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As contribuições de intervenção no domínio econômico e o principio da proporcionalidade

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31/03/2005 às 00:00
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4. A norma impositiva do art. 149 e o princípio da proporcionalidade como critério de aferição de constitucionalidade

No mesmo rumo de vários outros comandos constitucionais, a estrutura do art. 149 prescreve uma finalidade a ser alcançada e não desenvolve os traços suficientes, de forma analítica, para a determinação dos meios a serem utilizados. Através desses programas, a Constituição determina que o intérprete-aplicador do Direito concretize, por atos administrativos, legislativos ou judiciais, os princípios jurídicos, garantias e direitos fundamentais, efetivando-se, assim, a gama de valores protegidos detrás de tais normas.

Como exigência da órbita jurídica de um Estado Democrático de Direito, como o que se estabelece no Brasil (art. 1º), a perseguição de tais fins, e a escolha dos meios para tanto, devem ser temperados com o princípio da proporcionalidade, através da obediência aos deveres de adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, para que a força normativa da Constituição seja preservada. Por esse pressuposto, extrai-se da norma impositiva do art. 149 um limite implícito ao exercício válido da competência, segundo o qual a hipótese de incidência tributária da contribuição interventiva, meio eleito pelo legislador infraconstitucional como instrumento da intervenção estatal, deve ser adequada, necessária e proporcional à consecução da finalidade a que se destina tal intervenção.

Com efeito. O controle de constitucionalidade na instituição de contribuições interventivas, mediante a aplicação do princípio da proporcionalidade, deve ser estudado em duas dimensões.

Em primeiro lugar, é necessário aferir se a intervenção realmente se destina ao alcance de alguma finalidade albergada pela Constituição (mormente, na ordem econômica) e se a eleição do meio interventivo pela União respeitou os deveres ínsitos ao princípio da proporcionalidade. Tal análise é efetuada, portanto, sob o foco do Direito Econômico, pois, por ela, verifica-se a validade da intervenção per se, dentro dos limites impostos ao Estado na ordem econômica.

Em seguida, nosso olhar se voltará para o Direito Tributário e para a hipótese de incidência tributária da contribuição interventiva. Aqui, o intérprete-aplicador verificará se a hipótese de incidência, por seus elementos material e pessoal, é adequada, necessária e proporcional à finalidade perseguida pela intervenção sobre o domínio econômico.

Pois bem. Sob a ótica do Direito Econômico, o Estado, para intervir no domínio econômico, deve fazê-lo no sentido de concretizar algum dos desideratos constitucionais que regem a ordem econômica. A finalidade proposta por qualquer medida estatal interventiva deve buscar a consecução de alguns dos princípios jurídicos do art. 170. Tais princípios consubstanciam os instrumentos normativos com que o Estado busca garantir a justiça social e a existência digna a todos.

No entanto, a fixação da finalidade não basta para validar determinada medida estatal. Como sabido, os princípios jurídicos, notadamente aqueles de matriz constitucional, são, por natureza, comandos normativos abertos, que apontam em diferentes direções, e cuja efetivação depende de um juízo de proporcionalidade operado pelo intérprete-aplicador diante das circunstâncias fáticas e jurídicas de um caso concreto.

Diante de uma medida estatal interventiva, por exemplo, pode-se afirmar, pelo menos em tese, que todos os princípios do ordenamento conspiram em alguma direção. A oposição entre alguns princípios, portanto, é inevitável, e o seu deslinde deve ser efetuado mediante a elaboração de um juízo de proporcionalidade. Essa operação visa a identificar, nessa ordem: i) quais são os princípios em choque; ii) como, diante das circunstâncias fáticas e jurídicas do caso concreto, cada princípio em jogo será atingido na hipótese de aplicação do outro. Desse modo, busca-se afastar a solução que, ao dirigir-se à consecução de determinado princípio, inviabilize a efetivação de algum outro princípio jurídico.

Nesse sentido, é que se entende o princípio da proporcionalidade como instrumento jurídico mediador entre os princípios jurídicos, de forma a permitir uma concordância prática entre eles que otimize a sua efetivação no plano concreto. A medida estatal, portanto, será declarada válida constitucionalmente se o atendimento a determinado princípio preserve o núcleo essencial dos demais princípios do ordenamento, impondo-lhes limitação desproporcional.

Dentro da ordem econômica, determinada medida estatal interventiva haverá, inelutavelmente, que se respaldar em um motivo constitucional, na concretização de um determinado princípio elencado no art. 170. Ademais, em virtude do leque de interesses protegidos pela Constituição, muitas vezes opostos, essa intervenção, por se balizar em um deles (por exemplo, a defesa do meio ambiente), não raro, restringirá o âmbito de eficácia de outro (digamos, a propriedade particular). Esse contraste é absolutamente normal dentro de uma ordem jurídica conformada por princípios como é a Constituição da República de 1988. No entanto, como decorrência inegável do Estado Democrático de Direito, o princípio da proporcionalidade deve ser observado quando da adoção de medidas que promovam o embate entre os demais princípios, no sentido de possibilitar a efetivação máxima de cada um.

