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Impossibilidade de alteração de lei complementar por lei ordinária em matéria tributária

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Em face da lei ordinária, a lei complementar possui um quórum de aprovação mais complexo. Por esse motivo, sua modificação deve ocorrer apenas por uma lei do mesmo escalão ou hierarquicamente superior.

INTRODUÇÃO

O presente estudo destina-se a analisar a inviabilidade constitucional de uma Lei Complementar Tributária vir a ser alterada por Lei Ordinária.

A Lei Complementar é o ato legislativo cuja elaboração, de acordo com a Constituição Federal, exige um quórum de aprovação especial. É utilizada para complementar os comandos constitucionais em matérias especificas elencadas em seus artigos.

Neste contexto, se a Constituição Federal dá para a Lei Complementar competência exclusiva para legislar sobre determinados assuntos, a sua alteração deve ser feita por leis hierarquicamente superiores ou do mesmo escalão, visto que uma lei com um quórum especial não deve ser alterada por outra lei de quórum simples.  

Em matéria tributária o artigo 146 CF nada mais é que o próprio CTN, que embora tenha sido aprovado como Lei Ordinária, ainda sobre a égide da Carta Magna de 1967 foi recepcionada como Lei Complementar. Sendo assim, não há dúvidas de que o conteúdo do artigo 146 deve ser alterado exclusivamente por leis complementares ou superiores.


EXISTÊNCIA DE HIERARQUIA ENTRE AS LEIS

As leis não possuem, de forma genérica, o mesmo valor, trazendo consigo diferenças em essência e efetividade, já que cada uma é dotada de um método de elaboração peculiar e podem estar em posição hierárquica diversa das demais.

Algumas podem ser consideradas mais importantes que as demais. Se duas leis vierem a tratar do mesmo assunto ou matéria, a lei hierarquicamente superior, automaticamente afastará a aplicação da lei hierarquicamente inferior. A pirâmide hierárquica se divide da seguinte forma:

  • Constituição Federal e suas Emendas;
  • Leis Complementares;
  • Leis ordinárias, delegadas, medidas provisórias e decretos legislativos;
  • Constituições Estaduais e suas Emendas
  • Leis Complementares às suas Constituições Estaduais;
  • Leis Estaduais;
  • Leis Municipais.

DIFERENÇAS ENTRE LEI COMPLEMENTAR E LEI ORDINÁRIA

À luz da Constituição Federal em vigor nota-se que existem diferenças entre lei ordinária e complementar, tanto em seu prisma material, quanto sob o formal.

Não é desconhecida a existência de campos de atuação específicos para a lei complementar e para a lei ordinária, devidamente delimitada pela Constituição, ressaltando-se o elemento material.

O elemento formal é fundamental em relação ao quórum de aprovação.

Quórum de aprovação é a expressão usada para especificar a quantidade de votos necessários para a aprovação de uma determinada lei. Serve como um dos critérios distintivos entre a lei complementar e a lei ordinária. É pelo aspecto formal que a norma se caracteriza e se apresenta ao ordenamento jurídico.

Na lei ordinária o quórum necessário é a maioria simples, de acordo com o artigo 48 CF. Já para lei complementar é necessário a maioria absoluta, artigo 69 da CF.

Douglas Yamashita afirma a diferença entre as duas leis dizendo que “além da questão pertinente ao quórum, o artigo 61 da Constituição Federal de 1988 distingue claramente a iniciativa de Lei Complementar da iniciativa de Lei Ordinária”, (YAMASHITA, p.230, 1999).

Outra distinção comum é em razão da matéria, a lei complementar tem sua matéria especificada na Constituição Federal, ou seja, trata de assuntos específicos. A lei ordinária por sua vez atua de modo residual, em casos que não há exigência de lei complementar.

Como, por exemplo, o artigo 146 CF traz matérias tributarias específicas que deverão ser tratadas apenas por lei complementar.

