Capa da publicação Carreira de Procurador Municipal: PECs 17/2012 e 443-A/2009
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PEC 17/2012 e PEC 443-A/2009: considerações relevantes para o fortalecimento da carreira de Procurador Municipal

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25/04/2018 às 15:10
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4. PEC 443-A/2009: remuneração prevista à luz do princípio da isonomia

Outro assunto que merece discussão, para o fim do fortalecimento da carreira de procurador municipal, é o conteúdo da PEC nº 443-A/2009, de autoria do deputado Bonifácio de Andrada, que vincula a remuneração do advogado-geral da União, da carreira de delegado da Polícia Federal, da Polícia Civil (dos Estados e do Distrito Federal) e dos procuradores municipais (das Capitais e dos Municípios com mais de 500 mil habitantes) a 90,25% do subsídio mensal dos ministros do Supremo Tribunal Federal.

O Plenário da Câmara dos Deputados, na madrugada de 06 de agosto de 2015, com 445 votos a favor (BRASIL, 2015), aprovou a proposta nos seguintes termos (BRASIL, 2009):

Art. 1º. O art. 39 da Constituição Federal passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 39.............................................................................

§ 8º Será adotado o critério previsto no § 4º para a fixação da remuneração:

I – dos servidores abrangidos pelo disposto nos §§ 1º e 2º do art. 134 e no § 9º do art. 144;

II – de servidores organizados em carreira, quando previsto na legislação que lhes seja aplicável.

§ 9º O subsídio ou a maior remuneração da categoria, da classe ou do nível mais elevado das carreiras jurídicas disciplinadas nas Seções II e IV do Capítulo IV do Título IV, da carreira de Delegado de Polícia Federal e das carreiras de Delegado de Polícia Civil dos Estados e do Distrito Federal corresponderão a 90,25% (noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento) do subsídio mensal fixado para os Ministros do Supremo Tribunal Federal, sendo os subsídios ou as remunerações dos demais integrantes das referidas carreiras fixados em lei e escalonados, não podendo as diferenças entre um e outro ou entre uma e outra serem superiores a 10% (dez por cento) ou inferiores a 5% (cinco por cento), observado o mesmo limite aplicado às demais carreiras jurídicas mencionadas no Capítulo IV do Título IV.

§ 10. Estende-se o disposto no § 9º aos Procuradores Municipais, exclusivamente em relação às Capitais dos Estados e aos Municípios com mais de quinhentos mil habitantes.”

 Art. 2º A implementação do disposto no art. 1º desta Emenda Constitucional será promovida de acordo com o seguinte cronograma, a contar do exercício financeiro de sua publicação:

I – no âmbito da União, em até dois exercícios financeiros;

II – no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, em até três exercícios financeiros.

Art. 3º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação.

Observa-se, portanto, que a PEC abrange apenas os procuradores das Capitais e dos Municípios com mais de 500 (quinhentos) mil habitantes. O legislador fragmentou a carreira de procurador utilizando-se tão somente do critério populacional, sem considerar as peculiaridades financeiras de cada ente (ARAÚJO, PASSOS, 2015). Com isso, somente cerca de 0,0071% dos Municípios brasileiros foram contemplados com o sobredito texto, vez que, segundo dados do IBGE (2016), em nosso país existem atualmente 5.570 Municípios, dos quais aproximadamente 40 possuem mais de 500 mil habitantes.

Entretanto, as atribuições dos procuradores municipais são semelhantes, independentemente da população do Município. Aliás, em Municípios menores, é muito comum encontrar procuradores acumulando atribuições em todas as áreas, tendo que exercer sua função, muitas vezes, sem nenhuma estrutura e apoio técnico competente, ao contrário do que ocorre nas Capitais e em Municípios maiores, que contam com procuradorias especializadas e estrutura adequada ao exercício da função (ARAÚJO, PASSOS, 2015).

O procurador municipal exerce função essencial à justiça, merecendo tratamento constitucional adequado, para que não haja concorrência com as carreiras do Poder Judiciário e as outras funções essenciais. Não há motivo legalmente justo que fundamente a fragmentação na carreira de procurador proposta nos sobreditos termos da PEC nº 443-A, vez que há Municípios menos populosos que possuem viabilidade financeira (NERY, 2010).

