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As contribuições de intervenção no domínio econômico e o principio da proporcionalidade

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31/03/2005 às 00:00
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5. Conclusões

As contribuições de intervenção no domínio econômico são tributos com critério de validação finalistico; a sua utilização pela União justifica-se pela necessidade de se intervir no domínio econômico.

Como relação de meio-fim, contribuição/intervenção, que essencialmente gera ônus aos agentes econômicos em prol de uma intervenção do Estado no domínio econômico, a incidência de tais tributos deve ser analisada sob o prisma do principio da proporcionalidade, em suas acepções de vedação do excesso estatal e de conformação dos direitos, de forma a evitar que os integrantes do grupo selecionado como contribuinte sofram restrições severas e ilegítimas a seus direitos.

Nesse contexto, cumpre-nos definir os contornos da intervenção no domínio econômico perante a Constituição da Republica de 1988. Primeiramente trata-se de conduta estatal excepcional, em área destinada a atuação dos agentes econômicos, sob o império dos princípios da livre iniciativa, livre concorrência e da proteção da propriedade. Posto isso, e pela análise dos arts. 173 e 174, da CR/88 e balizados em firme doutrina, podemos dividir as intervenções estatais em duas espécies:

a) diretas: o Estado atua diretamente na economia, personificado por empresas publicas ou de economia mista, em regime concorrencial (por participação) ou de monopólio (por absorção) – art. 173, CR/88;

b) indiretas: o Estado atua como agente normativo e regulador, através dos poderes de direção (pelo qual se impõem normas cogentes de atuação dos agentes) e de indução (pelo qual se estabelecem normas dispositivas, de estimulo e desestimulo de determinados comportamentos, de acordo com a lógica do mercado e suas possíveis disfunções) – art. 174, CR/88.

A intervenção vislumbrada pelo legislador constituinte a ser instrumentalizada pela imposição tributaria do art. 149 somente se adequa ao tipo de intervenção indireta por indução.

Ademais, há se salientar que em momento algum a CR/88 determina que a contribuição servirá para custear a atividade interventiva do Estado, a posteriori, mas apenas prevê que a União as instituirá como instrumento de sua intervenção, permitindo-se, assim, cogitar da forma de intervenção consubstanciada na própria incidência da contribuição, como norma de estimulo/desestimulo de comportamentos e modificação da dinâmica do mercado.

Em outras palavras, caberá ao legislador escolher a forma mais eficiente de intervenção a ser instaurada, podendo, inclusive, optar por ambas, destinando-se o produto da arrecadação a consecução do fim estabelecido, de regulação ou correção de disfunções do mercado.

Pois bem. Qualquer política de intervenção, seja por meio de contribuição interventiva ou não, no entanto, deve ser submetida ao teste de proporcionalidade, através do confronto da medida com os aspectos da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito ou conformidade.

A adequação dita, em síntese, que a medida deve servir ao objetivo perseguido, deve tornar mais fácil o alcance do fim. Já o dever de necessidade se refere à constatação de que a adoção da medida que acarrete o menor gravame à esfera juridicamente protegida dos indivíduos, a menor restrição possível aos direitos e garantias fundamentais. Por fim, a proporcionalidade em sentido estrito, ou dever de conformidade, espelha a idéia central da proporcionalidade que é a da escolha do meio que gere uma gama de benefícios que suplante o sacrifício de outros bens juridicamente protegidos, ou seja, a da opção pela medida que melhor opere a função de conformação entre os bens albergados pelo ordenamento.

A análise da validação constitucional de uma contribuição interventiva perante o princípio da proporcionalidade deve-se dar em dois planos. No primeiro, concluir-se-á se a intervenção pretendida com a instituição do tributo atende aos ditames da ordem econômica constitucional e se identifica com algum dos desideratos nela descritos. Em outras palavras, nessa fase, a averiguação se restringirá à intervenção sobre o domínio econômico em si, de sua compatibilidade com as normas constitucionais disciplinadoras da matéria e os princípios conformadores da ordem econômica. O enfoque aqui, portanto, será construído diante do Direito Econômico.

