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O software via download e o imposto sobre a circulação de mercadorias e serviços (ICMS)

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06/06/2018 às 12:40
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SOFTWARE VIA DOWNLOAD E SUA TRIBUTAÇÃO PELO ICMS

Não obstante a condição de o assunto sobre a tributação de softwares estar aparentemente pacificado no âmbito dos tribunais, com relação aos softwares por encomenda e o de prateleira, o desenvolvimento tecnológico trouxe a possibilidade de haver acesso ao software, pelo usuário, sem a necessidade da mídia de suporte.

Assim, as licenças de programas de computador passaram a ser comercializadas via internet e o acesso ao programa passou a se dar por meio de download, também via internet. Tal condição seria, em tese, o suficiente para afastar a principal, se não única, característica que o colocava o software de prateleira na condição de produto. Restava ausente, portanto, o corpus mechanicum, citado pelo Ministro Sepúlveda Pertence na análise do RE 176626, que definiu o software de prateleira contido em um suporte físico como produto, assim, seria lógico afirmar que a hipótese fática não estaria abrangida pela incidência do ICMS.

Dessa forma, a discussão sobre a incidência ou não de ICMS sobre a comercialização de software de prateleira foi reaberta, especificamente quando o programa de computador é distribuído via download.

Nesse momento é oportuno lembrar que o art. 110, do Código Tributário Nacional estabelece que “a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias”. Ou seja, em tese, deveria ser considerado que o programa de computador é uma manifestação do intelecto humano, que é a proteção do programa de computadores é regida pelas normas de direitos autorais e que, mediante a disponibilização do programa de computador via download, prescindindo o suporte físico, teria que ser afastada a sua condição de mercadoria, o que, nesse cenário, afastaria claramente a hipótese de tributação pelo ICMS.

Contudo, não foi esse o posicionamento do STF sobre o tema, uma vez que na análise de medida cautelar pertinente ao julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade  1.945, que questiona a Lei estadual nº 7.098/98, do Estado do Mato Grosso, em especial sobre a cobrança de ICMS na comercialização de programas de computador, foi decidido que a ausência de suporte físico, quando da cessão de uso de programa de computador denominado standard ou de prateleira, não afasta a sua condição de produto, incidindo, dessa forma, o ICMS. Segue abaixo um extrato da decisão:

Ação Direta de Inconstitucionalidade. Direito Tributário. ICMS. 2. Lei Estadual 7.098, de 30 de dezembro de 1998, do Estado de Mato Grosso. (...) 8. ICMS. Incidência sobre softwares adquiridos por meio de transferência eletrônica de dados (art. 2º, § 1º, item 6, e art. 6º, § 6º, ambos da Lei impugnada). Possibilidade. Inexistência de bem corpóreo ou mercadoria em sentido estrito. Irrelevância. O Tribunal não pode se furtar a abarcar situações novas, consequências concretas do mundo real, com base em premissas jurídicas que não são mais totalmente corretas. O apego a tais diretrizes jurídicas acaba por enfraquecer o texto constitucional, pois não permite que a abertura dos dispositivos da Constituição possa se adaptar aos novos tempos, antes imprevisíveis. 9. Medida liminar parcialmente deferida, para suspender a expressão “observados os demais critérios determinados pelo regulamento”, presente no parágrafo 4º do art. 13, assim como o inteiro teor do parágrafo único do art. 22, ambos da Lei 7.098/98, do Estado de Mato Grosso.

(ADI 1945 MC, Relator(a): Min. OCTAVIO GALLOTTI, Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 26/05/2010, DJe-047 DIVULG 11-03-2011 PUBLIC 14-03-2011 EMENT VOL-02480-01 PP-00008 RTJ VOL-00220-01 PP-00050)

Sobre a decisão proferida pelo STF, conforme se verifica abaixo, a advogada Daniela Floriano faz duras críticas à possibilidade de incidência de ICMS na hipótese em que a cessão de uso do software ocorra por meio de download, via internet. Vejamos:

(...) o STF, ao reanalisar a matéria dos softwares agora sob a ótica das transferências eletrônicas – downloads – especificamente no julgamento da liminar pleiteada nos autos da ADI 1.945-MT, equivocadamente retorna aos conceitos explorados na decisão de 1998 (RE nº 176.676-3) deixando de se atentar para dois pontos fundamentais aqui apontados. São eles: (i) a inexistência do suporte físico e (ii) a natureza jurídica das operações praticadas. Ora, se os efeitos disciplinados pela própria lei encerram a cessão do direito de uso, e não a transferência de titularidade, definitivamente não se pode falar em circulação do bem comercializado e, por consequência, não há como sustentar a subsunção do fato – aquisição onerosa de software por meio de download – à norma jurídica de incidência do ICMS.

Assim, resta evidente a impossibilidade formal e técnica de criação de uma nova hipótese de incidência do ICMS sobre as operações de aquisição onerosa de programas de computador por transferência eletrônica quando não confirmada a efetiva transferência de titularidade destes programas, como pretende o Decreto Estadual nº 61.522/15, sob pena de violação, dentre outros dispositivos, à norma constitucional de repartição das competências tributárias.[8]           

Por se tratar de uma decisão proferida cautelarmente, tem-se que, apesar do indicativo de interpretação estabelecido pela própria decisão cautelar, a celeuma ainda não resta pacificada e, por ser um tema enorme relevância e impacto socioeconômico, vários órgãos e entidades requisitaram o seu ingresso na demanda, na condição de amicus curiae, tais como: o Governo do Distrito Federal, a Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais Brasileiras, Confederação Nacional de Serviços (CNS), Sindicato das Empresas de Processamento de Dados e Serviços de Informática do Estado de São Paulo (SERPOSP) e a Associação Brasileira das empresas de software (ABES).         

Tratando do tema conexo, temos ainda a ADI 5659 proposta, em 15/02/2017, pela Confederação Nacional dos Serviços (CNS) em face do Decreto nº 46.877/2015 de Minas Gerais, com objetivo de excluir a incidência do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre as operações com programas de computador.


CONCLUSÃO

Diante do acima exposto, verifica-se a relevância do tema e o possível impacto da decisão na sociedade brasileira, seja no aspecto do possível aumento das receitas públicas ou, também, no impacto financeiro nas relações entre os detentores do direito patrimonial do programa de computador e seus usuários.

Porém, o que se esquece é o impacto que tal decisão pode causar sobre o já atrasado processo de desenvolvimento tecnológico e de inovação do país. Isso porque, o Brasil ocupa apenas a 69ª posição no ranking de inovação mundial, que analisa ao todo 127 países.         

Essa posição essa é, no mínimo, inadequada para um país que possui uma das maiores economias do mundo. Apenas a título de exemplo, esse ranking organizado pela Universidade Cornell, a escola de negócios Insead e a Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI), aponta que o Brasil ocupa apenas a 7ª posição, quando considerados somente os 16 países da América Latina e Caribe. [9]

Conclui-se que, não obstante o resultado da decisão a ser proferida pelo STF, do qual se espera a observância dos princípios da legislação tributária, em especial o respeito às definições, os conteúdos e o alcance de institutos e demais conceitos e formas de direito privado, colocando, assim, um freio no anseio tributário das autoridades fiscais, deve-se observar também que cabe ao Estado a adoção de medidas e outras políticas públicas necessárias ao desenvolvimento tecnológico nacional, ramo no qual os programas de computador são de extrema importância.

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BIBLIOGRAFIA

- BONATO, Vanderlei: Introdução à Ciência da Computação. Acesso em: https://docs.google.com/viewer?url=http%3A%2F%2Fwiki.icmc.usp.br%2Fimages%2F4%2F41%2FSSC0800_Aula1.pdf&embedded=true&chrome=false&dov=1.

