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Igreja - sociedade política:

a importância, o poder e a manifestação do aspecto político e jurídico

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PARTE III

A MANIFESTAÇÃO DO ASPECTO JURÍDICO-POLÍTICO DA IGREJA

1. A Igreja nas Constituições Brasileiras

          1.1. A Igreja na Constituição de 1824

          1.1.1. A união entre o Estado e a Igreja

Não podemos estudar a história nacional separando a vida brasileira da Igreja. Como diz Padre Manoel Barbosa:

          Nascemos sob as bençãos da Igreja, iniciamos a colonização com o seu auxílio extraordinário, contamos nos primeiros reveses com o seu incomparável socorro, obtivemos com seu decidido apoio as maiores vitórias, e conseguimos com as suas luzes a civilização de que já nos podemos ufanar. (69)

Nesta época, anterior a independência, a Igreja predominante era a Católica. O Brasil era tão católico que a Constituição Política de 1824, o Pacto Fundamental do Império, não fez senão reconhecer esse fato, prescrevendo no artigo 5o: "A religião católica, apostólica, romana, continuará a ser a religião do Império".

Fundado, então o Império com a proclamação da independência a 7 de setembro de 1822, seguiram seus governantes rumo bem diverso do que se observara no período colonial. Este período, anterior à independência, foi moldado pelos sentimentos religiosos. As normas jurídicas em sua quase totalidade eram religiosas.

O início da independência política assinalou o início de uma grande restrição da liberdade para a Igreja, que dia a dia se acentuou e posteriormente alcançou o auge no último quartel do século XIX, quando o Catolicismo, de religião oficial, se tornou uma vítima sob as regalias.

No Império, deu-se início entre o poder civil e o poder eclesiástico uma perfeita antítese. Enquanto este procurava firmar-se sobre os alicerces da legislação canônica, aquele tudo fazia para arrancá-lo de tão sólida base, procurando seduzi-lo, enfraquecê-lo, dominá-lo, escravizá-lo" (70).

O governo imperial tentava então "atar as mãos" da Igreja. Isto pode ser confirmado por Júlio Maria quando diz que o regalismo invadiu tudo, apoderou-se de tudo, de tudo serviu-se, leis, códigos, ministérios, câmaras, assembléias para manietar a Igreja (71).

Logo, nota-se que o Império surgiu apoiado nas escravidões da Igreja e da raça negra e desmoronou quando se tornara impossível mantê-las sob o mesmo jugo e com o mais absoluto predomínio, ou seja, enquanto se manteve o governo imperial em concordância com a Igreja, o Império caminhava perfeitamente. No entanto, quando o governo sobrepôs-se à Igreja, tentando manietar-lhe, o Império ruiu em suas bases e desmoronou.

          1.1.2. A liberdade religiosa no Império

A Constituição do Império, outorgada por D. Pedro I a 25 de março de 1824 firmou em seu artigo 5o o princípio constitucional da Religião do Estado e institucionalizou como sendo a religião oficial do Império, como já citado, a Católica, apostólica, romana. Assim o culto católico interno como externo constituiu um dos direitos fundamentais dos brasileiros (72).

A religião Católica, e consequentemente a Igreja Católica ficam assim protegidas constitucionalmente. Porém, não era somente a religião Católica a permitida no Império, pois a fé, o amor, a adoração espiritual, é uma relação imediata do homem para com Deus; é um ato privativo de sua consciência. Esta liberdade é um dos mais invioláveis da humanidade ao qual nenhum poder político tem acesso (73).

Percebe-se, então, que o culto interno, seguindo outras religiões é permitido. Quando porém o culto passa a ser externo, manifestando o indivíduo publicamente seu pensamento, sua crença, pelo ensino ou prédica, pelas cerimônias, ritos ou preces em comum (74), objetivando formar uma Igreja de outra religião, que não a católica, tem lugar a intervenção do legítimo poder social em defesa da ordem pública e dos bons costumes. Esse poder social impõe que aquelas pessoas que pretendem seguir outras religiões devem respeitar a do Estado e não ofender a moral pública, crime esse tipificado no Código Penal da época.

Com relação ainda à formação de uma Igreja de outra religião, dizia o artigo 5o, alínea b: "Todas as outras religiões serão permitidas com seu culto doméstico ou particular, em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior de templo;"; a partir da interpretação desta alínea, nota-se que o culto de outras religiões era permitido, porém de forma discreta, sem divulgação exterior, podendo o local de sua realização ser decorado internamente do modo como quiserem os seus seguidores.

          1.1.3. O poder da Igreja no Estado

Tratado até o momento da liberdade religiosa no Império, mostraremos agora um pouco sobre o poder eclesiástico no aspecto jurídico.

As autoridades eclesiásticas tinham o poder de emitir constituições eclesiásticas, decretos dos concílios e letras apostólicas, porém esse poder era muito limitado, pois para que esses atos das autoridades eclesiásticas pudessem vigorar ao menos no foro externo, dependiam da aprovação do Poder Executivo ou, em determinados casos da Assembléia Legislativa.

Esta aprovação ou, logicamente, negação dos atos eclesiásticos era conhecida como beneplácito régio, o qual era previsto na Constituição em seu artigo 102, §14 que dizia: "Compete ao Poder Executivo conceder o negar beneplácito aos decretos dos concílios e letras apostólicas e quaisquer outras constituições eclesiásticas que não se opuserem a Constituição, precedendo a aprovação da Assembléia, se contiverem disposição geral".

O beneplácito é uma figura tipicamente regalista que supõe a necessidade de assentimento estatal para que possam vigorar, ao menos no foro externo, os atos da autoridade eclesiástica.

Os atos das autoridades eclesiásticas não poderiam de forma alguma conter disposições contrárias à Constituição do Império, e ainda assim poderiam obter beneplácito negativo.

Quando esses documentos possuíam disposições particulares, por exemplo com relação a uma Igreja, eram submetidos tão-somente ao beneplácito do Poder Executivo. Porém, quando traziam disposição geral, isto é, quando determinam princípios, normas o decisões que devem vigorar em toda Igreja universal, o beneplácito é reservado à Assembléia-Geral Legislativa.