No sistema jurídico brasileiro não se discute se uma norma é materialmente inconstitucional, pois o que importa é estar inserido na Constituição, o que prevalece, assim, é o elemento formal. Ou seja, se um determinado assunto tem que ser tratado por meio de Lei Complementar e for tratado por Lei Ordinária, se dará a inconstitucionalidade formal, sendo assim, abre espaço para a impossibilidade de se alterar uma norma formal superior por uma inferior. Quem pode o menos neste caso, não pode o mais.


A CONSTITUIÇÃO PORTUGUESA: LEIS REFORÇADAS

Dentro da Constituição Portuguesa, há a existência das chamadas Leis Reforçadas, que são aquelas que sobrepõem as demais leis por possuírem uma força formal superior às demais. Nesse caso, o quórum de aprovação dessas leis é por maioria de dois terços.

Nota-se aqui que, a Constituição Portuguesa, assim como a nossa Constituição, consagra o aspecto formal das leis. Percebe-se que a questão do quórum é de suma importância para a caracterização de uma lei reforçada, que é denominada reforçada justamente pela dificuldade de sua aprovação.

No ordenamento jurídico brasileiro, não há a existência de leis reforçadas, porém temos as leis complementares, que também se sobressaem pelo seu quórum qualificado e pelo seu aspecto formal.

Alterar em Portugal ou no Brasil, uma lei reforçada ou lei complementar através de uma lei que não possui o mesmo aspecto formal e quórum qualificado, é uma grave violação às respectivas constituições. Seria destruir o critério qualificado e formal que se fez presente na edição da lei.

Tanto aqui, quanto em Portugal, é de suma importância à questão formal e de quórum qualificado de aprovação de uma lei reforçada ou complementar, e frisa-se que a utilização de uma lei formalmente inferior e com quórum simples, para alteração destas é ato violento as Constituições e aos seus princípios.


PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA

O princípio da segurança jurídica é inerente à noção de Estado Democrático de Direito. A própria Constituição, em seu preâmbulo, traz tal princípio, como sendo ele fundamental.

A edição de uma norma/lei complementar, pelo fato de ser mais árdua sua aprovação, traz certa tranquilidade e segurança aos cidadãos. O quórum qualificado revela uma maior discussão e atenção dos parlamentares na aprovação do respectivo texto legal. Logo, o fato de haver tal dificuldade para criá-la e editá-la é vista como uma forma de estabilidade jurídica.

Ao se falar em tributos, tem-se que redobrar as atenções e discussões, tendo em vista ser um tema que gera anualmente bilhões aos cofres públicos. Sendo assim, deve-se criar leis - as quais consigam passar aos cidadãos certa segurança jurídica. 


CTN COMO LEI COMPLEMENTAR

O CTN - Código Tributário Nacional - é a Lei que norteia, no ordenamento jurídico do Brasil, a aplicabilidade dos tributos, extensão, alcance, limites, direitos e deveres dos contribuintes, atuação dos agentes fiscalizadores e demais normas tributárias.

A Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966, foi criado em forma de Lei Ordinária, todavia, sob égide da Constituição Federal de 1967, que exigia em que se tratando de normas gerais, conflitos de competência e limitações ao poder tributante, deveriam ser sob Lei Complementar.

Sob esta ótica, o CTN embora sendo lei ordinária, passou a ter eficácia de lei complementar, por força do princípio da recepção.

Já sabendo que a Constituição Federal consagra o aspecto formal das normas, o CTN, sendo uma lei complementar que trata de matérias expressamente descritas na Carta Magna, deve ser apenas alterado por uma lei complementar, ou outra lei formalmente superior a ela.

O legislador criou a Lei complementar com o intuito de demonstrar maior estabilidade comparada à das matérias tratadas por leis ordinárias. Ou seja, as matérias tratadas por lei complementar possuem uma dignidade especial, uma rigidez intermediaria, ficando entre a lei ordinária e a emenda constitucional.

Neste sentindo, estão às normas tributarias que por sua importância na sociedade, deve ser tratada em sua maioria por lei complementar. Sendo assim, o CTN em sua totalidade não deve de forma alguma vir a ser alterado por uma lei inferior, ou seja, leis ordinárias e afins.

