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A fiscalização do trabalho frente à flexibilização das normas trabalhistas

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13/04/2005 às 00:00
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6 - A NOVA DIMENSÃO DO CAMPO DE ATUAÇÃO DA INSPEÇÃO ESTATAL

O ciclo de alterações por que vêm passando as normas trabalhistas no Brasil, com perspectivas reais de novas modificações para promoção de sua flexibilização, coloca a fiscalização do trabalho, responsável pela inspeção estatal no âmbito das relações de trabalho, no cenário modelado pela ordem econômica vigente, que tem ditado a agenda política e desenhado o panorama social que ora se observa.

A globalização da economia trouxe implicações e aponta perspectivas que nos faz imaginar o fim do Estado Moderno, ante a evidência de um modelo de regulação social neofeudal, pois na medida que o Estado mostra-se incapaz de criar condições para atender as demandas sociais, disciplinar as relações econômicas e "de monopolizar um poder de coação jurídica efetiva ao nível internacional, são as empresas transnacionais que vão promulgando o quadro jurídico, em conformidade com seus interesses, a partir do qual dar-se-á a regulação social." [64]

Em que pese o cenário que a globalização vem projetando até então, não se pode tê-lo como amnéstico de que a República Federativa do Brasil constitui-se num Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos, entre outros, a dignidade da pessoa humana, a cidadania e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art.1º CF). E mais, nossa República Federativa está assentada em objetivos que dão sustentação à escolha do modelo de Estado Democrático de Direito. São eles: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Essa a fonte na qual a inspeção do trabalho deve ininterruptamente buscar suas energias para que possa atuar numa arena em que a cada dia o antagonismo dos interesses mostrar-se-á mais evidente, de modo que a ação fiscal seja desenvolvida na busca da preservação dos direitos que verdadeiramente se subsumam nos ditames constitucionais que corporificam a ordem do Estado Democrático de Direito.

Por essa orientação é que a aplicação do princípio protetor e o princípio da autonomia privada coletiva indicam a nova dimensão do campo de atuação da inspeção estatal nas relações de trabalho, pois, como já vem ocorrendo há algum tempo, a fiscalização do trabalho abandona a ação preponderantemente formal, de utilização de uma técnica pontuada num check list, para atuar com observância dos fatores substanciais das relações de trabalho em cada posto de labor nos estabelecimentos que são submetidos à Auditoria-Fiscal do Trabalho (denominação criada pela Medida Provisória 2.175, desde o ano de 1.999). Essa auditoria passa a ser realizada nas relações de trabalho e não apenas nas relações de emprego como ocorria até meados do ano de 1.999, o que possibilitou o Estado intervir em certas situações de natureza civil em que o trabalho esteja envolvido ( modificação também inserida pela mesma Medida Provisória).

Essa nova conformação das atribuições da Auditoria-Fiscal do Trabalho veio permitir que o Estado possa verdadeiramente cumprir sua obrigação de cunho constitucional, inserta no Inciso XXIV do artigo 21 da Constituição Federal, dando poderes para que o órgão encarregado desse mister maneje ferramentas adequadas a caracterizar o que a realidade atual do mundo do trabalho vem revelando, qual seja a diversificação da natureza das relações trabalhistas, muitas vezes com o desvirtuamento dos propósitos de cada instituto eleito pelas partes. Com isso, é possível o enfrentamento efetivo de questões que a realidade nos revela, como as que transcrevemos a seguir, que são apenas uma insignificante amostra de como é o mundo real da prática do trabalho. Escolhemos trechos de dois relatos, o primeiro atinente às cooperativas de trabalho, já transcrito no início deste trabalho, nestes termos:

Já são onze horas da noite. Desde às sete horas da manhã trabalhadores carregam e descarregam caminhões, empilhando caixas.Não ganham nenhum adicional por trabalharem por tantas horas, tampouco por já ser noite. Calçam chinelos, não usam luvas, seus pés e mãos ficam mercê da sorte no manuseio das cargas. Quando por acaso se machucam ou ficam doentes, impedidos de trabalhar por alguns dias,não recebem pagamento algum. Eles e suas famílias estão entregues à própria sorte. Não têm direito a vale-transporte, salário-família ou qualquer outro benefício. Ao final quando não são mais necessários, são descartados sem direito a nenhuma indenização ou aviso prévio e não podem amparar-se no seguro desemprego. Ainda neste outro: "......maus empresários têm montado cooperativas de trabalho,utilizando-se de intermediários, e substituindo seus trabalhadores, contratados, sujeitos dos direitos trabalhistas, por "cooperados", que são arregimentados sem que saibam sequer o que significa uma cooperativa. Não lhes é oferecida alternativa. Vão descobrindo aos poucos o que significa essa sua condição de "cooperado". Quando chega o natal, procuram saber do décimo terceiro. Não têm direito. Após um ano de trabalho, cansados, com a família ansiosa por compartilhar um período de férias, descobrem que as não terão. Pouco a pouco, ficam sabendo de sua real condição, descrita a mim por um cooperado: "Somos quase que escravos. [65]

