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Compensação tributária antes do trânsito em julgado: ter ou não ter, eis a questão

16/07/2018 às 14:00
Leia nesta página:

Analisa-se a (i)legalidade da compensação tributária antes do trânsito em julgado à luz da jurisprudência do STF, numa analogia à possibilidade de execução da pena em segunda instância, e no contexto legal, em face do art. 170-A do CTN.

I – CASO 1: COMPENSAÇÃO COM MATÉRIAS JÁ DECIDIDAS DE CARÁTER ERGA OMNES E DOTADAS DE EFEITOS VINCULANTES

Foi amplamente divulgada em diversos canais de comunicação digital[1] a notícia que estaria se cogitando uma possível compensação tributária antes do trânsito em julgado do processo.

A Revista Consultor Jurídico[2] noticiou o fato de que o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF estaria autorizando a compensação antes do trânsito.

No caso narrado, discutia-se o direito de compensação antes do trânsito num caso onde a matéria já se encontrava embasada em decisão submetida à sistemática da Repercussão Geral do STF.

A primeira instância havia negado sob a justificativa de afronta ao art. 170-A do CTN que assim dispõe:

Art. 170-A – É vedada a compensação mediante o aproveitamento de tributo, objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial.

Em segunda instância, o CARF reverteu à decisão, por unanimidade, permitindo assim a compensação.

O entendimento do Fisco pode ser assim definido:

Solução de Consulta  nº  119 - Cosit,  Data 7 de fevereiro de 2017, ASSUNTO: NORMAS GERAIS DE DIREITO TRIBUTÁRIO. COMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA. MATÉRIA VINCULANTE. AÇÃO JUDICIAL PRÓPRIA. TRÂNSITO EM JULGADO. REQUISITO.

A Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) encontra-se vinculada aos entendimentos desfavoráveis à Fazenda Nacional firmados sob a sistemática de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de recurso especial repetitivo, a partir da ciência da Nota Explicativa da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), nos termos da Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 1, de 2014. Em regra, a jurisprudência vinculante autoriza a restituição ou compensação administrativas de tributos recolhidos indevidamente, observados os prazos e procedimentos estabelecidos na legislação. Não obstante, na hipótese em que o direito é postulado mediante ação judicial própria, o contribuinte deve aguardar o trânsito em julgado da decisão judicial, a fim de proceder à execução judicial ou à compensação administrativa.

Dispositivos Legais: Art. 170-A do CTN.

O estudo da hermenêutica ganha destaque para melhor elucidação do tema, sendo esse o diferencial técnico que torna a atividade do intérprete construtiva de sentidos e de importância.

Numa leitura apressada do artigo, o “cidadão comum” é levado pela interpretação literal, que com a devida vênia, empobrece toda a história, desenvolvimento e conquistas da hermenêutica no campo jurídico.

A intenção do legislador com a referida proposta foi obstar a compensação dos tributos cuja discussão ainda estava sob judice, ou seja, ainda não possuíam uma conclusão a respeito de sua exigibilidade pelo Fisco num juízo de constitucionalidade ou legalidade, tornando assim precário/prematura sua concessão (compensação).

O legislador teve a melhor das intenções ao propor tal disposição, tendo em vista que, principalmente, no âmbito tributário beira uma insegurança jurídica de entendimentos sem limites por diversos fatores, inclusive, pela complexidade da matéria.

Permitir compensações prematuras num juízo preliminar pode ocasionar graves transtornos aos contribuintes, uma vez que existe a futura possibilidade do julgamento ser revertido e serem condenados na devolução do valor compensado, acrescido de juros e correções, o que pode, inclusive, fazer com que várias empresas venham a fechar suas portas.

A prática demonstra que a taxa Selic é capaz de dobrar e até triplicar o débito não raro das vezes enquanto o caso está em discussão, tendo em vista a irrazoável duração dos processos, contribuindo para transformar dívidas milionárias em bilionárias, impossíveis de serem honradas pelos contribuintes, aumentando a crise econômica e o déficit orçamentário do governo.

Tendo isso em mente, o legislador preferiu não permitir as compensações tributárias antes do trânsito em julgado.

Acontece que tal caso, não é o mesmo quando se trata de temas embasados em julgados submetidos a controle concentrado de constitucionalidade; enunciados de súmula vinculante; acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamentos de recursos extraordinário e especial repetitivos, justamente pelo seu caráter de definição já finalizado, vinculando todas as instâncias inferiores como também de obediência obrigatória pela administração pública direta e indireta.

O novo CPC alavancou o status da jurisprudência, de mero produto para verdadeira fonte, a força dos precedentes a partir de agora ganhou status de norma legal, com aplicação imediata e imposição cogente.

O Direito por si só é dinâmico, estando a todo momento expandindo seu domínio, incluindo novos fatos e criando novas relações jurídicas. A certeza do Direito é uma discussão extensa, que pode-se resumir a impossibilidade de haver conceitos e definições absolutas, sempre alterando-se a depender do caso e do contexto histórico, político e social, justamente, porque as relações inter-humanas vão evoluindo.

Porém, apesar de tal inconstante, com eventuais possibilidades de mudanças de entendimentos, não há dúvidas, que num dado período de tempo, ainda que “curto” houve uma definição que prosperou seus respectivos efeitos, tornando passível ou não de exigibilidade o tributo e é essa definição, ainda que “relativa” na linha temporal da norma (tendo em vista que não existe direito ou entendimento absoluto) deve prevalecer para fins de conclusão.

Após o “bater do martelo” pelo Supremo, no julgado de efeitos erga omnes (importante ressaltar que o STF passou a adotar a teoria da abstrativização nos julgados submetidos ao controle difuso[3]) não há mais dúvidas de que a decisão deve ser respeitada e cumprida por todos.

Dessa forma, o termo “respectiva decisão judicial” trazida no art. 170-A do CTN não deve ser entendida como a efetiva ação onde o contribuinte discute o crédito, tendo em vista que a respectiva matéria já pode ter sido definida/concluída num julgamento anterior de forma vinculante para os demais casos.

Caso não haja nenhum processo onde o tema foi concluído com efeito erga omnes e vinculante, seria então aplicado o artigo 170-A, justamente, no intuito de uniformizar a jurisprudência dos tribunais, evitando-se assim decisões conflitantes e maiores sensações de insegurança jurídica.

Pode-se assim definir a seguinte lógica temporal ou fases para fim de possibilitar a compensação antes do trânsito em julgado:

I – Cobrança de um determinado tributo

II – Contestação na via administrativa (facultativo)

III – negação na via administrativa (facultativo)

IV –  Interposição do Processo Judicial

V – Conclusão do julgado pela inconstitucionalidade ou ilegalidade de caréter erga omnes e efeito vinculante[4]

VI – Para todas as ações em curso ou as posteriores que se ajuizarem por recusa do cumprimento do Fisco, possibilidade de imediato trânsito, tendo em vista já se obter a conclusão do tema por processo transitado em julgado de caráter vinculante para os demais casos.

Importante mencionar que o processo base par tal possibilidade, para fins do disposto nesse trabalho, precisa está efetivamente finalizado, já tendo, inclusive, definido eventual possibilidade de modulação dos efeitos, uma vez que tal conclusão é indispensável para se definir o termo a quo dos referidos efeitos.


II – CASO 2: COMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA NUMA ANALOGIA COM O CASO DO STF DE POSSIBILIDADE DE EXECUÇÃO DA PENA APÓS CONDENAÇÃO EM 2º INSTÂNCIA

A Revista Valor[5] noticiou que alguns juristas planejavam utilizar o julgado do STF que considerou possível a execução da pena de prisão após a condenação em 2º instância.

Basicamente, a tese trabalha com a relatividade do trânsito em julgado nas matérias de demandem maior dilação probatória fática, característica que as 2 primeiras instâncias possuem um maior contato e consequentemente detalhismo.

Como se sabe, não é permitido que as instâncias superiores façam reanálise de fatos ou provas (súmula 7 STJ e 279 do STF), agindo unicamente num controle de legalidade do processo, ficando assim, basicamente a definição no âmbito das instâncias inferiores.

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Apesar de a corrente possuir brilhantes juristas como seus defensores, com a devida vênia, esse artigo ousa discordar.

Não seria, por deveras, acertado, ou melhor, dizendo, prudente, antecipar os possíveis desdobramentos do julgado sob debilitado argumento que as instâncias inferiores já teriam feito uma árdua análise fática, não comportando maiores alterações.

Esperar não é só somente a estratégia mais conservadora, como a mais adequada, justamente pelos eventuais desdobramentos jurídicos que a longo prazo uma possível reversão na jurisprudência possa causa, com milhares de processos em curso, sem ao menos nenhum com decisão definitiva de caráter vinculante.

Como se procurou mostrar no primeiro julgado, a interpretação do art. 170-A vedaria tal hipótese, por não possuir nenhum caso pretérito que embasasse tal possibilidade, justamente, pela indefinição do tema nas instâncias superiores, que são, onde definitivamente concluem o processo, caso não haja nenhuma perda de prazo e o procedimento cumpra todas as etapas recursais.

A instabilidade tributária ocorre, principalmente, nas instâncias superiores, onde os tribunais se dividem em turmas, funcionando cada uma como uma “ilha” de entendimento, ficando assim a conclusão do tema para a competência do pleno, devendo-se aguardar seu posicionamento para fins de definição da conclusão do julgado e seus possíveis desdobramentos.

A possibilidade de compensação antes do trânsito em julgado nesses termos agrava a instabilidade jurídica, a incerteza do direito, a insegurança jurídica, surte efeitos na economia, podendo agravar a crise, inflação, déficit orçamentário, fechamento de empresas, desemprego em massa, dentre outros prejuízos inimagináveis, além, é claro, da afronta aos preceitos legais do ordenamento jurídico e, consequentemente, à própria Constituição, por reflexo.


Notas

[1] https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/compensacao-fiscal-antes-do-transito-em-julgado-07092017

https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/pauta-fiscal/vedacao-compensacao-antes-do-transito-em-julgado-e-novo-cpc-05012018

[2] https://www.conjur.com.br/2018-abr-24/seguindo-stf-carf-autoriza-compensacao-antes-transito-julgado.

[3] http://www.dizerodireito.com.br/2017/12/stf-muda-sua-jurisprudencia-e-adota.html

[4] I) controle concentrado de constitucionalidade; II) enunciados de súmula vinculantes; III) IRDR; IV) Recurso Extraordinário submetido a sistemática da Repercussão Geral; V) Recurso Especial Repetitivo.

[5] http://www.valor.com.br/legislacao/5476809/advogados-estudam-usar-decisao-do-stf-para-compensacao-tributaria.

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Sobre o autor
Filipe Reis Caldas

Advogado Tributarista. Bacharel em Direito pela Faculdade Marista. Pós-graduado em Direito Público pela Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF. Pós-graduando em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - IBET. Membro da Comissão de Assuntos Tributários da OAB/PE.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CALDAS, Filipe Reis. Compensação tributária antes do trânsito em julgado: ter ou não ter, eis a questão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5493, 16 jul. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/65723. Acesso em: 21 nov. 2024.

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