Todavia, por se possuir um quórum de aprovação de maioria simples, os legisladores utilizam as leis ordinárias para tal, menosprezando o aspecto formal consagrado pela Constituição Federal.

O CTN como lei complementar com seu aspecto formal e seu quórum qualificado de aprovação, visa expressar confiança aos contribuintes e afins. Isto porque todos sabem, que para sua alteração deverá ser levado em conta que por se tratar de uma lei com um processo de aprovação mais complexo, será trabalhosa sua alteração. Porém, cotidianamente isso não é praticado, fazendo assim uma inversão de valores formais das normas. Quem faz o menos, pode fazer o mais, formalmente dizendo.

Atualmente, o art. 146, III, da CF não deixa dúvidas de que as matérias nele contidas devem estar adstritas à lei complementar e, ipso facto, ao CTN – nossa lei de normas gerais tributárias. Daí se inferir que o CTN deve ser modificado apenas por nova lei complementar ou pelas normas que lhe forem hierarquicamente superiores (SABBAG. 2016 p.1248).

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Nas palavras de Sabbag, a alteração apenas será legitima se ocorrer de forma que se leve em consideração os aspectos formais e de quórum qualificado da norma. Sendo assim, a alteração legitima ocorre por nova lei complementar ou superior hierarquicamente.


REVOGAÇÃO DA LEI COMPLEMENTAR 70/91 PELA LEI 9430/96

A Lei Complementar 70/1991 dispõe sobre a instituição da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social, mais conhecida como COFINS. Elenca em seu dispositivo 6º as entidades e sociedades que possuem isenção do pagamento deste tributo. Entre as beneficiadas se encontram as sociedades civis, ou seja, as Sociedades Civis Prestadoras de Serviços.

Todavia, em 1996 a Lei Ordinária 9.340, revogou por seus artigos 55 e 56 a isenção do CONFINS prevista no artigo 6º, inciso II da LC 70/91.

Neste caso em tela, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça reafirmou que as Sociedades Prestadoras de Serviço estão isentas da cobrança da COFINS, como previa o artigo 6º da LC 70/91.

Uma das principais funções de uma Lei Complementar é regular o poder de tributar. Logo, não pode uma Lei Ordinária, aprovada por uma minoria do Congresso, tratar de definição de tributos e seus afins.

Partes contrárias alegam que a lei complementar 70/91 se trata de matéria destinada à lei ordinária, então, podendo ser revogada pela lei ordinária 9.430/96.

(...). A título propedêutico, podemos firmar as seguintes premissas: (a) quando a Constituição põe uma limitação ao poder de tributar, sem requisitar tópica e expressamente lei complementar, a competência conferida ao legislador da lei complementar para regulá-la é uma competência facultativa. Exercê-la-á o legislador pós-constitucional se quiser (trata-se de poder-faculdade na lição de Santi-Romano). (COELHO. 1990. P.126)

Neste sentido, Sacha Calmon Navarro Coelho mostra que apesar de se tratar de matéria de Lei Ordinária, é dada ao legislador a faculdade de decidir se tal matéria, devido sua importância, deverá ser tratada como Lei Complementar.

“Sem dispositivo expresso da Constituição que afirme o contrário, caracteriza-se a lei complementar por seu aspecto formal. Aliás, 2 COELHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988. Rio de Janeiro, Editora Forense 1990. p 126. toda e qualquer espécie normativa ganha identidade específica, e assim tem definida a sua posição hierárquica no sistema jurídico, a partir de elementos formais. Não em razão de seu conteúdo. A competência do órgão que eminente, e o procedimento adotado em sua elaboração, determine sua espécie e posição hierárquica. É certo que a Constituição estabelece que certas matérias só podem ser tratadas por lei complementar, mas isto não significa de nenhum modo que a lei complementar não possa regular outras matérias, e, em se tratando de norma cuja aprovação exige quorum qualificado, não é razoável entender-se que pode ser alterada, ou revogada, por lei ordinária.” (MACHADO. 2002.p.73)

Desta forma, se primariamente os legisladores regularam a Lei 70/91 como Lei Complementar, é por que quiseram da a esta lei uma maior estabilidade e segurança jurídica, formando sobre ela uma armadura intransponível por leis hierarquicamente inferiores, pois entenderam que tal assunto era de suma importância para ser aprovado por quórum não qualificado. Logo a mesma, deveria ter sua alteração feita por uma lei do mesmo escalão ou superior.


