Na legislação penal brasileira, o aborto é considerado “crime contra a pessoa”, tipificado no art. 124 do Código Penal, vejamos:
“Art. 124. Provocar aborto em si mesmo ou consentir que outrem, lho provoque:
Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos.”
Tratando especificamente da matéria, o Código Penal estabelece também em seu artigo 125:
“Art. 125”. Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:
Pena - reclusão de 3 (três) a 10 (dez) anos.”
As exceções, ou seja, a autorização legal para a prática do aborto, estão previstas no artigo 128, prevendo apenas duas situações: “aborto necessário” e “aborto no caso de gravidez resultante de estupro:
“Art. 128. Não se pune o aborto praticado por médico:
I – se não há outro meio de salvar a gestante;
II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal”.
O princípio básico que rege a eficácia espacial do Direito Penal é o da territorialidade (CP, art. 5.º), tratando-se de regra absoluta.
O conceito de território nacional envolve o solo, o subsolo, o mar e o ar respectivo, nosso mar territorial compreende 12 milhas marítimas (Lei 8.617/93). A zona contígua, que já é alto-mar, abarca as 12 milhas seguintes ao território nacional. É alto-mar.
Como extensão do território nacional podemos afirmar quatro regras fundamentais sobre a extensão do território brasileiro:
a) embarcações e aeronaves públicas brasileiras ou a serviço do poder público: aplica-se sempre a lei brasileira, onde quer que se encontrem.
b) embarcações e aeronaves privadas brasileiras: aplica-se a lei brasileira se estão no território nacional ou em alto mar (observa-se aqui o princípio do pavilhão ou da bandeira);
c) embarcações e aeronaves privadas estrangeiras: só se aplica a lei brasileira se estiverem em território brasileiro.
d) embarcações e aeronaves públicas estrangeiras ou a serviço do poder público estrangeiro: não se aplica a lei brasileira.
Com base no exposto acima, podemos ainda afirmar que caso uma mulher brasileira, saindo da costa nacional, embarca em navio estrangeiro, em alto-mar, pratica o aborto (levando em consideração que a lei do país de origem da embarcação privada não considera o aborto crime), não poderá ser responsabilizada pela lei brasileira.
Como exemplo podemos citar anos uma embarcação denominada Aurora, bem equipada, que há alguns anos recolhia nos países da África e da América Latina, mulheres grávidas desejosas de realizar aborto seguro.
Porém, em agosto de 2009, o “Navio do Aborto Aurora”, fretado pela organização não governamental internacional Greepeace, deveria vir para a América Latina e para o Brasil para a realização de abortos, porém, foi impedido de deixar os portos da Holanda.
O motivo da suspensão deveu-se à modificação da legislação holandesa. O governo de coalisão entre direita, centro-esquerda e católicos impôs restrições ao uso da bandeira holandesa para embarcações do tipo utilizado pela “ONG - Women on Waves” (Mulheres sobre as Ondas).
Sem bandeira, a imunidade da nave foi perdida. Assim, quando da ancoragem em porto de países anti-abortistas haveria problemas, além disso, a organização passou a não mais receber as pílulas abortivas dos programas governamentais holandeses.
Conclusão: no Brasil (aliás, em nenhum país) pode-se punir o aborto feito no interior de embarcação estrangeira, quando ele se encontra em alto-mar (leia-se: além das 12 milhas), é o que decorre das normas do chamado Direito Penal Internacional (que é o conjunto de regras que disciplinam o direito de punir de um estado frente aos outros estados). Também não é o caso de incidência do Direito Internacional Penal (porque a situação foge da competência do T.P.I.).
O famoso navio abortador já esteve próximo da costa brasileira e aqui foram realizados (conforme se noticiou) muitos abortos. Mas nada foi feito (nem seria mesmo possível) em termos de repressão penal.
Tal fato não é punível no Brasil. Examinadas as regras (de Direito Penal Internacional) que foram alinhadas, verifica-se que quando o crime ocorre a bordo de avião ou navio privado estrangeiro, só se aplica a lei penal brasileira se ele se encontra dentro do território brasileiro. Estando em alto-mar, deve-se respeitar a lei do pavilhão ou da bandeira (leia-se: a lei do país onde o avião ou navio está registrado). E se a lei desse país não pune o fato praticado, só resta concluir que não se trata de fato punível.
Da mesma forma não há que se falar em extraterritorialidade da lei penal brasileira: primeiro porque ela exige fato ocorrido no estrangeiro (e alto-mar não é território estrangeiro); segundo porque o fato não é punível no país onde o navio está registrado (no caso, Holanda).
Restaria examinar o convite público que sempre é feito para que gestantes se submetam ao aborto. Mas isso tampouco é punível. Incitação só existe quando se trata de incitar à prática de crime (leia-se de fato punível). Apologia somente existe quando se trata de crime (isto é, de fato punível).
Se o aborto realizado em alto-mar, em navio estrangeiro privado, não é punível no seu país de origem, não há que se falar em fato punível. Logo, não há incitação ao crime nem apologia de crime. Salvo melhor juízo, é uma hipótese de impunidade absoluta em razão da não incidência de nenhuma norma do Direito Penal.
REFERÊNCIAS
Vade Mecum Saraiva – Editora Saraiva – 2008
Maierovitch, Walter Fanganiello . Blog Sem Fronteiras. https://maierovitch.blog.terra.com.br/2009/08/03/nave-do-aborto-suspende-viagem-ao-brasil/