9. Conclusões.
a)- Se for certo que o "corte" inicial que demarca o objeto científico se dá no continuum heterogêneo da realidade circundante, para propiciar o descontinuum homogêneno de cada ciência em particular, nas lições de Paulo de Barros Carvalho assoalhado em Rickert, tal "corte" metodológico, ao nosso sentir, é um artifício que distingue para depois unir, i.e, não se trata de abandonar o conhecimento das partes pelo conhecimento das totalidades, mas, sim, de conjugar. Conjugar é diferente de sintetizar: na síntese se reduz; na conjugação, distingue-se para unir. Portanto, distingue-se a sociologia tributária, a filosofia tributária e a dogmática tributária, para então conjugá-las no que chamamos direito tributário positivo, ou seja, uma integração normativo-positiva de fatos segundo valores.
b)- No campo do gasto com a universidade pública gratuita, que sabidamente favorece aos mais ricos da população, o Ministério da Fazenda informou que o custo médio por aluno do curso superior é estimado em cerca de 170% do PIB (produto interno bruto) per capita. Já nos países da OCDE, o custo é estimado em 100% do PIB per capita, i.e, no Brasil, não obstante a pobreza que grassa aos borbotões, gasta-se mais que os países ricos com a educação gratuita dos mais ricos... redundância enfática que se impõe.
c)- As desigualdades sociais têm três fontes: a falta de oportunidades, como o acesso ao ensino superior; a demográfica, já que as mulheres pobres têm taxas bem superiores de natalidade; e o direcionamento equivocado do gasto público. É no redirecionamento dos programas sociais para os quais são destinados os recursos financeiros oriundos dos tributos que o governo pode atacar e corrigir com agilidade as desigualdades.
d)- A desigualdade social não é fruto de uma baixa carga tributária, a carga tributária do país está entre as mais altas do mundo (36% do PIB), há estimativas até piores para este ano. O próprio secretário da Política Econômica da Fazenda, Marcos Lisboa, reconhece que: "o que impede uma melhor distribuição de renda no país não é a arrecadação de impostos, mas sim o mau uso do dinheiro recolhido. - Arrecadação não é problema. Temos uma arrecadação no Brasil tão alta quanto a de países desenvolvidos. O problema são os gastos".
e)- A correta adequação do gasto público está diretamente relacionada com os direitos do homem, e hoje, como bem alerta Norberto Bobbio, o problema fundamental dos direitos do homem, "não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas político". Sabidamente, o século XX foi o da técnica, o XXI será o da ética, ou não teremos o que festejar daqui a cem anos, já o disse o ex-Ministro da Educação, Cristovam Buarque.
f)- Assim como foi a escravidão, a questão da pobreza no Brasil é primeiro, uma questão moral, depois uma questão técnica e política.
g)- Ademais de gastar mal o recurso financeiro oriundo do tributo, o Estado brasileiro ao longo dos anos burocratizou-se a ponto dele mesmo ser um grandioso obstáculo ao crescimento econômico do país. Enfim, paradoxalmente, mais Estado, mais pobreza e menos crescimento.
h)- O conceito de legitimidade do gasto público (tributo arrecadado!) adentra a questão dos valores jurídicos, é conceito que abrange não somente o aspecto puramente normativo (formal do ato), mas também o aspecto valorativo, objetivando a coerência do ato com as regras e princípios jurídicos a ele aplicáveis. Assim, determinado ato, ainda que realizado em consonância com as leis pode não ser legítimo, por afrontar princípios jurídicos, como a da moralidade administrativa (art. 37 da CF), economicidade (art. 70, CF) tornando-se ilegítimo e passível de impugnação por ocasião da fiscalização, e obrigatória sua devolução aos cofres públicos.
i)- O princípio da economicidade está diretamente vinculado ao princípio da eficiência. Não basta honestidade e boas intenções para validação dos atos administrativos. O princípio da economicidade previsto no art. 70 da CF impõe a adoção da solução mais conveniente e eficiente sobre o ponto de vista da gestão dos recursos públicos, porquanto toda atividade administrativa envolve uma relação sujeitável a enfoque de custo-benefício.
j)- O tributo é um direito da sociedade e não do Estado. Tributar é um dever do Estado, porém, o tributo é um direito da sociedade. Neste sentido, o tributo não é um direito do Estado, até porque o Estado nas mais das vezes é um delinqüente tributário. Esta distinção é importante na medida em que com ela podemos separar os interesses do Estado dos interesses da sociedade, cujo antagonismo se acentua com o passar dos dias.