Essa aprovação prévia, segundo José Antônio Pimenta Bueno, é indispensável, pois na respectiva constituição, bula ou decisão pode porventura o legislador eclesiástico incluir algum princípio nocivo ao Estado. (75)

Julga-se, então, pelo lado do Estado que o beneplácito era necessário e correto, no entanto, os bispos brasileiros não concordavam com isso e como diz Magalhães de Azevedo, essa questão "é o cárcere de ouro", causa e origem de tantas angustias para a Igreja e o Estado.

Outra manifestação do poder eclesiástico no aspecto jurídico, e de importância para o nosso estudo, era a manifestação dos Tribunais eclesiásticos.

Enquanto esse tribunais exerciam suas funções corretamente, principalmente sem cometer abusos de autoridade, suas decisões eram normalmente respeitadas, assim como as decisões dos tribunais civis. Porém, existia o chamado recurso à Coroa ou no dizer dos regalistas os chamados "recursos de forças" que consistiam numa apelação contra o abuso ou improcedência dos tribunais eclesiásticos (76).

Quando, portanto, os tribunais abusavam do poder, ou então faziam uso ilegítimo da jurisdição eclesiástica cabia tanto ao ofendido, eclesiástico ou secular, como ex officio pelo procurador da Coroa invocar o recurso à mesma, para que um juiz civil corrigisse as sentenças eclesiásticas.

Tanto o recurso à Coroa como o beneplácito régio, são considerados medidas regalistas, isto é, medidas tomadas pelo Governo Imperial para poder intrometer-se através do poder civil nos negócios eclesiásticos.

          1.1.4. O casamento

O casamento, na época do Imperio, criava uma relação de interdependência entre a Igreja e o Estado, onde para a primeira o matrimônio correspondia a um sacramento e para o segundo, a um contrato.

          Por ser o contrato válido um sacramento, compete à Igreja, ´ipso jure´, a regulamentação do próprio contrato. A Igreja, por sua vez, ensina que, por estar o matrimônio, célula primária da sociedade, ligado à conservação e à propagação da espécie humana, o Estado tem a respeito sua própria competência. Implícita ou explicitamente reconhece as seguintes faculdades à autoridade civil: a) a promulgação de um direito matrimonial positivo para os não-cristãos, contanto que não seja contrário aos princípios do Direito Natural; b) a regulamentação dos efeitos meramente civis, patrimoniais, administrativos e honoríficos. (77)

Embora existissem essas atribuições ao Estado, o casamento era quase que totalmente regido pelo direito canônico, o que causava uma posição incerta e desagradável àqueles que não eram católicos, pois estava o País ainda ligado à antiga e intolerante legislação portuguesa que exigia como prova de estado civil a certidão do pároco católico.

Sendo permitidas outras religiões no Império, deverm ser recebidos como fatos legítimos e irrecusáveis os casamentos realizados segundo elas.

Era então necessário o casamento civil. Por isso, em abril de 1855, foi esboçado o primeiro projeto de lei sobre o casamento civil. Não se tratava, porém, de casamento de pessoas sem religião ou de outras religiões, mas somente de católicos com protestantes ou de protestantes entre si, relata Nabuco (78).

Neste meio tempo, continuava no Império a Legislação canônica, existindo apenas o casamento religioso capaz de produzir efeitos civis. O casamento civil como lei geral será introduzido somente na República.

Nota-se, a partir do que foi relatado, que com relação ao casamento, a Igreja suprimia a falta de legislação por parte do Estado Imperial.

Estas são, portanto, as principais manifestações do apecto jurídico da Igreja na sociedade do Império, onde, por determinação constitucional, era predominante a Católica.

          1.2. A Igreja na Constituição de 1891

Em 15 de novembro de 1889, o General Deodoro de Fonseca proclamou a República e tornou-se seu chefe de Governo.

          1.2.1. A separação da Igreja do Estado

Temendo a separação da Igreja do Estado, o arcebispo da Bahia, Dom Luís Antônio dos Santos, em uma carta ao novo chefe de Governo, em carater confidencial, expressou seus temores sobre a publicação dos decretos da separação da Igreja do Estado e do casamento civil.

Pelo exposto, percebe-se que a Igreja, embora fosse escrava do regime protecionista do Império, não estava preparada à mudança de regime e sobretudo não desejava a separação do Estado: independência, sim; separação, não.

Durante todo o Império, o Brasil tinha vivido num regime de comunhão com a Igreja, com uma legislação copiosa que regulava as relações do Estado e da Igreja e os recursos à Coroa.

Em vista disso, era necessário que o Governo Republicano levasse em conta esta situação, evitando melindrar tanto o Clero como a quase totalidade da população que era católica.

Buscando conciliar relações e interesses antagônicos da Igreja e do Estado, surgiu afinal o famoso decreto de separação da Igreja do Estado, Decreto no 119-A, de 7 de janeiro de 1980. Não podemos negar que esse decreto foi o mais importante sancionado pelo Governo Provisório e encerra as mais delicadas questões da vida brasileira. É um documento sereno, discreto e preciso. Não contém excessos nem esconde ódios. (79)

O Episcopado brasileiro, perante o decreto de separação, se pronuncia através de Dom Almeida Lustosa, que demonstra sua opinião com relação ao mesmo. Dom Almeida diz:

ver nossa Igreja, que tem acompanhado toda a evolução de nossa história, que tem tomado sempre parte em todos os grandes acontecimentos nacionais, confundida de repente e posta na mesma linha com algumas seitas heterodoxas que o aluvião recente da imigração tem trazido às nossas plagas... (80).

Vê-se que Dom Almeida lamenta que tenha havido um certo rebaixamento da Igreja Católica perante os olhos desta, pois antes ela era equiparada ao Estado, em se falando de seu poder, agora é comparada à outras religiões menos conhecidas, tornando-as assim de igual valor.

No entanto diz Dornas, também influente na Igreja Católica: Se nele há cláusulas que podem facilmente abrir a porta a restrições odiosas dessa liberdade, cumpre reconhecer que, como está redigido, o decreto assegura a Igreja Católica do Brasil certa soma de liberdades como ela nunca logrou no tempo da monarquia... (81).

Perante essas palavras, nota-se que o Episcopado, embora lamentando o certo rebaixamento surgido por força do decreto, se consola com a soma de liberdades que antes não lhe eram conferidas.

Por estas palavras de Dornas e de Dom Almeida, o Episcopado reconhece o valor do decreto e admite a separação.

