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A atuação do Ministério Público estadual e a responsabilidade penal das pessoas jurídicas nos crimes ambientais

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11/04/2005 às 00:00
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2 A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA COMO INSTRUMENTO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL PARA A PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE

            Com base nos argumentos expostos no capítulo anterior e, portanto, já pressupondo o acolhimento da possibilidade de responsabilizar-se criminalmente as pessoas jurídicas por crimes ambientais, e também, aceitando o fato de ela cometê-los em co-autoria necessária com as pessoas naturais, passa-se, agora, ao exame da atuação do Ministério Público estadual nesses delitos.

            2.1 Competência do Ministério Público estadual para o oferecimento de ação penal em caso de crime ambiental

            Cabe ao Ministério Público a defesa dos direitos difusos. As ações para reparar danos (a interesses difusos) não prescrevem, ao contrário das ações individuais, que prescrevem em três anos. Direito de terceira geração, o interesse difuso é marcado pela indeterminação de seus titulares e individualização do objeto.

            Em seu art. 129, III, a Constituição Federal tornou a proteção do meio ambiente uma função institucional do Ministério Público, o titular exclusivo das ações penais públicas (62). Assim, cabe ao Ministério Público buscar o exercício do jus puniendi independentemente de qualquer representação, posto que as ações penais decorrentes de crimes previstos na LCA são públicas incondicionadas, nos termos do Art. 26 da referida Lei.

            Em relação à competência do Ministério Público estadual, cabe dizer que, na redação original da LCA o art. 26 tinha um parágrafo único, que foi vetado. Este parágrafo dizia que o processo e julgamento dos crimes previstos naquela Lei caberiam à Justiça Estadual, com a intervenção do Ministério Público estadual, sempre que praticados em municípios que não fossem sede de vara da Justiça Federal, devendo os recursos, no entanto, ser encaminhados ao Tribunal Regional Federal correspondente. Ocorre que a Constituição Federal, quando trata da competência da Justiça Federal (63), não refere ser esta competente para processar e julgar ações penais por crimes ambientais e a competência da Justiça Federal deve ser atribuída pela Constituição, sendo a competência estadual, remanescente. A Justiça Federal passa a ser competente se o dano atingir bens pertencentes à União (64), por força do art. 109, IV, bem como de suas entidades autárquicas e empresas públicas.

            Cabe à Justiça Federal, então, julgar crimes que afetem diretamente a União. Assim, a competência para processar e julgar crimes ambientais não é necessariamente da Justiça Federal, posto que nem sempre o dano ambiental afetará diretamente a União. Em verdade, por ser o meio ambiente um bem de uso comum do povo, conforme definição constitucional (65), sempre que é lesado, todos os brasileiros são ofendidos, concluem Vladmir Passos de Freitas e Gilberto Passos de Freitas (66).

            A proteção do meio ambiente e o combate à poluição, em qualquer das suas formas, bem como a preservação das florestas, fauna e flora, competem (67) tanto aos Estados, quanto à União, Municípios e Distrito Federal. O Ministério Público estadual, como defensor da ordem jurídica e dos interesses sociais (68), exclusivo titular da ação penal pública (69), a quem compete o exercício de diversas formas de defesa do meio ambiente (70), deve, então, denunciar as pessoas jurídicas que cometem crimes ambientais.

            Vladmir Passos de Freitas e Gilberto Passos de Freitas (71) explicam as seguintes hipóteses em que a competência é da Justiça Estadual: Crimes contra a fauna são de competência da Justiça Estadual, bem como a pesca predatória porque, assim como a fauna silvestre, os peixes são res nullius e, ademais, há previsão no Código de Pesca (72) que o Estado possui o domínio público dos animais e vegetais que se encontrarem nas águas dominiais. No que tange à poluição de rios e lagos, a competência será da Justiça Estadual sempre que não se tratar das águas pertencentes à União. Os crimes contra a flora são de competência da Justiça Estadual sempre que atingir árvores pertencentes a particulares, ao Estado ou ao Município. Muito embora o art. 225 § 4º da Constituição Federal atribua à Floresta Amazônica, Serra do Mar, Mata Atlântica, Pantanal e Zona Costeira, caráter de patrimônio nacional, não se desloca a competência para a Justiça Federal porque patrimônio nacional é comum a todos os brasileiros, não se confundindo com o patrimônio da União e, assim, cabe a toda a coletividade zelar por ele. Contravenções são de competência da Justiça Estadual, a menos que a União seja vítima.

            A competência para processar e julgar crimes ambientais somente será da Justiça Federal quando a União, suas autarquias ou empresas públicas figurarem, ao lado da coletividade, como sujeito passivo, por força do art. 109, IV, da Constituição Federal, ou, ainda, quando o crime ambiental estiver previsto em tratado ou convenção, ou se vier a ser praticado a bordo de navio ou aeronave (Constituição Federal, art. 109, V e IX). Em tais casos, por força de expressa disposição constitucional, a competência será da Justiça Federal, ainda que existam outros sujeitos passivos. Nos casos de crimes conexos, um de competência federal e outro estadual, a competência é atraída para a Justiça Federal.

            Como exemplo de crime ambiental de competência da Justiça Federal, cabe citar a poluição de águas marítimas, porque o mar territorial é bem da União e tal crime é praticado a bordo de navio. A poluição de rios e lagos somente competirá à Justiça Federal quando o rio ou lago poluído for de domínio da União. Quanto à exploração e lavra de recursos minerais, será sempre competente a Justiça Federal, tendo em vista que pertencem à União os recursos minerais. Crime contra a flora somente competirá à Justiça Federal se atingir unidade de conservação federal.

            Não se justifica a competência da Justiça Federal (73) nos crimes contra a fauna, a menos que os espécimes atingidos estejam em área da União. Quanto à pesca predatória, só será deslocada a competência para a Justiça Federal se ocorrer nos rios e lagos ou unidades de conservação da União, nas 12 milhas do mar territorial brasileiro. (74)

            2.2 A caracterização da capacidade de atribuição

            Não se pode falar em culpabilidade da pessoa jurídica à medida que esta não tem um agir independente, movido por vontade própria. É pacífico que a ela não tem a vontade, pressuposto do dolo na teoria do delito, pois a pessoa jurídica que age através de seus representantes. (75) No entanto, normalmente o representante da pessoa jurídica não age tendo em vista os seus próprios interesses, mas os do ente coletivo, o que caracterizaria as atividades da pessoa jurídica como suas e não como da pessoa natural que a representa, da mesma forma que contratos celebrados, em que alguma das partes seja uma pessoa jurídica, são assinados por quem a representa, mas, nem por isso, obrigam necessária e diretamente a pessoa natural que os assinou, pois esta assim agiu em nome da empresa, não em nome e interesses próprios. O fato de que a que pessoa jurídica não tem vontade própria é uma das razões pelas quais respeitáveis doutrinadores não aceitam sua responsabilidade penal, pois lhe falta culpabilidade.

            Para outra corrente, a de Fernando Rocha, no entanto, o fato do modelo dogmático tradicional de culpabilidade não se moldar ao ente coletivo não exclui sua responsabilidade (76). Explicando melhor, Galvão da Rocha (77) aduz que não se deve falar em culpabilidade para pessoa jurídica. Este é um princípio aplicável somente às pessoas naturais, e serve para limitar eventuais abusos cometidos pelo Estado. Nesse sentido, frisa ele que deve ser criado um novo princípio que atenda essa função, dirigido, porém, às pessoas jurídicas (78).

            Complementando a idéia de Rocha, segundo a qual não se aplicam às pessoas jurídicas os mesmos princípios aplicáveis às naturais, Édis Milaré, Paulo Ricardo da Costa Júnior, Vladimir Passos de Freitas e Gilberto Passos de Freitas, dizem que a culpabilidade da pessoa jurídica não se define a partir do Direito Penal tradicional. Para responsabilizar criminalmente as pessoas jurídicas, deve ser verificada não a culpabilidade, mas a capacidade de atribuição.

            Capacidade de atribuição, elemento que define a existência de responsabilidade penal da pessoa jurídica, se verifica quando, na prática do delito, interesse institucional, medido através do interesse econômico. Além disso, considera-se a exigibilidade de outra conduta. Este é o entendimento de Édis Milaré. (79) A exigibilidade de conduta diversa também é, para Vladimir e Gilberto Passos de Freitas (80), um paradigma para culpabilidade da pessoa jurídica uma vez que é possível se chegar a um juízo de reprovação social e criminal e, agir neste contexto, não implica responsabilidade objetiva, posto que a prova do fato e da autoria, segundo eles, não significa, obrigatoriamente, a condenação.

            A possibilidade de considerar criminalmente responsável a pessoa jurídica advém da necessidade de puni-la pelas vantagens que ela obtém por meio da atividade ilícita da pessoa natural (em seu comando ou representação). A pena aplicável ao ser humano não se amolda às condições e necessidades do ente coletivo. Por esta razão a pessoa jurídica tem uma responsabilidade própria, com penas específicas e fundamentos distintos, a despeito do concurso necessário com a pessoa natural, o qual será melhor analisado no ponto seguinte.

            Em primeiro lugar, pessoas jurídicas não praticam condutas, mas desenvolvem atividades. Se tais atividades forem lesivas ao meio ambiente, sua prática é reprovável. A culpabilidade da pessoa jurídica está adstrita à reprovabilidade do comportamento da instituição. Passa-se, então, a analisar se, além de ter um comportamento institucional reprovável, verificado através das lesões que o desenvolvimento da atividade causa ao meio ambiente, a pessoa jurídica tem capacidade de atribuição.

