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Indenização por veículo parado em concessionária

23/12/1998 às 00:00
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1. MOTIVAÇÃO E JUSTIFICATIVA

Recentes notícias veiculadas pela imprensa mostram-nos que se tornaram freqüentes as reclamações dos consumidores em relação aos serviços das concessionárias e à qualidade dos veículos postos no mercado pelas montadoras, impingindo aos adquirentes uma série de transtornos e aborrecimentos por ocasião da compra de veículos novos, ao serem forçados a constantemente se verem privados do automóvel em virtude da necessidade de reparos.

Refletindo sobre a questão, veio-me à mente uma tese jurídica que parece ser de grande interesse, e que pode levar ao consumidor conhecimento sobre direitos dos quais, eventualmente, não saiba ser possuidor.

A tese por mim levantada neste trabalho é a de que todo adquirente de veículo que apresente defeito de fabricação, e portanto de responsabilidade direta da montadora e indireta da concessionária vendedora, deve ser indenizado pelo período em que o veículo permanecer parado para conserto, independentemente de ter sofrido danos patrimoniais efetivos. E esta indenização deve corresponder ao valor de locação de um veículo igual ou equivalente pelo período em que permaneceu o automóvel entregue à concessionária autorizada para reparar os defeitos apresentados. Tal indenização se justifica como compensação aos transtornos e aborrecimentos causados ao adquirente pelo ato ilícito das montadoras que, por imperícia na fabricação, entregaram-lhe um veículo sem as adequadas condições de uso.

Com isso, espero poder estar colaborando para ilustrar a doutrina e eventualmente a jurisprudência com este artigo e trazer ao consumidor lesado uma perspectiva de ver reconhecidos seus direitos .

Inicialmente, tratarei de identificar a efetiva ocorrência dos danos e sua natureza. A seguir, discorrerei sobre o direito à indenização destes danos e, ao final, abordarei a questão da quantificação da indenização.



2. OS DANOS

Em primeiro lugar, cabe verificar a ocorrência de danos, ainda que não patrimoniais, na hipótese de ficar o consumidor privado do uso do veículo adquirido, em virtude de ato ilícito da montadora, decorrente da imperícia na sua fabricação.

Para isto faz-se necessária uma análise da doutrina e jurisprudência referente ao tema.

O que se observa, em regra, é a identificação e classificação dos danos em duas espécies:

a) danos materiais ou patrimoniais, representados pelos prejuízos de ordem econômica causados por violação a bens das pessoas;

b) danos imateriais, extrapatrimoniais ou morais, representados pelas lesões a aspectos diversos que integram a personalidade da pessoa, como sua imagem, intimidade, honra e outros.

Na hipótese objeto deste estudo, podem ser identificadas lesões e/ou prejuízos ao consumidor, que se manifestam de diversas maneiras.

Uma delas é a efetiva ocorrência de danos patrimoniais, decorrentes, por exemplo, da necessidade de uso de táxis, transporte coletivo, ou aluguel de um veículo. E ainda podem ocorrer outros danos patrimoniais oriundos da falta do veículo, como perda de negócios, ou prejuízo no trabalho por este depender do automóvel, como ocorre com taxistas, vendedores, entregadores e demais atividades profissionais estreitamente vinculadas ao uso do automóvel.

Neste caso, praticamente não se pode discordar da necessidade de indenização pelos prejuízos desta natureza sofridos pelo consumidor adquirente que foi prejudicado pela montadora.

São danos do tipo patrimoniais ou materiais, razoavelmente simples de serem identificados, que, sendo decorrentes de ato ilícito, geram, por parte do responsável, a obrigação de indenizar.

Mas outra hipótese merece melhor estudo.

Trata-se dos danos não patrimoniais causados ao consumidor.

Um indivíduo que fica privado do uso de seu automóvel, na maior parte das situações, vê-se sujeito a uma série de transtornos e aborrecimentos em seu cotidiano, o que não ocorreria se estivesse com a plena disponibilidade do veículo.

Em uma cidade de grandes dimensões, como é o caso de São Paulo, em que as distâncias a serem percorridas são normalmente grandes, e com sistema de transporte público deficiente, uma pessoa pode depender integralmente do automóvel para realizar a maior parte das suas tarefas cotidianas, como ir ato trabalho, ao médico, levar filhos à escola, ir ao clube, cinema ou teatro e tantas outras.