          1.2.2. A liberdade religiosa no decreto 119-a

A Liberdade Religiosa existente no Decreto 119-A diz respeito às liberdades concedidas a partir de então à Igreja Católica e não a todas as religiões, sendo que esta quem faz é a Constituição.

As liberdades concedidas à Igreja Católica, resumidamente, dizem respeito em quase sua totalidade ao fim da influência do Governo na Igreja, não podendo mais aquele influenciar em nada nesta. Esta liberdade, então, significa a libertação da Igreja do Estado.

          1.2.3. A liberdade religiosa na Constituição de 1891

Falando agora da liberdade religiosa referente a todas as religiões, ou seja, a liberdade contida na Constituição, podemos dizer que a primeira Constituição Republicana, que foi promulgada a 24 de fevereiro de 1891 por uma Assembléia Constituinte convocada pelo Governo Provisório, instituído após a proclamação da República e que foi elaborada com base em projeto governamental, no qual Rui Barbosa se destacou como um dos principais, senão o principal e o mais perfeito artífice, aumentou em partes a mesma, principalmente em relação às outras religiões, que não a Católica.

Vê-se que a Constituição de 1891 trata todos os cultos religiosos, inclusive o católico, de modo igual, permitindo a todos a liberdade de culto interno e externo, e além disso, o Estado assume a função de protetor desses cultos no dizer de Barbalho:

          É fora de dúvida, todavia, que na sua tarefa de garantir direito em todas as suas relações, o poder público deve assegurar aos membros da comunhão política, que ele preside a livre prática do culto de cada um e impedir quaisquer embaraços que os dificultem ou impeçam, procedendo nisso de modo igual para com todas as crenças e confissões religiosas (82).

Nota-se claramente que a Constituição de 1891 amplia a de 1824, pois não proíbe a construção de templos de outras religiões, o que antes somente era permitido à Igreja Católica. Isso levará a formação de novas igrejas que virão a possuir seus templos, igualando-se à Católica no aspecto jurídico.

Conclui-se a partir disto que:

          em nome de princípio algum, pode a autoridade pública impor ou proibir crenças e práticas relativas a este objeto, seria violentar a liberdade espiritual. Pertence ao Estado protegê-la como as demais liberdades. Nenhuma lei poderá, jamais invadir o domínio do pensamento; este libra-se acima de todos os obstáculos com que se pretenda tolhê-lo. (83)

No entanto, embora a Constituição não acrescente ao livre exercício dos cultos a condição de certos limites, todavia, outro não pode ter sido o pensamento do legislador. Subentende-se, portanto, que a liberdade garantida pela lei é aquela que não prejudica e não se opõe à moral ou aos bons costumes reconhecidos e aceitos pelos povos civilizados. (84)

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          1.2.4. A personalidade jurídica da Igreja

Com o Decreto 119-A de 1890, um ano após a instauração da República, o Estado se separa da Igreja. Mais um ano adiante, é promulgada a primeira Constituição Republicana, que viera conceder maiores liberdades no que diz respeito à religião, permitindo, inclusive, a instauração de templos de outras confissões.

Diante do que foi dito no parágrafo anterior, pode-se dizer que a Igreja Católica se tornou independente do Estado e, portanto, a dominação jurídica que este exercia sobre aquela através do beneplácito régio e do recurso à Coroa foi abolido pela nova Constituição.

Assim, a República adotou o princípio da igreja livre em Estado livre, e com isto, a Igreja Católica passa a ter uma caracterização e influência jurídica na sociedade que é também obtida por todas as outras igrejas, não importando o culto que as originam. Portanto, a Igreja Católica não exerce mais a função jurídica que exercia antes e como diz José Scampini, riscou-se de um só lance pelo artigo 72, § 3o, todo o passado jurídico de mais de cinco séculos. De extremo ao outro extremo. (85)

Pelo artigo 72 da Carta Maior todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer pública e livremente o seu culto, associando-se para esse fim e adquirindo bens, observadas as disposições do direito comum. Nota-se, portanto, que os diversos cultos poderiam fundar suas igrejas e até adquirir bens observando apenas as disposições do direito comum. Aqui, percebe-se que o Estado nada mais influencia na igreja, porém, impõe-lhe regras, assim como ela, diferentemente de períodos anteriores, também não influencia mais no Estado.

A partir do momento em que existem associações religiosas, estas devem possuir personalidade jurídica, pois, no direito constitucional brasileiro, desde que se procedeu a separação entre a Igreja Católica e o Estado, a Santa Sé é pessoa de direito internacional e as associações religiosas, simples pessoas jurídicas de direito privado (86). Aqui é possível fazer um paralelo com o artigo 72 da Carta Política vigente na época. Este artigo dizia que as associações religiosas deveriam respeitar o direito comum, e de acordo com o dito acima, isto é, essas associações serem pessoas jurídicas de direito privado, nada mais correto do que elas respeitarem o direito comum a todas as associações de direito privado. No entanto, a restrição feita não fica bem colocada, pois outras associações podem dispor de seus bens, e as religiosas, não.

          1.2.5. O casamento

Como visto anteriormente, no período do Império chegou-se a conclusão de que era necessário o casamento civil. Este foi criado no Brasil, somente em 1890, já na República, pelo Decreto n o 181, de 24 de janeiro de 1890.

Posteriormente, em 1891, a Constituição recém aprovada reza em seu artigo 72, § 4o: "A República só reconhece o casamento civil, cuja celebração será gratuita". Deste parágrafo conclui-se que o casamento que tem agora validade civil é somente o casamento civil, que é totalmente regulado pelo Estado, ficando o casamento religioso somente válido perante a igreja e perante Deus, sem nenhuma conseqüência civil.

Portanto, percebe-se aqui mais um aspecto relevante com relação à separação da Igreja do Estado, pois o casamento religioso era quem produzia efeitos civis no Império, agora, na República, com a separação, distingui-se o casamento religioso do civil.

Estes são os principais aspectos jurídicos da Igreja na Constituição de 1891, podendo, já aqui, ser tratada aquela de um modo geral, independente do culto, isto é, daqui por diante podemos denominar igreja não somente a Igreja Católica, e sim todas as associações religiosas, pertencentes a qualquer confissão.

          1.3. A Igreja na Constituição de 1934

A Constituição de 1934 foi promulgada a 16 de julho por uma Assembléia Constituinte que o Governo Provisório, instalado após a Resolução de 24 de outubro de 1930, sob chefia de Getúlio Vargas, havia teimosamente retardado, mas que afinal teve de convocar através de eleições diretas.

Ao contrário da anterior, que era eminentemente política, a Carta Maior de 1934, seguindo uma nova concepção do direito e do Estado, recebeu de maneira sensível a influência dos abalos sociais provocados pela Primeira Guerra Mundial (1914 - 1918).

Nessa nova Carta Política surgiram inovações importantes, dentre as quais estudaremos as que estão relacionadas com a igreja.

          1.3.1. A separação do Estado da Igreja

Uma inovação importante da nova Constituição com relação ao assunto por nós aqui tratado diz respeito às relações entre o Estado e a Igreja.

Os incisos II e III do artigo 17 da Carta de 1934 rezam: "É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: estabelecer, subvencionar ou embaraçar o exercício dos cultos religiosos. Ter relação de aliança ou dependência com qualquer culto, sem prejuízo da colaboração recíproca em prol do interesse coletivo".

Assim como a Constituição de 1891, a de 1934 separa a igreja do Estado, permitindo que exista o princípio da igreja livre em Estado livre. Então, ela continua a manter o Estado separado da igreja, não permitindo influência de um no outro.

No entanto, a nova Carta Magna permite a colaboração recíproca em prol do interesse coletivo, isto é, colaboração de todos os credos que desejarem, nos serviços públicos. Como exemplo dessas colaborações podemos citar a ministração de ensino religioso nas escolas, assistência religiosa a hospitais, nas penitenciárias e às classes armadas, em identidade, porém, de condições para todos e para todas as religiões, independentemente de seus credos.

Nota-se, portanto, que pode existir a partir de então uma certa relação do Estado com a igreja, porém, de simples colaboração em favor de interesse coletivo.

          1.3.2. A liberdade de consciência, de crença e de culto

Com relação à liberdade de consciência, de crença e de culto, que formam em conjunto o princípio da liberdade religiosa, a nova Lex Legum acrescenta a liberdade de consciência e de crença no que rezava a Carta Política de 1891. Ela o faz com as seguintes palavras: "É inviolável a liberdade de consciência e de crença, e garantido o livre exercício dos cultos religiosos, desde que não contrariem a ordem pública e os bons costumes".

Logo, a liberdade de consciência e de crença passam a ser protegidas de modo explícito, o que não acontecia na Carta anterior, continuando, todavia, garantido o livre exercício dos cultos.

          1.3.3. A personalidade jurídica da Igreja

As associações religiosas, na Constituição de 1891, eram regidas pelo direito comum como previa a mesma. No entanto, a elas era permitido adquirir bens, mas não podiam aliená-los por restrição constitucional.

Com a nova Constituição, essa restrição cai e isso pode ser visto no § 5o do artigo 113 que diz: "As associações religiosas adquirem personalidade jurídica nos termos da lei civil". Com isso, essas associações passam a ser tratadas como qualquer outra associação, sendo assim permitido a elas a compra e venda de bens conforme necessitarem.

          1.3.4. O casamento

O casamento, que no Império era somente o religioso e que produzia efeitos civis, que na Carta Política de 1891 existia sob a forma de religioso e civil, e que deveriam se realizados separadamente, produzindo efeitos civis somente o último, nesta Constituição pode vir a assumir diferentes formas daquelas previstas na Carta anterior.

Reza o artigo 146 da nova Constituição: "O casamento será civil e gratuita a sua celebração. O casamento celebrado perante ministro de qualquer confissão religiosa, cujo rito não contrarie a ordem pública ou os bons costumes, produzirá, todavia, os mesmos efeitos que o casamento civil, desde que perante a autoridade civil, na habilitação dos nubentes, na verificação dos impedimentos e no processo de oposição, sejam observadas as disposições da lei civil e seja ele inscrito no registro civil. O registro será gratuito e obrigatório. A lei estabelecerá penalidades para a transgressão dos preceitos legais atinentes à celebração do casamento".

Os casamentos nesta Constituição, podem então, ser celebrados separadamente o religioso do civil, produzindo efeitos civis este último, como era na Carta Política anterior, ou podem ser realizados juntos, perante, no entanto, à autoridade religiosa e autoridade civil, para que possa ter valor civil e consequentemente produzir efeitos civis.

São essas, portanto, as principais manifestações da igreja o mundo jurídico regido pela Carta Maior de 1934, notando-se aqui que não há mais nenhuma intervenção da Igreja Católica na Legislação Estatal, assim como o Estado, desde de 1891 laicizado, não influencia mais na Igreja, sendo os dois considerados totalmente distintos.

          1.4. A Igreja na Constituição de 1937

A Constituição de 1937 foi outorgada num golpe de Estado, a 10 de novembro, em plena campanha presidencial, pelo próprio Chefe de Governo, Getúlio Vargas, sob uma justificativa falsa como tantas outras emanadas do arbítrio (87).

Diz-se que de 1937 a 1945 o Brasil viveu praticamente sem Constituição, sob o domínio incontrastável da ditadura. Isso porque não fora realizado o plebiscito dentro do prazo estipulado pela própria Constituição, tornando-se a vigência desta, que antes do plebiscito seria de caráter provisório, inexistente. A Carta Magna de 1937 não teve, portanto, vigência Constitucional. É um documento de caráter puramente histórico e não jurídico.

No entanto, essa nova Constituição trouxe algumas modificações importantes em relação ao nosso assunto, isto porque ela regrediu à Carta Magna de 1891, destruindo os avanços conseguidos na Carta de 1934.

          1.4.1. A separação do Estado da Igreja

A Carta Política de 1937 manteve a igreja separada do Estado assim como as outras Constituições republicanas. Pode-se observar esse fato ao observarmos o artigo 32, alínea b da mesma Carta: "É vedado à União, aos Estados e aos Municípios estabelecer, subvencionar o exercício dos cultos religiosos".

A nova Carta Fundamental mantém o Estado laico, no entanto, ela exterminou um progresso alcançado pela Constituição de 1934, assemelhando-se assim à Carta de 1891. Assim escreve Pontes de Miranda, a Constituição de 1937 saltou 1934 e volveu 1891 no que se refere à laicidade do Estado (88).

Esse progresso abandonado pela nova Carta era a colaboração recíproca em prol do interesse coletivo. Assim ela acabou com a assistência religiosa às forças armadas, nos hospitais e em outros estabelecimentos.

          1.4.2. A liberdade de culto

Um outro aspecto da Carta Magna de 1937 que se assemelha à Carta de 1891, saltando o progresso da Carta de 1934 é a liberdade de culto concedida aos indivíduos e confissões religiosas. O §4o do artigo 122 da Constituição de 1937 reza: "Todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer pública e livremente seu culto". Aqui, nota-se que a nova Carta omite a liberdade de consciência e de crença, assim como a de 1891. No entanto, esses direitos não deixam e nem devem deixar de existir, pois como diz Pontes de Miranda, a liberdade de consciência é, em verdade, um dos direitos acima dos Estados (89).

Assim, esses direitos que foram omitidos de má fé da Carta Política de 1937 ficam implicitamente assegurados pelo seu artigo 123 que diz: "A especificação das garantias e direitos enumerados não exclui outras garantias e outros direitos resultantes da forma de governo e dos princípios consignados na Constituição".

          1.4.3. A personalidade jurídica da Igreja

Mais uma vez, agora tratando da personalidade jurídica das associações religiosas, a Constituição de 1937 retorna a de 1981, repetindo desta vez o mesmo dito na última.

Assim como em 1891, a atual Carta reza: "Todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer pública e livremente seu culto, associando-se para esse fim e adquirindo bens, observadas as disposições do direito comum".

Essa declaração da nova Carta Maior é mais uma involução da mesma, suprimindo os progressos alcançados pela Carta de 1934, pois esta dizia que as sociedades religiosas seriam regidas pela lei civil, podendo, portanto, tanto adquirir como alienar bens. A nova Lex Legum volta aos tempos antigos em que as sociedades religiosas só poderiam adquirir bens.

1.4.4. O casamento

A Constituição de 1937 não cogitou do casamento civil e nem do casamento religioso. Deixou o assunto para a legislatura ordinária. A lei, portanto, podia adotar só o casamento civil, ou só o casamento religioso, ou ainda, os dois. (90)

Devido à necessidade para solucionar o problema do casamento, surgiu a Lei no 379, de 16 de janeiro de 1937, que regulou o casamento religioso para os efeitos civis (91).

Finalizando os comentários sobre a Constituição de 1937, podemos dizer que ela foi uma Carta Política retrógrada, pelo menos com relação à igreja, pois ela regrediu todos os seus princípios referentes a esta ao passado, aniquilando os progressos da Constituição de 1934 e adotando os arcaicos preceitos da de 1891.

          1.5. A Igreja na Constituição de 1946

A Constituição de 1946 foi promulgada a 18 de setembro por uma Assembléia eleita em conjunto com o novo Presidente da República, General Eurico Gaspar Dutra, a 2 de dezembro de 1945.

Devido aos rigores ditatoriais do período em que vigorou a Constituição de 1937, a qual banira do País as liberdades públicas, os constiuintes de 1946 buscaram fazer com que a Carta Maior de 1946 restaurasse essas liberdades banidas. Como diz Sarasate, foi por isso mesmo que o Estatuto Fundamental de 1946, na maioria de seus aspectos, foi uma reprodução melhorada da Lei Básica de 1934, livre de seus defeitos e com novas virtualidades a serviço do bem público. (92)

Vejamos, então, o que essa nova Carta Política traz em relação à igreja.

          1.5.1. A separação do Estado da Igreja

A nova Constituição afirma em seu artigo 31 que: "À União, aos Estados e ao Distrito Federal e aos Municípios é vedado: II - estabelecer ou subvencionar cultos religiosos ou embaraçar-lhes o exercício; III - ter relação de aliança ou dependência com qualquer culto ou Igreja, sem prejuízo da colaboração em prol do interesse coletivo".

Conhecemos a origem deste artigo. O seu inciso II reafirma o primeiro artigo do Decreto 119-A que vem sendo transcrito em todas as constituições a partir de 1891. Este inciso reafirma a independência da igreja do Estado.

O inciso III recompõe uma afirmação da Carta Magna de 1934 que havia sido omitida pela de 1937, permitindo novamente que as Igrejas colaborando reciprocamente com o Estado pudessem ministrar o ensino religioso nas escolas, a assistência religiosa nos hospitais, nas penitenciárias e às classes armadas. Resumindo, ele permite a colaboração recíproca em favor do interesse coletivo.

          1.5.2. A liberdade de consciência, de crença e de culto

Retomando novamente aspectos da Carta Magna de 1934, a Constituição de 1946 volta a desdobrar a liberdade de religião em liberdade de consciência, de crença e de culto, assim como nos mostra o § 1o de seu artigo 141: "É inviolável a liberdade de consciência e crença, e assegurado o livre exercício dos cultos religiosos, salvo os dos que contrariem a ordem pública e os bons costumes".

Como vemos, a nova Carta Política reaviva o enunciado da Carta de 1934, voltando a permitir plenamente o culto interno e externo de qualquer religião desde que não perturbe a ordem pública e os bons costumes.

Uma relação entre este parágrafo do artigo 141 e os incisos do ítem anterior estabelecem uma nova característica do Estado. Essa característica é a de que o Estado, agora separado totalmente da igreja, não podendo de nenhum modo interferir nas diferentes confissões, a não ser que perturbem a ordem pública, assume a função de seu protetor, ficando obrigado a impedir perturbações que partam de terceiros. (93)

          1.5.3. A personalidade civil da Igreja

A personalidade civil das associações religiosas e as características do casamento foram substancialmente repetidas pela Constituição de 1946 como estava na de 1934.

O § 7o do artigo 141 estabelece que as associações religiosas adquirirão personalidade jurídica na forma da lei civil, sendo diferente da Constituição de 1934 somente porque esta usava a expressão nos termos da lei civil.

No entanto, a característica de sociedade comum lhe é devolvida, permitindo que adquiram ou alienem bens conforme for de seu interesse.

          1.5.4. O casamento

Com relação ao casamento, o artigo 163, §§ 1o e 2o, repete substancialmente o artigo 146 da Carta de 1934, desdobrando os seus preceitos nos atuais parágrafos.