            A capacidade de atribuição diz com o fato de ter a empresa efetivo ou potencial benefício decorrente do dano ambiental. Ou seja, um diretor, por exemplo, que cometa, à margem do estatuto, mas através da pessoa jurídica, ato que gere dano ambiental, será punido pela própria conduta, pois a participação da pessoa jurídica, que não obteve qualquer benefício com o ilícito, foi meramente instrumental, o que caracteriza a autoria mediata do referido diretor.

            Entretanto, se o ato lesivo implicou benefícios para o ente coletivo, se estava de acordo com a política institucional do mesmo, há capacidade de atribuição. Esta capacidade não pode ser excluída por meio da simples alegação de desconhecimento de normas e riscos, pois tal conhecimento é inerente ao desenvolvimento da atividade e, portanto, presumido.

            Verificada a capacidade de atribuição, por meio da reprovabilidade do comportamento institucional, somada às vantagens econômicas, efetivas ou potencialmente auferidas, sendo o conhecimento técnico presumido, valora-se a responsabilidade social. Tal valoração é feita, então, tendo como referência a conduta praticada em desacordo com o ordenamento quando esta conduta representar ação da instituição, praticada em benefício da sociedade.

            Em suma, a pessoa jurídica não pratica condutas criminosas, ela desenvolve atividades. No desenvolver de suas atividades, ela pode vir a agredir o meio ambiente. Sendo a agressão conseqüência de interesse institucional, na obtenção de proveito econômico, está presente a capacidade de atribuição. A capacidade de atribuição da pessoa jurídica está para sua responsabilização penal assim como a culpabilidade está para a responsabilidade criminal da pessoa natural. A exigibilidade de conduta diversa, verificada através de um juízo de reprovação social e do conhecimento técnico da empresa, somada à capacidade de atribuição, implica a responsabilidade penal da pessoa jurídica.

            2.3 A forma de agir dos entes coletivos

            As pessoas jurídicas não possuem vontade própria, não pensam, não querem por elas mesmas. Por esta razão, não podem ser tratadas, pelo ordenamento jurídico, da mesma forma que as pessoas naturais. Uma conseqüência disto, é o fato de que não é requisito para a responsabilização penal de uma pessoa jurídica, a culpabilidade, uma vez que esta é desprovida de elemento volitivo, e de todos os demais aspectos que envolve a culpabilidade. O que define se uma pessoa jurídica pode ser responsabilizada criminalmente é a sua capacidade de atribuição e a exigibilidade de conduta diversa, estudadas no capítulo anterior. Ainda no que diz com as evidentes diferenças entre pessoa jurídica e pessoa natural, cabe ressaltar que, sozinha, a pessoa jurídica não age. Quando, no desenvolver de suas atividades, a pessoa jurídica causa dano ambiental, e nela se verificam capacidade de atribuição e exigibilidade de conduta diversa, deve ela ser responsabilizada criminalmente da mesma forma que as pessoas naturais que a dirigem, gerenciam ou comandam, porque a responsabilidade penal atribuída à pessoa jurídica não exclui a responsabilidade penal atribuída ao seu representante, por força de lei. Pessoa jurídica e pessoa natural atuam em co-autoria necessária, conforme será demonstrado a seguir.

            Primeiramente abordaremos, brevemente, algumas noções de autoria. Autor dos crimes dolosos é aquele que detém o poder de realização sobre o fato (teoria do domínio do fato). É ele que decide, a qualquer momento, se o crime efetivamente se consumará, ou se será interrompido. Isso é ter domínio do fato, é o poder de decisão. A partir dessa teoria, Alberto da Silva Franco (81) identificou três formas de autoria: o autor executor, que pratica, por si mesmo, o tipo penal; o autor intelectual, que planeja a realização da conduta típica e decide sobre sua consumação, ainda que não a pratique com as próprias mãos; e, por fim, o autor mediato, que utiliza outrem para a prática do delito. Cezar Roberto Bitencourt (82), em concordância com Silva Franco, lista as seguintes conseqüências da teoria do domínio do fato:

            1ª) a realização pessoal e plenamente responsável de todos os elementos do tipo fundamenta sempre a autoria; 2ª) é autor quem executa o fato utilizando a outrem como instrumento (autoria mediata); 3ª) é autor o co-autor que realiza uma parte necessária do plano global ( "domínio funcional do fato"), embora não seja um ato típico, desde que integre a resolução de delitiva comum.

            Já a co-autoria é, no entender de Muñoz Conde (83), "a realização conjunta de um delito por várias pessoas que colaboram consciente e voluntariamente." Todos os co-autores possuem o domínio de fato. Desta sorte, é possível identificar a autoria em cada um deles. Na divisão do trabalho, que também é um fundamento da co-autoria, não cabe, a qualquer dos co-autores, tarefa de caráter meramente acessório. O resultado final deve ser crédito das condutas praticadas por todos eles. Alberto da Silva Franco (84) ilustra essa concepção a partir da citação das seguintes decisões jurisprudenciais:

            Co-autor é autor. Sabe-se que a construção do instituto da co-delinqüência depende radicalmente, no entender de vários criminalistas [...] do conceito da causalidade que o legislador proferir [...] (TFR – HC – Rel. Antônio Neder – EJTFR 51/50).

            [...]

            Tudo quanto é praticado para que o evento se produza é causa indivisível dele. É o que preceitua o art. 29, em conexão com o art. 13. Assim, quem concorre para o crime é co-autor. Tudo que concorre para o resultado passa a ser causa com relação a este e, por conseqüência, todos que concorreram para esse resultado, cooperaram para aquele tudo, são autores. Em conclusão: autor de um fato punível é o agente que comete com vontade de realiza-lo, em forma típica, enquanto que co-autor é o que, como autor imediato ou mediato, comete o fato punível conjuntamente com outro, ou outros autores, em cooperação consciente e querida. (TJSP – Ver. – Rel. Hoeppner Dutra – RJTJSP 37/288).

            Acordo prévio não é pré-requisito para que se configure co-autoria, "bastando a consciência de cooperar na ação comum." (85) Também não é necessário, para que haja co-autoria, que todos realizem atos executórios do crime, pois, em função da divisão de tarefas, importa que o papel de cada um seja relevante e que, em cada um deles, conforme já explanado, se identifique o domínio do fato. (86) Este é o entendimento já acolhido pela jurisprudência, conforme consta em anotações feitas ao Código Penal (87):

            Na co-autoria não há necessidade do mesmo comportamento por parte de todos, podendo haver divisão quanto aos atos executivos. No roubo, um agente vigia, o outro ameaça e o terceiro despoja" (TACRIM-SP – AC – Rel. Hélio de Freitas – JUTACRIM 95/10)

            Crimes coletivos, conforme Feu Rosa, são aqueles praticados por coletividades e sua prática já é assim prevista em lei. Em geral, podem ter conotação política, nos casos de crimes contra a segurança nacional, internacionais, compreendendo, inclusive, pirataria e terrorismo, ou, além desses propósitos determinados, podem ser desenvolvidos por organismos secretos, como o tráfico de entorpecentes e, por fim, podem abranger as pessoas jurídicas devidamente organizadas. "Não obstante o princípio tradicional societas deliquere non potest (a sociedade não pode delinqüir), vem se admitindo a responsabilidade desses entes morais [...] dada a grande repercussão de seus atos [...]". (88)

            No que diz com o domínio do fato, para configurar a co-autoria, não pode a pessoa natural praticar qualquer lesivo ao meio ambiente, através da pessoa jurídica, sem esta. Como exemplo podemos dizer que o representante de uma fábrica de móveis não poderá extrair madeira ilegalmente de uma reserva natural, para a fábrica, sem a atuar em conjunto com ela e através dela, por ela. Logo, é decisivo o papel da pessoa jurídica, pois sem a utilização de sua personalidade, bem como de seus recursos, em favor de interesses seus, impossível é a realização do crime ambiental somente pela pessoa natural nas mesmas proporções em que realizar-se-ia em co-autoria com a pessoa jurídica.

            O domínio de fato compartilhado se verifica quando tanto a pessoa jurídica quanto a pessoa física têm o poder de decisão sobre a consumação ou interrupção do fato delituoso. A pessoa jurídica, por si só, não pensa, não raciocina, portanto, não decide. Mas pode, por meio de outros sócios ou administradores, resolver acerca do desenvolvimento da atividade criminosa, sem necessitar estritamente da assinatura de um único representante legal (o co-autor). Por outro lado, ainda que esteja o resultado do delito de acordo com os interesses da pessoa jurídica, pode seu representante vetar a ação criminosa, impedindo o dano ambiental, ou seja, a capacidade de atribuição da pessoa jurídica não exclui o domínio de fato da pessoa natural. Se ambas, pessoa jurídica e natural, têm o domínio do fato, são co-autoras. Cabe salientar o posicionamento de Édis Milaré (89):

            Solidariamente e em conjunto com as pessoas jurídicas, responderão as pessoas físicas que tenham participado do ilícito, como autoras, co-autoras ou partícipes. Não se trata da responsabilidade por ricochete ou de empréstimo, feita pela pessoa moral à física e referida pela doutrina francesa. São as pessoas físicas que respondem por sua conduta efetiva.

            De acordo o que foi demonstrado a partir da breve análise dos conceitos de autoria e co-autoria, percebe-se que esta é a forma de concurso pela qual agem pessoa jurídica e pessoa natural. Não há dúvidas de que a associação de uma pessoa jurídica com a pessoa natural que a representa, para a prática de um crime ambiental, é concurso de pessoas. É a opinião de Édis Milaré, ao comentar o art. 2º da Lei nº 9.605/98, LCA. (90) O texto do referido artigo especifica a responsabilização de "quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstos" na LCA. A responsabilização penal da pessoa jurídica encontra-se explícita no artigo seguinte da referida Lei, já referido neste trabalho.

            Melhor explicando, concurso de pessoas se verifica quando, para praticar um crime, duas ou mais pessoas efetuam uma divisão de tarefas, praticando o crime em conjunto. Há crimes que podem ser executados por apenas um agente. Outros, no entanto, necessitam de duas ou mais pessoas para realizá-los. Por esta razão, subdivide-se o concurso de pessoas em eventual e necessário.

            De acordo com Cezar Roberto Bitencourt (91), Damásio Evangelista de Jesus (92) e Antônio José Miguel Feu Rosa (93), o concurso eventual diz com os crimes unissubjetivos, ou seja, crimes cuja realização necessita apenas um agente e, portanto, a pluralidade de agentes não figura entre os elementos do tipo. A este tipo de concurso aplicam-se os dispositivos do art. 29 do Código Penal.

            O concurso de agentes é necessário para a prática de crimes plurissubjetivos, ou seja, delitos que só podem ser realizados por mais de um sujeito. A doutrina utiliza crimes como o de rixa e adultério para exemplificar crimes plurissubjetivos. Para Damásio de Jesus (94), essa pluralidade de agentes já está inserida na norma penal incriminadora, o que dispensa, portanto, a aplicação do art. 29 do CP.

            O concurso de agentes entre uma pessoa jurídica e uma pessoa física, para a prática de um crime ambiental, é necessário. Se, por um lado, os delitos elencados na LCA podem vir a ser praticados por apenas um agente, o que os classificaria como crimes unissubjetivos, remetendo-nos ao concurso eventual, por outro, não pode a pessoa jurídica praticar qualquer ato sem a pessoa natural que a representa, pois é ela quem manifesta o interesse institucional. Nesse sentido, os crimes praticados pela pessoa jurídica só podem ser praticados em concurso necessário com a pessoa natural. O posicionamento de Muñoz Conde (95) acerca do concurso necessário deixa ainda mais clara a relação de co-autoria necessária entre a pessoa jurídica e a pessoa natural que a representa, na prática de crimes ambientais. Para ele, o requisito do concurso necessário não é a impossibilidade de ser o delito praticado por apenas um agente. A necessidade atende às circunstâncias do caso, devendo ser medida por uma consideração concreta. Acatando-se tal posicionamento, e em face das demais colocações, não restam dúvidas acerca da necessidade de concurso entre pessoa jurídica e pessoa natural para a prática de crimes contra o meio ambiente. Conseqüentemente, verificada fica a co-autoria, pois, para o referido jurista, mesmo que um dos participantes não execute o fato, se sua conduta tiver sido relevante e determinante na realização do delito, será considerado co-autor. Por esta razão, ao oferecer denúncia por crime ambiental praticado por pessoa jurídica, o agente signatário do Ministério Público deverá, necessariamente, denunciar, também, toda e qualquer pessoa natural que tenha sido responsável pelos atos que manifestaram a o interesse institucional do ente coletivo.

            Não se trata de punir duas vezes a pessoa natural, o que afrontaria o princípio do non bis in idem. Cada um dos agentes é punido pelo crime ambiental quando se diz, na LCA, que sua responsabilidade é independente da responsabilidade da pessoa jurídica: o representante, gerente, sócio ou mandatário da empresa, ao permitir que esta cometa crime ambiental, age, primeiramente, por ele mesmo, de acordo com sua vontade e sua culpabilidade, nos termos do art. 2º da LCA, porque sabia da conduta criminosa e permitiu sua prática. Por outro lado, ao dar sua contribuição para que a pessoa jurídica cometesse o crime ambiental, através da assinatura autorizando o despejo de resíduos sem tratamento, por exemplo, ele não manifesta a sua vontade própria, mas a do ente coletivo, devendo ser, neste ponto, analisada a capacidade de atribuição da empresa, de acordo com o interesse institucional, verificado através do interesse econômico. Por isso se pode dizer que cada uma, pessoa natural e pessoa jurídica, pratica o crime, sendo o concurso necessário. E mais, tendo em vista que tanto a pessoa jurídica, quanto a pessoa natural possuem domínio do fato, cada uma a seu modo, conforme já explanado, trata-se de crime ambiental praticado em co-autoria necessária entre a pessoa jurídica e a pessoa natural.

            2.4. Excludentes da co-autoria

            A co-autoria entre pessoa natural e pessoa jurídica é necessária, conforme já visto. Isto porque é impossível que um crime ambiental seja cometido por uma pessoa jurídica sem que seja, obrigatoriamente, em concurso com a pessoa natural. Tal impossibilidade decorre de características especiais das pessoas jurídicas. Diz o art. 29 do CP que aquele que, de qualquer forma, concorrer para o crime, incide nas penas a este cominadas. Esta incorrência é abstrata, pois nosso Direito Penal adota a "teoria restritiva de autor", o que implica dizer que, no plano concreto, a pena varia segundo a culpabilidade de cada participante (96). De acordo com Bitencourt (97), a aplicação do art. 29 se faz desnecessária uma vez que, em se tratando de co-autoria, o co-autor, que também tem o domínio do fato, intervém materialmente na execução do crime. Assim, a tipicidade de sua conduta decorre, portanto, já da própria norma incriminadora violada.

            No o Direito Penal Clássico, e, especificamente na segunda parte do art. 29, percebe-se que as penas são aplicáveis de acordo com a culpabilidade de cada agente. A doutrina mais conservadora encontraria, nesta colocação, uma objeção para todo este trabalho: o fato de não ser possível a pessoa jurídica ter culpabilidade, já que lhe falta vontade de produzir o resultado. A culpabilidade é fácil de ser verificada, e não desperta maiores controvérsias, no que diz com a pessoa natural. Esta culpabilidade está ligada ao elemento volitivo, querer praticar a conduta e desejar o resultado, à capacidade de compreender o fato, e a antijuricidade, ou ilicitude, da conduta praticada.

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            No caso da pessoa jurídica, é preciso que se entenda que os critérios para identificar a culpabilidade são diversos daqueles aplicáveis às pessoas naturais. Fritjof Capra, na obra "Ponto de Mutação", diz que o pensamento cartesiano limitou a sociedade contemporânea a ter uma visão mecanicista da vida. Examinamos o mundo parte por parte, esquecendo de vê-lo como um todo. Nossa percepção é meramente interindividualista, não alcançando o transindividualismo. Por todas essas razões, nosso crescimento social é sombrio e cheio de incorreções. Se tivéssemos uma visão sistêmica, e não mecanicista, da vida, seríamos capazes de compreender os fenômenos não só do ponto de vista interindividualista (entre indivíduos) mas, também, transidividualista (além do indivíduo). Passaríamos a ser capazes de entender que nem tudo no mundo está ligado somente às condutas humanas. Com a percepção transidividualista é possível reconhecer que delitos não são unicamente de responsabilidade humana, mas também das pessoas jurídicas, ou seja, o limite do indivíduo é ultrapassado. Afinal, analisando a sociedade como um todo, é impossível desconsiderar a relevância das pessoas jurídicas nas comunidades em que estão inseridas. Com a postura sugerida por Capra (98), a responsabilização penal da pessoa jurídica é aceitável porque se torna, além de compreensível, necessária.

            Tendo sido estudadas a culpabilidade da pessoa natural, e a capacidade de atribuição, cabe fazer breve análise acerca das excludentes da culpabilidade, nos casos das pessoas naturais, bem como as eximientes permitidas na responsabilização social, segundo Milaré (99), tais como erro de tipo e as causas de justificação.

            No que diz com a pessoa natural, interessa, no trabalho em questão, analisar a obediência hierárquica como excludente da culpabilidade. As demais excludentes não trazem qualquer dúvida aos penalistas, assim como também pouco interferem nos casos de crimes ambientais praticados por pessoas jurídicas em co-autoria necessária com as pessoas naturais.

            A obediência hierárquica, prevista no Código penal, em seu art. 22, implica ato não doloso, pois diz com conduta praticada por alguém que acredita estar cumprindo um dever seu, através da prática de ato lícito. Aquele que pretenda se beneficiar da obediência hierárquica deve estar submisso à vontade de quem, legitimamente, possa lhe dar ordens, ou seja, seu chefe, comandante, patrão, mestre, ou quem quer que esteja em posição hierarquicamente superior. (100) Nesses termos, exclui-se a culpabilidade da pessoa natural.

            A jurisprudência (101) do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul é clara quanto a exigibilidade de dois pressupostos fundamentais para a caracterização da obediência hierárquica: que fique demonstrado que a ação se deu por ordem de um superior e que a ordem emanada do superior não seja manifestamente ilegal e o agente não tenha ciência da ilegalidade.

            No âmbito de direito ambiental, a obediência hierárquica vale para excluir do rol dos co-autores aquele empregado ou preposto que estiver cumprindo ordens que não sejam manifestamente ilegais, ou seja, ele deve acreditar que sua conduta é lícita. Assim, a utilização desta excludente não fulmina a co-autoria necessária para a prática de um crime ambiental, verificada entre a pessoa jurídica e a pessoa natural, pois, dentre as pessoas naturais que podem estar envolvidas na prática de um crime ambiental, em concurso com a pessoa jurídica, a obediência hierárquica somente exclui a culpabilidade daquele que estiver cumprindo uma ordem, mas sempre haverá o responsável pela ordem, cuja culpabilidade não será excluída.

            Alberto da Silva Franco (102), através de citações de Mirabete e José Frederico Marques, explica que a ordem deve ser dada pelo superior, nos limites da sua competência e que o subalterno precisa acreditar que a ordem é legal. Caso tenha o subalterno a possibilidade de saber que a ordem que lhe fora dada era ilegal, mas seu descumprimento lhe traria grandes prejuízos, embora não seja excluída sua culpabilidade, reduzir-se-ia a reprovabilidade de sua conduta e, conseqüentemente, a pena aplicada.

