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Fake news, eleições, marco civil da internet, liberdade de expressão e indenizações – Questões relevantes

14/05/2018 às 14:13
Leia nesta página:

Investiga o que há de atual na discussão do regime jurídico a ser seguido e empregado em relação às chamadas fake news que põem a própria democracia em xeque e suscitam questões práticas em torno da liberdade de expressão, seus excessos e o dever de indenizar.

Há um grande nicho profissional para a advocacia na área eleitoral que se aviventa a cada dois anos, em nosso país, com causas que duram anos e que permitem cobranças periódicas por cada fase, envolvendo não apenas figuras conhecidas como deputados e senadores, mas figuras mais próximas de nossa realidade, como prefeitos e vereadores.

E hoje, a grande discussão sobre como aconselhar candidatos e assessorá-los passa pela discussão a respeito do que se convencionou denominar como fake news, a febre de notícias falsas emitidas por robôs em todos os tipos de mídia em desfavor de várias pessoas do meio político, o que expõe uma face delicada de nossa democracia (a própria democracia mundial se encontra em xeque eis que há relatos de que o Presidente Putin tenha lançado mão de fake news para garantir a eleição de Donald Trump e se isso ocorre em país que tem todos os meios tecnológicos à sua disposição, imagine-se o que não pode acontecer aqui em nossas plagas).

Os meois pelos quais os brasileiros passaram a se informar mudaram muito. Dos jornais escritos e do rádio e televisão, as pessoas passaram a se informar pela internet e por notícias de whatsapp, em várias plataformas em que as notícias podem ficar disponíveis. Hoje já são cerca de 26% os que optam por se informar pela internet (dados obtidos em https://g1.globo.com/economia/midia-e-marketing/noticia/tv-e-o-meio-preferido-por-63-dos-brasileiros-para-se-informar-e-internet-por-26-diz-pesquisa.ghtml), o que, se pararmos para pensar, é muito, ou seja, mais de um em cada quatro brasileiros, percentual que pode influenciar o resultado de uma eleição, por isso o assunto das assim chamadas fake news tem despertado tanto interesse – um quarto do eleitorado estará exposto a isso, PELO MENOS.

E aí surge outra faceta: A fragilidade de nossa democracia em condições como tal, diante da falta de preparo legislativo eficaz no combate a esse tipo de situação.

E o problema é de grande preocupação, porque estudo do MIT de Boston, umas das universidades mais prestigiadas do globo, aponta no sentido de que fake news se propagam 70% mais rápido na rede do que notícias verdadeiras(https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/tecnologia/2018/03/08/interna_tecnologia,664835/fake-news-se-espalham-70-mais-rapido-que-noticias-verdadeiras.shtml). Isso porque, em grande parte, o público a quem ela se dirige tende a querer acreditar que aquilo seja verdade e busca repassar aquilo como verdadeiro.

O país vive em clima de fla x flu – a sociedade dividiu-se cada qual querendo acreditar que seu lado é o detentor da verdade suprema – há um certo messianismo em alguns grupos de direita e de esquerda que rivalizam como antes nunca visto no país. E a internet se tornou campo de batalha e o ordenamento jurídico simplesmente não tem uma resposta adequada para combater isso, com a velocidade e eficácia necessárias.

Agregue-se a tal quadro a máxima de Joseph Goebbels, segundo na linha de comando da Alemanha Nazista, considerado por muitos um gênio da propaganda – no sentido de que de tanto repetir uma mentira ela se torna em uma verdade, o que, certamente, não tem passado despercebido por alguns marqueteiros mal intencionados, que podem utilizar-se de terceiros para a difusão das fake news, com graves prejuízos para candidatos sérios (às vezes candidatos “nanicos” são financiados por candidatos viáveis para atacarem seus desafetos, o que se lamenta, mas ocorre em todas as eleições).

 Os ataques a candidatos na rede de computadores fundados em notícias falsas estão se tornando problema endêmico, mormente diante da falta de rapidez da Justiça Eleitoral sujeita ao cumprimento de prazos e procedimentos que tomam tempo e que não tem estrutura adequada de pessoal e meios técnicos para atuar a cada vez que possa ser lançada uma fake news na rede (basta ver como andam rápido, lendas urbanas, que são puro mito difundido de modo equivocado, no sentido de que se a maioria votar nulo haverá nulidade da eleição com exigência de novos candidatos – pura mentira – quem se deixar levar por isso anulará o voto à toa e quem não anulou elegerá seu candidato – tenho artigo escrito sobre a análise dessa lenda urbana – disponível em https://jus.com.br/artigos/63569/voto-nulo-anula-eleicao.

Nessa medida, como a Constituição proíbe a censura prévia (o que é da essência de um país livre e democrático sendo certo que o cerco à criminalização encontraria complexos problemas de constitucionalidade face ao direito de expressão), como se exige pela lei do marco civil que se promovam ações para a retirada de cada URL indicada, o que não se aplica às páginas onde a notícia foi replicada (ou seja, enquanto se discute uma demanda, a notícia continuará sendo replicada em outras páginas, com outra URL o que demandará outra demanda até o problema esteja contido), tem-se a dimensão do problema a ser enfrentado pelo TSE nas próximas eleições, cujo Presidente, Ministro Luiz Fux sugeriu a formação de um Conselho Consultivo composto por Juízes Eleitorais, Membros do Ministério Público e setores da imprensa que darão suporte na rápida propagação sobre a veracidade e não veracidade das notícias.

Ou seja, ao se arregimentar a imprensa como meio de combate mais eficaz às fake news, a Justiça Eleitoral simplesmente reconhece a dificuldade de combatê-las pelas vias tradicionais, isso porque, como dito acima, o STJ adotou a tese de que a Lei do Marco Civil demanda um tipo de pedido para cada URL que contenha notícia a ser excluída, o que torna praticamente impossível ir à caça de todas em que a notícia possa estar sendo replicada.

Pelo óbvio que indenizações serão devidas, mas existe o sério risco, em primeiro lugar, de não se localizar os responsáveis que podem, inclusive, utilizar pontos de ataque hospedados fora do país, em segundo lugar, nem sempre esse tipo de situação é perpetrada por aquele que tem patrimônio apto a responder por algum tipo de tutela indenizatória – isso sem contar que tais demandas seriam propostas e somente julgadas depois de ultrapassado o pleito que se descortina quando o resultado das eleições seriam uma situação jurídica estabilizada e consolidada.

Quando se localiza o responsável, por exemplo, uma agremiação partidária, as indenizações têm sido deferidas pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, como se observa por aresto já do ano de 2018:

Superior Tribunal de Justiça STJ - AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL : AREsp 1101432 RJ 2017/0111289-0 Decisão AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.101.432 - RJ (2017/0111289-0) RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO AGRAVANTE : PARTIDO REPUBLICANO PROGRESSISTA-PRP ADVOGADO : FERNANDA CRISTINA CAPRIO D'ANGELO - SP148931 AGRAVADO : GIOVANNA LANCELLOTTI ROXO ADVOGADO : MARIANA ZONENSCHEIN E OUTRO (S) - RJ118924 AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E ELEITORAL.

TESE RECURSAL QUE PARTE DE PREMISSAS FÁTICAS REJEITADAS PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. IMPRESCINDIBILIDADE DE REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. SÚMULA 7/STJ. ART. 15-A DA LEI 9.096/95. INEXISTÊNCIA DE SOLIDARIEDADE ENTRE OS DIRETÓRIOS MUNICIPAL, ESTADUAL E NACIONAL DE UM PARTIDO POLÍTICO. RESTRIÇÃO DA RESPONSABILIDADE AO ÓRGÃO RESPONSÁVEL PELO ATO QUE RESULTOU EM LESÃO A DIREITO DE TERCEIRO. PRECEDENTES. AGRAVO CONHECIDO PARA, DESDE LOGO, DAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL.

DECISÃO Vistos etc.

Trata-se de agravo interposto por PARTIDO REPUBLICANO PROGRESSISTA - PRP contra decisao do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que inadmitiu seu recurso especial. É o relatório. Passo a decidir. As razões apresentadas são suficientes para que se analise o recurso especial, motivo pelo qual passo a fazê-lo. O recurso foi interposto contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro assim ementado:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. CAMPANHA ELEITORAL PELA INTERNET. USO NÃO AUTORIZADO DE IMAGEM. VEROSSIMILHANÇA DAS ALEGAÇÕES AUTORAIS. LIGAÇÃO ENTRE O CRIADOR DA PÁGINA É O CANDIDATO. DANO IN RE IPSA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. REFORMA. SOLIDARIEDADE DO PARTIDO POLÍTICO. 1. Trata-se de ação indenizatória em que alega a autora, atriz, que a campanha eleitoral do primeiro réu utilizou sua imagem sem autorização em página na internet. A sentença julgou improcedente o pedido, ao fundamento de ausência de prova da relação entre o criador da página e os réus. 2. Verossimilhança das alegações autorais. Página em rede social (Facebook) que se identifica como a página oficial da campanha eleitoral do primeiro réu, e contêm diversos outros elementos da campanha, como imagens dos candidatos, convocação de caminhadas e manifestação de adeptos. Inverossímil, por outro lado, a tese de que um inimigo político tenha criado uma página inteira, com elementos que claramente beneficiariam a campanha do réu, apenas para prejudicá-lo através da exclusiva utilização indevida de imagem da autora. Página que foi excluído após a citação dos réus, situação que milita contra a alegação de inexistência de relação entre o criador da página e o demandado. 3. Dano in re ipsa. Simples utilização da imagem sem autorização que configura o dever de indenizar. Precedente do Superior Tribunal de Justiça. 4. Responsabilidade solidária do partido político. Art. 241 do Código Eleitoral. Art. 15-A da Lei dos Partidos Políticosque não se aplica à hipótese dos autos, revestindo-se de natureza de norma de organização interna, destinada a disciplinar a responsabilidade dos partidos por atos próprios. Reforma da sentença para julgar procedente o pedido inicial. PROVIMENTO DO RECURSO.

Contra este acórdão foram opostos embargos, restando assim ementada a decisão proferida em seu julgamento:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ACÓRDÃO PROFERIDO EM APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. CAMPANHA ELEITORAL PELA INTERNET. USO NÃO AUTORIZADO DE IMAGEM. DANO IN RE IPSA. SOLIDARIEDADE DO PARTIDO POLÍTICO. MANUTENÇÃO DO JULGADO.

1. Inexistência de omissão, obscuridade ou contradição a ensejar a interposição de embargos de declaração. 2. Pretensão da parte ré/embargante de rediscutir a matéria analisada quando do julgamento do processo. 3. Finalidade de prequestionamento. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. Nas razões do recurso especial, o recorrente alega que haveria divergência interpretativa quanto aos artigos 186 e 927 do Código Civil, aos artigos 241, 264 e 333, inciso I, do Código de Processo Civil de 1793, aos artigos 40-B e 57-D da Lei 9.504/97, e ao artigo 15-A da Lei 9.096/95. Sustenta que de acordo com a jurisprudência deste Tribunal Superior, somente se haveria dano in re ipsa nos casos de "cadastro de inadimplentes (Ag 1.379.761), Responsabilidade bancária (Ag 1.295.732 e REsp 1.087.487), Atraso de Vôo (REsp 299.532), Diploma sem reconhecimento (REsp 631.204), Equívoco em atos administrativos de órgão público (REsp 608.918)", hipóteses que não coincidem com o presente caso, concluindo que "A utilização da FAKES na internet é matéria analisada sob a luz da RESPONSABILIDADE SUBJETIVA". Entende que tratando-se de responsabilidade subjetiva, "o dano exige o preenchimento dos quatro elementos comprovadores de sua inequívoca existência, quais sejam (i) ação/omissão (ii) dano (iii) culpa e (iv) nexo causal", reiterando que "O fato de a imagem da atriz ter sido utilizada em fake não tem o condão de reparar a responsabilidade de reparar ao recorrente". Assevera que haveria divergência interpretativa quanto ao artigo 264 do Código de Processo Civil de 1973, tendo em vista que "O v. acórdão recorrido deu guarida à alteração de causa de pedir realizada no curso da instrução processual pela atriz, o que é inadmissível à luz do Código de Processo Civil". Aduz que haveria dissídio jurisprudencial também quanto aos artigos 241, do Código Eleitoral, dos artigos 40-B e 57-D da Lei 9.504/97, e ao artigo 333, inciso I, do Código de Processo Civil de 1973, pois comprovado pelo conjunto probatório que "o Sr. Sandro Nóbrega é inimigo declarado" do Sr. Reginaldo Pereira da Costa, motivo pelo qual teria criado um perfil falso para prejudicá-lo. Explica que nos termos da legislação aplicável, "o candidato/partido somente são responsáveis se, e somente se, a conduta for por ele praticada ou à sua ordem" , somente havendo "solidariedade entre partido e propaganda de candidato quando os excessos forem praticados pelos candidatos ou adeptos". Destaca que "a atriz não conseguiu demonstrar que a página era de autoria, ou de responsabilidade, do candidato Reginaldo, nem do partido recorrente, razão pela qual o partido fica isento do dever de indenizar". Assevera ainda que haveria divergência quanto ao artigo 15-A da Lei 9.096/95, pois "a responsabilidade civil e trabalhista cabe exclusivamente ao órgão partidário municipal, estadual ou nacional que contrair a obrigação ou violar direito", não se sustentando a tese de que "os níveis partidários inferiores são frações do partido político e só são entendidos como entes independentes somente dentro da Justiça Eleitoral". Reitera que "o artigo 15-A da Lei 9.096/95 retira do órgão partidário nacional qualquer responsabilidade por dívidas contraídas por candidatos e níveis partidários inferiores". Este recurso comporta parcial provimento. Inicialmente, destaco que salvo quanto ao capítulo pertinente ao artigo 15-A da Lei 9.096/95, o recurso não comporta conhecimento. Salvo quanto a esta questão, o recurso claramente encontra óbice na Súmula 7/STJ. Aplica-se este enunciado aos casos em que a análise da pretensão recursal demande o revolvimento do quadro fático-probatório dos autos. Destarte, a fundamentação recursal deve adotar como premissa as conclusões a que o Tribunal de origem tenha chegado com a análise das provas e fatos constantes nos autos para que o recurso possa ser conhecido. Ao partir de conclusão diversa da esposada pelo Tribunal de origem para fundamentar a alegação de violação à legislação federal ou de dissídio jurisprudencial, para que se possa verificá-las, torna-se imprescindível o reexame da matéria fática para que se possa averiguar a veracidade da premissa, atribuindo a este Tribunal papel que não lhe cabe. Não se ignora que a discussão sobre prova tem sido admitida por este Tribunal Superior, mas tal hipótese é restrita aos casos em que se pretenda atribuir qualificação jurídica diversa aos fatos narrados no acórdão e sobre os quais não há controvérsia. Assim, no segundo caso é necessário demonstrar que há ponto incontroverso desconsiderado no acórdão. No primeiro caso, é necessário que seja indicada uma qualificação jurídica que deva ser atribuída a fato ou prova específico, demonstrando-se o equívoco do Tribunal de origem ao atribuir qualificação jurídica diversa ao mesmo fato ou prova. Na espécie, o recorrente claramente parte da premissa fática de que a página teria sido criada por adversário do candidato à Prefeitura, que o teria feito para prejudicá-lo. Tal premissa, todavia, foi expressamente rejeitada pelo Tribunal de origem, que, ao apreciar o acervo fático-probatório dos autos, conclui que não se sustentaria, tendo em vista que "o sítio eletrônico se identifica como a página oficial da campanha eleitoral do primeiro réu, e contêm diversos outros elementos da campanha além da mera exposição da imagem da autora. Por exemplo, convocação de caminhadas e a manifestação de adeptos" , carecendo de verossimilhança a tese de que "um inimigo político do primeiro réu tenha criado uma página inteira, com elementos que claramente beneficiariam a campanha do mesmo, para prejudicá-lo exclusivamente pela utilização indevida de imagem da autora". Acrescenta ainda que não fora indicada a página oficial do réu na ação, bem como a página indicada foi removida logo após o ajuizamento da ação. Assim, a questão está restrita à verificação da premissa fática pertinente ao caso, não a análise de tese jurídica, razão pela qual inafastável a incidência da Súmula 7/STJ. Nada obstante, assiste razão ao recorrente quanto à alegada violação ao artigo 15-A da Lei 9.096/95. Diversamente do quanto decidido pelo Tribunal de origem, tal norma não teria aplicação restrita à distribuição interna da responsabilidade, mas sim com relação a terceiros. É pacífica a jurisprudência desta Corte Superior que, mesmo antes da entrada em vigor do referido dispositivo legal, a responsabilidade civil pelos prejuízos causados por atos praticados em âmbito municipal estaria restrita ao diretório municipal, não se estendo ao diretório estadual ou nacional, tendo em vista que inexistia qualquer disposição legal prevendo a solidariedade entre as diversas esferas partidárias, não tendo a entrada em vigor da Lei 11.694/2008 trazido efetiva alteração jurídica efetiva, pois apenas tornou cogente entendimento que já era possível com base no ordenamento jurídico então vigente. Neste sentido:

AGRAVO REGIMENTAL - MEDIDA CAUTELAR - RESPONSABILIDADE EXCLUSIVA DE DIRETÓRIO MUNICIPAL DE PARTIDO POLÍTICO POR SEUS ATOS OU POR EVENTUAL LESÃO A TERCEIROS - FUMUS BONI IURIS - RECONHECIMENTO - INTERPRETAÇÃO POSSÍVEL ANTES MESMO DA ENTRADA EM VIGOR DA LEI N. 11.694/2008 - OCORRÊNCIA - AUSÊNCIA DE LEI, NO MOMENTO DOS FATOS, QUE PRECONIZASSE A RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA ENTRE OS DIRETÓRIOS, DAS DIFERENTES ESFERAS, DO PARTIDO POLÍTICO - RECURSO IMPROVIDO. (AgRg na MC 16.591/SP, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/10/2010, DJe 21/10/2010) AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. OFENSA A DISPOSITIVOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ANÁLISE EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL. INVIABILIDADE. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 211-STJ. DIRETÓRIOS PARTIDÁRIOS MUNICIPAL, ESTADUAL E NACIONAL. DÉBITOS. DISCIPLINA DA LEI 11.694/2008. INEXISTÊNCIA DE SOLIDARIEDADE. NÃO PROVIMENTO.

1. A via especial é inadequada para análise de arguição de contrariedade a texto constitucional, sob pena de usurpação da competência exclusiva atribuída ao STF. 2. Para o conhecimento do recurso especial é indispensável o prequestionamento da questão federal, que ocorre com manifestação inequívoca acerca da tese pelo acórdão recorrido, condição que em parte não se verificou na hipótese dos autos. Incidência da vedação prevista no verbete sumular 211-STJ. Inexistência de alegação, no recurso especial, de ofensa ao art. 535 do CPC. 3. Desde antes da disciplina imposta pela Lei 11.694/2008, não existia solidariedade entre as esferas partidárias municipal, estadual e nacional quanto às dívidas individualmente constituídas. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no AREsp 139.545/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 07/03/2013, DJe 13/03/2013)

Cumpre destacar que a mera leitura do artigo 15-A torna evidente a impossibilidade da interpretação feita pelo Tribunal de origem, de que se trataria de norma que "disciplina a responsabilidade por atos próprios dos partidos políticos, e não aqueles causados a terceiros em virtude de propagando política em época de campanha eleitoral", tratando-se de "norma de organização interna, não podendo prejudicar terceiros vítimas de atos dos candidatos". Transcrevo referido dispositivo legal: Art. 15-A. A responsabilidade, inclusive civil e trabalhista, cabe exclusivamente ao órgão partidário municipal, estadual ou nacional que tiver dado causa ao não cumprimento da obrigação, à violação de direito, a dano a outrem ou a qualquer ato ilícito, excluída a solidariedade de outros órgãos de direção partidária. Destaco que o julgado indicado pela recorrente, o REsp 1.189.955 - SP, foi proferido monocraticamente e é anterior aos paradigmas indicados acima, razão pela qual não há que se falar em divergência jurisprudencial. Destarte, impõe a reforma da sentença quanto ao ponto para restringir a responsabilidade da condenação ao diretório municipal do partido recorrente. Ante o exposto, com fundamento no artigo 932, inciso IV, do CPC, conhecer do agravo para, desde logo, DAR PROVIMENTO ao recurso especial na parte conhecida, nos termos da fundamentação acima. Intimem-se. Brasília (DF), 08 de fevereiro de 2018. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO Relator

E não há que se falar em aplicação da teoria da perda de uma chance em situações como esta (uma decisão que versasse sobre isso, por exemplo, seria inexecutável, não se saberia como precisar em que medida quantos eleitores teriam sido atingidos pela notícia e que teriam mudado sua opinião por conta da notícia falsa). Há grande dificuldade técnica em torno do tema, a recomendar cautela e estudo na resolução do problema.

 A situação é excepcional – pleito eleitoral – e como tal parece conter em si própria uma questão diferencial – distinguishing (o fator de discrimén adequado a que aludem autores como Celso Antônio Bandeira de Mello em seu magistral O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade) a recomendar que não se aplique o repetitivo do Superior Tribunal de Justiça de que seria necessário um pedido determinado para cada URL, permitindo, assim que, no período eleitoral, os provedores sejam responsabilizados se não tirarem instantaneamente as notícias reconhecidas como falsas pela Justiça Eleitoral.

Mas há outros tipos de problema envolvendo a Justiça Eleitoral e a má utilização da internet. A utilização de perfis falsos, outro problema grave, como fator de macerar regras de propaganda eleitoral vem sendo combatido pela Justiça Eleitoral, como se dá no caso da orientação muito bem lançada pelo TRE-PR que se pede vênia para destacar:

TRE-PR - RECURSO ELEITORAL RE 14618 PR (TRE-PR)Data de publicação: 20/09/2012 Ementa: EMENTA - RECURSO ELEITORAL - PROPAGANDA ELEITORAL - INTERNET - FOTOMONTAGEM - PROPAGANDA NEGATIVA - PERFIL FAKE NO FACEBOOK - ANONIMATO - VIOLAÇÃO A REGRA DO ARTIGO 57-D DA LEI N.º 9.504 /97 - RESPONSABILIDADE DO PARTIDO - EXASPERAÇÃO DA PENA NÃO FUNDAMENTADA - REDUÇÃO DA MULTA - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. A utilização de um perfil fake em redes sociais para a divulgação de propaganda eleitoral visa resguardar o verdadeiro responsável, constituindo, assim, verdadeira afronta ao artigo 57-D da Lei n.º 9.504 /97. 2. À míngua de elementos que indiquem a necessidade de exasperação da pena, a multa deve ser fixada em seu mínimo legal. 3. Recurso parcialmente provido

A Justiça Eleitoral, inclusive, tem considerado o provedor como parte legítima para figurar em reclamações eleitorais sobre o tema, a despeito do que diz a Lei do Marco Civil a revelar a excepcionalidade do tema (lei especial derroga lei geral, como já recomendavam as máximas de Carlos Maximiliano em seu célebre Tratado de Hermenêutica Jurídica):

TRE-PR - RECURSO ELEITORAL RE 26328 RESERVA DO IGUAÇU PR (TRE-PR)Data de publicação: 07/12/2016Ementa: EMENTA. ELEIÇÕES. 2016. RECURSO ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL. SUSPENSÃO DOS PERFIS CONSIDERADOS "FAKES" E RETIRADA DO CONTEÚDO CONSIDERADO OFENSIVO PELO PROVEDOR DE CONTEÚDO E HOSPEDAGEM. LEGITIMIDADE PASSIVA. DESCUMPRIMENTO DA ORDEM JUDICIAL. VALOR COMPATÍVEL COM AS PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1.O provedor de conteúdo ou de hospedagem detém legitimidade passiva ad causam em representação que visa a retirada de vídeo ofensivo, veiculado na internet. Inteligência das normas do art. 57-D, § 3º c/c o art. 57-F , ambos da Lei nº 9.504 /97. 2.O pedido de redução do valor da multa não merece provimento, pois o recorrente não indicou qualquer elemento que comprove sua desproporcionalidade ou irrazoabilidade diante do caso concreto. 3.Recurso conhecido e não provido.

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Ou seja, há fatores de discrimen – distinguishing para afastar a incidência do julgamento de recursos repetitivos no caso de políticos envolvidos em fake news, possibilitando-se medidas judiciais atípicas, até mesmo por analogia ao disposto no artigo 139, inciso IV CPC.

Tampouco se venha pretender aduzir no sentido de que em jogo estaria um direito de personalidade de integridade intelectual (na acepção entendida pelo saudoso Rubens Limongi França) liberdade de expressão, constitucionalmente assegurado, eis que, como se revela por farta jurisprudência construída em torno do tema, a liberdade de expressão, como qualquer direito, não comporta exercício abusivo (os atos praticados com abuso de direito, inclusive, são considerados ilícitos nos termos do artigo 187 CC e geram responsabilidade civil objetiva do infrator nos termos do entendimento do Enunciado nº 37 das Jornadas de Direito Civil do Conselho de Justiça Federal).

Mais ainda, vivemos em tempos de ponderação de direitos (Norberto Bobbio, Celso Lafer, Hannah Arendt, dentre outros), como vem sendo aventado pelos principais Tribunais do país, não havendo margens para direitos absolutos, tudo resta passível de ponderação – ou seja, nesse contexto, a liberdade de expressão se revela incompatível, por exemplo, com aquilo que possa ser entendido como um discurso de ódio (hate speech), mas sem exageros como pretendem alguns fundamentalistas (o mau gosto de uma chacota não pode ser confundido com situações de gravidade acerba nos termos da lei, sob pena de vivermos numa sociedade insuportável, permeada de chatos que poderiam processar todo mundo a todo tempo, invertendo-se o tipo de abuso).

E essa ponderação tem sido exigida em tempos de gravidade extremada que tem sido gerada pela possibilidade de instabilidade democrática por conta de fake news que possam influenciar o resultado de eleições – situação não visada pelas exigências do bem comum ou pelos fins sociais a que a lei se destina, nos estritos termos preconizados pelo advento da norma contida no artigo 5º LINDB.

Quanto a notícias lícitas, que revelem o exercício regular de direito de expressão, não há novidades, censuras prévias são indevidas como bem destaca o entendimento recente do TJSP a respeito do tema, em precedente que vale a pena ser lido, inclusive por cuidar de modulação da aplicação da lei do marco civil e vedação de sua interpretação retroativa:

TJ-SP - Apelação APL 10097597420148260100 SP 1009759-74.2014.8.26.0100 (TJ-SP)Data de publicação: 17/02/2017 Ementa: Obrigação de fazer. Provedor de rede social (Instagram). Fornecimento de IP e exclusão de perfil 'fake'. Sentença de improcedência. Fatos ocorridos antes da vigência do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965 /2014). Impossibilidade de retroação dos efeitos do diploma legal. Dever dos provedores de manter um sistema minimamente eficaz de identificação de seus usuários. Atividade de hospedar informações na WEB que não deve render isenção de responsabilidade civil, sobretudo na quadra do dever legal e moral de informação. Sigilo de dados que pode ser elidido por ordem judicial (artigo 5º inciso XII da CF ). Perfil 'fake'. Vedação ao anonimato (art. 5º , inciso IV da CF ). Obrigação de fornecimento dos dados do usuário (IP). Bloqueio dos perfis. Restrição à liberdade de expressão individual e do pensamento (art. 5º , IV , CF ). Medida desproporcional, pois atinge indiscriminadamente quaisquer manifestações, ainda que não ilícitas. Controle que deve ocorrer a posteriori, a bem de não resultar em limitação ilegal à essencial liberdade de expressão, com concreto prévio engessamento do direito subjetivo de opinião. Autora que é pessoa notória em seu ramo de atuação ('blogueira fitness'). Mitigação dos direitos à imagem. Restrição de conteúdo que deve ater-se apenas aquelas publicações que manifestamente violam aos direitos fundamentais da intimidade, da privacidade e da honra, por se tratarem de relatos levianos e de cunho sensacionalista. Sentença reformada. Recurso parcialmente provido

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Sobre o autor
Julio Cesar Ballerini Silva

Advogado. Magistrado aposentado. Professor da FAJ do Grupo Unieduk de Unitá Faculdade. Coordenador nacional dos cursos de Pós-Graduação em Direito Civil e Processo Civil, Direito Imobiliário e Direito Contratual da Escola Superior de Direito – ESD Proordem Campinas e da pós-graduação em Direito Médico da Vida Marketing Formação em Saúde. Embaixador do Direito à Saúde da AGETS – LIDE.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Julio Cesar Ballerini. Fake news, eleições, marco civil da internet, liberdade de expressão e indenizações – Questões relevantes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5430, 14 mai. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/65688. Acesso em: 25 dez. 2024.

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