O segundo caso são trechos de um escrito intitulado "Manual de Exploração do Escraviário", que é uma crítica ao tratamento do estagiário pela legislação brasileira. Vejamos:

A idéia e a pretensão de escrever este manual, surgiram a partir da minha vida cotidiana enquanto gerente e estudante de direito, também como escraviário (escravo + estagiário) do Curso de Administração de Empresas em um grande banco estatal. Vivenciei nesses longos anos, no ambiente de trabalho como gerente e estagiário (2 anos), os dois pólos da relação, Capital versus Trabalho. Na relação jurídica estágio, o predador anda em perfeita harmonia com sua presa.

Na verdade, confesso que a verdadeira vontade em escrever sobre esta temática, nasceu do choro e revolta de uma colega estagiária que após 15 dias do parto foi obrigada a retornar ao seu local de estágio, sob pena de rescisão do seu contrato. Seu medo e a necessidade do "emprego", a fizeram voltar ainda com cheiro de placenta.

Este escrito é o que seu título diz: um manual. Não é uma obra científica. É algo para se ter à mão.Ao escrevê-lo, pensei em compor um guia ao representante do Capital de como bem explorar a mão-de-obra do escraviário alienado, um instrumento que facilitasse a todos que se utilizam dessa espécie de trabalhador a melhor se localizar nesta fascinante aldeia global do capitalismo selvagem.

Não me preocupei no aprofundamento de discussões doutrinárias acerca do assunto, com questões filosóficas e ideológicas, mas com o real habitat do escraviário no mundo do trabalho.

Perceberá o leitor, que em face da minha formação em Administração e Direito, algumas argumentações foram buscadas desses ramos da ciência e que o estágio de estudantes se revela um verdadeiro círculo vicioso e silencioso entre o estudante/escola/empresa.

Nos corredores da Justiça do Trabalho e nas andanças observando o ambiente de trabalho de várias empresas e órgãos públicos, pude observar como testemunha viva, a exploração do estudante escraviário, um jovem bicho homem sem identidade de trabalhador pois nem é prestador de serviço regido pelo Código Civil (locação de serviço), tampouco uma espécie de empregado, protegido pela CLT. É uma figura híbrida, sui-generis, que navega entre o estudo e o trabalho.

O que se observa é que a grande maioria das unidades concedentes de estágio, estabeleceram um caldo de cultura de que o estagiário é um empregado ou servidor público, fugindo aos objetivos que é de ensino e aprendizagem na linha de formação do estudante, usando como instrumento e máscara de emprego, pois é economicamente mais viável, mesmo correndo riscos em manchar o nome da instituição quando de eventuais reclamatórias trabalhistas.

[...] Como o escraviário não é um trabalhador que está protegido pelas Leis Trabalhistas, não há nenhum impedimento legal para a jornada de estágio iniciar a partir das 22:00 h, isso para o estudante maior de 18 anos e desde que compatível com o seu horário escolar. O horário noturno onde os empregados aceitam trabalhar mesmo desmotivados e o custo de produção aumenta pelo pagamento dos adicionais noturnos previstos na legislação. (sic).

[...] O livre jogo das forças do mercado e a redução da presença do Estado na Economia, a busca insana do lucro com maior eficiência, tudo isso somado à ausência de políticas de proteção em favor dos setores mais pobres, aliado também à revolução tecnológica, prenunciando uma sociedade pós-industrial na qual a tecnologia elimina mais emprego do que cria, está levando à formação de uma classe marginalizada econômica e socialmente. A atual onda tecnológica e o fenômeno da globalização, estão destruindo em curto espaço de tempo milhões de emprego, surgindo novos postos de trabalho em novos ramos da economia.