Logo, voltamos a ter duas hipóteses previstas para o casamento. Uma em que seriam realizados os dois tipos de casamento separadamente, o civil e o religioso, cada um tendo suas respectivas conseqüências. Outra em que seriam realizados os dois casamentos simultaneamente, sendo que obedeceria aos rituais religiosos de cada confissão e ao mesmo tempo, às prescrições da lei civil.

Findados os estudos dos aspectos da Carta Política de 1946 que nos interessam, podemos dizer que, como afirmado anteriormente, esta Carta é praticamente uma réplica melhorada da Carta Maior de 1934, a qual já possuía ótimos preceitos para a sociedade, pois quase não precisou de alterações.

          1.6. A Igreja na Constituição de 1967

A Constituição de 1967 foi promulgada a 24 de janeiro pelo Congresso Nacional investido do poder constituinte delegado e teve sua vigência marcada para 15 de março, data da posse do novo Presidente da República, eleito pelo Congresso Nacional a 3 de outubro de 1966, Marechal Arthur da Costa e Silva.

Esta Constituição, que iniciou a vigorar com o Marechal Costa e Silva, sofreu a Emenda Constitucional número 1, de 17 de outubro de 1969, promulgada pelos Ministros da Marinha de Guerra, do Exército e da Aeronáutica Militar, que substituíram o presidente impedido de governar por motivo de saúde.

Analisaremos, agora, os aspectos da Constituição de 67, já emendada em 69, que dizem respeito ao assunto tratado neste trabalho.

          1.6.1. A separação do Estado da Igreja

Tratando-se da separação do Estado da igreja, a nova Constituição emendada faz algumas alterações no que foi afirmado na Carta Maior de 1946.

A Constituição de 1967 no inciso II do artigo 9o reza: "À União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios é vedado: estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o exercício ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada a colaboração de interesse público, na forma e nos limites da lei federal, notadamente no setor educacional, no assistencial e no hospitalar".

O princípio da Separação da Igreja é afirmado nos mesmos termos das Cartas de 1891, 1934, 1937 e 1946, com uma pequena alteração.

Essa alteração foi o acréscimo da expressão "seus representantes", que pode ser considerado como uma proibição de reconhecer às autoridades religiosas a personalidade jurídica de Direito Público Interno. (94)

          Implicitamente, constitui uma restrição à autoridade da Igreja Católica. Se não for uma restrição, é, pelo menos, uma precaução (95). Isso se fez, provavelmente como uma medida de fortalecimento do poder, perante a situação do País e dos países da América Latina, que estão sofrendo problemas de subversão e de guerra psicológica.

O princípio de colaboração consagrado pelas Constituições de 1934 e 1946 sofreu também uma restrição na cláusula que aparece na emenda de 1969 e que não se encontra no texto de 67: "na forma e nos limites da lei federal".

O Estado agora, limita e indica o modo como devem ser realizadas as colaborações em favor do interesse coletivo, fazendo-se através de lei federal.

Este princípio recebe também da emenda de 1969 uma explicitação para indicar a área e o campo de ação das colaborações: notadamente no setor educacional, no assistencial e no hospitalar.

Logo, o princípio da colaboração agora fica determinado no modo e limites da lei federal e com área preferencial de ação; destacando, área preferencial, não obrigatória.

          1.6.2. Liberdade de consciência e de culto

A nova Carta Magna emendada traz a expressão: "É plena a liberdade de consciência e fica assegurado aos crentes o exercício dos cultos religiosos que não contrariem a ordem pública e os bons costumes" (96).

Embora utilizado o adjetivo plena, diferentemente da Carta anterior que dizia ser esse direito inviolável, podemos dizer que é garantida do mesmo modo que antes a liberdade de consciência.

A Carta atual não fala sobre a liberdade de crença, mas esta está implicitamente garantida em outros artigos da mesma. Como exemplo desta implicitude podemos citar: o § 1o do artigo 153: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de sexo, raça, trabalho, credo religioso e convicções políticas (...)" (grifo nosso); o parágrafo único do artigo 30: "não será autorizada a publicação de pronunciamentos que envolvem ofensas às instituições nacionais, propaganda de guerra, da subversão, de ordem política ou social, de preconceitos de raça, de religião, ou de classe..." (grifo nosso); § 8o do artigo 153: "Não serão toleradas a propaganda de guerra, de subversão da ordem ou de preconceitos de religião, de raça ou de classe e de publicação e exteriorização contrárias à moral e aos bons costumes" (grifo nosso).

A liberdade de culto nesta Constituição é assegurada assim como nas outras constituições republicanas. Embora, não com as mesmas palavras, a substância deste direito é a mesma em todas elas, e na última fica assegurada pela seguinte frase: "fica assegurado aos crentes o exercício dos cultos religiosos".

          1.6.3. A personalidade jurídica das associações religiosas

Segundo Pontes de Miranda, a personalidade jurídica das associações religiosas é assegurada conforme a lei, respeitado o § 28 do artigo 153 (97), que reza: "É assegurada a liberdade de associação para fins lícitos. Nenhuma associação poderá ser dissolvida, senão em virtude de decisão judicial".

Ainda segundo o mesmo autor, temos, pois, mais do que simples garantia de que a lei regulará a aquisição de bens por parte das associações religiosas. (98)

Nota-se que a Constituição de 1967 trata igualmente do assunto em relação à de 1946, já que esta estabelecia as associações religiosas seguiriam as outras espécies de associações.

          A atitude da Carta Maior de 1967 é de considerar supérfluo o final do artigo 141, §7o, da Constituição de 1946. A garantia da liberdade de associação, que consta do artigo 153, §28, basta a qualquer associação, e seria bis in idem, parcialmente, o que estava na Constituição de 1946. À lei que regular a constituição e funcionamento de associações, ou às leis, especiais, que o regulem, é que fica - dentro do que ao Poder Legislativo permite a Constituição - editar as regras jurídicas cogentes, dispositivas e interpretativas. (99)

          1.6.4. O casamento

Quanto ao casamento, a nova Carta Política se refere a ele em seu artigo 175: "A família é constituída pelo casamento e terá direito à proteção do Poderes Públicos", e em seu § 1o: "O casamento é indissolúvel".