O uso de sistemas de transportes coletivos ou mesmo táxis pode dificultar em muito ou até mesmo inviabilizar várias destas atividades, impedindo que a pessoa as realize regular e adequadamente.

E nem todas as atividades prejudicadas por esta falta do automóvel produzem danos patrimoniais. Deixar de levar um filho à escola, ficar sem ir a um cinema que havia programado ou não desfrutar o final de semana na praia são exemplos de situações que não geram danos patrimoniais visíveis.

No entanto, seria absolutamente inimaginável entender que a falta do automóvel, dando origem a todos estes transtornos e aborrecimentos, não tenha causado qualquer dano à pessoa, como se sua situação, com ou sem automóvel, fosse a mesma.

Não se deve também esquecer de que nem sempre os consertos efetuam-se em poucos dias, havendo notícias de que, muitas vezes, podem levar semanas e, até mesmo, meses.

Em assim sendo, é absolutamente evidente que só uma conclusão é admissível: existem danos. Resta saber como identificá-los teoricamente.

A classificação inicialmente proposta neste trabalho, usualmente encontrável na doutrina e na jurisprudência, que identifica duas espécies de danos, os materiais (ou patrimoniais) e os imateriais (ou não patrimoniais, ou extrapatrimoniais, ou morais), pode ou não ser satisfatória para incluir a hipótese ora em estudo, dependendo da interpretação que se lhes dê.

Importa-nos a segunda espécie, qual seja, a dos danos não patrimoniais.

Para quem entenda sejam danos imateriais ou extrapatrimoniais sinônimo de danos morais, há que se analisar qual seja o real significado destes últimos.

E, neste ponto, pode ser encontrada uma dupla interpretação da expressão dano moral.

A primeira delas é a mais restrita, para a qual dano moral seria tão somente aquele relacionado aos tributos valorativos, às virtudes da pessoa como ente social, ou seja, integrada à sociedade, bem como aqueles relacionados à honra, reputação e manifestações do intelecto (Carlos Alberto Bittar, Reparação Civil por Danos Morais, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1994, p. 28). Podemos denominar estes como sendo os danos morais strictu sensu.

Outra é a interpretação mais ampla, segundo a qual integrariam o dano moral toda e qualquer violação a direitos da pessoa. Nesse caso, poder-se-iam incluir, além do que prevê a interpretação mais restrita, outras circunstâncias, como os demais danos causados à pessoa, incluindo os danos ao seu corpo, à sua psique, abarcando os constrangimentos, transtornos e aborrecimentos que lhe são causados por ato de terceiro. Podemos denominar estes como sendo danos morais lato sensu.

Caso se adote a primeira das posições, quem o fizer estará deixando de incluir, como danos teoricamente admissíveis, os danos à pessoa que não se incluam entre aqueles tidos como danos morais strictu sensu.

Neste caso, ou não se admitiriam estes danos como tais, ou seja, como atos lesivos à pessoa, ou então ter-se-ia de admitir a existência de uma outra categoria de danos, que não se classifiquem como morais nem patrimoniais.

Para evitar esta dúbia interpretação da expressão dano moral, e conseqüente confusão que pode ser gerada, melhor é não fazer uso da classificação inicialmente mencionada, e normalmente utilizada.

Em face disto, parece ser mais adequado, para melhor compreender esta questão dos danos, adotar a classificação mencionada por Carlos Alberto Bittar (Reparação..., p. 27 e seguintes), e exposta detalhadamente por Sérgio Severo (Os danos extrapatrimoniais, São Paulo, Saraiva, 1996), que mostra ser a mais atual, abrangente e precisa acerca do tema.

Nestas obras, podemos ver identificadas duas grandes categorias de danos: os patrimoniais e os extrapatrimoniais.

Carlos Alberto Bittar leva em conta os reflexos das danos na esfera alheia: danos patrimoniais "são os que repercutem sobre o patrimônio" e danos extrapatrimoniais os que repercutem "sobre a esfera personalíssima do titular" (Reparação..., p. 27).

Em apertada síntese, Sérgio Severo considera como sendo patrimonial o dano "que atinge frontalmente o patrimônio da vítima" e extrapatrimonial "a lesão de interesse sem expressão econômica" (Os danos..., p. 39/43).