Esse novo mercado tem desfigurado o trabalhador típico, ou seja, o empregado, exigindo ‘colaboradores’ com alto grau de informação e instrução, caracterizando um trabalho autônomo, temporário, não registrado e jornada de meio período, sem qualquer preocupação com o bem-estar do trabalhador, isto é, o que o mercado globalizado quer e precisa é de mão-de-obra barata, na busca incessante da eficiência a qualquer custo.

Nesse contexto de menor custo, é que se insere a figura do estagiário brasileiro. Há muito já se percebe uma corrida de parte de substituição da mão-de-obra permanente por estagiários, vez que não há encargos trabalhistas nesta modalidade de prestação de serviço, tampouco, necessidade de retribuição, pois aos olhos do legislador brasileiro, não é uma relação de trabalho, apenas educacional que gentilmente, as empresas e órgãos públicos oferecem sua estrutura e sua cultura, ao treinamento e formação do estudante sob supervisão escolar., além da flexibilidade em rescindir o contrato do estudante sem direito a aviso prévio e indenização.

[...] Finalmente, toda essa exclusão social dos Direitos Sociais Constitucionais do Trabalho relativamente à figura do trabalhador Estagiário, fere nossa Carta Magna em seus fundamentos de valorização do trabalho, com o intuito de garantir uma vida digna, assegurando os direitos sociais, promover o bem de todos sem qualquer forma de discriminação, erradicar a marginalização social, reduzir as desigualdades e construir uma sociedade LIVRE, JUSTA E SOLIDÁRIA. (sic). [66]

Esses simples exemplos, extraídos da realidade brasileira, demonstram que o Estado precisa estar presente e de fato atuar para que a dignidade da pessoa humana não seja suplantada por interesses econômicos, sob pena de concretização de um modelo de regulação social neofeudal. Nesse sentido, em cada situação de enfrentamento de princípios constitucionais, a ponderação de interesses servirá como técnica nessa nova dimensão do campo de atuação da inspeção estatal. E essa técnica pode ser aplicada tanto nas situações novas, que se verifique caso eventualmente seja inserido no ordenamento jurídico brasileiro o princípio da supremacia do negociado sobre o legislado, a exemplo do adormecido projeto de Lei nº 5.483/01, quanto nas situações advindas da flexibilização promovida pela série de normas já concretizadas, das quais falamos no capítulo 3 deste trabalho.

Atentos a essa realidade, para bem caracterizar eventuais desvirtuamentos no cumprimento da legislação trabalhista a Auditoria-Fiscal do trabalho precisa estar ancorada em métodos eficazes, com vistas a produzir bem as provas e nunca simplesmente "arrancar as provas", pois assim como no passado o uso da maconha e da cocaína pela classe de melhor poder aquisitivo era tido como "vício social elegante", hoje, sob uma cosmovisão econômica, a utilização desvirtuada de certas formas de trabalho, como Cooperativas de Trabalho, Estagiários e Trabalho Temporário, que vise sobretudo a redução de custos para alcançar a maior competitividade possível, é vista por muitos e importantes seguimentos da sociedade como "ação social elegante", que não raramente conta com simpatia dentro das próprias instituições públicas que têm como atribuição fazer valer os direitos gravados pela Constituição. Para que tenham êxito as ações fiscais que busquem combater práticas abusivas contra os direitos trabalhistas, de forma que se sustentem no âmbito administrativo e judicial, é indispensável que os atos sejam praticados com absoluto respeito às regras do nosso Estado Constitucional.

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Com efeito, relatórios devem ser produzidos com indiscutível clareza e certeza do fato que objetivar combater, face a necessidade de subsidiar eventuais ações do Ministério Público e, em especial, não deixar dúvidas perante órgãos julgadores, tanto administrativo quanto judicial, pois, com o pesado poder bélico do capital internacional, interessado em ditar as regras que permitam a multiplicação do seu lucro no menor tempo possível, será buscada em todas as esferas a manutenção das práticas trabalhistas que permitam a continuação do desvirtuamento. Pareceres de juristas de envergadura internacional já são encomendados e renomados escritórios de advocacia são contratados para defesa desses interesses. Isto obriga a que o Estado atue com responsabilidade e qualidade, atento não só ao interesse individual do trabalhador, mas também respeitando os limites da autonomia privada, pois o norte é a dignidade da pessoa humana e certamente que em muitas relações de natureza civil na área laboral estarão em sintonia com essa ordem. O que é preciso combater nas relações trabalhistas são as "ações sociais elegantes" que possam produzir o mesmo resultado produzido pelos "vícios sociais elegantes" do passado.

