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Anotações sobre a lavagem de dinheiro e mercado de arte

06/05/2018 às 11:15
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Durante a Operação Lava Jato, a Polícia Federal (PF) apreendeu centenas de obras de arte suspeitas de terem sido usadas para lavar dinheiro.

Durante a Operação Lava Jato, a Polícia Federal (PF) apreendeu centenas de obras de arte suspeitas de terem sido usadas para lavar dinheiro. Cerca de 139 peças recolhidas na décima fase da investigação foram destinadas ao Museu Oscar Niemeyer (MON), em Curitiba. Só na casa do ex-diretor da Petrobras Renato Duque, a PF encontrou 131 obras.

Desde o início da operação, o museu curitibano recebeu 203 obras apreendidas. O acervo conta com quadros de artistas internacionalmente conhecidos, como Joan Miró, Salvador Dalí, Amílcar de Castro, Di Cavalcanti, Romero Brito, Aldemir Martins e Miguel Rio Branco.

A coleção da Lava Jato ficará sob custódia provisória do MON até o fim da investigação e o julgamento dos acusados de envolvimento no esquema de corrupção na Petrobras.

Ao todo, a PF apreendeu 16 obras de arte em poder da doleira Nelma Kodama, que foi presa na operação lava-jato com 200 mil euros na calcinha, no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo.

São obras valiosas e de artistas reconhecidos, como o modernista Di Cavalcanti. Há quadros de Cícero Dias, pintados na década de 1980, e até um Renoir. Mas a polícia acredita ser a cópia da obra “Duas Irmãs”, de 1881. O original pertence ao Art Institute of Chicago.

A suspeita é que a compra das obras tenha servido apenas para ocultar a origem do dinheiro.

Recentemente a Polícia Federal realizou vasta operação no combate a lavagem de dinheiro, organização criminal e evasão de divisas, além de sonegação fiscal. 

Na operação o  principal alvo é Dario Messer, filho do doleiro Mardko Messer. Ele era o responsável por dar lastro financeiro às operações dos amigos, abocanhando o a parte do leão.

O esquema movimentou US$ 1,6 bilhão (o equivalente a cerca de R$ 5,292 bilhões), segundo a dupla, e envolvia mais de 3 mil offshores em 52 países.

 Embora atuassem no Brasil, operavam o complexo sistema de dólar-cabo desde o Uruguai. Grande parte dos recursos em espécie eram movimentados pela transportadora de valores Transexpert.

A rede funcionava sob "operações dólar-cabo".

As operações dólar-cabo são uma forma de movimentar recursos de forma paralela, sem passar pelo sistema bancário.

Os investigadores detalham que usualmente, agentes públicos corruptos compram dólares no exterior de empresas que necessitam comprar reais em espécie no Brasil para corromper outros agentes públicos.

“Para que a operação funcione, é preciso uma extensa rede de contatos para casar as operações de compra e venda,

A organização  se utilizava de agências de turismo da família Messer no Rio de Janeiro. Eram tidos como os “doleiros dos doleiros”.

A metodologia traz vantagens para os doleiros que utilizam esse esquema, pois eles conseguem realizar as operações de seus clientes sem qualquer contato com o dinheiro em espécie ou custódia de valores, o que reduz consideravelmente os seus riscos

Messer dava respaldo às operações com seu nome e captava clientes.

Embora a Polícia Federal ainda não tenha localizado o doleiro Dario Messer, os objetos acautelados em sua cobertura no Leblon dão um panorama de como é a vida de luxo do empresário. Foram encontradas dezenas de obras de Di Cavalcanti, principal expoente do modernismo brasileiro. O pintor, inclusive, parecia ser próximo da família: em um dos quadros, consta uma dedicatória a Mordko Messer, pai do doleiro. A força-tarefa encontrou também centenas de joias, incluindo colares, braceletes, pingentes e anéis. Em meio ao luxo, até o lixo do empresário chama atenção: há uma caixa repleta de papéis triturados em seu escritório localizado de frente para as Ilhas Cagarras.

A arte parece agradável, mas é também um grande lugar para ricos estacionarem dinheiro.

O mercado é relativamente estável e é muito fácil evitar o pagamento de impostos sobre a arte.

“Quem recebe dinheiro ilegal adquire a obra de arte para não chamar atenção, pois poucos conhecem arte de verdade, ainda mais arte moderna. Uma obra de arte muitas vezes não carrega sinais exteriores de riqueza. A pessoa pode ter um monte de obras de arte em casa e ninguém percebe que ela é milionária ou bilionária, dependendo do valor das obras.” (Desembargador federal brasileiro Fausto Martin De Sanctis, que pesquisou o tema durante seis meses nos Estados Unidos). 