NOTAS
- Cássia Almeida e Luciana Rodrigues. Brasil é o quarto país mais desigual do mundo – Os 10% mais pobres respondem por apenas 0, 5% da riqueza brasileira, enquanto os ricos ficam com 46,7% da renda. Rio de Janeiro: O Globo. Economia. 15/07/2004, p. 21.
- Ética e racionalidade moderna. (Coleção filosofia: 28) São Paulo: Loyola, 1993, p. 42-43
- Teoria da imposição tributária. 2ª ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 1998, p. 180-181.
- Cf. nosso Direito Financeiro e Justiça Tributária. Rio de Janeiro: Lumen Juris: 2004, p. 116-117.
- Cf. Miguel Reale. Lições preliminares de direito. 26ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 65.
- Segredos de um Historiador. Rio de Janeiro: O GLOBO, Caderno Prosa & Verso. 20-09-03, p. 3.
- Os setes saberes necessários à educação do futuro. 4ª ed. São Paulo: Cortez, 2001. p. 38
- Apud. Heleno Tôrres, Direito Tributário e Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. op. cit. p. 7.
- Cf. nosso Direito Financeiro e Justiça Tributária. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2004. passim
- "Os sete saberes necessários à Educação do Futuro" 4ª ed. São Paulo. Cortez. 2001. p. 14.
- www.fazenda.gov.br.
- Cf. Miriam Leitão. Tudo é tão desigual. Rio de Janeiro. O Globo. Coluna Panorama Econômico. 14/11/2003, p. 26.
- Cf. artigo já citado.
- Cf. Miriam Leitão, op. cit. p. 26.
- Cf. Miriam Leitão, op. cit. p. 26.
- Cf. Adauri Antunes Barbosa. Para especialistas, política social precisa mudar. Rio de Janeiro. O Globo. 15/11/2003, p. 12.
- Apud. Adauri Antunes Barbosa, op. cit. p. 12.
- O caráter social do gasto público. Rio de Janeiro. O GLOBO. 27/11/2003, p. 7.
- "Ética e racionalidade moderna" São Paulo. Loyola. 1993. p. 42.
- "A Era dos Direitos" Rio de Janeiro. Campus. 1992. p. 24.
- "Os Instrangeiros" 2ª ed. Rio de Janeiro. 2002. p. 116.
- Expressão de Oliveira Vianna, apud, Roberto DaMatta, Conta de mentiroso – Sete ensaios de antropologia brasileira. 2ª ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1994. p. 138.
- Cf. Roberto DaMatta, op cit. p. 138.
- Cf. Jaílton de Carvalho. De 50 municípios investigados, 33 têm irregularidades. Rio de Janeiro. O Globo. 18/10/2003, p. 10.
- "Os Instrangeiros" op. cit. p. 65.
- "Esperança e Ação - Um depoimento pessoal" Paz e Terra. Rio de Janeiro. 2002. p. 268.
- Uma Teoria da Justiça. São Paulo. Martins Fontes. 1997.
- Cf. Gabriel Troianelli, Responsabilidade do Estado por dano tributário. São Paulo: Dialética, 2004.
- Eurípedes Alcântara e Chrystiane Silva. O Brasil entre os piores do mundo. São Paulo. VEJA. Edição 1.838, ano 37. nº 4, 28/01/2004, p. 72-79.
- Apud. Gustavo Villela, Oito décadas separam Brasil e Estados Unidos. Rio de Janeiro. O Globo. 25/01/2004, p. 35.
- Apud, