Aborto em alto mar

03/05/2018 às 12:50
Leia nesta página:

Atividade Complementar apresentada ao Professor Dr. João Batista Garcia dos Santos, no Curso de Pós Graduação de Direito Penal e Processual Penal do Complexo Educacional das Faculdades Metropolitanas Unidas.

Na legislação penal brasileira, o aborto é considerado “crime contra a pessoa”, tipificado no art. 124 do Código Penal, vejamos:

“Art. 124. Provocar aborto em si mesmo ou consentir que outrem, lho provoque:

Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos.”

Tratando especificamente da matéria, o Código Penal estabelece também em seu artigo 125:

“Art. 125”. Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:

Pena - reclusão de 3 (três) a 10 (dez) anos.”

As exceções, ou seja, a autorização legal para a prática do aborto, estão previstas no artigo 128, prevendo apenas duas situações: “aborto necessário” e “aborto no caso de gravidez resultante de estupro:

“Art. 128. Não se pune o aborto praticado por médico:

I – se não há outro meio de salvar a gestante;

II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal”.

O princípio básico que rege a eficácia espacial do Direito Penal é o da territorialidade (CP, art. 5.º), tratando-se de regra absoluta.

O conceito de território nacional envolve o solo, o subsolo, o mar e o ar respectivo, nosso mar territorial compreende 12 milhas marítimas (Lei 8.617/93). A zona contígua, que já é alto-mar, abarca as 12 milhas seguintes ao território nacional. É alto-mar.

Como extensão do território nacional podemos afirmar quatro regras fundamentais sobre a extensão do território brasileiro:

  • a) embarcações e aeronaves públicas brasileiras ou a serviço do poder público: aplica-se sempre a lei brasileira, onde quer que se encontrem.

  • b) embarcações e aeronaves privadas brasileiras: aplica-se a lei brasileira se estão no território nacional ou em alto mar (observa-se aqui o princípio do pavilhão ou da bandeira);

  • c) embarcações e aeronaves privadas estrangeiras: só se aplica a lei brasileira se estiverem em território brasileiro.

  • d) embarcações e aeronaves públicas estrangeiras ou a serviço do poder público estrangeiro: não se aplica a lei brasileira.

Com base no exposto acima, podemos ainda afirmar que caso uma mulher brasileira, saindo da costa nacional, embarca em navio estrangeiro, em alto-mar, pratica o aborto (levando em consideração que a lei do país de origem da embarcação privada não considera o aborto crime), não poderá ser responsabilizada pela lei brasileira.

Como exemplo podemos citar anos uma embarcação denominada Aurora, bem equipada, que há alguns anos recolhia nos países da África e da América Latina, mulheres grávidas desejosas de realizar aborto seguro.

Porém, em agosto de 2009, o “Navio do Aborto Aurora”, fretado pela organização não governamental internacional Greepeace, deveria vir para a América Latina e para o Brasil para a realização de abortos, porém, foi impedido de deixar os portos da Holanda.

O motivo da suspensão deveu-se à modificação da legislação holandesa. O governo de coalisão entre direita, centro-esquerda e católicos impôs restrições ao uso da bandeira holandesa para embarcações do tipo utilizado pela “ONG - Women on Waves” (Mulheres sobre as Ondas).

Sem bandeira, a imunidade da nave foi perdida. Assim, quando da ancoragem em porto de países anti-abortistas haveria problemas, além disso, a organização passou a não mais receber as pílulas abortivas dos programas governamentais holandeses.

Conclusão: no Brasil (aliás, em nenhum país) pode-se punir o aborto feito no interior de embarcação estrangeira, quando ele se encontra em alto-mar (leia-se: além das 12 milhas), é o que decorre das normas do chamado Direito Penal Internacional (que é o conjunto de regras que disciplinam o direito de punir de um estado frente aos outros estados). Também não é o caso de incidência do Direito Internacional Penal (porque a situação foge da competência do T.P.I.).

O famoso navio abortador já esteve próximo da costa brasileira e aqui foram realizados (conforme se noticiou) muitos abortos. Mas nada foi feito (nem seria mesmo possível) em termos de repressão penal.

Tal fato não é punível no Brasil. Examinadas as regras (de Direito Penal Internacional) que foram alinhadas, verifica-se que quando o crime ocorre a bordo de avião ou navio privado estrangeiro, só se aplica a lei penal brasileira se ele se encontra dentro do território brasileiro. Estando em alto-mar, deve-se respeitar a lei do pavilhão ou da bandeira (leia-se: a lei do país onde o avião ou navio está registrado). E se a lei desse país não pune o fato praticado, só resta concluir que não se trata de fato punível.

Da mesma forma não há que se falar em extraterritorialidade da lei penal brasileira: primeiro porque ela exige fato ocorrido no estrangeiro (e alto-mar não é território estrangeiro); segundo porque o fato não é punível no país onde o navio está registrado (no caso, Holanda).

Restaria examinar o convite público que sempre é feito para que gestantes se submetam ao aborto. Mas isso tampouco é punível. Incitação só existe quando se trata de incitar à prática de crime (leia-se de fato punível). Apologia somente existe quando se trata de crime (isto é, de fato punível).

Se o aborto realizado em alto-mar, em navio estrangeiro privado, não é punível no seu país de origem, não há que se falar em fato punível. Logo, não há incitação ao crime nem apologia de crime. Salvo melhor juízo, é uma hipótese de impunidade absoluta em razão da não incidência de nenhuma norma do Direito Penal.

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REFERÊNCIAS

Vade Mecum Saraiva – Editora Saraiva – 2008

Maierovitch, Walter Fanganiello . Blog Sem Fronteiras. https://maierovitch.blog.terra.com.br/2009/08/03/nave-do-aborto-suspende-viagem-ao-brasil/

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Sobre o autor
José Roberto Telo Faria

Advogado Criminalista, Bacharel em Direito pela Universidade de Guarulhos (2002); Pós Graduado em Direito Penal e Direito Processual Penal pela FMU (2015); Secretário Adjunto da Comissão do Tribunal do Júri da OAB/SP - Sub Seção de Santo Amaro (2011).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Atividade Complementar apresentada ao Professor Dr. João Batista Garcia dos Santos, no Curso de Pós Graduação de Direito Penal e Processual Penal do Complexo Educacional das Faculdades Metropolitanas Unidas. São Paulo - 2014.

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