            2.4.1 O Erro de tipo como eximiente para a pessoa jurídica

            Segundo Bitencourt (103), erro de tipo é aquele que recai sobre circunstância que constitui elemento essencial do tipo. Trata-se de falsa percepção da realidade sobre um elemento do crime. É a ignorância ou falsa representação de qualquer elemento constitutivo do tipo penal. Tanto faz se o objeto do erro estiver no mundo dos fatos, dos conceitos, ou das normas jurídicas. O que interessa é que faça parte da estrutura do tipo penal. Bitencourt exemplifica da seguinte forma: caluniar alguém sem saber que a imputação é falsa ou, ainda, desacatar alguém sem saber que é funcionário público.

            Damásio de Jesus (104) explica o erro de tipo da seguinte forma: o erro de tipo advém de falsa percepção da realidade. Não há consciência nem da conduta e nem do resultado, tampouco há vontade de realizar a conduta ou produzir o referido resultado. Alberto da Silva Franco (105) acrescenta que o erro de tipo "corresponde a todo erro do agente que incida sobre os elementos constitutivos e essenciais da figura criminosa, sendo irrelevante se tais elementos sejam puramente fáticos ou possuam carga normativa".

            Subdivide-se o erro de tipo em essencial e acidental. Em relação à subdivisão entre essencial e acidental, Silva Franco (106) refere que o erro essencial incide sobre os elementos da estrutura do fato criminoso ou sobre a situação fática que, se existisse, tornaria a ação lícita, excluindo, em conseqüência, a culpabilidade do agente. Assim, o erro de tipo essencial está intrinsecamente ligado às discriminantes putativas, que incidem sobre as causas de justificação.

            O erro de tipo essencial incide sobre elementares ou circunstâncias. Pode ser invencível, ou escusável, quando não puder ser evitado, ou vencível, ou inescusável, quando poderia ter sido evitado com a diligência ordinária, pois é fruto de imprudência ou negligência. O erro de tipo essencial escusável exclui dolo e culpa, ao passo que o erro de tipo essencial exclui o dolo, mas não a culpa. Estão previstos, o escusável e o inescusável, nos arts. 20, caput, e § 1º, primeira e segunda parte, do Código Penal, respectivamente.

            O erro acidental, por sua vez, recai sobre elementos acidentais do fato, estranhos à sua composição típica de modo que se mostra penalmente irrelevante. O agente, nesses casos, está consciente da antijuricidade. Ainda de acordo com Damásio, o erro de tipo acidental é aquele que recai sobre dados secundários da figura e não beneficia o sujeito que pratica o delito. Pode incidir sobre o objeto, sobre a pessoa (Código Penal, art. 20 § 3º), pode ocorrer na execução (CP, art. 73) ou, ainda, resultado diverso do pretendido (art. 74 do CP).

            Com base em todas essas explicações acerca do erro de tipo, é questionável seu cabimento como eximiente para a pessoa jurídica. Se os requisitos para caracterizar a responsabilidade penal da pessoa jurídica são diferentes daqueles aplicáveis às pessoas naturais, não há como utilizar os critérios para a exclusão da culpabilidade, para excluir a capacidade de atribuição. Cabe ressalvar que, se a ordem vinda da pessoa natural foi viciada, possivelmente não haverá capacidade de atribuição, pela falta de interesse institucional e isso, por si só, exclui a capacidade de atribuição.

            Imaginemos, como exemplo, um crime de poluição hídrica qualificada, previsto na LCA, em seu art. 54, § 2º, III (107). Em razão da poluição causada pelo despejo de resíduos da empresa X, o abastecimento de água de uma comunidade foi interrompido. Está configurado o crime de poluição hídrica qualificado. (108)

            Na primeira hipótese, suponhamos que a empresa X despejou os resíduos de costume, como sempre aconteceu. No entanto, a contaminação da água teria sido causada por falha nos equipamentos de tratamento dos resíduos, que já não recebiam manutenção por período superior ao recomendável.

            Na segunda hipótese, digamos que os resíduos habitualmente despejados, após tratamento, estivessem, dessa vez, misturados a uma determinada substância, cujos efeitos de intoxicação fossem desconhecidos pela comunidade científica e só tivessem sido verificados após já terem contaminado a água, implicando a interrupção do abastecimento.

            O que se verifica, na primeira hipótese, é que houve um descuido por parte da empresa. Não havia intenção de praticar conduta delituosa, tampouco vontade de produzir o corte no abastecimento da água, mas, uma conduta negligente (a falta de manutenção nos equipamentos de tratamento dos resíduos) ocasionou danos ao meio ambiente. Este parece ser um erro de tipo essencial inescusável, pois poderia ter sido evitado com a diligência normal, até porque se supõe que uma empresa que se dedica à prática de uma determinada atividade, tem considerável grau de conhecimento acerca da atividade que desenvolve, bem como das conseqüências da mesma.

            É interessante, no caso da primeira hipótese, que se verifique a capacidade de atribuição da empresa. O pressuposto da responsabilidade penal da pessoa jurídica é a capacidade de atribuição, identificada quando há interesse institucional, verificado através do interesse econômico e da exigibilidade de conduta diversa, que é confirmada através de um juízo de reprovação social, conforme conclusões do item anterior deste mesmo estudo. A pessoa jurídica não pode alegar que desconhecia normas cujo conhecimento exige grau técnico inerente a atividade que ela desenvolve. Portanto, há exigibilidade de conduta diversa. Reduzir custos na produção cortando gastos na manutenção de equipamentos de tratamento dos resíduos demonstra que houve interesse econômico. Há, portanto, capacidade de atribuição.

            Nas circunstâncias da primeira hipótese o crime é imputável à pessoa jurídica. Ainda que sua atividade não seja voltada a poluir, não há que se falar em exclusão do dolo nem ao menos no caso da pessoa natural responsável pela adequada manutenção dos equipamentos, pois trata-se, no mínimo, de dolo eventual, já que o risco de produzir condutas lesivas ao ambiente foi assumido. Ambas, pessoa jurídica e pessoa natural, responderão, como co-autoras, pelo crime ambiental, independentemente de erro de tipo que pudesse vir a excluir o dolo, posto que este existiu, ainda que eventual.

            Se, ainda na primeira hipótese, a manutenção nos equipamentos não tiver sido feita ou ordenada pelo funcionário responsável, porque este tomou para si a importância reservada para a referida manutenção, fazendo isso em interesse próprio, e não ficando, portanto, caracterizado o interesse institucional, não sendo provado o proveito econômico obtido pela pessoa jurídica por deixar de fazer a manutenção, percebe-se que há um crime ambiental só da pessoa natural. Aliás, além deste crime, observa-se outro, contra o patrimônio da empresa, já que os recursos destinados à manutenção foram desviados para a pessoa natural. Ademais o fato de haver recursos destinados à referida manutenção exclui a capacidade de atribuição da pessoa jurídica porque demonstra a inexistência de proveito econômico ou interesse institucional no ato que implicou o dano ambiental. Assim, não fica verificada a co-autoria, mas somente a autoria mediata, já que a pessoa jurídica foi usada como instrumento para a prática do crime ambiental.

            Conclui-se, portanto, que, como eximiente para a pessoa jurídica, a alegação de erro de tipo essencial vencível, ou inescusável, é ineficaz em matéria de defesa. Os princípios aplicáveis às pessoas jurídicas não são os mesmos aplicáveis às pessoas naturais e, portanto, elas não podem compartilhar os mesmos critérios de exclusão de culpabilidade de forma indiscutível. É preciso que sejam feitos muitos questionamentos e análises antes de aplicar conceitos nem sempre compatíveis.

            Analisar-se-á, agora, a segunda hipótese. A grande diferença em relação ao primeiro caso, recém analisado, é que o dano aconteceu, não por falta de manutenção, mas porque se desconhecia, completamente, em toda a comunidade científica, o poder de contaminação que uma certa substância poderia causar, ou então, a ineficácia do sistema de tratamento de dejetos em relação àquela substância. Neste caso, temos um erro de tipo essencial escusável, ou invencível, que efetivamente exclui dolo e culpa da pessoa natural e, também, a capacidade atributiva da pessoa jurídica, porque, em relação à segunda, não há juízo de reprovação social, não há exigibilidade de conduta diversa, já que os efeitos da substância, ou a ineficácia do sistema de tratamento em relação a ela, eram desconhecidos por toda a comunidade científica.

            Este é um caso em que não se verifica, na pessoa natural, consciência da conduta e do resultado, e nem vontade de realiza-los. Genuinamente advém de uma falsa percepção da realidade e não depende da diligência ordinária para ser evitado. Do ponto de vista da pessoa jurídica, não há capacidade de atribuição, visto que não há interesse institucional, tampouco exigibilidade de conduta diversa. Ao referir que, em relação às eximientes admitidas para a pessoa jurídica, era cabível o erro de tipo, Milaré só poderia estar se referindo ao erro de tipo essencial invencível (ou escusável).

            Este trabalho não comporta maiores discussões acerca do erro de tipo acidental, que não traz benefícios ao sujeito ativo do delito. Imaginemos que a empresa X agora resolva despejar seus resíduos tóxicos no rio A e, ao invés disso, os despeja no rio B, causando poluição hídrica. Não há qualquer benefício, nenhuma utilidade deste fato para a defesa da empresa. Portanto, o erro de tipo acidental não se aplica como excludente da capacidade de atribuição.

            2.4.2 As causas de justificação e seu cabimento como eximientes nos crimes ambientais cometidos pela pessoa jurídica.

            Segundo Feu Rosa (109), as causas de justificação são formas de exclusão da ilicitude. Além do erro de tipo, já analisado, Milaré (110) diz serem cabíveis à pessoa jurídica as causas de justificação. Ele aduz que não há que se falar em causas de justificação especiais, ou seja, não existem causas de justificação para aplicação exclusiva em crimes ambientais praticados por pessoas jurídicas. As causas de justificação aplicáveis são aquelas previstas no art. 23 do Código Penal Brasileiro: o estado de necessidade (art. 23, I, CP), a legítima defesa (art. 23, II, CP) e o estrito cumprimento do dever legal e exercício regular de direito (art. 23, III, CP). Passa-se, agora, à análise do estado de necessidade, previsto em todos os ordenamentos, e da ação socialmente adequada, pois, no que tange ao direito penal ambiental, a doutrina, segundo Milaré (111), destaca estas duas eximientes.

            2.4.2.1 Estado de necessidade

            Bitencourt caracteriza o estado de necessidade pela "colisão de interesses juridicamente protegidos, devendo um deles ser sacrificado em prol do interesse social." (112) Há duas formas de invocar o estado de necessidade, no entender de Milaré (113): como eximiente, excluindo a antijuricidade, ou como escusante. Embora muito invocada, dificilmente é reconhecida a tese do estado de necessidade quando se visa excluir a antijuricidade, havendo maiores chances de ser acolhida quando sai do plano da antijuricidade e entra no plano da culpabilidade (ou seja, como escusante). Explica Bitencourt (114) que a antijuricidade é a relação puramente objetiva de oposição entre o fato e a norma jurídica.

            Para Feu Rosa (115), "apenas casos de necessidade especiais, relevantes, deixam surgir a ação em estado de necessidade". A análise dessa necessidade é feita casuisticamente. O estado de necessidade, segundo Feu Rosa, acarreta o sacrifício de um bem com o intuito de salvar outro, desde que esses bens tenham iguais valores ou então que o bem salvo tenha valor superior ao bem sacrificado, o que é requisito para haver benefício com o disposto no art. 23, I, CP. A valoração dos bens juridicamente tutelados não existe na lei, é abstrata, havendo somente a indicação de que normalmente prevalecem o corpo e a vida.

            Além do requisito da valoração igual entre os bens, ou superior do bem salvo, Feu Rosa também explica que há outros pressupostos para a configuração do estado de necessidade, que são a ameaça ou perigo iminente, a não obrigação do agente de submeter-se ao perigo, a inexistência de outra solução imediata e, por fim, que aquele que visa beneficiar-se do estado de necessidade não seja o causador do perigo.

            O que se conclui de tais explicações, é que uma pessoa natural que estivesse perdida na selva poderia, por exemplo, matar um animal selvagem, ainda que sua caça fosse proibida, para alimentar-se, caso não houvesse qualquer outro alimento disponível ou, então, poderia mata-lo se dependesse disso para sobreviver, ou seja, se estivesse correndo o risco de ser atacada por ele. Nesses casos é perfeitamente admissível a alegação de estado de necessidade.

            No que diz com a pessoa jurídica, o acolhimento do estado de necessidade é mais difícil, senão impossível, ao menos se o que se visa é atacar a antijuricidade. Uma empresa que não tenha recursos para adequar-se às normas de proteção ao meio ambiente não pode alegar que permaneceu desenvolvendo suas atividades, embora isso causasse poluição, para evitar o fechamento. Não é possível alegar que o encerramento das atividades traria prejuízos aos empregados e donos da empresa e que, portanto, encontravam-se em estado de necessidade de continuar funcionando embora não estivessem aptos a desenvolver suas atividades sem causar danos ambientais. Tal impossibilidade de alegar o estado de necessidade se dá porque, se houver confronto entre exigências de produção e mantença de postos de trabalho, e lesões ambientais relevantes, que acarretem dano à saúde e à vida dos cidadãos, a alegação do estado de necessidade não prospera. (116)

            2.4.2.2 Ação socialmente adequada

            Certos bens juridicamente protegidos, não o são de forma absoluta, mas à proporção da necessidade da tutela. Há condutas (socialmente úteis) cuja prática, embora pareça ser potencialmente lesiva, não alcança um patamar de risco que a defina, juridicamente, como perigo ou dano. Essas condutas são chamadas, por Milaré (117), de "ações socialmente adequadas".

            As ações socialmente adequadas são aquelas que excluem a ilicitude do fato porque estão de acordo com os princípios éticos fundamentais em vigor, mesmo que, aparentemente, façam oposição aos preceitos de uma norma penal. Contudo, só é afastado o caráter da ilicitude quando a ação estiver em sintonia com "normas basilares de convivência que uma sociedade claramente consagra" (118), condutas socialmente aceitas.

            Nem sempre as condutas socialmente aceitas, a despeito de sua contradição com o texto legal, encontram-se explícitas na lei. É possível, portanto, que haja causas supralegais de exclusão da antijuricidade. A explicação de Bitencourt (119) é no sentido de que a lei brasileira é omissa no que diz com a possibilidade de serem reconhecidas as causas supralegais de exclusão da antijuricidade, cujo fundamento poderia ser encontrado nos princípios gerais de direito, na analogia e nos costumes. Aduz que, apesar disso, "a doutrina e a jurisprudência nacionais admitem sua viabilidade." (120) A previsão legal e regulamentação das excludentes, em nosso sistema jurídico, deixa uma margem muito restrita para a ocorrência de uma excludente supralegal; no entanto, o direito não é capaz de prever todas as hipóteses em que certos atos justificar-se-iam perante nosso ordenamento jurídico. Assim, havendo algum caso concreto em que a conduta não seja abarcada pelos conceitos de exercício regular de direito ou estrito cumprimento do dever legal, "a dogmática jurídico-penal brasileira estará a postos para analisa-la e admiti-la", segundo Bitencourt (121). Um exemplo admitido por ele de excludente supralegal é o consentimento do ofendido, inaplicável no direito penal ambiental. O exemplo de ação socialmente adequada, ou seja, de conduta outrora proibida, que adquire aceitação social e legitima-se culturalmente (122), trazido por Milaré (123), é o abandono de restos que possam ser naturalmente tolerados, após um piquenique.

            No âmbito do direito penal ambiental, o princípio da adequação social está de acordo com a validade do "risco consentido". O risco consentido é a "possibilidade de qualificar como penalmente não perigosas as condutas naturalisticamente perigosas para o bem tutelado, em razão de uma aceitação tácita por parte da sociedade" (124). Assim, risco consentido é aceitar que aquelas condutas que poderiam vir a provocar danos ao meio ambiente excluam a antijuricidade de uma ação que configuraria um crime ambiental, não fosse essa aceitação e exclusão da antijuricidade. Tal risco está de acordo com o princípio da adequação social uma vez que se permite que condutas socialmente aceitas, e com menor potencial de agressão ambiental, sejam praticadas sem que sejam consideradas crimes ambientais.

            É importante ressaltar que, falar em conduta socialmente adequada, é diferente de falar em princípio da insignificância. A conduta socialmente adequada é aquela que se legitima culturalmente porque está de acordo os princípios éticos vigentes embora, aparentemente, seja contrária à lei. Essas condutas implicam a exclusão da antijuricidade, até porque não chegam a alcançar um patamar de risco capaz de atingir o meio ambiente. Por outro lado, o princípio da insignificância consiste em não ocupar o direito penal com lesões insignificantes. No que diz com o meio ambiente, segundo Vladmir Passos de Freitas e Gilberto Passos de Freitas, (125) a existência de lesão ambiental insignificante é questionável e, por isso, deve esse princípio ficar restrito aos casos excepcionais. Os ambientalistas trazem como exemplo um crime contra a fauna em que se alegue que abater um único animal é insignificante, aduzindo que a prova da insignificância requer demonstrações de que aquele abate não influenciou o ecossistema local, nem a cadeia alimentar devendo, ainda, ser verificado o número de espécimes existentes na região e se fazem parte do grupo de animais ameaçados de extinção.

            Possuir autorização para desenvolver certa atividade (perigosa para o meio ambiente) e seguir as medidas preventivas estabelecidas, não isenta o meio ambiente do risco de sofrer prejuízos. Milaré (126) diz que a "autorização torna lícita a conduta poluente quando ela se apresente específica e bastante circunstanciada."

            Na Itália, observar uma autorização, quando a exigência disso não constituir parte integrante da norma penal violada, faz com que a referida autorização não tenha eficácia descriminante. Assim, de acordo com o sistema italiano, se na norma penal violada não constava a exigência de uma autorização para a prática de determinada conduta era necessária, na ocorrência de um dano ambiental, ainda que a pessoa que o provocou o tenha provocado mediante ação autorizada pelo Poder Público, verifica-se a ocorrência de um crime ambiental.

            Na Alemanha a autorização tem o condão de excluir a ilicitude. Há, para o jurista alemão, um problema meramente técnico: verificar se a permissão é um elemento do tipo, excluindo, via de conseqüência, a tipicidade, ou se a permissão não faz parte da descrição normativa, atuando, portanto, como causa de justificação, o que implica exclusão da antijuricidade.

