INTRODUÇÃO
A polêmica acerca das vaquejadas como “modalidade esportiva” sempre foi de grandes proporções. Essa prática vem de geração em geração, sobretudo no Nordeste brasileiro, onde a atividade é mais vívida a respeito dessa tradição. A execução dessa modalidade se resume em uma demarcação de cal, onde os vaqueiros montados a cavalo devem derrubar o boi pelo rabo, dentro dos limites especificados.
Os defensores da prática baseiam-se na Constituição Federal para assentir à causa, onde encontram amparo no artigo 215, §1º, VII, e ainda, na recente Emenda Constitucional 96 de 2017. Já em prol da negativa, os opositores fundam-se no artigo 225, § 1º, VII, da Constituição Federal, quanto cláusula pétrea, para a tentativa de inibição da atividade, e também, na Lei de Crimes Ambientais de número 9.605 de 1998 em seu artigo 32.
Isto posto, verifica-se a necessidade de entendimento acerca do assunto que concentra seu cerne na seguinte problemática: a prática da vaquejada é considerada inconstitucional, visto que encontra-se amparada e, simultaneamente, desassistida pela Constituição Federal de 1988?
Intentando encontrar respostas ao problema, a pesquisa utilizou-se da abordagem dedutiva, uma vez que a mesma parte de uma abordagem global de conceituação e identificação das vaquejadas como modalidade esportiva e das manifestações culturais em objeção à proteção da Fauna, para, a partir dessa abordagem mais ampla, verificar a compatibilidade com a legislação brasileira vigente e posicionamento do Supremo Tribunal Federal, e, ainda, do método monográfico para fins procedimentais, objetivando-se constatar a violação aos direitos dos animais, assegurados pela Constituição Federal de 1988 e, também, pela Lei de Crimes Ambientais de número 9.605 de 1998.
Nesse aporte, devido aos abusos, maus tratos e crueldades que os animais são submetidos com a prática dessa atividade, constata-se ilegal tal ato, que deve ser coibido tanto pelo Poder Público quanto pela população como um todo, fazendo jus ao artigo 225, § 1º, VII, da Constituição Federal e demais leis de natureza ambiental e, acima de tudo, pelo Supremo Tribunal Federal que deverá julgar por intermédio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), a matéria.
1 A VAQUEJADA E AS MANIFESTAÇÕES CULTURAIS EM OBJEÇÃO À PROTEÇÃO DA FAUNA
As vaquejadas tornaram-se mais arraigadas culturalmente por volta de 1940, onde os coronéis e senhores de engenho organizavam eventos onde eram postos os vaqueiros para a execução da atividade e seus patrões faziam apostas entre si, todavia, nessa época não haviam premiações para os vaqueiros, apenas “agrados” por parte de seus patrões, sendo os eventos apenas a título de lazer para os envolvidos (PORTAL DA VAQUEJADA, 2011).
Cada vez popularizando-se mais, as vaquejadas foram tomando proporções maiores, tornando-se competições estrondosas e de grande envolvimento econômico. Sendo que, na atualidade o “ramo” tornou-se um grande atrativo para os vaqueiros, haja vista os prêmios avaliados muitas vezes em grandes fortunas, há no Nordeste brasileiro dezenas de parques onde são organizados os eventos e colocada em prática tal “modalidade esportiva”.
Depois de breve síntese histórica, relata-se que a prática dessa “modalidade esportiva”, conforme disposto pelo Portal da Vaquejada (2011), que variam de região para região, porém concentrada em seu cerne as premissas maiores, consiste em uma pista de 160 metros de comprimento com variações de largura, onde demarca-se uma linha de cal onde os bois deverão ser derrubados.
São válidos os pontos dentro dos limites das demarcações, e, os vaqueiros participantes montados a cavalo devem disputar com a incumbência de derrubar o boi pelo rabo dentro de tais limitações, cercando o animal que está em fuga, que tem sua cauda torcida e puxada para que o mesmo tombe no chão, vencendo o vaqueiro que tiver o maior número de pontos acumulados (PORTAL DA VAQUEJADA, 2011).
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, dispõe em seu artigo 215, § 1º, que
O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais, e que, o Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.
Ainda ,em seu artigo 216, qualifica o patrimônio cultural como (BRASIL, 1988), in verbis:
Os bens de natureza material ou imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: as formas de expressão; os modos de criar, fazer e viver; as criações científicas, artísticas e tecnológicas; as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
Os relatos históricos da cultuação dessa “modalidade esportiva”, que teve como ponto de partida o pastoreio e posteriormente atividade de lazer entre os praticantes e envolvidos que assistiam e faziam apostas (PORTAL DA VAQUEJADA, 2011, p. 1), os defensores alegam que a prática é uma cultura altamente arraigada na sociedade, sendo reconhecida nacional e internacionalmente, além de gerar uma grande movimentação no turismo, e que, também alavanca a economia local.
Sendo assim, quem está em prol da vaquejada baseia-se no artigo 215, § 1º, da Constituição Federal, ressaltando ser uma expressão legítima da cultura popular Nordestina. Somado a isso, faz jus à Emenda Constitucional 96 de 2017, que dispõe que (BRASIL, 2017):
Para fins do disposto na parte final do inciso VII do § 1º do artigo 225, não se consideram cruéis as práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam manifestações culturais, conforme o § 1º do art. 215 desta Constituição Federal, registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro, devendo ser regulamentadas por lei específica que assegure o bem-estar dos animais envolvidos.