Em seguida, a análise repousa sobre a hipótese de incidência tributaria da contribuição interventiva, sob a lente do Direito Tributário, e deve seguir os três aspectos do princípio da proporcionalidade.

O dever de adequação, em sua exigência de causalidade entre o meio eleito e a finalidade preventiva, penetra nos elementos material e pessoal da hipótese de incidência da contribuição interventiva. Por ele, a eleição dos fatos geradores e dos sujeitos passivos deve guardar um liame lógico com a finalidade pretendida, com a intervenção sobre o domínio econômico. Esses elementos da hipótese de incidência têm que ser apropriados à consecução o desiderato constitucional legitimador da intervenção estatal.

Nesse ponto, destaca-se a possibilidade aventada algumas linhas supra, segundo a qual a própria incidência da contribuição poderia materializar a intervenção sobre o domínio econômico, já que, em consonância com a necessidade do mercado, tal hipótese poderia ser apropriada a promover uma ação interventiva por indução, nos termos estudados nesse trabalho.

Já ao aspecto da necessidade incumbe a função de definir se a hipótese de incidência tributária, tal qual desenhada pelo legislador, promove o efeito menos deletério sobre os bens jurídicos constitucionalmente tutelados que tiveram sua eficácia restringida em prol do alcance de um determinado desiderato, balizador da intervenção sobre o domínio econômico instrumentalizada pela contribuição. Tal exame se faz em duas perspectivas referentes à hipótese de incidência. Sob a perspectiva externa, verifica-se a necessidade de uma imposição tributária para a concretização do interesse público objetivado com a intervenção, se tal não poderia ser efetivada por outros meios, não onerosos à sociedade. Internamente. Sob a perspectiva interna, analisa-se o dimensionamento da obrigação tributária dentro da hipótese de incidência, se o nível de tributação foi o menor possível para o direito de propriedade dos indivíduos garantido constitucionalmente, de forma a impedir a configuração do confisco, a invasão, pelo tributo, do núcleo essencial de tal direito.

Finalmente, a contribuição interventiva deve se submeter ao crivo do aspecto da proporcionalidade em sentido estrito, segundo o qual, a hipótese de incidência tributária e a finalidade de intervenção não podem impor limitações excessivas, desmedidas, ao exercício de outros direitos fundamentais que não aqueles balizadores da ação interventiva estatal, como a livre iniciativa, a propriedade e a livre concorrência. Esse último aspecto do princípio da proporcionalidade veda, portanto, a incidência da contribuição que inviabilize gozo de tais direitos. A busca de um determinado desiderato constitucional deve, mesmo que em menor dimensão, promover a concretização dos demais valores constitucionais existentes, em prol da feição de concordância prática do princípio da proporcionalidade.


6 Referências bibliográficas

ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. [Theorie der Gundrecht]. Tradução para o espanhol: Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estúdios Constitucionales, 1997.

BELLAN, Daniel Vitor. Contribuições de intervenção no domínio econômico. In Revista Dialética de Direito Tributário nº 78. São Paulo: Dialética, 2002, pp. 15/34.

DWORKIN, Ronald. Levando os direito a sério. Tradução: Nelson Boeira. Martins Fontes. São Paulo. 2002.

FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do Direito – técnica, decisão e dominação. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1994.

GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003, 307p.

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GRECO, Marco Aurélio. Contribuições (uma espécie sui generis). São Paulo: Dialética, 2000.

____________________. Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico – Parâmetros para sua Criação. In GRECO, Marco Aurélio (coord.). Contribuições de intervenção no domínio econômico e figuras afins. Dialética. São Paulo. 2000.

PIMENTA, Paulo Roberto Lyrio. Contribuições de intervenção no domínio econômico. Dialética. São Paulo. 2002. 143p.

PONTES, Helenilson Cunha. O princípio da proporcionalidade e o Direito Tributário. Ed. Dialética. São Paulo. 2000. 207p.

________________________. Notas sobre o Regime Jurídico-constitucional das Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico. In ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). Grandes Questões Atuais do Direito Tributário, 6º Volume. Dialética. São Paulo, 2002.