            Segundo Milaré, (127) o entendimento no Brasil deve ser de que a autorização funciona como causa de justificação, quando a ela a norma penal não fizer referência e se a sua obtenção ocorreu de forma válida. Ele aduz que os arts. 29 e 30 da LCA são exemplos nos quais a autorização atua como causa de justificação, mais especificamente como exercício regular de direito. São dispositivos que fazem menção à necessidade de uma autorização para a prática das condutas ali previstas, sendo crime a prática desautorizada daquelas condutas. Cabe lembrar que, em havendo autorização, permissão ou licença, cujo direito concedido sofra abuso, fica configurada uma agravante, devidamente prevista no art 15 da LCA. (128)

            A autorização é a forma pela qual é exercido o controle administrativo preventivo das atividades, obras e empreendimentos que possam causar danos ao meio ambiente. Segundo Toshio Mukai, (129) como o meio ambiente, por força do art. 225 da CF, é um bem de uso comum do povo, ninguém, individualmente, tem direito subjetivo a ele. Sendo assim, a permissão para que se exerça qualquer atividade relacionada a esse bem (meio ambiente), como construção de obras e empreendimentos, deve ser dada pelo Poder Público. A autorização é dada de forma discricionária, ou seja, não há requisitos específicos a serem preenchidos para a obtenção de autorizações. Em relação aos recursos hídricos, Mukai observa que sua utilização se faz por meio de concessões (contratos administrativos) ou permissões (atos unilaterais discricionários). No entanto, cabe ressaltar que o Poder Público só pode exigir autorização, tanto da pessoa física quanto da pessoa jurídica, quando houver prévia inclusão em lei ou regulamento. (130)

            Em relação ao artigo 29, da LCA, citado por Milaré como exemplo em que a autorização serviria para que se alegasse, em defesa, a causa de justificação "exercício regular de direito", é importante explicar o seguinte: no caput do artigo fala-se na necessidade de autorização da autoridade competente para matar, perseguir, caçar [...] espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória. Em razão de haver expressa referência à autorização é que se tira a ilicitude da conduta daqueles que, portando a referida licença, incidem na prática das condutas referidas no tipo. A autorização faz parte da estrutura do tipo e, portanto, existindo de forma válida, isenta o "caçador", por exemplo, de estar incurso na sanção prevista na LCA. No § 3º do mesmo artigo há 3 incisos. Tanto no inciso I quanto no inciso III há referência à necessidade de autorização. Já no inciso II, que trata da modificação, dano ou destruição de ninho, abrigo ou criadouro natural, não há previsão de autorização, até porque há uma proteção especial aos ambientes de desenvolvimento dos animais no art. 1º da Lei 5.197/67, configurando-os como propriedade do Estado. Assim, ainda que fosse concedida qualquer autorização para executar o descrito no inc. II do § 1º do art. 29 da LCA, esta não poderia ser usada como excludente da ilicitude. Em relação aos incisos I e III, Vladmir Passos de Freitas e Gilberto Passos de Freitas (131) referem que faz parte da conduta típica (ou seja, é necessário para que se configure crime) a falta de autorização.

            Ainda em relação ao art. 29, Paulo Affonso Leme Machado (132) aduz que a licitude das condutas previstas no referido dispositivo legal depende da existência de permissão, licença ou autorização. Em relação ao inciso II, diz que o art. 29 também prevê comportamentos que "mantêm a ilicitude ainda que com licença, permissão ou autorização". Segundo ele, o ônus de provar a existência de autorização é do agente, seja ele pessoa natural ou jurídica, para evitar o enquadramento penal, sendo a prova da detenção da autorização a única forma de eliminar a ilicitude. Em relação ao mesmo assunto, Milaré (133) define permissão, licença e autorização e as qualifica como elementos normativos que, uma vez presentes, tornam lícita a conduta.

            O art. 54 da LCA traz um exemplo muito interessante, e perfeitamente cabível à pessoa jurídica: poluição de qualquer natureza. O caput do referido art. fala em "causar poluição de qualquer natureza [...]" que implique "danos à saúde humana [...] mortandade de animais ou a destruição significativa da flora." Segundo Vladmir Passos de Freitas e Gilberto Passos de Freitas (134), esse artigo visa proteger o meio ambiente de ações ou omissões cujo resultado seja dano ou perigo à incolumidade dos seres vivos. Consuma-se com o surgimento da situação de perigo, sendo necessária perícia que comprove tal situação.

            O § 1º trata da modalidade culposa. No § 2º estão dispostas as modalidades agravadas. O inciso I trata da poluição do solo, o II da poluição atmosférica, o III da poluição da água, o IV da poluição das praias e, finalmente, o V, trata da poluição por resíduos sólidos, líquidos e gasosos, "em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou regulamentos". Por fim, o § 3º prevê a modalidade omissiva.

            A respeito da modalidade omissiva, Vladmir Passos de Freitas e Gilberto Passos de Freitas (135) ensinam que pode ocorrer o crime de duas formas: ou existia um caso concreto sobre o qual a autoridade ambiental manifestou-se e determinou certa ação, que acabou por ser descumprida, ou há uma ordem genérica sobre como proceder em certas situações e o infrator, conhecendo-a, a descumpre. Ressaltam também que o elemento subjetivo é a vontade livre e consciente de não adotar as medidas de precaução exigidas. Em relação a este elemento volitivo, serve para a pessoa natural, mas não para a pessoa jurídica. No entanto, se a vontade da pessoa natural de descumprir as precauções exigidas tem relação com um interesse institucional da pessoa jurídica e a potencialidade de esta auferir benefícios econômicos, há capacidade de atribuição e, portanto, pessoa jurídica e pessoa natural agem em concurso, mais especificamente em co-autoria necessária.

            Em relação à modalidade agravante prevista no art. 54, § 2º, V, Paulo Affonso Leme Machado (136) explica que, se a pessoa tiver as autorizações, a ilicitude não fica completamente excluída: exclui-se a agravante prevista nos §§ 2º e 3º, mas a conduta ainda encontra-se tipificada no caput do art. 54.

            O entendimento de Milaré (137) acerca do §2º, V e do § 3º, ambos do art. 54 da LCA é de que são normas penais em branco. Especificamente em relação ao § 2º, V, deve esta norma "ser regulamentada por elemento normativo consubstanciado nas exigências estabelecidas em leis ou regulamentos." No que toca ao § 3º, que prevê a modalidade omissiva, tal conduta somente se perfaz quando a autoridade competente exigir que sejam adotadas medidas de precaução em caso de risco de dano ambiental grave ou irreversível. Portanto, a infração somente é consumada quando houver exigência da autoridade competente. Assim, o crime só se consuma se houver ordem genérica de procedimento descumprida pelo infrator, que a conhecia.

            Adotando-se o recém exposto posicionamento de Milaré, em detrimento do de Paulo Affonso Leme Machado, que acredita que portar a autorização somente exclui a agravante, a autorização é sempre uma causa de justificação que legitima o exercício regular de direito. Machado (138) argumenta que, não obstante a valorização dada à autorização, à licença e à permissão, a aplicabilidade do art. 54 não está subordinada ao descumprimento de normas administrativas.

            Deste estudo conclui-se que, dentro do processo penal ensejado por crime ambiental, há caminhos para que sejam verificadas eximientes até mesmo para a pessoa jurídica. Dentre as eximientes aplicáveis, parece ser o exercício regular de direito a mais fácil de aplicar-se, dependendo somente de uma autorização do Poder Público para o desenvolvimento de determinada atividade perigosa para o meio ambiente, se assim a norma penal dispuser. A legítima defesa parece ser inaplicável, pois esta, para caracterizar-se, pressupõe agressão injusta, atual ou iminente, direitos do agredido (ou de terceiro) atacados ou ameaçados de dano pela agressão, repulsa moderada e vontade de defender-se (139). A inaplicabilidade se dá pelo simples fato de que o meio ambiente não agride ninguém e, conseqüentemente, não há como se dizer que era necessário lesá-lo para defender-se.

            2.5 Responsabilidade: a punibilidade dos co-autores e sua extinção

            A legislação penal vigente adota a teoria restritiva de autor. Assim, são diferenciados o autor e o partícipe. A punibilidade varia de acordo com a culpabilidade de cada co-delinqüente e, no que diz com o participe, varia segundo a importância causal de sua conduta. (140) Esta é a concepção do direito penal tradicional que ainda desconsidera os crimes praticados por pessoas jurídicas.

            Já foram analisados os conceitos de autoria e co-autoria. Os co-autores são aqueles que possuem o domínio do fato: podem determinar se efetivarão a prática da conduta delitiva, se desistirão, enfim, são os "donos" daquele delito. Portanto, todos os co-autores são responsáveis pelo delito, e serão punidos na medida de sua culpabilidade, de acordo com o disposto no art. 29 do CP.

            A orientação do art. 29 do CP nos remeteria, no caso do crime praticado em co-autoria necessária entre pessoa jurídica e pessoa natural, às adaptações que o art. 225 da CF e a LCA impõem ao direito penal clássico. Nossa Lei Maior é de 1988 e a legislação infraconstitucional que a seguiu, a LCA, é de 1998. É preciso que o sistema, anterior a tais leis, que abrange o Código Penal e o Código de Processo Penal, se adapte a elas. Assim, no que diz com as pessoas jurídicas, a punibilidade não pode ir de acordo com a "culpabilidade" do ente coletivo, visto que ele não a possui, considerando as diferenças essenciais que guarda em relação às pessoas naturais.

            Conforme já explicado, assim como a culpabilidade está para a pessoa natural, a capacidade de atribuição está para a pessoa jurídica. Dando ao art. 29 do Código Penal Brasileiro aplicação coerente com a Constituição Federal, a qual admite os crimes praticados por pessoas jurídicas, ao punir a pessoa natural, dever-se-ia avaliar, portanto, a sua culpabilidade, de acordo com o direito penal clássico. Para determinar a sanção aplicável à pessoa jurídica, verificar-se-ia sua capacidade de atribuição: o interesse institucional e o proveito econômico (efetivo ou potencial). No entanto, nesses casos, a aplicação do art. 29 é dispensável, conforme será demonstrado através de posicionamento de Cezar Bitencourt.

            Bitencourt (141) assevera que o art. 29 do CP, que trata do concurso de pessoas, é desnecessário para punir o co-autor, já que este intervém materialmente na execução do crime e, portanto, a conduta por ele praticada está tipificada na norma penal incriminadora. Nesses termos, o art. 29 do CP somente é indispensável na punição do partícipe.