A limitação de algum dos princípios do art. 170 da CR/88 deve ser, portanto, adequada, necessária e proporcional (em sentido estrito) em relação à consecução do princípio prestigiado pela medida estatal interventiva. Tomando-se a idéia central da proporcionalidade, as vantagens que derivem dessa intervenção devem superar o prejuízo acarretado pela restrição a algum outro princípio, juízo esse que estará a cargo tanto do legislador, quando da imposição de uma norma interventiva, quanto do juiz, na análise de um caso concreto e seus efeitos jurídicos e fáticos relacionados a essa norma.

Fixado esse primeiro nível de análise, o objeto de estudo passa a ser a hipótese de incidência tributária da contribuição interventiva. Aqui a relação meio/fim se destaca, pois o constituinte se incumbiu de expressa-la no modelo normativo do art. 149.

O exame da proporcionalidade em sentido amplo da hipótese de incidência da contribuição interventiva deve seguir os três deveres impostos por esse princípio.

4.1. Adequação

A adequação exige que o desenho da hipótese de incidência seja apropriado à finalidade da intervenção instrumentalizada pela contribuição. Assim, a relação causal entre a contribuição (meio) e o fim (princípio balizador da intervenção) deve ser examinada pelo intérprete-aplicador.

A intervenção visa a atingir determinado setor do domínio econômico e provocar alterações na realidade de seus agentes econômicos que corrijam as falhas existentes no mercado em prol de um desiderato constitucional. A instituição do gravame tributário deve ser capaz de promover as alterações pretendidas de forma adequada. Assim, a eleição do grupo de sujeitos passivos da contribuição (e das materialidades a serem oneradas) deve guardar um liame lógico–material com a finalidade buscada com a intervenção, ou seja, a escolha do grupo deve contribuir para o alcance da finalidade e não obsta-lo ou dificulta-lo.

Logo, uma contribuição infringirá o dever de adequação se, a propósito de intervir em determinado setor da economia, o Estado seleciona outro setor, sem qualquer relação lógica com aquele a ser atingido pela intervenção, para arcar com ônus tributário. No entanto, cabe, aqui, ressaltar que o dever de adequação não exige uma referibilidade direta entre os sujeitos passivos e aqueles beneficiários da intervenção sobre o domínio econômico. Entender a adequação nesses moldes seria desprezar as nuanças peculiares da atividade econômica e o caráter indutivo de que pode se revestir a intervenção através de uma contribuição.

O que se exige é um liame lógico entre o grupo de sujeitos passivos e a finalidade almejada, e não uma identidade obrigatória entre o grupo e os beneficiários. Se pensarmos, dentro da tipologia já exposta, na hipótese da intervenção indireta por indução, enfrentaremos uma espécie tributária que não tem como fundamento o princípio da contraprestação, como é o caso da taxa, e que, por isso, necessita de um estudo mais complexo. Vejamos com mais vagar essa questão.

Benvenuto Griziotti, expoente da Escola Italiana de Pavia, elaborou instigante estudo acerca do fundamento, da causa jurídica, da imposição tributária, firmando-o na correspondência entre o interesse público à tributação e o interesse privado dos contribuintes. [13]

Em breve síntese, as taxas seriam regidas pelo princípio da contraprestação, isto é, o direito ao tributo repousa na prestação de um serviço ou concessão especial do Poder Público em face do contribuinte obrigado. Já o princípio do benefício aplicar-se-ia aos impostos especiais exigidos dos contribuintes que tenham obtido uma vantagem gerada por uma obra pública (nossa contribuição de melhoria). O princípio da antecipação, por outro lado, se aplicaria aos empréstimos públicos, onde haveria uma correspondência entre o interesse público e o interesse privado. Por esses três princípios observa-se uma relação direta entre as receitas e despesas públicas.

O princípio da capacidade contributiva é aplicável aos impostos diretos e indiretos e indica uma correspondência indireta entre interesse público e privado, já que os sujeitos são chamados a contribuir na medida da sua própria capacidade contributiva, e não em decorrência das vantagens gerais ou particulares possivelmente auferidas. A capacidade contributiva, segundo o autor italiano, é vista como indício das vantagens que os contribuintes obtêm (das despesas públicas) no ato de produzir, conservar e consumar a riqueza.

Por esse raciocínio, Griziotti estabelece os fundamentos da tributação e afasta a idéia de que a lei seria um deles. A lei, para ele, seria apenas a fonte formal da obrigação tributária. Daí, conclui que o Estado não é livre para escolher aleatoriamente entre as diferentes espécies tributárias na busca da receita pública, devendo, sim, eleger aquela que sob o aspecto político, econômico, jurídico e técnico sirva para os fins almejados pela incidência pretendida, os quais constituiriam uma espécie de limitação imanente à atividade impositiva do Estado.