-  SANTOS, Manuel J. Pereira dos. Direito autoral. Editora Saraiva. 2013.

- SANTOS, Manuel J. Pereira dos. A Nova Lei do Software: Aspectos Controvertidos da Proteção Autoral. Apud. AMAD, Emir Iscandor. Contratos de software "shrinkwrap licences" e "clickwrap licences". Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 2002.

- SAAVEDRA, Rui. Apud. RIBEIRO, Guilherme Felipe Silva. Software: mercadoria ou serviço? Aspectos tributários controvertidos. Disponível em: http://www.fiscosoft.com.br/main_online_frame.php?page=/index.php?PID=200322&key=4073227ç. Acesso em: 31/07/2017.

- MARTINS, Ives Gandra. O licenciamento e o sublicenciamento de programa de software não se confundem com circulação de mercadorias – impossibilidade de incidirem sobre as respectivas operações ICMS, IPI e II, parecer. Disponível em: https://docs.google.com/viewer?url=http%3A%2F%2Fwww.gandramartins.adv.br%2Fproject%2Fives-gandra%2Fpublic%2Fuploads%2F2014%2F10%2F27%2F17d0448008789p.doc&embedded=true&chrome=false&dov=1.m. Acesso em: 31/07/2017.

- FLORIANO, Daniela. A propriedade do software adquirido via download. Disponível em: http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/a-propriedade-do-software-adquirido-por-download/. Acesso em: 31/07/2017.


Notas

[1] Disponível em: http://www.abpd.org.br/home/numeros-do-mercado/. Acesso em: 11/06/2017.

[2] BONATO, Vanderlei: Introdução à Ciência da Computação. Acesso em: https://docs.google.com/viewer?url=http%3A%2F%2Fwiki.icmc.usp.br%2Fimages%2F4%2F41%2FSSC0800_Aula1.pdf&embedded=true&chrome=false&dov=1.

[3] SANTOS, Manuel J. Pereira dos. Direito autoral. Editora Saraiva. 2013

[4] SANTOS, Manuel J. Pereira dos. A Nova Lei do Software:Aspectos Controvertidos da Proteção Autoral. Apud. AMAD, Emir Iscandor. Contratos de software "shrinkwrap licences" e "clickwrap licences". Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 2002.

[5] SAAVEDRA, Rui. Apud. RIBEIRO, Guilherme Felipe Silva. Software: mercadoria ou serviço? Aspectos tributários controvertidos. Disponível em: http://www.fiscosoft.com.br/main_online_frame.php?page=/index.php?PID=200322&key=4073227ç. Acesso em: 31/07/2017.

[6] MARTINS, Ives Gandra. O licenciamento e o sublicenciamento de programa de software não se confundem com circulação de mercadorias – impossibilidade de incidirem sobre as respectivas operações ICMS, IPI e II, parecer. Disponível em: https://docs.google.com/viewer?url=http%3A%2F%2Fwww.gandramartins.adv.br%2Fproject%2Fives-gandra%2Fpublic%2Fuploads%2F2014%2F10%2F27%2F17d0448008789p.doc&embedded=true&chrome=false&dov=1.m. Acesso em: 31/07/2017.

[7] MARTINS, Ives Gandra. Ob cit.

[8] FLORIANO, Daniela. A propriedade do software adquirido via download. Disponível em: http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/a-propriedade-do-software-adquirido-por-download/. Acesso em: 31/07/2017.

[9] Disponível em: http://www.portaldaindustria.com.br/agenciacni/noticias/2017/06/brasil-fica-estagnado-no-indice-global-de-inovacao/. Acesso em: 31/07/2017.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DIAS, Leonardo Sales. O software via download e o imposto sobre a circulação de mercadorias e serviços (ICMS). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5453, 6 jun. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/65629. Acesso em: 29 mar. 2024.

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