Travou-se grande debate na Câmara por causa deste parágrafo do artigo 175. Isso deu-se porque existem religiões que permitem o divórcio e outras que não o permitem. Logo, como poderia a Constituição determinar que um ato que não é realizado pelo Poder Público, seja obrigatoriamente, indissolúvel. (100)

Com isso, para solucionar o problema, foi considerado que o artigo da Constituição se refere exclusivamente ao casamento civil. (101)

Quanto à regulamentação dos casamentos, graças às emendas 862, de Adauto Cardoso, e 889, de Arruda Câmara, foram inseridos no Texto Constitucional de 1967 os dois parágrafos dedicados ao reconhecimento civil do casamento religioso, substancialmente idênticos aos §§ 1o e 2o do artigo 163 da Constituição de 1946, explicitação do artigo 146 da Carta Magna de 1934, ficando válido para eles os comentários feitos na ocasião.

São essas, portanto, as modificações ocorridas com a Constituição de 1967 e a emenda de 1969 nos aspectos da Igreja aqui tratado por nós.

          1.7. A Igreja na Constituição de 1988

A Constituição de 1988, vigente em nosso país atualmente, foi promulgada a 5 de outubro de 1988 pela Assembléia Nacional Constituinte no Governo Sarney.

Esta Constituição trouxe novas modificações ao assunto por nós aqui estudado, no entanto, alguns assuntos não foram alterados. Buscaremos, então, mostrar as diferenças e semelhanças entre esta Carta Maior e as anteriores, seguindo sempre a mesma linha de assuntos.

          1.7.1. A separação do estado da igreja

A separação do Estado da igreja é retomado pela Carta Política de 1988 quase que integralmente em sua substância.

O artigo 19 e seu inciso I demonstram como a Constituição trata o assunto: artigo 19: "É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios;" e inciso I: estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;".

Como podemos observar, em se tratando da separação do Estado da igreja, o assunto continua sendo abordado como em todas as Constituições anteriores, ficando assim válidos os comentários feitos naquelas ocasiões.

Coloca-se, também, como na Carta Maior anterior, o Estado como protetor da Igreja, cabendo à ele não embaraçar-lhe o funcionamento e não permitir que terceiros o façam.

Existe aqui, como em Cartas anteriores, a colaboração de interesse público, da qual já citamos exemplos anteriormente, e que tornam a ser aqui regulados pela lei ordinária.

Nota-se, neste aspecto, que passa a Carta de 1988 não mais, como fazia a de 1967, a colocar no enunciado áreas que eram preferenciais para a execução desta colaboração, ficando com este encargo, portanto, como escreve Ives Gandra Martins, a lei. Ele diz que a lei, todavia, determinará as hipóteses de auxílio, entendendo-se como colaboração de interesse público aquela em que a igreja supra atividades que estariam no âmbito do Estado praticar, agindo, pois, como sua "longa manus". (102)

          1.7.2. A liberdade de religião

A liberdade de religião é tratada na nova Carta Magna sob seus três aspectos, a liberdade de consciência, liberdade de crença e liberdade de culto. É encontrado o conjunto de seus aspectos no inciso VI do artigo 5o que reza: "é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida na forma da lei, proteção aos locais de culto e suas liturgias.

Do mesmo modo que a Constituição de 1967, a atual traz explicitamente dita a liberdade de consciência, a qual, segundo Celso Ribeiro Bastos, não se confunde com a crença. Em primeiro lugar, porque uma consciência livre pode determinar-se no sentido de não ter crença alguma. (103)

No entanto, diferentemente da Carta de 1967, a qual trazia a liberdade de crença de modo implícito, a atual Constituição traz expressamente dito a proteção àquela, permitindo assim que as pessoas possuam o credo que quiserem, assemelhando-se, portanto à Carta Maior de 1946.

A liberdade de culto é explicitamente declarada pela Carta de 1988, permitindo do mesmo modo que a de 1967, que as religiões formem igrejas para a realização de seus cultos.

Porém, a nova Constituição omiti-se em relação a Carta de 1967, sobre o respeito à ordem pública e aos bons costumes.

          Isto não significa, no entanto, que a atual Constituição esteja a proteger cultos que agridam estes valores. A sua omissão do Texto Constitucional não os exclui do direito vigente. Neste, remanescem por implicitude (104). Diz-se isso porque é de se esperar que todos respeitem o principio de que os direitos de uns vão até onde começam os dos outros. Espera-se, portanto, que todo o direito seja utilizado de forma a não prejudicar o direito de outrem.

          1.7.3. A personalidade jurídica da Igreja

Quanto à personalidade jurídica das associações religiosas, continua o mesmo regime de aquisição proporcionado pela Carta Política anterior, ou seja, o inciso Constitucional a ser respeitado é semelhante, o qual na Constituição atual corresponde ao inciso XVII do artigo 5o que reza: "é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar;".

Portanto, as associações religiosas adquirem personalidade jurídica segundo leis ordinárias que o estabeleçam e respeitem o princípio constitucional citado.

1.7.4. O casamento

O casamento, na Constituição de 1988, sofreu algumas modificações no tratamento dado por esta àquele.

Nos §§ 1o e 2o do artigo 226 da Carta Magna atual, que rezam: §1o: "O casamento é civil e gratuita a celebração;", e § 2o: "O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei;", existem semelhanças e surgem as primeiras diferenças em relação a Carta de 1967.

Como em 1967, a nova Carta Maior considerou como válido o casamento civil, podendo, no entanto, ter o casamento religioso efeito civil. Porém, com uma diferença, nos termos da lei, sendo que a Carta anterior trazia predispostos em seu texto os requisitos para tal acontecimento. Portanto:

          a Constituição de 1988 preferiu remeter a regulamentação da validade civil do casamento para a lei, ao contrário das Constituições anteriores que já estabeleciam as condições e requisitos da equiparação, trazendo a esse propósito, norma de eficácia plena. Agora, não, a norma é de eficácia limitada, pois dependerá da lei para sua efetiva aplicação. (105)

A maior inovação trazida pela Carta Política de 1988 vem expressa no §6o do mesmo artigo citado acima, que reza: "O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos".

Inovando em muito em relação à Carta anterior, a atual torna o casamento dissolúvel, e para não existirem conflitos, o faz em relação ao casamento realizado pelo Poder Público, ou seja, o casamento civil.