A redação da PEC em estudo acabará contribuindo para que muitos procuradores de Municípios com menor número populacional almeje novos cargos públicos, outras carreiras, em vez de buscar aprimoramento no próprio órgão municipal. Essa disparidade no tratamento remuneratório, não é demais se repetir, contribuirá sobremaneira para a fragmentação da própria classe, vez que a grande maioria dos procuradores municipais, apesar de assumir as mesmas responsabilidades constitucionais, perceberão remuneração notavelmente inferior a de procuradores de Municípios mais populosos (ARAÚJO, PASSOS, 2015).

Além disso, se a Constituição da República Federativa do Brasil valoriza o paralelismo entre as instituições públicas nela previstas, e se o Poder Judiciário e o Ministério Público possuem remuneração semelhante em todos os Estados da Federação, por que o mesmo não ocorre com os procuradores de Municípios?

Do mesmo modo que não se justifica segmentar a carreira de procurador do Estado, com base em critério populacional, também não se justifica fragmentar a carreira de procurador do Município, consoante disposto na PEC sob análise. Com a devida observância ao princípio da isonomia, o legislador poderia ao menos ter utilizado critérios sociais ou econômicos para fixar o teto remuneratório dessa carreira (ARAÚJO, PASSOS, 2015).

Nessa mesma linha, é válido ressaltar o que defende Araújo e Passos (2015, p. 101):

A segregação remuneratória entre Procuradores em razão de critério populacional estabelece indesejada distorção na carreira e o risco potencial de fracionamento da classe, enfraquecendo a luta por objetivos comuns, posto que os Procuradores de municípios com menos de 500 mil habitantes eventualmente se veriam direcionados pelas circunstâncias fáticas a iniciarem pleitos próprios nas diversas demandas da advocacia pública ora em curso ou a serem propostas.

A fragmentação da carreira, com a busca de interesses internos divergentes, representaria grande retrocesso para a classe, devendo ser evitada a cada custo.

Deve se pensar a carreira de Procurador do Município como um todo, sendo indesejável o estabelecimento de diferenciação entre Procuradores com remuneração justa (correspondente a 90,25% do subsídio de Ministro do STF) e Procuradores sujeitos aos critérios de conveniência e oportunidade do Prefeito municipal para o estabelecimento das remunerações dos advogados públicos do respectivo Ente federativo.

Ora, se todos são Procuradores, legítimos defensores do Município perante o Poder Judiciário e responsáveis pelo controle interno da legalidade no âmbito da Administração, e se a remuneração digna se mostra como base estrutural para a construção de uma carreira tecnicamente independente e com alto grau de especialização, não se mostra oportuna a segregação remuneratória em sede constitucional com base em critério populacional, conforme proposta na PEC 443-A.

Independentemente do número da população municipal, é inafastável a presença do procurador nas disputas judiciais e assessoria dos serviços jurídicos em geral. Suas atribuições devem ser exercidas com zelo em todos os Municípios, inclusive naqueles em que há menos de 500 mil habitantes, onde as responsabilidades geralmente são maiores, tendo em vista a falta de estrutura e apoio técnico competente (ARAÚJO, PASSOS, 2015), como mencionado anteriormente.

Pelo princípio da simetria, não somente os Estados, mas, pelas mesmas razões, os Municípios também devem ser representados pelos procuradores efetivos, não devendo prosperar nenhuma forma de discriminação entre as carreiras jurídicas de estado. Como já restou decidido pelo Supremo Tribunal Federal, no RE nº 558258, o termo “Procuradores”, previsto no art. 37, XI da Constituição da República Federativa do Brasil, é genérico, abrangendo todas as carreiras da advocacia pública (STF, 2010).

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Em outras palavras, como o procurador municipal exerce função essencial à justiça, deve receber tratamento isonômico aos demais membros da advocacia pública, não podendo haver “distinção institucional entre as Procuradorias dos diversos entes federativos” (MENEZES, 2015).