Projeta-se neste contexto, uma necessidade de que os agentes encarregados da auditoria-fiscal do trabalho tenham uma razoável formação acadêmica para um bom desempenho da missão. Essa qualidade pode ser compreendida quando se analisa o nível das provas para preenchimento dos cargos de Auditor-Fiscal do Trabalho nos últimos concursos. Além do Direito do Trabalho especificamente, o Direito Administrativo, Constitucional, Comercial, Civil, Penal e Tributário também são cobrados, bem como língua portuguesa e uma língua estrangeira, economia do trabalho e sociologia do trabalho.

Isto, aliado a outras estratégias de reciclagem periódica dos Auditores-Fiscais, possibilita a formação de uma estrutura qualitativa de pessoal para enfrentamento da realidade atual no mundo do Trabalho. Nesse sentido o "Programa de Transformação do MTE: o novo perfil da fiscalização do trabalho" implantado no ano de 2001.

Com o mesmo propósito, ou seja, criar alternativas para uma atuação mais efetiva da inspeção estatal, em 09.12.99, pela Medida Provisória nº 1.952-18, o Presidente da República promoveu a inserção do art. 627-A na CLT. Essa providência legislativa foi adotada para dar sustentação ao cumprimento ao referido "Programa de Transformação do MTE", que contempla a construção de um "Novo Perfil da Fiscalização do Trabalho", cujo ponto central é o estabelecimento de modos de procedimentos ancorados em novos instrumentos que possibilitem, com maior êxito, o combate às infrações e o correto cumprimento da legislação trabalhista.

Com efeito, o art. 627-A da Consolidação das Leis do Trabalho veio permitir que o Auditor-Fiscal do Trabalho promova a ação fiscal mediante a instauração de "Mesas de Entendimento", objetivando a orientação sobre o cumprimento das leis de proteção ao trabalho, bem como a prevenção e o saneamento de infrações à legislação mediante Termo de Compromisso firmado pelo empregador infrator, que se livrará da autuação prescrita no art. 628 da CLT mediante o cumprimento do compromisso firmado.

Essa alteração na legislação provocou a reação de alguns profissionais que militam na área do Direito do Trabalho, sob a alegação de que o Estado estaria abrindo mão do seu poder de polícia. Contudo, não é essa a conclusão mais adequada ao caso, dado que essa alteração apenas trouxe a possibilidade da utilização do poder discricionário do Auditor-Fiscal em face de determinadas circunstâncias observadas nas ações de fiscalização. "O poder de polícia é inerente e indissociável da função fiscalizadora, somente podendo ser suprimido em virtude de lei. É o que garante aos agentes do Estado o acesso às instalações, documentos e informações da empresa e, em especial, dota-os do poder de sanção". [67]

Nesse norte, passa a ter a Inspeção do Trabalho mais uma alternativa para o desempenho de sua missão constitucional, que é a de zelar pelo cumprimento da legislação de proteção ao trabalhador, podendo lançar mão de um instrumento que possa possibilitar o êxito da missão. Para tanto, o Auditor-Fiscal do Trabalho precisa estar preparado, também, para o exercício da função de mediação, eis que a alternativa da "mesa de entendimento" implica a negociação em busca de resultados que melhor atendam ao cumprimento da legislação trabalhista, onde ganha o trabalhador com a real proteção de seus direitos e ganha o empregador com a desoneração da autuação e com a orientação recebida.

Além dessa estruturação qualitativa indicadora da nova dimensão do campo de atuação da Auditoria-Fiscal do Trabalho, há que se destacar a intensificação das demandas por ações fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego, decorrente especificamente dos efeitos da precarização do trabalho. Como no âmbito da justiça do trabalho, as reclamações de trabalhadores perante as Delegacias Regionais do Trabalho, diretamente ou por seus representantes sindicais, cresceram significativamente, provando que a flexibilização das normas trabalhistas procedidas ao longo dos últimos trinta e cinco anos, mais precisamente a partir da criação do FGTS, como nos exemplos que elencamos no capítulo 3 deste trabalho, só fez alargar o campo de atuação da inspeção estatal.

E essa é a tendência com a intensificação da flexibilização, em que se propugna a prevalência das negociações coletivas, dadas as premissas que impedem uma atuação sindical efetiva e que garanta o cumprimento de direitos trabalhistas, como as relacionadas ao modelo sindical brasileiro e à proteção contra atos anti-sindicais demonstradas no capítulo 4 (A Inspeção Social Ante a Flexibilização). Se por um lado o Estado procura flexibilizar mais e regulamentar menos as relações de trabalho, por outro, é chamado cada vez mais a declarar e fazer cumprir direitos.

