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A indústria das multas aplicadas em decorrência dos radares e suas inconstitucionalidades e ilegalidades

17/04/2005 às 00:00
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I - RESUMO

            Como é cediço hodiernamente, tornou-se uma rotina a instalação dos chamados aparelhos eletrônicos aferidores de velocidade nas vias públicas, também conhecidos como "RADARES, PARDAIS ou LOMBADAS ELETRÔNICAS", cuja correta denominação é Instrumento de Medição de Velocidade de Operação Autônoma.

            Não se pode olvidar que tais aparatos eletrônicos tenham conseguido diminuir a quantidade de acidentes em algumas vias. Sob outro prisma, vale ressaltar a irresponsabilidade com a qual a administração pública está tratando da instalação e da aplicação das sanções oriundas do excesso de velocidade dos motoristas, simplesmente terceirizando tais serviços e, o que ainda é pior, repassando uma determinada porcentagem dos valores arrecadados com as multas às empresas administradoras.

            Entretanto, cumpre dizer que tais equipamentos, por mais que tragam um certo benefício social, estão funcionando completamente eivados de ilegalidades e inconstitucionalidades, desviando o que seria o foco principal da utilização de tais aparelhos, qual seja a prevenção de acidentes, para o locupletamento ilícito da administração pública e das empresas privadas em tratativa com os agentes públicos.

            Logo, tentar-se-á com o presente artigo, esmiuçar as ilegalidades dantes inquinadas, haja vista que o próprio Código de Trânsito Brasileiro em sua plenitude fornece subsídios suficientes para se comprovar a maneira inadequada como a Administração Pública interpreta a Lei, apenas almejando atender os seus próprios interesses, que no caso são a arrecadação desenfreada e indevida de dinheiro público, com a aplicação quase que tirana de multas de trânsito, por meio dos outrora elencados instrumentos eletrônicos, criando uma "Indústria de Multas".

            Para um melhor entendimento do sistema utilizado, deve-se citar as suas etapas através das quais a multa de trânsito chega ao contribuinte: i) a concessão de um serviço público a uma empresa privada; ii) a determinação de "pontos estratégicos" para a instalação dos aparatos eletrônicos de maneira totalmente arbitrária; iii) a efetiva inserção do equipamento que operará de maneira autônoma; iv) a utilização dos fotosensores para a medição da velocidade de tráfego e para registro dos condutores infratores.

            Não obstante tantos desacertos, ainda há que se falar sobre o procedimento adotado no sistema de recursos de multas, onde o condutor se depara com uma afronta brutal ao princípio constitucional da ampla defesa e do contraditório, onde este, em uma determinada instância, se vê obrigado a depositar o valor da sanção como pressuposto de admissibilidade recursal, caracterizando, assim, mais uma inconstitucionalidade.

            Diante das premissas abordadas acima, passaremos ao estudo mais detalhado das ilegalidades e arbitrariedades cometidas pela Administração Pública no uso do seu poder coercitivo perante os cidadãos.


II – A NOTÓRIA INCOMPETÊNCIA DOS INSTRUMENTOS DE MEDIÇÃO DE VELOCIDADE DE OPERAÇÃO AUTÔNOMA (RADAR) PARA A LAVRATURA DE AUTO DE INFRAÇÃO DE TRÂNSITO

            Primeiramente, vale ressaltar que a competência para a lavratura do auto de infração de trânsito é exclusiva de servidor público, seja ele celetista ou estatutário, ou ainda, de policial militar, conforme bem preconizado no artigo 280, § 4º do Código Nacional de Trânsito, o qual se pede vênia para transcrever:

            " § 4º - O agente da autoridade de trânsito competente para lavrar o auto de infração poderá ser servidor civil, estatutário ou celetista ou, ainda, policial militar designado pela autoridade de trânsito com jurisdição sobre a via no âmbito de sua competência." (grifos nossos)

            Logo, pode-se concluir através de uma simples interpretação do aludido dispositivo legal que um equipamento eletrônico não possui personalidade e, porquanto, não se mostra apto à lavratura de autos de infração, eis que jamais poderá ser considerado um agente público, posto que se o mesmo ocorresse, estaríamos cometendo o despautério de atribuir-se caráter humano às máquinas.

            Conforme se observa na forma estrutural dos autos de infração referente aos radares, infere-se que o ato administrativo sancionador é expedido, simplesmente, por "agente municipal/estadual".

            No entanto, apenas a referência ao agente municipal/estadual, evidentemente, não permite a identificação da autoridade administrativa ou do agente administrativo que de fato realizou a lavratura do auto de infração, o que permite concluir, à luz das regras basilares do Direito Administrativo, que o ato sancionador praticado é inválido.

            Com efeito, é cediço que, todo ato administrativo deve possuir como um dos seus pressupostos de validade o sujeito, o qual pode ser definido como "quem ou aquele que pratica o ato, seja pessoa física (agente público) ou o órgão que representa o Estado" (1) e não uma máquina.

            De outra sorte, sabe-se que para o ato administrativo ser válido, não basta que seja praticado por um sujeito. Para possuir validade, o ato administrativo deve ser emanado por quem possui competência para tanto, isto é, por aquele que, na forma da lei, é incumbido do poder de sancionar os infratores das normas de conduta sob sua fiscalização e esfera de atuação.

            Desta forma, percebe-se que o radar eletrônico, por si só, não possui competência alguma para impor quaisquer sanções aos condutores, eis que não se amolda ao conceito de agente público, entendido como aquele desempenha função estatal e que esteja nela investido.

            Assim, percebe-se que o ato administrativo sancionador somente pode ser expedido pelo agente público que possua competência para a sua realização, desde que esta investidura para a prática do ato decorra de lei, em seu sentido formal.

            Daí o porquê de não se falar que o artigo 280,§ 4º, do Código de Trânsito Brasileiro possibilita que o equipamento eletrônico tenha competência para impor uma infração aos administrados.

            Sabe-se que em verdade, o equipamento eletrônico é apenas um meio pelo qual se fiscaliza os condutores, sem que, no entanto, produzam efeitos restritivos aos administrados sem a chancela de um agente administrativo que possua as competências necessárias à expedição do ato, o que não ocorre no ato da imposição da ação sancionadora.

            Desta forma, está bastante claro que a expedição do ato administrativo sancionador somente pode ser realizada por meio de um agente ou de um órgão, sendo claro que o instrumento eletrônico de fiscalização não possui a autoridade de, por si só, imputar uma sanção ao administrado.

            Ademais, em se admitindo tal competência, estaríamos também infringindo uma norma constitucional, qual seja a contida no artigo 7º, inciso XXVII da Carta Magna de 1988, o qual versa:

            "Art. 7º. São direitos dos trabalhadores...

            XXVII Proteção em face da automação..."

            Deveras, o equipamento eletrônico, sem o referendo de um agente público, conforme disposto no artigo 12,§ 1º, V, da Resolução nº 141/2002 do Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN, não possui a menor validade, já que esta condição se constitui num dos itens essenciais que devem constar do auto de infração obtido por meio eletrônico.

            "Art. 12. O comprovante de infração de trânsito por excesso de velocidade poderá ser emitido por aparelho, por equipamento ou por qualquer outro meio tecnológico medidor de velocidade com dispositivo registrador de imagem.

            § 1º - o comprovante da infração deverá permitir a identificação do local, da marca e da placa do veículo e conter:

            V – a identificação do agente de trânsito, quando se tratar de aparelho, de equipamento ou de qualquer outro meio tecnológico do tipo estático, portátil ou móvel."

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            Por conseguinte, pode-se afirmar que falta previsão legal para a utilização dos radares na expedição de atos administrativos sancionadores extravasa a inconteste ilegalidade e arbitrariedade da Administração Pública ao tomar certas atitudes.