Os danos extrapatrimoniais, que interessam ao presente caso, são classificados, segundo Sérgio Severo, em suas subespécies:

a) ofensas aos direitos morais da personalidade, que incluem as ofensas ao nome, à vida privada e à intimidade, bem como as ofensas à honra e aos direitos autorais, em seu caráter não econômico;

b) ofensas à integridade psicofísica em seu aspecto não econômico e o dano-morte, que incluem o dano moral strictu sensu e o dano corporal.

O dano moral strictu sensu é aquele que corresponde à dor, ao sofrimento, físico e aos efeitos psicológicos sofridos pela vítima de uma ofensa. Neste caso, o elemento subjetivo é fundamental, sendo a dor um requisito para a caracterização do dano.

Já o dano corporal configura outra categoria de danos extrapatrimoniais, na qual podem ser incluídos:

b.1) o dano corporal propriamente dito, que corresponde ao prejuízo psicológico, como ocorre, por exemplo, quando o indivíduo sofre alguma incapacidade;

b.2) o dano estético, representado pelas ofensas à harmonia física, à beleza da pessoa;

b.3) os "danos à vida de relação", que compreendem os prejuízos de lazer, o prejuízo sexual e o prejuízo juvenil.

Os mencionados "danos à vida de relação" são extremamente relevantes para o estudo a que se propôs este artigo, e merecem especial destaque as palavras do autor na mencionada obra:

"O prejuízo de lazer, ou préjudice d´agrément, corresponde à diminuição dos prazeres da vida, causada pela impossibilidade ou dificuldade de dedicação às atividades usuais de lazer (Os danos..., p. 153. Nota: a expressão e respectiva definição foi mencionada em La reparation du dommage corporel, de Geneviève Viney e Basil Markesinis, Paris, Economica, 1985, p. 71. Trata-se de citação de trecho de decisão da jurisprudência francesa, extraída, conforme o original, de "Paris, 2 décembre 1977, D. 1978, p. 285").

(...)

Este dano concretiza-se na impossibilidade de atender a atividades normais de lazer (passeios, viagens etc.), esportivas (futebol, vôlei etc.); culturais (exposições, concertos, teatro etc.); ou da vida em si (jantares, recepções etc.)."

E conclui com precisão:

"Assim, quando por culpa de outra pessoa, alguém se vê privado das atividades que lhe são habituais, surge o prejuízo de lazer, como uma parcela integrada aos danos extrapatrimoniais sofridos pela vítima" (Os danos..., p. 154. Grifei).

É de se reconhecer que, muitas vezes, haverá dificuldade em se classificar determinado dano em uma ou outra categoria, dada a multiplicidade de possibilidades que a realidade concreta oferece.

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No entanto, há que se ressaltar que importa apenas identificar a existência dos danos e conseqüente responsabilidade de indenizar, sendo irrelevante, para fins de obter a reparação, que o dano inclua-se em uma ou outra categoria.

Novamente destaco as palavras do autor, que também reconhece o mesmo fato, ao advertir que "deve-se ter muito cuidado na classificação dos danos extrapatrimoniais, pois o que importa à responsabilidade civil é a sua expressão mais completa, como forma de instrumentar o princípio da reparação integral" (Os danos..., p. 148).

Em assim sendo, pouco importa que determinado dano classifique-se ou não como dano moral, quer em sua concepção lato sensu, quer strictu sensu. Há que se reconhecer apenas a efetiva ocorrência de dano extrapatrimonial, de qualquer natureza, para que surja a conseqüente obrigação de indenizar.

Na hipótese ora analisada, para fins teóricos, os transtornos, constrangimentos e aborrecimentos causados pela indisponibilidade de um veículo decorrente de ato ilícito da montadora podem ser incluídos na hipótese b.3 supra, ou seja, seriam, obviamente, danos, classificáveis como extrapatrimoniais atinentes à vida de relação, pois causaram prejuízos às atividades habituais da pessoa.

Do exposto, forçoso é concluir ser induvidoso que a falta de automóvel, na maior parte das vezes, causa danos (E, em face das circunstâncias do caso concreto, estes danos independem inclusive de prova, por gerarem uma presunção relativa em favor do lesado, como ocorre, por exemplo, quando reside em uma grande cidade e trabalha diariamente em local distante de sua residência). Discute-se tão somente como classificá-los em termos doutrinários, que é o que se procurou fazer da forma que parece ser a mais adequada.



3. O DIREITO À INDENIZAÇÃO

Identificada a existência dos danos, resta justificar a necessidade de indenizá-los.