            Os crimes ambientais praticados por pessoa jurídica assim o são em co-autoria necessária com as pessoas naturais. Em se tratando de co-autoria, portanto, de acordo com o posicionamento recém referido, não há necessidade de invocar o art. 29 para que ambas, pessoa jurídica e pessoa natural, sejam punidas. A grande diferença na punibilidade de cada uma delas pode ser a natureza da pena. Há penas especificamente aplicáveis à pessoa jurídica e, outras, cujo cumprimento só é possível para a pessoa natural. Suspensão das atividades, por exemplo, não serve para a pessoa natural e, por outro lado, pena privativa de liberdade não se aplica à pessoa jurídica, obviamente. A pena de multa, no entanto, pode ser aplicada a ambas. O mais importante é que todos aqueles que incidam na prática de condutas lesivas ao meio ambiente estejam sujeitas a sanções penais, de acordo com a prescrição constitucional (art. 225, § 3º), seja lesão, ou o risco de lesão ambiental, oriundo de uma conduta (pessoa natural) ou do desenvolvimento de uma atividade (pessoa jurídica).

            Vladmir Passos de Freitas e Gilberto Passos de Freitas (142) referem-se às causas de extinção da punibilidade. As causas que extinguem a punibilidade da pessoa natural não carecem de maiores estudos, pois já foram exaustivamente analisadas no direito penal tradicional e estão previstas no art 107 do CP. Dentre os incisos, inaplicáveis aos crimes ambientais são os incisos V, pois os crimes ambientais são de ação penal pública e VIII, porque a pessoa natural, enquanto agente de um crime ambiental, não poderia casar-se com a vítima.

            Em relação às causas que extinguem a punibilidade da pessoa jurídica, Vladmir Passos de Freitas e Gilberto Passos de Freitas discutem os incisos IX e IV, do art. 107 do CP, primeira figura, ou seja, o perdão judicial e a prescrição. Ao que parece, selecionaram apenas estes dois incisos para comentar porque contêm institutos com diferenças na aplicabilidade para a pessoa jurídica, mas não pretendiam excluir a aplicabilidade dos demais. Não há como negar, por exemplo, que o inciso III, que trata da retroatividade da lei que não mais considera o fato como criminoso, seja aplicável. No entanto, não esclareceram, na ora obra utilizada, a aplicabilidade dos mesmos incisos inaplicáveis à pessoa natural.

            No que tange ao perdão judicial, não há conceito legal. Doutrinariamente se diz ser "faculdade atribuída ao juiz de não aplicar pena diante de circunstâncias excepcionais previstas em determinados tipos penais". (143) O perdão judicial não cabe nos crimes dolosos, somente nos culposos. Vladmir Passos de Freitas e Gilberto Passos de Freitas reconhecem a aplicabilidade do perdão judicial no caso do art. 29, § 2º, sobre a guarda doméstica de animais silvestres, quando estes não forem considerados ameaçados de extinção. Segundo eles, "o perdão judicial [...] reafirma a tipicidade da conduta. Apenas, em certas circunstâncias, dispensa a execução da pena". (144)

            A prescrição ocorre quando a pretensão punitiva ou executória não é exercida, pelo Estado, durante o período legalmente previsto. No âmbito penal ambiental, as especificidades são as seguintes: a LCA introduziu, com seu art. 28, II e IV, causas suspensivas da prescrição para o agente que está providenciando a reparação do dano. Ainda, no caso das pessoas jurídicas, quando estas forem rés, a prescrição é peculiar.

            Quando a pessoa jurídica for ré, nos casos de penas de multa, a prescrição opera-se em dois anos se for a única pena cominada ou aquela que ainda não foi cumprida. Para as penas restritivas de direitos, de acordo com CP, art. 109, parágrafo único, o prazo é contado como se fosse pena privativa de liberdade. Finalmente, se a pena for de prestação de serviços à comunidade, o prazo de prescrição deverá ser fixado na sentença.

            2.6. As penas aplicáveis às pessoas jurídicas e seus efeitos

            Incabível dizer que a pessoa jurídica não pode sofrer sanções penais, uma vez que, mesmo no que diz com o Direito Penal tradicional, aplicável às pessoas naturais, sanção penal não é sinônimo de restrição da liberdade, tipo de pena inaplicável à pessoa jurídica. A pena corporal, privativa de liberdade, não é a única existente no rol das sanções penais Esta é a única que, evidentemente, é inaplicável às pessoas jurídicas. Ressalta-se também que, no caso dos crimes ambientais, poucas vezes a pena de prisão é cumprida pelas pessoas naturais que os praticam, visto que, de acordo com os artigos 7º e 16 da LCA, as penas privativas da liberdade podem ser substituídas por penas restritivas de direitos quando forem aplicadas a crimes culposos, com duração inferior a quatro anos e, também de modo geral, em se tratando de pena privativa de liberdade não superior a três anos, pode esta ser condicionalmente suspensa. Assim, tendo em vista que poucos crimes ambientais, como os previstos nos artigos 35, 40 e 54 da LCA, praticados por pessoas naturais, podem ter pena privativa de liberdade superior a quatro anos, é razoável deduzir que, raramente, a pena privativa de liberdade é aplicada às pessoas naturais, o que não suprime o caráter de sanção criminal das penas restritivas de direito que poderão vir a substituí-las. Portanto, não se pode afirmar que não há sanção penal aplicável às pessoas jurídicas como se a única sanção penal prevista no ordenamento jurídico fosse a pena privativa da liberdade, ignorando todos os dispositivos da LCA que fixam penas específicas para as pessoas jurídicas.

            A LCA não deixa penas atreladas aos tipos. Ela prevê, em capítulo especial, as penas aplicáveis às pessoas jurídicas. Não se trata de sanções administrativas ou civis, posto que estão dispostas na Lei dos CRIMES ambientais e se aplicam às pessoas jurídicas. São elas: multa, suspensão parcial ou total das atividades, interdição temporária, proibição de contratar com o poder público, prestação de serviços à comunidade e liquidação forçada.

            Para que seja aplicada a multa, leva-se em conta a situação econômica do infrator. Este fato nos remete a mais uma vantagem da possibilidade de responsabilizar-se a pessoa jurídica: normalmente sua situação econômica tende a ser bem melhor do que a situação econômica de seus representantes. A crítica a esta pena reside no fato de que a multa cominada à pessoa jurídica não ganhou disciplina própria: aplica-se a regra do art. 18 da LCA, que retoma as normas do CP, o que faz com que a multa possa não ser condizente com o faturamento da empresa. Há um posicionamento contrário: para alguns juristas o legislador foi prudente ao fixar a sanção pecuniária máxima nos moldes do CP. Sustentam que os valores podem ser significativos até mesmo para empresas de grande porte e que já são suficientes para exercer a função preventiva.

            A pena de multa, tão criticada por sua suposta ineficácia, no caso da pessoa jurídica, pode ser uma das sanções mais eficazes, visto que muitos delitos ambientais são cometidos pelos entes coletivos com o intuito de reduzir custos, ou aumentar margens de lucro, tais como o despejo de resíduos tóxicos sem qualquer tratamento, a utilização de agrotóxicos não permitidos, extração ilegal de madeira, pesca com equipamentos não permitidos, entre tantas outras atividades lesivas ao meio ambiente e, via de conseqüência, à saúde humana. Se um crime é cometido por ambições financeiras, uma pena que envolva prestação pecuniária pode mostrar-se eficaz. O caráter da multa penal (e não administrativa) traz vantagens processuais à defesa do infrator e, ademais, sua aplicação deixa marcas negativas e indesejáveis à pessoa jurídica, marcas estas que podem obstar a celebração de futuros contratos. Nesse sentido, a tutela penal do meio ambiente visa a não reincidência na prática de crimes ambientais.

            No que diz com as penas restritivas de direitos, o juiz deve agir com cuidado quando as impuser, mantendo-se atento à equidade. Para Gilberto e Vladmir Passos de Freitas (145), "essas restrições acabarão sendo as verdadeiras e úteis sanções" à proporção que remetem à reparação do dano, quando for possível. A questão que suscita dúvidas diz com o prazo de duração da pena restritiva de direitos, que, de acordo com o art. 55 do CP, limita-se à duração da pena privativa de liberdade substituída, sendo que, muitas vezes, os efeitos do crime prolongam-se mais no tempo, mas não há como impor sanção superior ao máximo permitido por Lei, devendo ser o acompanhamento da recuperação integral feito através de ação civil pública.

            A suspensão parcial ou total das atividades é aplicada sempre que as leis de proteção ambiental estiverem sendo desrespeitadas. Visa, portanto, uma espécie de "ressocialização", à medida que conduz a pessoa jurídica à adequada e não prejudicial inserção social. Nesse sentido, a pessoa jurídica volta a desenvolver suas atividades, na comunidade na qual exerce importante função econômica, porém, de acordo com as normas de proteção ambiental.

            Interdição temporária do estabelecimento, obra ou atividade deve ser aplicada quando houver falta de autorização, ou discordância entre a autorização e a atividade efetivamente realizada ou, ainda, quando tal atividade for contrária à lei. Também visa a inserção ambientalmente correta na comunidade.

            A proibição de contratar com o poder público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações pelo prazo de até dez anos aplica-se quando normas, critérios, e padrões ambientais são descumpridos, também visando a mudança da política da empresa, no sentido de estar esta apta a desenvolver suas atividades sem lesar o meio ambiente, bem de uso comum do povo. É útil quando aplicada à pessoa jurídica que desenvolva atividade de interesse do poder público e que costume habilitar-se a contratar com o mesmo, pois, somente nestas condições, poderá trazer algum prejuízo que não compense o dano ambiental.