PROBLEMÁTICA ATUAL SOBRE O TEMA – CORRUPÇÃO

Nos dias atuais, o mundo jurídico está ligado por uma fina linha ao mundo político, tendo em vista que é deste mundo que surgem os textos legais.

Todavia, com o crescimento da corrupção na esfera política, onde os legisladores visam apenas o autobenefício, fazendo acordos com grandes indústrias geradoras de tributos, é mais viável para ambos desgraçar a pouca segurança jurídica que há e, pleiteando ganhos e economias, alteram leis que possuem natureza complementar – que complementam o texto constitucional – por leis ordinárias, ou seja, leis comuns e hierarquicamente inferiores.

Nota-se aqui que o erro não acontece na esfera jurídica e sim na esfera política, não há erro na aplicação das normas e sim na sua fabricação, onde se perdeu a essência de criar normas que trouxessem segurança à população.


CONCLUSÃO

Diante de todo o exposto, conclui-se que:

  • De fato, segundo parte da doutrina, nota-se a existência de uma hierarquia entre as normas, na qual no topo se encontra a Constituição Federal;
  • Na pirâmide hierárquica, a Lei Complementar se encontra em um patamar superior à Lei Ordinária;
  • A lei complementar apresenta-se como tal pelo seu aspecto formal e também pelo seu aspecto material;
  • A lei complementar traz maior segurança e estabilidade para a esfera e relações jurídicas;
  • A lei complementar traz segurança aos cidadãos, tendo em vista que seu quórum de aprovação é qualificado, ou seja, é mais elevado, dificultando assim sua alteração;
  • Se o legislador elege um determinado tema para ser arguido por uma norma hierarquicamente superior, a alteração da mesma é feita por lei inferior, caracteriza-se uma enorme violação ao texto constitucional;
  • A crescente corrupção na esfera política atinge diretamente o modo como tal lei é alterada, ou seja, por motivos econômicos, alguns legisladores alteram as leis complementares desta matéria, qual seja, tributária, através de leis hierarquicamente inferiores, caracterizando uma grave lesão aos princípios constitucionais.


REFERÊNCIAS

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 21º Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2002. p.73.

COELHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988. Rio de Janeiro, Editora Forense 1990. p 126.

YAMASHITA, Douglas. Natureza Jurídica da Lei Complementar 70/91 e sua alteração por lei ordinária. Repertório IOB de jurisprudência. São Paulo, n°7 1999. p 227-231.

SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 8º Ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

PAULO; ALEXADRINO. Direito Constitucional Descomplicado. 5ª Ed. São Paulo: Editora Método; Rio de Janeiro: Forense: 2010.

TAVARES, Fábio. Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método. 2016.

LEI COMPLEMENTAR N° 70, DE 30 DE DEZEMBRO DE 1991. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp70.htm> Acesso em 12 Dez. 2017.

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Sobre os autores
Adauto José de Oliveira

Mestre em Direito Constitucional pela Unitoledo – Araçatuba-SP (2010). Advogado<br>(Unicastelo de Fernandópolis – 2005). Pedagogo (UNG – Univ. de Guarulhos – 1995).<br>Biólogo (Unib – Universidade Ibirapuera – 1989). Pós-graduação em Ensino de Biologia<br>(Unijales – 1999). Advogado em Jales-SP. Professor Universitário das Faculdades Aldete<br>Maria Alves (Fama) em Iturama-MG e Unicastelo - Fernandópolis-SP. Assessor Pref. Mun. Dirce Reis de 2013 e 2014.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Adauto José ; MARINGOLO, Heiller. Impossibilidade de alteração de lei complementar por lei ordinária em matéria tributária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5643, 13 dez. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/65919. Acesso em: 22 dez. 2024.

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