Do mesmo modo que as diferenças econômicas e sociais existentes entre os Estados não servem de motivo para a fragmentação da carreira de procurador do Estado, não há justificativa para que o legislador fragmente a carreira de procurador municipal, utilizando-se unicamente de critério populacional para fixar teto remuneratório (ARAÚJO, PASSOS, 2015).

Sobre o assunto, vejamos o importante debate proposto por Araújo e Passos (2015, p. 104-105):

Diante do que exposto, em relação à remuneração dos Procuradores municipais, mostra-se relevante o debate sobre a adequação do texto da PEC 443-A objetivando a ampliação dos municípios contemplados, incluindo no texto constitucional não somente os Procuradores de capitais e de municípios com mais de 500 mil habitantes, mas também os Procuradores de municípios que integrem região metropolitana.

Poderia, ainda, ser realizado o debate sobre a inclusão no texto da PEC 443-A de outros critérios razoáveis, como, por exemplo, que levasse em conta aspectos geoeconômicos relevantes e não somente o número de habitantes.

Para os demais municípios que tivessem menos de 500 mil habitantes e que não integrassem região metropolitana, poderia se adotar um prazo mais dilatado para cumprimento da norma constitucional, como por exemplo: municípios de 500 a 250 mil habitantes – 06 anos; de 249 a 150 mil habitantes – 08 anos; de 149 a 50 mil habitantes – 10 anos; até 49 mil habitantes – 12 anos.

Poderia, ainda, além da dilatação do prazo temporal (regras de transição no tempo), se iniciar o debate sobre a juridicidade de fixação no texto constitucional de percentuais diferenciados relativos ao subsídio dos Ministros do STF (inferiores ao que ora proposto para os municípios com maior população), como, a título exemplificativo:

▪ municípios de 500 a 250 mil habitantes – 06 anos para implementação e percentual mínimo de 80% e máximo de 90,25% do subsídio mensal fixado para os Ministros do Supremo Tribunal Federal, a critério de cada Ente municipal por lei específica;

▪ municípios de 249 a 150 mil habitantes – 08 anos para implementação e percentual mínimo de 70% e máximo de 90,25% do subsídio mensal fixado para os Ministros do Supremo Tribunal Federal, a critério de cada Ente municipal por lei específica;

▪ municípios de 149 a 50 mil habitantes – 10 anos para implementação e percentual mínimo de 60% e máximo de 90,25% do subsídio mensal fixado para os Ministros do Supremo Tribunal Federal, a critério de cada Ente municipal por lei específica;

▪ municípios de até 49 mil habitantes – 12 anos para implementação e percentual mínimo de 50% e máximo de 90,25% do subsídio mensal fixado para os Ministros do Supremo Tribunal Federal, a critério de cada Ente municipal por lei específica.

Dessa forma, todos os Procuradores municipais estariam contemplados, sem fragmentação na carreira e sem prejuízo estipendial em razão do estabelecimento de critério baseado unicamente no número de habitantes.

À luz da fundamentação acima apresentada, vê-se que a redação atual da PEC 443-A, ao fixar o teto remuneratório em 90,25% do subsídio mensal dos Ministros do STF somente para os procuradores de Capitais e de Municípios com mais de 500 mil habitantes, viola o princípio da isonomia, sendo, portanto, discriminatória. A questão merece maiores discussões, as quais devem estar voltadas para o fortalecimento da carreira como um todo, a fim de melhorar o sistema de controle de gestão do erário municipal, proporcionando um assessoramento devidamente qualificado, independente e verdadeiramente capaz de proteger o patrimônio público e os interesses da coletividade em geral. 

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Sobre a autora
Camilla Borges

Bacharela em Direito pela UNEB, especialista em Direito Público Municipal pela FACAPE, Procuradora do Município de Curaçá/BA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BORGES, Camilla. PEC 17/2012 e PEC 443-A/2009: considerações relevantes para o fortalecimento da carreira de Procurador Municipal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5411, 25 abr. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/65597. Acesso em: 28 mar. 2024.

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