não “lei federal ou nacional ou geral”.

 Sabe-se que há grande desnível sociocultural entre as unidades federativas que abala padrões e a própria objetividade do julgamento dos casos. Em tais circunstâncias indispensável o bom senso e a flexibilidade hermenêutica do julgador.

Aplica-se aos casos o princípio da isonomia originariamente conceituado: tratar desigualmente os desiguais. Portanto, os Estados, Municípios e o Distrito Federão poderão legislar sobre as possibilidades de contratações diretas conforme suas necessidades e justificativas. Cada unidade possui necessidades e interesses distintos. O assunto é de natureza orçamentária e administrativa, que adjetivam a autonomia das unidades federativas. Não se justifica a exclusividade da União quanto à determinação dos casos mesmo de dispensa. Seria de um bom grado se a lei geral se utilizasse do rol constante no art. 24 de forma exemplificativa, determinando expressamente a possibilidade de casos assemelhados, ou viabilizando interpretações extensivas.

Assim, não estamos de acordo com o posicionamento que proíbe Estados, Municípios e o Distrito Federal de legislar sobre possibilidades outras, assemelhadas, de contratação direta. 

Não se pode olvidar que a Lei nº 8.666/93 possui natureza hibrida, possuindo normas e princípios gerais e preceitos específicos, tão somente aplicáveis à União, como unidade política-administrava autônoma. Para nós o art. 24 se refere à União. O art. 25, pela sua generalidade, se comporta como norma geral, paradigma para as demais unidades.  Quer-se dizer que na Lei nº 8.666/93 existem preceitos nacionais (aplicáveis à todas unidades federativas) e federais (aplicáveis à União).

Dessa forma, circunscrito à razoabilidade, posicionamo-nos no sentido da possibilidade dessas unidades legislarem sobre situações que viabilizam contratações diretas, com base nas peculiaridades regionais e locais.

Os casos de dispensa e inexibilidade, repise-se, deverão ser justificados, no que concerne à caracterização das situações que embasem a contratação: a razão da escolha do fornecedor ou executando do serviço, a justificativa do preço e os documentos de aprovação dos projetos de pesquisa aos quais os bens serão alocados.

A Lei nº 8.666/93 trata das licitações dispensáveis (art.23); licitações inexigíveis (art. 24), além de outros casos que viabilizam a contratação direta.

Importante frisar que a exceção não é tão exceção, tendo em vista que as possibilidades legais de contratação direta beiram a um percentual próximo à metade dos recursos dispendidos nos processos de contratação pública. Pode-se afirmar, portanto, que a obrigatoriedade é a regra, sendo um princípio de natureza constitucional, mas que a contratação direta, ante as necessidades e situações práticas vivenciadas pelas unidades federativas tem sido bastante utilizada. Desde que haja transparência e seja devidamente justificada e cumprindo os requisitos legais não haverá óbices.

Com o tempo, as hipóteses legais de contratação direta por licitação dispensável vêm aumentando. O texto originário do art. 24 da Lei nº 8.666/93 possuía tão somente quinze (XV) possibilidades de licitação dispensável. Hoje, temos um rol de trinta e cinco (XXXV).

A doutrina classifica as hipóteses de contratação direta em: a) dispensável; b) dispensada e c) inexigível.