Com base nesse sustentáculo teórico, Helenilson Cunha Pontes afirma que a causa da contribuição interventiva repousa em um princípio distinto daqueles elencados por Griziotti, o princípio da necessidade do mercado [14]. Segundo esse raciocínio, o Estado deve utilizar-se das contribuições interventivas para regular distorções existentes no mercado, que vulnerem determinado princípio da ordem econômica, e que necessitem ser eliminadas ou, pelo menos, atenuadas.

É dentro dessa idéia que afirmamos supra que o dever de adequação, ínsito ao princípio da proporcionalidade, não exige, necessariamente, uma referibilidade direta na delimitação do pólo passivo da contribuição interventiva. O juízo acerca da relação entre contribuintes e beneficiários dependerá da distorção que se quer intenta corrigir com a intervenção.

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Em outras palavras, é a necessidade do mercado, fundamento da tributação por essa via, que determinará os níveis de identidade nessa relação, levando-se em conta as circunstâncias jurídicas e fáticas do caso concreto. O aspecto da adequação exige que haja um liame lógico-material entre a eleição dos sujeitos passivos e a finalidade (correção das distorções), ou de forma mais simples, que o alcance da última seja facilitada pela primeira. Se a necessidade do mercado, a distorção existente exigir que haja essa identidade, então ela se mostrará imprescindível. Não se deve, contudo, adotar essa idéia, de forma apriorística, como requisito ao cumprimento do aspecto da adequação.

4.2. Necessidade

Para que uma medida estatal interventiva cumpra o dever de necessidade estampado no princípio da proporcionalidade, deve estabelecer o menor gravame à esfera juridicamente protegida dos indivíduos, a menor restrição possível aos direitos e garantias fundamentais. Nesse sentido, a efetivação do princípio constitucional que fundamente a instituição da contribuição interventiva não se legitima se, para tanto, outro princípio constitucional seja limitado, a ponto de ter seu núcleo essencial vulnerado.

A verificação de atendimento a esse dever de necessidade se dá em dois diferentes níveis, externo e interno, segregados pela sua relação com a hipótese de incidência tributária da contribuição interventiva. [15]

Em nível externo, o intérprete-aplicador deve aferir se a intervenção sobre o domínio econômico realmente necessita de recursos decorrentes de um ônus tributário para que as finalidades que a qualificam sejam alcançadas, visto que podem ocorrer hipóteses nas quais outras medidas, de natureza não tributária, já seriam suficientes.

Ainda sob essa perspectiva externa, cumpre ao intérprete-aplicador se certificar de que não há no ordenamento jurídico espécie tributária outra destinada àquele mesmo fim, caso contrário, a instituição de uma nova exação tributária se mostraria desnecessária.

Em nível interno, o aspecto da necessidade é investigado diretamente na hipótese de incidência tributária. Através dessa análise, busca-se verificar se o ônus econômico imposto pela contribuição à atividade dos agentes econômicos possui a medida necessária à promoção do interesse público objetivado. A limitação ao direito de propriedade dos indivíduos deve ser, portanto, a menor possível, preservando-se o seu núcleo essencial, de forma a ver-se cumprida a exigência constitucional da vedação ao confisco. Ademais, o Estado não encontra guarida constitucional para intervir sobre o domínio econômico através de um ônus tributário desmedido, fora dos padrões de necessidade, que inviabilize o exercício de atividade econômica lícita, em afronta direta ao principio da livre iniciativa, fundante da ordem econômica.

4.3. Proporcionalidade em sentido estrito

O juízo da proporcionalidade em sentido estrito ou conformidade destina-se a averiguar se as vantagens decorrentes da intervenção através de contribuição superam os prejuízos trazidos às órbitas de eficácia dos princípios constitucionais. Analisa-se, nesse estágio, a pertinência da finalidade perseguida com a instituição de uma contribuição perante os demais desideratos constitucionais e a relação entre os níveis de sacrifício que a busca dessa finalidade acarreta aos referidos desideratos e o de efetivação dos princípios constitucionais gerado pela intervenção.

Os princípios da propriedade privada, da livre iniciativa e da livre concorrência poderão ser afetados por uma intervenção como a que se cogita, mas não poderão dela advir efeitos deletérios ao núcleo essencial de tais bens jurídicos constitucionalmente tutelados. As circunstâncias fáticas e jurídicas do caso concreto é que alimentarão a análise do intérprete-aplicador do Direito na constatação da obediência a esse dever de proporcionalidade em sentido estrito.

Como expressão da idéia nuclear do princípio da proporcionalidade, a aplicação desse aspecto consubstancia a afirmação do referido princípio nas dimensões da vedação ao excesso e da concordância prática entre os princípios jurídicos conformadores do ordenamento jurídico.

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Sobre o autor
Daniel de Carvalho Guimarães

Procurador da Fazenda Nacional em Belo Horizonte, Ex-Técnico da Receita Federal, Especialista em Direito Tributário pela PUC/MG – IEC

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GUIMARÃES, Daniel Carvalho. As contribuições de intervenção no domínio econômico e o principio da proporcionalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 631, 31 mar. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6571. Acesso em: 22 nov. 2024.

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