Em contrapartida, os objetores relatam que tal ato caracteriza-se de natureza nociva mesmo antes do animal ser liberto para a arena, dado que, para que o bovino adentre em fuga no recinto, o mesmo é posto confinadamente dentro de um pequeno e limitado cercado, onde é cutucado com pedaços de madeira, sendo submetido a vários atos prejudiciais à integridade física e psíquica, como espancamentos e trações incessantes na cauda para que o mesmo entre em estado de alerta e fique ativo na arena, sendo muito comum serem caudas arrancadas, como é citado até mesmo em regulamentos próprios das vaquejadas (FÓRUM ANIMAL, 2017).
A Lei número 9.605 de 1998, lei de Crimes Ambientais, dispõe no seu artigo 32, que “praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos”, tendo pena de detenção, de três meses a um ano mais multa, e ainda se ocorrer morte do animal a pena é aumentada de um sexto a um terço, o que demonstra que deliberada prática vai contra esta normativa.
Já na Constituição Federal no seu artigo 225, § 1º, VII, dispõe que ”todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
E ainda que “para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade” (BRASIL, 1988).
Por conseguinte, nota-se que o fato de haver intrínseca crueldade contra os animais submetidos às vaquejadas, é indissociável da prática, o que torna a modalidade esportiva, mesmo com a Emenda Constitucional 96 de 2017, ilegal, sendo intolerável tal conduta em desfavor dos animais, não deixando tal prática de ser anti ética e juridicamente irrelevante devido uma norma jurídica rotular como uma “manifestação cultural” (CAVALCANTE, 2017).
Frente a isso, tem-se que qualquer emenda constitucional que fira uma cláusula pétrea, conforme versa o artigo 60, §4º da Constituição Federal de 1988, pode ser declarada inconstitucional, cabendo ao Supremo se posicionar ante essa inovação legislativa, in verbis:
§ 4º – Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I – a forma federativa de Estado;
II – o voto direto, secreto, universal e periódico;
III – a separação dos Poderes;
IV – os direitos e garantias individuais.
Portanto, se o Supremo mantiver o entendimento já expresso por meio da ADI 4.983, a Emenda Constitucional nº 96 de 2017 deverá ser considerada inconstitucional, ao passo que não é o fato da vaquejada estar prevista na Carta Magna de 1988 que fará com que deixe de haver maus tratos aos animais submetidos à essa prática, como já reconhecido. Há, desta maneira, violação a uma cláusula pétrea que carece ser sanada pelo reconhecimento de sua inconstitucionalidade.
CONCLUSÃO
Na prática das vaquejadas, não resta evidenciado os maus tratos contra os animais. A Emenda Constitucional 96 de 2017, que dá suporte ao artigo 215, § 1º, que tratar-se-ia da manifestação cultural, vai contra as basilares do artigo 225, § 1º, VII, da Constituição Federal de 1988 de certa forma, abolindo uma cláusula pétrea que encontra em seu cerne o direito fundamental de proteção aos animais.
O que se torna uma afronta ao que se refere o artigo supracitado, tornando, ainda assim, tal atividade, de um ponto de vista constitucionalista, ilegal. E ainda, desrespeitando o artigo 32 da lei 9.605 de 1998, que dispõe dos crimes ambientais.
Mesmo que com essa tentativa de reversão jurisprudencial, tendo a Corte Suprema, em outubro de 2016 por meio da ADI 4.983, julgado inconstitucional a Lei Estadual do Ceará de número 15.299 de 2013, caberá ainda ao Supremo analisar a matéria do fato, podendo por meio de outra Ação Direta de Inconstitucionalidade, coibir a prática de vaquejadas, proibindo a atividade.
REFERÊNCIAS
Associação Piauiense de Proteção e Amor aos Animais. Janot pede que STF derrube emenda constitucional que liberou vaquejada. Disponível em: <https://www.apipa10.org/noticias/publicacoes-da-apipa/no-brasil/4460-janot-pede-que-stf-derrube-emenda-constitucional-que-liberou-vaquejada.html>. Acesso em: 08 de abril de 2018.
BRASIL. Constituição. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1988.
__________. Emenda Constitucional nº 96, de 06 de junho de 2017. Acrescenta §7º ao art. 225 da Constituição Federal para determinar que práticas desportivas que utilizem animais não são consideradas cruéis, nas condições que especifica. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc96.htm>. Acesso em: 08 de abril de 2018.
__________. Lei nº. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9605.htm>. Acesso em: 08 de abril de 2018.
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Breves comentários à EC 96/2017 (Emenda da Vaquejada). Disponível em: <http://www.dizerodireito.com.br/2017/06/breves-comentarios-ec-962017-emenda-da_7.html>. Acesso em: 08 de abril de 2018.
Direito Diário. As vaquejadas e rodeios agora são permitidos pela Constituição Federal Disponível em: <http://www.luzilandiaeonorte.com.br/noticia/832/as-vaquejadas-e-rodeios-agora-sao-permitidos-pela-constituicao-federal>. Acesso em: 08 de abril de 2018.
Fórum Animal. Janot pede ao STF que derrube PEC da Vaquejada. Disponível em: <https://www.forumanimal.org/single-post/2017/09/09/Janot-pede-ao-STF-que-derrube-PEC-da-Vaquejada>. Acesso em: 08 de abril de 2018.
Portal Vaquejada. História da Vaquejada. Disponível em: <http://tudosobrevaquejada.webnode.com.br/historia-da-vaquejada/>. Acesso em: 08 de abril de 2018.