Por força constitucional, o Brasil, como República Federativa de um Estado Democrático, conduz-se pela representatividade política do povo, junto aos Poderes do Estado, a partir de eleições periódicas que são consubstanciadas pela soberania popular no exercício do direito de sufrágio (arts. 1º, parágrafo único, 14, caput), nas quais qualquer cidadão tem o direito de requerer o registro de sua candidatura, desde que respeitadas as condições constitucionais e legais de elegibilidade e de incompatibilidade (CF, art. 14, § 3º, I a VI, a, b e c; Lei 9.5041/1997, arts. 9º, parágrafo único, e 11, § 14), mas que não incida em quaisquer das causas de inelegibilidades (CE, art. 3º, e LC 64/1990, art. 1º).
Em igual sentido e que serve de parâmetro para a norma interna, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, art. 21, item 1, dispõe que toda pessoa tem direito a tomar parte no governo de seu país, diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos, como também se extrai da Convenção Internacional Sobre Direitos Civis e Políticos que todo cidadão tem o direito e a oportunidade, sem qualquer restrição excessiva, de votar e ser eleito, em eleições periódicas legítimas, por sufrágio universal e igual e por voto secreto, assegurando a livre expressão da vontade dos eleitores (art. 25, item b), daí a sempre dizer que a noção de eleições democráticas está enraizada no conceito fundamental de autodeterminação como princípio republicano (CF, art. 4º, III).
A par desta assertiva como direito fundamental do cidadão, o ordenamento jurídico, através de leis, disciplina variadas regras e normas a serem observadas para que se qualifique como candidato, cujas restrições não devem ser excessivas, pois há de prevalecer como comando a regra da participação, sendo exceção a não-participação.
Como ordem legal, a verificação de atendimento, pelo cidadão, das condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade deve ocorrer em período determinado quando se apresenta, perante a Justiça Eleitoral, com a formalização do pedido de registro de sua candidatura, quando então se pode falar que o pretendente está apto a ser votado e, assim, não é considerado como inelegível (impossibilidade de se eleger ao cargo que quer disputar na eleição periódica), decorrendo aí dos pertinentes efeitos práticos nos âmbitos político e jurídico.
Portanto, não apresentado o pedido formalmente para ser colocado sob a análise jurisdicional, não há que se falar que o agente não pode ser candidato por não atender a uma das condições ou é inelegível por incidir em uma das causas que lhe tolhe o direito fundamental de participar da vida política de sua circunscrição, exceto em caso de condenação criminal com trânsito em julgado. Fora esta situação, qualquer discussão travada ou qualquer análise feita reside apenas no campo teórico, em tese, e não em sua efetividade.
Para o que se pretende fixar nesta oportunidade, vamos imaginar uma situação que, não obstante possa ser clareada a todos como pública e notória pelos diversos cantos deste país, deve ser tratada aqui apenas em tese.
Certa vez em determinado momento histórico, um cidadão recebeu condenação criminal, a qual foi confirmada nas duas instâncias ordinárias da Justiça e, quando a decisão transitar em julgado, incidirá a perda dos direitos políticos, por determinação constitucional (art. 15, III) e, por conseqüência, não terá filiação partidária (Lei nº 9.096/1995, art. 16), culminando, na oportunidade da formalização do pedido de registro de candidato, em falta de uma condição de elegibilidade de natureza constitucional e legal (CF, art. 14, V, e Lei nº 9.504/1997, art. 9º).
No entanto, diante da decisão colegiada confirmatória da condenação pelo juiz monocrático, mesmo sem a formação da coisa julgada material, o cidadão, quando requerer o registro da pretendida candidatura, submeter-se-á ao disposto na alínea e, item 6, do inciso I do art. 1º da LC 64/1990, com redação dada pela LC 135/2010, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 anos após o cumprimento da pena, ou a outra causa que lhe seja pertinente. E, com a observância de todo o procedimento pertinente ao registro de candidatura na Justiça Eleitoral e assegurado a plenitude do devido processo legal, deverá o assim condenado ter o indeferimento de sua candidatura por falta de condição de elegibilidade ou por incidir em uma das causas de inelegibilidade.
É de se observar, também, que a inelegibilidade disposta nesta alínea e, se incidir com o proferimento de decisão colegiada, poderá, em caráter cautelar e conforme o poder geral de cautela do juiz, ser suspensa pelo relator do órgão ao qual couber apreciar o recurso então interposto em face desta decisão, sempre que existir plausibilidade da pretensão recursal e desde que a providência tenha sido expressamente requerida, sob pena de preclusão, por ocasião da interposição do recurso (LC 64/1990, art. 26-C).
De efeito, inexiste qualquer norma em nosso ordenamento jurídico que impeça ou frustre o direito constitucional do cidadão de requer o registro de sua candidatura, porquanto este direito fundamental é assegurado pela própria ordem legislativa interna ao assentar que qualquer cidadão pode pretender investidura em cargo eletivo (CE, art. 3º) e que são condições de elegibilidade, na forma da lei (CF, art. 14, § 3º) e, ainda, que são inelegíveis para qualquer cargo os que (...) (LC 64/1990, art. 1º, I).
Portanto, a legislação é consistente na possibilidade de exercer o direito de se candidatar, garantindo a formalização do pedido de registro, e somente com a sua formalização é que serão analisadas, em procedimento específico de competência absoluta da Justiça Eleitoral, as premissas dispostas no sentido de que a qualificação de candidato depende de serem respeitadas as condições constitucionais e legais de elegibilidade e de incompatibilidade e desde que não incida em quaisquer das causas de inelegibilidades. Fora desta situação, ante o contexto disposto, não há que se falar em falta de condição de elegibilidade ou em causa de inelegibilidade a impedir a formalização do pedido de registro.
Não obstante todo este acerto da dinâmica processual acerca da pretensão a determinado cargo eletivo, o cidadão então condenado, exercitando o seu direito fundamental assegurado constitucional e legalmente, formaliza o pedido de registro de sua candidatura e, procedida toda a análise das condições e das causas no momento oportuno, a teor do art. 11, § 10, da Lei 9.504/1997, se o pedido for deferido consolida-se sua situação regular e a vida segue normalmente com a realização regular da campanha eleitoral em busca do voto.
Mas, mesmo que indeferido o pedido por decisão colegiada no processo de registro e ficando o candidato com o seu registro sub judice, tem ele o direito subjetivo de participar efetivamente com a prática dos atos relativos à sua campanha, assumindo todos os deveres e responsabilidades inerentes a uma candidatura, inclusive utilizar o horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão e ter o nome mantido na urna eletrônica, como também abrir conta bancária e arrecadar recursos, apenas ficando ciente, com seu partido, que a validade dos votos por ele obtidos ficará condicionada ao posterior deferimento do pedido de registro (Lei nº 9.504/1997, art. 16-A).
Tramitando os respectivos recursos em face da decisão indeferitória, abre-se a possibilidade de o partido ou a coligação substituir o candidato até o prazo de 20 dias antes do pleito, mas mesmo assim poderá o candidato indeferido permanecer na urna eletrônica e o substituto concorrer com os dados e fotografia do substituído, devendo ser dada ampla divulgação sobre este fato para o devido esclarecimento a todo o eleitorado, cujos votos totalizados serão atribuídos ao substituto.
Veja-se, também, que, tratando-se de pretensão para cargo majoritário, o registro sempre se fará em chapa única e indivisível formada pelo titular e respectivo vice, mas eventual declaração de inelegibilidade é pessoal e intransferível, não atingindo o componente alheio à discussão, sendo que o questionado substituído não prejudicará o outro, o qual poderá continuar na chapa com outro componente; entretanto, a não-substituição ensejará o indeferimento da chapa (LC 64/1990, art. 18).
E, transitada em julgado ou publicada a decisão proferida por órgão colegiado que declarar a inelegibilidade do candidato, o seu registro deverá ser indeferido ou declarado, se já expedido, o diploma (LC 64/1990, art. 15, caput).
No entanto, permanecendo o partido ou coligação com o candidato sub judice em sua campanha eleitoral por conta e risco, e não se obtendo qualquer decisão diversa ao indeferimento primevo, os votos a ele atribuídos, se em disputa da eleição majoritária, serão nulos para todos os efeitos, não se contando nem para a legenda, em caso de disputa de eleição proporcional (Resolução TSE 23.554/2017, arts. 215, II, e 219, I e II), pois a validade dos votos fica sempre condicionada a deferimento de registro da candidatura, porquanto a negativa de registro não permite que os votos surtem qualquer efeito, com o comprometimento da diplomação e o próprio mandato.
A par desta situação, a Justiça Eleitoral não deverá proclamar eleito qualquer candidato ou mesmo proceder ao ato de diplomação do candidato eleito que esteja sub judice em pleito majoritário, pois, independentemente do número de votos anulados, ou que, não eleito, a nulidade alcançar mais de 50% dos votos válidos da circunscrição da eleição, deverão ser convocadas eleições suplementares após decisão colegiada proferida pelo TSE, conforme o art. 224, §§ 3º e 4º do Código Eleitoral, sob o fundamentos da higidez do pleito, a legitimidade da eleição para a plena representatividade política quanto ao exercício do poder estatal.
De mais a mais, inexistindo, na data da posse do cargo pretendido, qualquer candidato diplomado por força do que consignado anteriormente, o presidente do respectivo Poder Legislativo assumirá e exercerá o cargo até que sobrevenha decisão favorável ao registro da candidatura questionada e ainda em discussão; encerrado, no entanto, o processo de registro ou concedida eventual antecipação de tutela pelo TSE, deverão ser convocadas as eleições suplementares (Resolução TSE 23.554/2017, art. 251) não se aguardando o trânsito em julgado ante a declaração de inconstitucionalidade desta expressão disposta no § 3º por introdução pela Lei 13.165/2015, de forma incidental pelo TSE (Acórdão nos ED-REspe 139-25/2016) e concentrada, pelo STF (ADI 5.525/2018).
Em que pesem todas estas argumentações e fundamentações em possível e eventual cenário que se avizinha, o direito fundamental de se candidatar não deve, jamais, sob qualquer hipótese, ser tolhido ou ameaçado, não obstante os efeitos gerados a causarem, infelizmente e de forma inexplicável, determinado tumulto político-eleitoral com inúmeros prejuízos de ordem jurídico-administrativa em âmbito nacional, ficando, toda a sociedade brasileira, apenas no aguardo de atitudes coerentes, equilibradas e ponderadas acerca da voluntariedade ou de composições políticas de melhor disciplinamento da situação do pretenso (em tese) candidato.