Para os estudiosos, o mercado de arte é especialmente interessante para quem deseja lavar dinheiro porque: É difícil avaliar o valor de uma obra, cujos preços podem variar amplamente de um momento a outro. Muitos dos acordos são feitos em segredo e o mercado é relativamente pouco regulado. Com frequência, colecionadores privados que colocam obras a leilão são mantidos anônimos. Casas de leilão internacionais aceitam pagamentos em dinheiro vivo. E exigem poucas informações.

Em entrevista concedida em 2015 à agência de notícias Deutsche Welle, De Sanctis afirmou que “quem vende não quer mostrar seu nome, não quer aparecer como vendedor, porque, na versão melhor desse fato, a pessoa que está vendendo uma obra de arte está indo para a bancarrota”.

Em 2013, um caso de lavagem surgiu quando uma pintura de Jean-Michel Basquiat, no valor de US $ 8 milhões, foi encontrada em uma caixa no Aeroporto Kennedy a caminho de Londres. A caixa passou pela alfândega com uma avaliação de US $ 100, embora continha a pintura de Basquiat, em 1982, Hannibal (mercadorias com valor inferior a US $ 200 não precisam ser declaradas na alfândega).

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No Brasil, já houve iniciativa por parte do Ministério da Cultura nessa matéria. 

Comerciantes e leiloeiros tiveram que se cadastrar até o dia 31 de dezembro de 2016 no Cadastro Nacional de Negociantes de Obras de Arte e comunicar todas as operações em dinheiro vivo acima de R$ 10 mil, além de manter um cadastro sobre quem compra obras a partir desse valor com qualquer método de pagamento. Esse é o conteúdo de uma portaria assinada por Kátia Bogéa, presidente do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) com o objetivo de coibir a lavagem de dinheiro através do mercado de arte.

Há, pois, na lavagem de dinheiro a prática de operações concatenadas de ocultação, dissimulação e integração, sendo que esta última constitui última etapa da lavagem, com o emprego dos bens, com aparência de legítimos, no sistema produtivo, por intermédio da criação, aquisição, dentro de negócios jurídicos que seriam chamados de lícitos. Isso revela as proporções do chamado crime organizado. Negócios como a compra de imóveis, barcos, investimentos em comércio de artes são hábeis para dissimular ganhos ilícitos com a criminalidade que envolve os crimes antecedentes.

Elas podem ser compradas diretamente com o proprietário ou em casas de leilões internacionais. Um aspecto importante desse setor é que ele é marcado pela confidencialidade, ou seja, quem vende não quer mostrar seu nome, não quer aparecer como vendedor, porque, na versão melhor desse fato, a pessoa que está vendendo uma obra de arte está indo para a bancarrota.

O Parlamento Europeu adotou uma nova diretriz anti-lavagem de dinheiro, informou a publicação especializada The Art Newspaper. Trata-se da quinta medida deste caráter com o intuito de reforçar a regulamentação do mercado de arte.

As novas regras têm como objetivo aumentar a transparência em torno de transações financeiras do mercado, exigindo que bancos e comerciantes verifiquem as identidades dos clientes e relatem comportamentos suspeitos.

A previsão é de que a regulamentação entre em vigor em 2019 e abranja transações a partir de 10 mil euros (aproximadamente 42 mil reais), independentemente do método de pagamento —a regra atual abarca apenas transações feitas em dinheiro.

Segundo a publicação, a Confederação Internacional dos Negociantes de Obras de Arte (Cinoa) teria pressionado contra a nova legislação, argumentando que ela impõe burocracias adicionais às pequenas empresas.

A principal queixa da Cinoa seria a de que o limite de 10 mil euros é muito baixo e que, com isso, muitas transações menores, que juntas ultrapassam o valor estipulado, serão afetadas. A confederação também teria questionado como seria feito o monitoramento de compras pela internet, quando a empresa não consegue verificar pessoalmente a identidade de um novo cliente.

Ao jornal, Anthony Browne, presidente da Federação Britânica do Mercado de Arte (BAMF), disse que a federação não se opõe às novas leis, mas que se preocupa em "trabalhar com o governo para minimizar o efeito administrativo sobre as pequenas empresas".

A regulamentação do setor tem sido reforçada desde que foram divulgadas as investigações internacionais conhecidas como Panamá Papers, sobre fraudes fiscais trazidas à tona após o vazamento de registros de um escritório de advocacia panamenho.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Anotações sobre a lavagem de dinheiro e mercado de arte. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5422, 6 mai. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/65920. Acesso em: 19 abr. 2024.

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