Ora, o art. 159 do Código Civil, ao determinar que todo aquele que, por ato ilícito, causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano, não se restringe aos danos exclusivamente patrimoniais, sendo portanto absolutamente correta a interpretação de que esta obrigação atinge também os danos extrapatrimoniais.

Doutrina e jurisprudência já têm se manifestado fartamente neste sentido, e a própria Constituição, em seu artigo 5o, inciso X, dá respaldo a esta tese. A súmula 37 do STJ reconhece este direito à indenização ao admitir a cumulação dos danos morais com os danos materiais.

Há ainda outros diplomas legais aplicáveis à hipótese ora referida.

A Lei nº 8078/90, que dispõe sobre a proteção ao consumidor, em seus artigos 12 e 14, prevê a responsabilidade do fabricante, produtor, construtor e fornecedor de serviços pela reparação dos danos causados. O mesmo estatuto reconhece que esta reparação compreende os danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos (art. 6o, VI).

Não obstante se observe ter sido utilizada a expressão dano moral, é evidente que se deve compreendê-la em seu sentido mais abrangente, com o significado de dano extrapatrimonial, a fim de evitar as impropriedades anteriormente mencionadas, que poderiam levar à inaceitável tese da existência de danos não indenizáveis.

Certa é, portanto, a existência do direito à indenização, por parte do consumidor lesado, pelos transtornos, constrangimentos e aborrecimentos causados em decorrência da falta de seu veículo, por ato ilícito da montadora, que, por imperícia, construiu inadequadamente um produto e o vendeu nestas condições.

Embora a tese possa parecer nova, já é possível encontrar manifestações da jurisprudência em casos semelhantes.

Nos autos da Apelação Cível 177.573-1/5, da 2ª Câmara do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, julgado em 21.9.93, que teve como relator o E. Des. Pereira da Silva, há análise de situação análoga à hipótese ora analisada.

Pediu o autor condenação dos réus por dano moral, que incluía também o ressarcimento dos prejuízos sofridos com a privação e ausência de livre disponibilidade do uso de seu veículo.

A decisão do E. Tribunal, cujo trecho ora transcrevo, merece destaque:

"Além do constrangimento de ordem moral, o autor viu-se privado de exercer direitos inerentes à condição de proprietário (CC, art. 524), razão por que obstado a usar convenientemente o seu automóvel. Enquanto permaneceu o bloqueio de transferência e licenciamento perante o Detran-SP, ordenado pela Delegacia de Polícia de Atibaia, a requerimento dos réus, bem como queixa de estelionato e falsificação, o autor suportou outros danos, agora em virtude das graves restrições à livre disponibilidade do veículo, que a bem ver permaneceu fora do comércio" (RT 703/57).



4. A QUANTIFICAÇÃO

Existindo danos, e sendo eles indenizáveis, resta apenas definir critérios objetivos que permitam chegar a um valor justo e adequado para estabelecer o quantum da indenização.

Uma maneira que se mostra bastante lógica, coerente e adequada é verificar com qual valor se poderiam evitar estes danos.

Isto se pode fazer com o aluguel de um veículo igual ou equivalente pelo período em que se ficar sem aquele que estiver em poder da concessionária durante o prazo em que permanecer para reparos. Isto porque, nesta situação, não ocorreriam a quase totalidade dos danos mencionados, excluindo-se alguns transtornos e aborrecimentos ocorrentes até que a situação se regularize.

Assim, se um indivíduo alugar um automóvel enquanto o seu estiver em reparos, estará praticamente livre da maioria dos transtornos, constrangimentos e aborrecimentos em seu cotidiano.

Portanto, o valor do aluguel de um veículo representa com bastante fidelidade a justa indenização para aquele que suportou todos estes danos extrapatrimoniais ora referidos.



5. SITUAÇÕES PRÁTICAS QUE ILUSTRAM O RACIOCÍNIO EXPOSTO

É possível imaginar algumas situações que tornam mais claro o raciocínio ora desenvolvido, tornando-o estreme de dúvidas.

É o caso, por exemplo, de uma pessoa que, dada a absoluta impossibilidade de abrir mão de seu veículo, resolva, efetivamente, alugar um pelo período em que o seu permanece em conserto.

Nesta hipótese, suportou esta pessoa danos patrimoniais. E o fez por culpa exclusiva da montadora, que lhe vendeu um produto com defeitos de fabricação.