É também nesse compasso quantitativo que fica alargado o campo de atuação da inspeção do trabalho. Se é nobre que o Estado flexibilize mais e regulamente menos, e aqui o propósito deste trabalho não é discutir essa viabilidade sob qualquer aspecto e sim os limites do campo de fiscalização, indiscutivelmente nobre é o Estado atuar para garantia dos direitos fundamentais dos trabalhadores. Essa obrigação de fiscalização está ligada a atuação positiva do Estado frente aos valores sublinhados pelos princípios constitucionais.

6.1 - A Nova Dimensão do Campo de Atuação da Inspeção Estatal e a Integração Econômica

A nova dimensão do campo de atuação da inspeção estatal pode também ser medida pelas perspectivas geradas pela globalização e pela flexibilização das normas trabalhistas. São novas funções que a fiscalização do trabalho tem que assumir por força de uma realidade irreversível, tendo o Estado que reorientar sua função de controle, mediante estabelecimento de estratégias que possam alcançar a significativa parcela de trabalhadores que estão à margem do setor formal, bem como promover medidas de combate a certas práticas trabalhistas que atendam às prescrições indicadas nos processos de integração econômica ou comercial.

Essas prescrições forçosamente levarão os países integrantes a responderem positivamente na busca de garantias mínimas para os trabalhadores, influenciando para um alargamento das atividades da inspeção do trabalho na medida que cada Administração do Trabalho buscar efetivamente atuar em questões fundamentais, como "liberdade de associação e de negociação, proibição de trabalho forçado e de alto risco para a saúde e a vida, combate á discriminação, erradicação do trabalho infantil e migração de trabalhadores". [68]

A Organização Internacional do Trabalho - OIT, em um estudo no final do século XX prescreveu as mudanças que ocorreriam nos Ministérios do Trabalho no século XXI. Entre as considerações feitas consta que os Ministérios do Trabalho que tradicionalmente atenderam e regularam os mercados de trabalho organizados e atenderam às associações mais organizadas (sindicatos e organizações de empregadores), devem enfrentar um duplo desafio.

Por um lado, existe a necessidade de introduzir uma série de reformas para adaptar a ação relacionada com os âmbitos laborais, tradicionalmente atendidos pelos ministérios, o que implicará redefinir suas formas de intervenção, abandonar algumas funções e assumir outras novas. Por outro, surge como demanda importante a atenção a grupos de trabalhadores não incorporados aos setores modernos, principalmente os informais e os desempregados. Esta dimensão adicional, além de necessária pode contribuir a legitimar socialmente a ação dos Ministérios do Trabalho vinculados às políticas sociais do governo. [69]

Outro sinal da nova dimensão do campo de atuação da inspeção do trabalho, sob a ótica internacional, ainda não adotada pelo Brasil, mas viável ante a pauta da integração econômica, são os "Modelos Emergentes para a Inspeção do Trabalho", também de orientação da OIT. Esses "modelos" são concebidos como técnicas de auditoria para atuação da inspeção na fase de prevenção de riscos à saúde dos trabalhadores, conforme descrevem os Auditores-Fiscais do Trabalho GUEIROS JÚNIOR e LOPES, que em monografia sintetizam o que seriam esses modelos emergentes embasados em novas técnicas de auditoria. Vejamos:

- experiências de ‘self inspection’, em que as empresas solicitam a Inspeção do Trabalho com o objetivo de estabelecer riscos e controle de riscos aceitáveis, numa parceria entre a Inspeção eo Staff de gestão; essa estratégia tem sido utilizada por grandes empresas e pressupõe uma cultura de segurança em nível elevado; a Inspeção do Trabalho vai praticamente desenvolver um trabalho de Auditoria, mas esse sistema não implica ainda na emissão de Certificação;

- Programas de Gerenciamento de Riscos por Objetivos, em que a Inspeção do Trabalho participa em um programa conjunto articulando as ações para a qualidade e segurança, desenvolvendo uma abordagem focal, por uma seleção de agentes de riscos e sistemas de controle prioritários; nesse caso, a empresa pode solicitar uma Certificação Voluntária, quando a empresa deseja obter um reconhecimento e acreditação sobre os seus progressos; em outros modelos, é utilizada uma pontuação para estabelecer-se estudos comparativos com empresas de atividade semelhante e assim se avaliar a gestão de riscos de uma atividade industrial específica em determinada área ou região;