SPAGNOL, Werther Botelho. As contribuições sociais no Direito Brasileiro. Forense. Rio de Janeiro. 2002.


Notas

1 SPAGNOL, Werther Botelho. As contribuições sociais no Direito Brasileiro. Forense. Rio de Janeiro. 2002; GRECO, Marco Aurélio. Contribuições (uma espécie sui generis). São Paulo: Dialética, 2000.

2 O princípio da proporcionalidade e o direito tributário, Dialética, São Paulo, 2000, p. 57.

3 Cf. Introdução ao estudo do Direito. 2ª ed. Atlas. São Paulo, 1994, p. 200. O autor constrói uma classificação das normas jurídicas de acordo com suas funções eficaciais, no seguinte modelo: i) normas com função de bloqueio visam a impedir ou cercear a ocorrência de comportamentos contrários ao seu preceito; ii) já aquelas com função de resguardo objetivam assegurar a concretização de uma conduta desejada; iii) e, finalmente, há as normas com função de programa, cujo conteúdo normativo consubstancia um programa, um objetivo, um fim a ser concretizado.

4 O princípio..., pp. 66-67

5 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional. 6ª ed. Almedina. Coimbra, 1993, p. 383.

6 Cf. O princípio..., p. 70.

7GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 8ª ed. Malheiros. São Paulo, 2003, p. 126.

8 PIMENTA, Paulo Roberto Lyrio. Contribuições de intervenção no domínio econômico. Dialética. São Paulo, 2002, pp. 38-40. Em sentido diverso, Eros Roberto Grau (ob. cit., p.127) afirma que são três as formas de intervenção: por absorção ou participação, por direção e por indução. Para Paulo Roberto Lyrio Pimenta, essas seriam as chamadas técnicas pelos quais as formas de intervenção se manifestam.

9 A ordem..., p. 128.

10 Notas sobre o Regime Jurídico-constitucional das contribuições de intervenção no domínio econômico. In ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.).Grande questões atuais de Direito Tributário. 6º volume. Dialética. São Paulo. 2002,., p. 138.

11 No mesmo sentido, BELLAN, Daniel Vitor. Contribuições de Intervenção no domínio econômico. In Revista Dialética de Direito Tributário nº 78, pp. 28-30. De acordo com o autor, "ora, ao planejar a economia, os dirigentes estatais estarão ponderando à luz dos princípios constitucionais norteadores da atividade econômica quais os melhores a serem trilhados pelo setor produtivo. As conclusões desta análise, porém, não apontarão necessariamente no sentido do incentivo à atividade econômica. Em alguns casos, a ponderação poderá concluir que valores importantes como a proteção ao meio ambiente demandem, eventualmente, medidas restritivas à atividade econômica. Não vemos, portanto, a adoção de um vetor unicamente positivo no artigo 174 da Constituição Federal. O Estado pode planejar suas ações elegendo metas a serem perseguidas. Estabelecidas estas metas, poderá o Estado intervir no domínio econômico por meio das três formas descritas pelo Professor Eros Grau (absorção ou participação, direção e indução".

12 No mesmo sentido, GRECO, Marco Aurélio. Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico – Parâmetros para sua Criação. In GRECO, Marco Aurélio (coord.). Contribuições de intervenção no domínio econômico e figuras afins. Dialética. São Paulo. 2000, pp.15, 20 e 27.

13 Apud PONTES, Helenilson Cunha Pontes. Notas..., pp. 139-141

14 Notas..., p. 143.

15 PONTES, Helenilson Cunha. O princípio..., p. 183.

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Sobre o autor
Daniel de Carvalho Guimarães

Procurador da Fazenda Nacional em Belo Horizonte, Ex-Técnico da Receita Federal, Especialista em Direito Tributário pela PUC/MG – IEC

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GUIMARÃES, Daniel Carvalho. As contribuições de intervenção no domínio econômico e o principio da proporcionalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 631, 31 mar. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6571. Acesso em: 18 abr. 2024.

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