Inegável e indiscutível, portanto, que esta pessoa tem direito a ser ressarcida do valor pago com o aluguel do veículo.

Admitindo-se isto, ou seja, o direito ao ressarcimento das despesas efetivamente efetuadas com o aluguel do veículo, como sendo direito certo do consumidor, poder-se-á avançar no raciocínio para se chegar facilmente à conclusão de que deverá também ser indenizado aquele que não alugou o veículo, e suportou todos os transtornos e aborrecimentos disto decorrentes.

Em primeiro lugar, pela própria idéia da igualdade.

Supondo estarem os dois indivíduos na mesma situação, ou seja, sem a disponibilidade do veículo em razão de defeito apresentado, veremos que o primeiro pouco ou nenhum transtorno sofreu, pois substituiu o seu por outro alugado, que cumpriu as funções daquele do qual é proprietário. E será ressarcido do valor das despesas efetuadas, haja vista ter sofrido danos patrimoniais.

Já o segundo não. Este teve de suportar toda uma gama de transtornos, constrangimentos e aborrecimentos em seu cotidiano, por ficar sem a possibilidade de usar o produto defeituoso, por culpa da montadora.

É evidente que o segundo indivíduo merece uma compensação, porque, se assim não for, e estiver ciente de seus direitos, certamente optará pela primeira das situações, ou seja, providenciará a locação de um veículo sempre que o seu tiver sua disponibilidade prejudicada.

Nesta hipótese já é possível verificar da impossibilidade de se concluir não serem indenizáveis os danos representados pelos transtornos, constrangimentos e aborrecimentos sofridos pelo consumidor lesado pela montadora do veículo.

Mas é possível ir mais além.

Novamente partindo-se da premissa de ser certo o direito ao ressarcimento do valor do aluguel de um veículo por aquele que efetivamente providenciou a locação no período em que não o teve disponível, outras hipóteses podem ser criadas.

Supor que um indivíduo, o qual denominaremos Caio, seja proprietário de um veículo simples, do tipo Gol 1000, com valor de locação diário aproximado de R$ 70,00. Seu veículo permanece por dez dias em uma concessionária para reparos e, durante este período, ele aluga um automóvel Ômega GLS, com ar-condicionado, direção hidráulica e outros equipamentos de conforto, com valor de locação aproximado de R$ 340,00 (valores aproximados de mercado nas principais locadoras em agosto de 1996).

Terá ele direito ao ressarcimento do valor pago com a locação do veículo, qual seja, R$ 3.400,00? É evidente que não. E porque? Pelo fato de que Caio pretende ressarcir-se pelo valor de locação de um veículo muito mais confortável e valioso do que aquele que possui. Não há a proporcionalidade entre o dano sofrido e o valor da indenização pretendido. Portanto, pretende mais do que merece; pleiteia mais do que lhe é devido.

Ora, se este raciocínio é verdadeiro, o raciocínio inverso também o será.

Supor outro indivíduo, o qual denominaremos de Tício, seja proprietário de um Ômega GLS, equipado com ar-condicionado, direção hidráulica e outros equipamentos de conforto, com valor de locação aproximado de R$ 340,00. Seu veículo permanece por dez dias em uma concessionária para reparos e, durante este período, Tício aluga um automóvel do tipo Gol 1000, com valor de locação diário aproximado de R$ 70,00.

Terá ele direito ao ressarcimento do valor pago (R$ 700,00) com a locação? Certamente sim. Mas terá direito somente a este valor, ou seja, o da locação de um veículo visivelmente inferior em suas características? Veremos que não.

Se admitirmos o raciocínio de que o indivíduo deve ser ressarcido pelo valor efetivamente desembolsado, ter-se-á de admitir que, na primeira hipótese, Caio deva ser reembolsado pelo valor gasto com a locação, ou seja, o valor despendido com o Ômega GLS.

Diante disto, só uma conclusão se mostra justa: o indivíduo terá direito a uma indenização correspondente ao aluguel de um veículo igual ou equivalente ao seu, independentemente de ter efetivamente desembolsado a quantia.

Assim, nas hipóteses levantadas, o Caio terá direito à indenização no valor correspondente a R$ 70,00 por dia, ainda que tenha locado um veículo mais caro, no caso um Ômega GLS.

E Tício terá direito à indenização no valor correspondente a R$ 340,00 por dia, ainda que tenha desembolsado apenas os R$ 70,00 com a locação de um veículo mais barato.