            Ora, diante de tantas irregularidades, como as multas expedidas por equipamentos eletrônicos estáticos continuam sendo aplicadas? A única resposta que a administração possui é a Resolução nº 23 de 21/05/1998, do CONTRAN, que, em seu artigo 1º supostamente delegou a competência ao instrumento medidor de velocidade de lavrar autos de infração, independentemente da presença da autoridade de trânsito ou do agente público respectivo e investido naquele obséquio.

            Com efeito, admitir que a Administração Pública poderia atuar da maneira que atua no tocante aos radares, seria admitir que tais aparatos eletrônicos são infalíveis, o que, com a devida vênia é risível, além de caracterizar uma afronta ao artigo 22, XI, da constituição Federal que estabelece a competência privativa da União no tocante a legislar em matéria de trânsito.

            Para uma reflexão sobre o assunto, cumpre citar o que foi veiculado nos meios de comunicação, mediante propaganda eleitoral gratuita, frisando-se que tal assertiva foi devidamente comprovada, a despeito da empresa que mantém e administra os 110 radares instalados em Curitiba/PR, cujo contrato prevê remuneração por produtividade, ou seja, a cada infração registrada pelo radar, o valor de R$ 10,83 (dez reais e oitenta e três centavos) é repassado para a empresa administradora como consectário.

            Por fim, afirmar que uma simples resolução editada por um órgão absolutamente incompetente para tal desiderato estaria a derrubar o contido na Constituição e no Código de trânsito Brasileiro é suicidar a democracia a o suposto "rígido" controle constitucional existente em nossa Carta Magna, eis que tais institutos foram criados para que sejam evitadas arbitrariedades e ilegalidades como as que eram praticadas abertamente há poucos anos atrás.


III - DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 288, § 2º DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO

            Em apertada síntese, o precitado dispositivo legal versa sobre a necessidade do infrator recolher o valor da multa ao erário público, como pressuposto de admissibilidade recursal para a instância superior.

            Ora, com o devido acatamento, tal artigo é um absurdo, caracterizando uma quebra brutal ao princípio do direito de petição, elencado como cláusula pétrea em nossa Carta Magna, sem falar no visível cerceamento de defesa diante de tal imposição.

            Sobre o assunto em comento, vale citar a iluminada decisão proferida pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, no âmbito da Apelação Cível nº 131.470-7, a qual se pede vênia para transcrever:

            "O artigo 288, § 2º é inconstitucional, uma vez que afronta o princípio da igualdade material, que deve ser entendida como o tratamento equânime e uniformizado de todos os seres humanos, bem como a sua equiparação no que diz respeito à possibilidades de concessão de oportunidades. Portanto, as oportunidades, as chances devem ser oferecidas de forma igualitária para todos os cidadãos, o que certamente não ocorre com a exigência do pagamento da multa de trânsito como requisito de admissibilidade de recurso administrativo"

(destacou-se)

            Portanto, resta clarividente que a exigência do depósito do valor da multa como pressuposto de admissibilidade do recurso, manifestamente tolhe o direito constitucional ao contraditório e a ampla defesa, também incluídos no núcleo de direitos fundamentais da nossa constituição, chamado núcleo duro, ou cláusulas pétreas.


IV – CONCLUSÕES

            Para finalizar o tema abordado, conclui-se que, tanto as multas aplicadas, quanto os autos de infração lavrados pelos Instrumentos de Medição de Velocidade de Operação Autônoma estão culminados de ilegalidade e inconstitucionalidade, devendo os prejudicados pensarem a esse respeito, no sentido de questionarem as ações da Administração Pública, para que esta haja de maneira hialina e não arbitrária.


NOTA

            1

Régis Fernandes de Oliveira. Ato Administrativo. 4ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 60.
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Sobre o autor
Leocádio Prolik

Bacharelando do curso de Direito das Faculdades do Brasil - Unibrasil

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PROLIK, Leocádio. A indústria das multas aplicadas em decorrência dos radares e suas inconstitucionalidades e ilegalidades. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 648, 17 abr. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6589. Acesso em: 6 out. 2024.

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