- Avaliação de Performance, que, segundo a OIT, vem se constituindo a ênfase principal dos programas de prevenção sob o contexto de uma moderna Inspeção do Trabalho; neste caso, há uma pontuação envolvendo inclusive escores sobre os riscos que afetam também a comunidade fora da empresa; no caso de uma pontuação negativa, a empresa é submetida a inspeções preventivas;

- Programa de Proteção Voluntária, em que a empresa solicita a colaboração da Inspeção do Trabalho para um programa em que os sistemas de gestão e as normas regulamentadoras são confrontadas para uma aferição; em caso de eficiência no cumprimento das normas, a Autoridade da Inspeção do Trabalho emite uma Certificação em que reconhece-se (sic) publicamente a eficiência dos sistemas de gestão de riscos naquela empresa; de acordo com a Certificação a empresa pode ser retirada da lista de prioridades da Inspeção do Trabalho. [70]

Sobressai, do conjunto de questões observadas neste trabalho, que a flexibilização das normas trabalhistas e a mundialização da economia vieram e continuarão traçando os novos contornos do campo de atuação da Auditoria-Fiscal do Trabalho no Brasil. Vê-se que a dimensão atual está assentada em dois aspectos principais, um quantitativo e outro qualitativo. O quantitativo decorrente do crescimento de reclamações de trabalhadores e de sindicatos de trabalhadores para que a fiscalização atue para fazer cumprir direitos trabalhistas que os Empregadores deixam de cumprir, cuja demanda aumentou ano a ano não obstante a flexibilização das normas, bem como das novas atividades encampadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego na atuação estratégica, inclusive nas atividades informais, na promoção de ações afirmativas, de combate à discriminação no trabalho, ao trabalho infantil e ao trabalho forçado, já que são questões que afetam a imagem do Estado junto à comunidade internacional.

Quanto ao aspecto qualitativo, salta da necessidade de atuação efetiva dos Auditores-Fiscais do Trabalho, de modo a sustentar seus relatórios e autuações com base em informações seguras, colhidas com observância às regras do Estado Democrático de Direito, dado que terá pela frente o enfrentamento do capital internacional, sem limites para custeio de despesas com defesas que possam garantir-lhe a livre manipulação das formas de trabalho previstas na legislação brasileira, como o estágio de estudantes, o trabalho temporário e de cooperativa, trabalho por tempo determinado e banco de horas, entre outros. Pode surgir disto uma colisão de princípios que guardam os interesses correspondentes, implicando adoção de critérios pela inspeção do trabalho que sirvam validamente para solução do impasse, tal como a técnica da ponderação de interesse.

Também nesse contexto de qualidade são colocadas as ações estratégicas para alcance das classes que precisam da proteção do Estado para serem resgatadas, quais sejam o combate ao trabalho infantil, à discriminação no trabalho e ao trabalho forçado, além da penetração no seio da informalidade para cumprimento de metas públicas de redução de acidentes do trabalho, vez que o vulto dessas demandas exigem planejamento estratégico e dentro de uma realidade conjuntural, pois são questões não solúvel apenas por número de fiscalizações mas acima de tudo pela qualidade das ações afirmativas, cujo propósito é de buscar uma imagem satisfatória para o país no âmbito internacional que lhe possibilite colher dividendos comerciais.

Ainda sob a dimensão qualitativa é inserida a atividade de mediação em negociação coletiva e em mesa de entendimento, esta prevista no artigo 627-A, recém inserido na CLT, já que o êxito das mediações está diretamente vinculado às habilidades dos mediadores, os quais devem estar preparados para o enfrentamento de interesses que contrariam as prescrições normativas, e, também, para o reconhecimento das possibilidades de prevalência da autonomia privada, ponderando para que a dignidade no trabalho seja alcançada não só pela dimensão individual mas também coletiva. Esse resultado é alcançado em razão da qualidade das ações e não da quantidade delas, apenas.

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Sobre o autor
José Manoel Machado

bacharel em Direito e Administração de Empresas, auditor-fiscal do Trabalho no Espírito Santo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACHADO, José Manoel. A fiscalização do trabalho frente à flexibilização das normas trabalhistas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 644, 13 abr. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6599. Acesso em: 20 nov. 2024.

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