A Carta anterior trazia o casamento como indissolúvel, não especificava qual, se civil ou o religioso. Isso gerou muitos conflitos, principalmente por existirem religiões que permitem o divórcio. Sendo assim, a dissolução do casamento civil se dá pelo divórcio. O prazo de duração da separação judicial é de um ano, e o da de fato, devidamente comprovada, será superior a dois anos (106), ou nas palavras de José Afonso da Silva, pode o casamento ser dissolvido pelo divórcio, após previa separação judicial por mais de uma ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos (107).

São essas, portanto, as inovações e semelhanças trazidas pela Carta Política de 1988 em relação a de 1967 a respeito dos aspectos da igreja aqui tratados.

Estudou-se nesta parte do trabalho todo o relacionamento da Igreja, em seus aspectos mais importantes, com o Estado e consequentemente com as Constituições deste, iniciando-se o estudo na época da primeira Constituição e estendendo-o até a última delas, analisando sempre e somente os aspectos principais da igreja, buscando manter sempre uma mesma linha de pensamento e esclarecimentos.

          2. DO PODER POLÍTICO DA IGREJA E SUAS MANIFESTAÇÕES

          2.1. Da Filosofia Política a Respeito das Religiões

THOMAS HOBBES dizia que a Igreja e o Estado são "dois nomes diferentes" da mesma coisa, assim a Igreja passou a ser reconhecida como uma instituição do Estado, portanto não poderia haver outra Igreja no Estado, além daquela reconhecida, ou imposta pelo Estado. (108) Destarte os fins buscados pela Igreja, na Idade Média, estavam intimamente ligados aos do Estado (ou do soberano).

Já no século XIX, KARL MARX – em "Sobre la cuéstion judía" – (109) mostra que o Estado pode emancipar-se da religião, mas não completamente, uma vez que o povo, como elemento constitutivo essencial daquele, não deixará de ser fiel à sua religião, visto que a religiosidade era algo puramente privado, isto é, ao seu ver os fiéis estariam preocupados apenas com a salvação individual, ao passo que os fins estatais visariam uma busca dos anseios da sociedade – do bem comum. isto posto o autor afirma que no Estado moderno a política (110) deveria estar acima da religião.

No século XX, o sociólogo norte-americano J. MILTON YINGER, em seu livro The scientific study of religion, trata profundamente da relação existente entre a igreja e afirma que a Igreja Católica, por exemplo, é uma fonte de força e união internas, como também, um instrumento de coesão supranacional. (111) Para o autor, neste fim de século, as grandes religiões, como a Católica, têm um papel cada vez mais político-social, uma vez que as Igrejas tomaram a consciência de que o bem-estar espiritual dos fiéis, está profundamente ligado à felicidade material, esta por sua vez, encontra-se relacionada com a finalidade maior do Estado: o bem comum. (112)

          2.2. Da Manifestação do Poder Político da Igreja Católica no Brasil

Entendendo que o poder político influencia e recebe influências sócio econômicas e culturais e consequentemente jurídicas, torna-se evidente que a manifestação desse poder no Brasil, por parte da Igreja Católica, começou bem antes da nossa independência, entretanto, entendendo que o Brasil tornou-se soberano a partir da independência e só então, em tese, o poder político passou a buscar os anseios de seu povo, surgindo as primeiras Constituições, ater-nos-emos ao estudo desse poder a partir de então.

          2.2.1. Da Monarquia aos primeiros anos da República

A Constituição de 1824 manteve a Igreja Católica ligada ao Estado, entretanto o Imperador tornou-se a maior autoridade eclesiástica no Brasil, pois mesmo os documentos papais só erma válidos mediante a aprovação do governante.

No Segundo Reinado, D. Pedro II restringiu o papel político da Igreja, através dos direitos dos padroados (113) concedidos por Roma ainda no Primeiro Império, temendo a intromissão de Roma nos negócios internos do Brasil. Este atrito entre a Igreja e o Estado fez com que em 1870 se realizasse o Concílio do Vaticano I, no qual a Igreja, um dos últimos apoios à Monarquia brasileira, colocou-se em oposição ao governo brasileiro, isto levou à proclamação da República alguns anos mais tarde.

Com a Carta Magna de 1891, o Brasil tornou-se um Estado leigo, ou seja, houve a separação entre Estado e Igreja.

A partir de 1920 a Igreja passou a reivindicar posições perdidas com a laicização do Estado, as quais forma positivadas na Constituição de 1934.

          2.2.2. Nos dias de hoje

Hoje a Igreja Católica, no Brasil, tem desempenhado aquele papel citado por YINGER, assim esta deve ser vista como uma sociedade política, pois sua finalidade imediata varia de acordo com o momento, ao passo que a mediata será sempre a realização espiritual, a salvação de seus fiéis.

Nesse sentido as ações promovidas pela Igreja têm sido variadas, concentrando-se principalmente na assistência social. É de conhecimento público o grande número de obras assistenciais, tais como: Pastorais da Saúde, apoio a campanhas contra a fome, ao desarmamento, aos flagelados da seca nordestina, pelo combate à pobreza.

Outro ato muito importante foi a encíclica Rerum Novarum, de 1981, a qual teve grande repercussão na política mundial, por criticar a política trabalhista dos países capitalistas.

Recentemente o Papa João Paulo II abre nova discussão, desta vez na área cultural, no que tange às ciências, ao conciliar a razão e a religião como a melhor maneira de alcançar o conhecimento verdadeiro, em sua última encíclica, Fides et ratio. Ao citar Santo Agostinho, afirma que: a luz da razão e a luz da fé provêm ambas de Deus, por isso, não se podem contradizer entre si... desse modo, a fé não teme a razão, mas solicita-a e confia nela." (114)

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Sobre os autores
Luciano Pereira Vieira

acadêmico de Direito na Universidade Estadual de Londrina (PR)

Alexsandro Carnietto

acadêmico de Direito da Universidade Estadual de Londrina (PR)

André Luiz de Souza

acadêmico de Direito da Universidade Estadual de Londrina (PR)

Gilberto Bueno de Oliveira Júnior

acadêmico de Direito da Universidade Estadual de Londrina (PR)

Leandro Buzignani dos Reis

acadêmico de Direito da Universidade Estadual de Londrina (PR)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIEIRA, Luciano Pereira ; CARNIETTO, Alexsandro et al. Igreja - sociedade política:: a importância, o poder e a manifestação do aspecto político e jurídico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 42, 1 jun. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/66. Acesso em: 26 abr. 2024.

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