Nesta última hipótese, vislumbra-se claramente que a indenização, no montante em que supera os danos patrimoniais efetivos, é justificada pelo desconforto do indivíduo que, durante este período, teve de utilizar um carro sem os mesmos confortos daquele que adquiriu, ou seja, menos veloz, sem direção hidráulica e sem ar-condicionado, além de outras desvantagens.

Portanto, ao se imaginar o primeiro caso, qual seja, o indivíduo que não locou veículo algum, e andou de ônibus, metrô, táxi ou deixou de realizar suas atividades rotineiras, conclui-se que a indenização também é devida, e justifica-se como compensação pelos transtornos, constrangimentos e aborrecimentos causados pelo ato ilícito da montadora.

Outra hipótese curiosa, que faz cair por terra a idéia de que somente os danos patrimoniais devem ser indenizados, é a que construo a seguir.

Supor um indivíduo, o qual denominaremos de César, que resida a uma distância razoavelmente grande do local de trabalho - algo em torno de 20 km. No entanto, há uma linha de ônibus que realiza um trajeto satisfatório em termos de proximidade dos locais de partida e destino.

Normalmente César faz o trajeto em seu automóvel, luxuoso e bastante confortável, no qual pode estar na temperatura ideal, com ar-condicionado, e ouvindo música, sentado no banco macio.

Seu carro, porém, apresentou defeito e ficou uma semana em concessionária para conserto.

Durante este período, resolveu ir de ônibus ao trabalho. Tomou chuva, passou calor, andou longo trajeto em pé no ônibus lotado.

Resolve pedir indenização pelos danos causados.

Imaginemos que somente os danos patrimoniais sejam indenizáveis, apenas para argumentar.

Considerando custar a passagem de ônibus, em São Paulo, o equivalente a R$ 0,80, César terá gasto durante os cinco dias úteis da semana a quantia de R$ 8,00. Somente estes foram seus danos patrimoniais.

Por conseqüência, esta seria a indenização a que teria direito?

Suponho que não.

Isto porque César também gastaria para ir ao trabalho de automóvel, de modo que deve ser descontado o valor que seria gasto daquele que foi efetivamente desembolsado, e a indenização teria de ser paga pela diferença.

E quanto gastaria ele para ir ao trabalho de automóvel?

Supondo que seu luxuoso veículo, em trânsito urbano, percorra em média 5 km com um litro de gasolina, e este custe por volta de R$ 0,65, chegaremos à conclusão que ele gastaria, nestes cinco dias úteis, o equivalente a R$ 26,00.

Ora, gastaria ele muito mais para ir de automóvel do que gastou para ir de ônibus.

Para quem defende a tese de que somente os danos patrimoniais são indenizáveis, chega-se à conclusão de que César não só deixa de ter qualquer direito à indenização, como na verdade ficou devendo para a montadora que o deixou sem carro!

Assim, em tese, para os defensores desta linha de pensamento, a montadora, que, por ato ilícito, deixou César sem seu carro, obrigando-o a andar de ônibus lotado, demorado e desconfortável, deveria ser indenizada e dele receber R$ 18,00 por tê-lo feito economizar dinheiro!

Desnecessário qualquer raciocínio jurídico mais profundo para demonstrar o verdadeiro absurdo que é considerar serem apenas os danos patrimoniais indenizáveis, bem como não se admitir a indenização dos danos extrapatrimoniais sem reflexos econômicos.



6. CONCLUSÃO

De todo o exposto, algumas conclusões podem ser tiradas.

A primeira delas é que todos e quaisquer danos injustos são indenizáveis, independentemente da denominação que se lhes dê.

Outra conclusão, mais voltada ao caso específico analisado, é de que todo aquele que adquirir um veículo, e este apresentar defeitos de fabricação, tem direito à indenização, no valor correspondente ao aluguel de um veículo equivalente, pelo período em que o seu permanecer em concessionária para conserto.

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Sobre o autor
José Maurício Conti

juiz de Direito em São Paulo, professor assistente da Faculdade de Direito da USP, bacharel em Direito e em Economia pela USP, mestre em Direito Econômico Financeiro pela USP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CONTI, José Maurício. Indenização por veículo parado em concessionária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. 27, 23 dez. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/660. Acesso em: 22 nov. 2024.

Mais informações

Artigo publicado na Revista do Advogado, nº 49, pp. 47 a 54

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