            A prestação de serviços à comunidade consiste em custear programas e projetos ambientais, executar obras de reparação de áreas degradadas, manter espaços públicos e contribuir com entidades ambientais ou culturais públicas. A função é social, e seu cumprimento implica a educação daqueles que ainda não têm discernimento acerca da melhor forma de usufruir e preservar os recursos naturais.

            Ao contrário do que ocorre normalmente no direito penal, na esfera ambiental esta pena não é substitutiva (para pessoas jurídicas), o que é lógico, pois a PSC substitui a pena quando privativa de liberdade igual ou inferior a seis meses e, por questões ontológicas, a pessoa jurídica não é passível de ser penalizada com penas privativas de liberdade.

            A PSC pode ser aplicada isolada, cumulativa ou alternativamente com a pena de multa e com as penas restritivas de direito, o que é muito útil uma vez que a PSC é a pena que reverte em maiores benefícios à sociedade em curto prazo, porque requer investimentos diretos na própria efetivação do cumprimento da pena. Assim, além de ter caráter pecuniário, uma vez que demanda investimentos, tem caráter social, posto que tais investimentos são revertidos em educação ambiental.

            A liquidação forçada é a penalidade mais grave. Aplicável quando a pessoa jurídica for constituída ou utilizada, preponderantemente, com a finalidade de envolver-se em crimes ambientais. No âmbito das penas aplicáveis às empresas, a maior diferença entre estas e as penas aplicáveis à pessoa natural, no que tange às funções da pena, é o fato de que o sistema jurídico admite a "pena de morte" para a pessoa jurídica – e veda sua aplicação à pessoa natural no direito brasileiro – sendo esta pena de morte representada pela liquidação forçada. Para Gilberto e Vladmir Passos de Freitas (146), por não se conhecer empresas que se encaixem nas exigências legais para a liquidação, em razão da atividade preponderante, a pena de liquidação forçada tem forte caráter preventivo e sua aplicação deverá ser rara, até porque depende de pedido expresso na denúncia oferecida pelo Ministério Público, pois, em sendo diretamente imposta pelo juiz na sentença, obsta o direito à ampla defesa e ao contraditório.

            Alguns critérios foram estipulados pelo legislador para que a responsabilidade penal da pessoa jurídica fizesse sentido. O requisito para a responsabilização penal da pessoa jurídica diz com o interesse, proveito que está poderá obter (ou obteve) com a prática do ilícito, consolidado no art. 3º, caput, da LCA. Daí a dizer-se que a "culpabilidade da pessoa jurídica" é a capacidade de atribuição, identificada no interesse institucional que é, por sua vez, verificado através do interesse econômico. Pune-se a pessoa jurídica quando a atividade por ela praticada envolve atos lesivos ao meio ambiente para atender a interesses dela.

            Convém citar, ainda, mais um aspecto discutido por Galvão da Rocha (147): existem muitos juristas com posicionamento contrário ao da responsabilidade penal da pessoa jurídica. Alguns deles sustentam esse posicionamento no argumento de que as penas aplicadas à pessoa jurídica (no direito criminal) poderiam simplesmente ser aplicadas por meio de processo administrativo. Conforme já foi discutido, o processo penal mostra-se muito mais benéfico para a defesa do réu, pois o respeito aos princípios da ampla defesa e do contraditório é muito maior do que no processo administrativo. Portanto, deveria, sob esse ponto de vista, ser interesse do ente coletivo buscar a tutela penal, assim como trabalhadores buscam a Justiça do Trabalho, impregnada pelo princípio do protecionismo, o que lhes favorece enquanto litigantes. Em suma, o processo criminal é muito mais benéfico e menos inquisitório do que o administrativo. Galvão da Rocha cita, acerca da sanção penal aplicada à pessoa jurídica, o posicionamento de Francesco Antolisei (148):

            (...) inútil, ya porque en caso de violaciones de las leyes penales es siempre posible sancionar a los individuos que efectivamente las han cometido; y es dañosa porque, como se há señalado, termina por incidir sobre todos los socios, sobre los inocentes y sobe los reos por igual, sobre los jefes y sobre los subalternos (...)

            Para Rocha, no entanto, os efeitos da responsabilidade não estão necessariamente vinculados à autoria, visto que os familiares de um condenado, por exemplo, também são afetados com sua prisão. Ao descrever cada uma das penas especificamente destinadas às pessoas jurídicas, também foi possível demonstrar que são úteis, posto que viabilizam a reintegração das empresas à comunidade na qual estavam inseridas, sem que o desenvolver de suas atividades possa atingir o bem de uso comum do povo.

            José Henrique Pierangeli (149) aponta três argumentos contrários à adoção da tese da responsabilidade penal da pessoa jurídica, que dizem respeito às penas a ela aplicáveis, considerando o princípio da personalidade das penas, de sua inaplicabilidade e da incapacidade de arrependimento.

            O primeiro, que destaca o princípio da personalidade das penas, não procede, pois a pena é aplicada de acordo com a observância dos critérios estipulados no art. 6º da LCA. O inciso I deste artigo vem coberto pelo manto do princípio da proporcionalidade, segundo o qual as ações do Estado devem ser equilibradas, ou seja, é desnecessário agir em demasia e inútil agir de modo insuficiente para atingir seus objetivos. Sacrificar um valor, dando a primazia a outro, igualmente legítimo, constitui violação ao princípio da proporcionalidade.

            O fato de algumas penas não poderem jamais ser aplicadas à pessoa jurídica é outro argumento exposto por Pierangeli que sustenta a impossibilidade de responsabilizar-se penalmente a pessoa jurídica. No entanto, ele próprio expõe, no mesmo artigo, "Penas atribuídas às pessoas jurídicas na lei ambiental", que o sistema da responsabilidade individual se enquadra nos conceitos tradicionais de direito penal e que a adoção da responsabilidade penal da pessoa jurídica exigiria a utilização de leis específicas. A própria LCA, por ele comentada no artigo, prevê as sanções aplicáveis à pessoa jurídica, portanto tal questão não constitui sequer um problema que mereça maiores reflexões. A dificuldade reside somente no que tange ao fundamento da responsabilidade penal da pessoa jurídica, que realmente não pode ser compartilhado com o a pessoa natural por apresentarem elas características e interesses diversos, bem como a forma de delinqüir, que também é diferente, aspectos estes já exaustivamente referidos neste trabalho. A pessoa natural comete crimes quando pratica um tipo penal sem estar encoberta por qualquer excludente e sendo culpável, ao passo que a pessoa jurídica eventualmente o pratica através da forma pela qual desenvolve suas atividades.

            O terceiro argumento apresentado contra a possibilidade de a pessoa jurídica ser responsabilizada penalmente reside no fato de que ela é incapaz de arrepender-se. A capacidade de arrependimento, propriamente dita, a pessoa jurídica não tem, mas, conforme já foi mencionado anteriormente, de acordo com o entendimento de Galvão da Rocha, a sanção penal desestimula a prática de ilícitos à medida que estas marcas negativas podem ter influência nos negócios e interesses da pessoa jurídica. A própria certificação de qualidade ambiental (ISO 14.001), que viabiliza uma série de contratos, fica difícil de ser conquistada pela pessoa jurídica condenada por crime ambiental. Sendo assim, as sanções penais podem "reeducar" a pessoa jurídica no sentido de fazer com que, do momento da aplicação da pena em diante, ela passe a desenvolver suas atividades sem mais lesar o meio ambiente.

            Neste ponto entram em discussão as funções da pena. Não se espera, desde o fim da Inquisição, que a pena tenha função redentora. Espera-se que seja ressocializadora, preventiva e retributiva. A sanção aplicada à pessoa jurídica é retributiva: cometeu o ilícito, responderá por ele. A punição também exerce função preventiva, pois à medida que traz (ou pode trazer) prejuízos à própria empresa, faz a prevenção específica e, à proporção que isso se torna público, a sanção aplicada gerou efeito de prevenção geral. Na verdade tais sentimentos, por requerem reflexão e raciocínio para serem compreendidos, incidem diretamente na pessoa natural responsável pela atividade que culminou no ilícito imputado à pessoa jurídica, mas o efeito reflete-se integralmente na pessoa jurídica (personalidade distinta da pessoa natural), à medida que determinará o rumo desta, a maneira pela qual serão desenvolvidas das suas atividades. Assim sendo, é possível sentir-se e verificar-se plenamente tais efeitos da função da pena na pessoa jurídica.

            O exercício da função de ressocialização também é possível. Não se faz necessário um entendimento acerca da pessoa jurídica de acordo com a teoria da realidade, ou organicista, segundo a qual a pessoa jurídica é um ser real, possuidor de vontade própria, ao invés de ser a ficção pregada por Savigny. Acontece a ressocialização simplesmente quando a pessoa jurídica (após cumprir a pena de suspensão, por exemplo) encontra-se reintegrada à sociedade (ou seja, volta às atividades, econômica e socialmente ativa) sem causar danos às pessoas e ao meio ambiente. A adaptação às normas de proteção ao ecossistema não deixa de ser a reeducação da pessoa jurídica. Do ponto de vista da pessoa natural, o objetivo da ressocialização é atingido quando ela volta a viver no grupo social sem causar a este o prejuízo que vinha causando, ou seja, risco ou desequilíbrio para o meio ambiente. Este mesmo princípio é aplicável à pessoa jurídica.

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Sobre a autora
Ana Cristina Monteiro Sanson

advogada em Porto Alegre (RS)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANSON, Ana Cristina Monteiro. A atuação do Ministério Público estadual e a responsabilidade penal das pessoas jurídicas nos crimes ambientais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 642, 11 abr. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6572. Acesso em: 28 mar. 2024.

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