Encontra-se a possibilidade de contratação direta no art. 17 da Lei Geral, referente à alienação de bens móveis e imóveis. O art. 24 dispensa um rol de trinta e cinco incisos de situações de contratação direta por ser dispensável a licitação. Para nós, diferentemente do posicionamento do TCU, não é um rol taxativo, mas exemplificativo, onde se pode utilizar dos institutos da analogia, da interpretação extensiva e interpretação analógica. Porém, as hipóteses assemelhadas deverão estar bem fundamentadas e respaldadas na legislação, para não configurar crime (art.89 da Lei nº 8.666/93). Ao falarmos de “legislação” remetemos à possibilidade de norma penal em branco, quando as hipóteses estejam expressas em leis outras fora da Lei Geral.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Por fim, para nós, diferentemente do TCU, a decisão sobre a contratação direta dentre das hipóteses legais do administrador público é discricionária. A justificativa de suas decisões deve ter por referência a competitividade, a economicidade e a vantajosidade. Por isso que acreditamos se tratar de uma decisão discricionária (possibilidade de avaliar os requisitos da economicidade, vantajosidade e competitividade). Hipótese rara de contratação direta, onde não há como ter competitividade, é a do monopólio. Porém, todas as vezes que a hipótese se enquadrar em permissivo legal, o agente público ainda deverá verificar se com o processo licitatório a vantajosidade será maior e se será garantida a competitividade, cerne e essência do processo de contratação pública. A dispensa ou inexigibilidade são exceções, assim, mesmo em situações que eventualmente se enquadrariam nos permissivos, o administrador poderá optar pelo processo de contratação, desde que fundamente a sua decisão. Tanto a contratação direta quanto a opção pelo processo licitatório em casos de dispensa e inexibilidade devem ser justificados. Portanto, não aderimos a ideia de que “configurada a permissão legislativa de se contratar diretamente, não cabe ao gestor a livre escolha de se realizar ou não o certame licitatório (Manual de Compras Diretas do TCU). Não olvidamos os problemas que podem ocorrer no procedimento de cotação, incluindo a fragmentação ou parcelamento com o fito de burlar a regra quantitativa de escolha da modalidade licitatória.

Por fim, como regra de patamar constitucional e concluindo: a regra que se assenta é a da obrigatoriedade em caso de disputa; que nas licitações dispensáveis, a disputa é possível, mas, conforme a motivação, vinculada aos preceitos legais, será possível a contratação direta; e que a única hipótese cuja inviabilidade de competição comporta a contratação direta é por meio dos pressupostos pertencentes à inexigibilidade que tem como pedra angular a inviabilidade competitiva.

Assuntos relacionados
Sobre os autores
Bruno Mariano Frota

Possui graduação em Direito pela Universidade Católica de Brasília. Advogado e Servidor Público. Pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal. Especialista em Direito Civil. Possui constante atuação na jurisdição de segundo grau junto ao TJDFT e ao TRF da 1ª Região. Foi membro integrante da Comissão de Defesa do Consumidor da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional do Distrito Federal – OAB/DF.

David Augusto Souza Lopes Frota

DAVID AUGUSTO SOUZA LOPES FROTA Advogado. Servidor Público Federal. Pós-graduado em Direito Tributário. Pós-graduado em Direito Processual. Especialista em Direito Administrativo. Especialista em Licitações Públicas. Especialista em Servidores Públicos. Foi analista da Diretoria de Reconhecimento Inicial de Direitos – INSS – Direito Previdenciário. Foi analista da Corregedoria Geral do INSS – assessoria jurídica e elaboração de pareceres em Processos Administrativos Disciplinares - PAD. Foi Analista da Diretoria de Recursos Humanos do INSS - Assessor Jurídico da Coordenação de Recursos Humanos do Ministério da Previdência Social – Lei nº 8.112/90. Chefe do Setor de Fraudes Previdenciárias – Inteligência previdenciária em parceria com o Departamento de Polícia Federal. Ex-membro do ENCCLA - Estratégia Nacional de Combate a Corrupção e à Lavagem de Dinheiro do Ministério da Justiça. Convidado para ser Conselheiro do Conselho de Recursos da Previdência Social - CRPS. Convidados para atuação junto ao Grupo Responsável pela Consolidação dos Decretos Federais da Presidência da República. Assessor da Coordenação Geral de Recursos Logísticos e Serviços Gerais do MPS - COGRL. Elaboração de Minutas de Contratos Administrativos. Elaboração de Termos de Referência. Pregoeiro. Equipe de Apoio. Análise das demandas de controle interno e externo do MPS. Análise das demandas de Controle Interno e Externo do Ministério da Fazenda - SPOA. Assessor da Coordenação Geral do Logística do Ministério da Fazenda - CGLOG – SPOA. Assessor da Superintendência do Ministério da Fazenda no Distrito Federal - SMF-DF. Membro Titular de Conselho na Secretaria de Direitos Humanos para julgamento de Processos. SEDH. Curso de Inteligência na Agência Brasileira de Inteligência - ABIN. Consultoria e Advocacia para prefeitos e demais agentes políticos. Colaborador das Revistas Zênite, Governet, Síntese Jurídica, Plenus. Coautor de 3 livros intitulados "O DEVIDO PROCESSO LICITATÓRIO" tecido em 3 volumes pela editora Lumen Juris.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos