Em decisão recente o STF concedeu ao Ministério Público o poder investigatório, pois, segundo os Ministros, quem pode o mais (oferecer denúncia), pode o menos (investigar). Nada contra o poder investigatório, mas colocar a investigação policial como sendo “menos ou menor” do que a denúncia parece absolutamente equivocado. O sistema acusatório existe para que cada um, na medida de suas competências, chegue ao objetivo comum, condenar um culpado ou absolver um inocente. Não há hierarquia entre promotor, juiz e delegado, não deveria haver, portanto, hierarquia entre suas funções. Mas esse é um assunto para outro artigo.
Quanto à requisição de inquérito policial, o Ministério Público pode fazê-la ao Delegado de Polícia, quando chegar ao seu conhecimento determinado fato criminoso de ação pública, essa é uma previsão expressa no Código de Processo Penal:
Art. 5o Nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado:
II - mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público, ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo.
§ 1o O requerimento a que se refere o no II conterá sempre que possível:
a) a narração do fato, com todas as circunstâncias;
b) a individualização do indiciado ou seus sinais característicos e as razões de convicção ou de presunção de ser ele o autor da infração, ou os motivos de impossibilidade de o fazer;
c) a nomeação das testemunhas, com indicação de sua profissão e residência.
Quando, todavia, existe um prévio procedimento investigatório criminal (PIC) instaurado e em curso, ou seja, o Ministério Público já iniciou a investigação dos fatos, não se pode admitir que em seguida remeta o procedimento em andamento ao Delegado de Polícia para continuidade das investigações. Isto porque, ao assumir a investigação, deve o órgão competente prosseguir até o seu final, encaminhando ao magistrado o pedido de arquivamento ou a denúncia, conforme o caso. Esse é o entendimento de Guilherme de Souza Nucci (Manual de processo penal e execução penal. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 173), quando diz:
Em primeiro lugar, a polícia judiciária não é órgão subalterno do Ministério Público, que possui, constitucionalmente, o seu controle externo, vale dizer, a fiscalização dos atos policiais. Em segundo lugar, a polícia judiciária não foi comunicada da investigação, que se iniciou muito tempo antes, para que pudesse efetivamente colaborar; logo, não é depósito de PICs malsucedidos. Seria desconsiderar a figura do Delegado de Polícia. Em terceiro lugar, como já se disse, assumindo o ônus investigatório, o Ministério Público deve concluí-lo e, não havendo provas, pleitear o seu arquivamento ao Judiciário. Lembremos que, arquivado o inquérito ou o PIC, somente poderá ser desarquivado com provas substancialmente novas. Então, remeter o caso para que a polícia continue a investigação frustrada é contornar o direito consolidado de quem é investigado de fazer cessar tal intromissão em sua vida, a menos que surjam novas provas. Em quarto lugar, basta fazer o raciocínio inverso, vez que não há hierarquia entre as instituições, ou seja, nenhum tipo de subordinação. Imagine-se o delegado findar o inquérito, sem solução, e encaminhá-lo ao Ministério Público sugerindo que prossiga a investigação a partir dali. Seria considerado um rebelde. Ora, utilizar o poder requisitório que lhe foi conferido constitucionalmente para tergiversar, fazendo uma investigação frustrada prosseguir, constitui evidente desvio funcional, gerando constrangimento ilegal.
Nada obsta, por óbvio, que o Promotor de Justiça solicite o apoio da Polícia Civil, de modo a desencadear um trabalho conjunto entre as instituições, isto é muito comum, mas não se pode aceitar que o Ministério Público queira agir como um órgão superior à Polícia, remetendo um trabalho que não fora concluído e é de sua competência. Ora, se lutaram tanto para ter o “bônus” de investigar, que também assumam o “ônus” e dificuldades que circundam a tarefa investigativa, que, às vezes, é cansativa e maçante, mas que não pode ser relegada a apenas às partes boas, aos louros e à exposição midiática.
A Resolução nº 13/2006 do CNMP é bem clara ao estabelecer o momento inicial como marco para escolher entre instaurar o PIC ou requisitar a instauração de IP:
Art. 2º Em poder de quaisquer peças de informação, o membro do Ministério Público poderá:
I – promover a ação penal cabível;
II – instaurar procedimento investigatório criminal;
III – encaminhar as peças para o Juizado Especial Criminal, caso a infração seja de menor potencial ofensivo;
IV – promover fundamentadamente o respectivo arquivamento;
V – requisitar a instauração de inquérito policial.
Assim, não se pode deixar ao critério do Promotor decidir quando ele quer remeter ao Delegado de Polícia as peças informativas, isto porque é no momento de análise inicial que deve haver a decisão. Não dá para aceitar que em uma primeira análise era interessante a abertura do PIC, mas posteriormente perdeu-se o ânimo de continuar as diligências, talvez pela dificuldade, extensão, falta de mídia, quantidade de trabalho, etc. Por fim, uma vez instaurado o PIC deve o mesmo ser concluído exclusivamente pelo promotor, já que não há hierarquia entre ele e o Delegado, e cada um deve ser responsável por sua própria investigação.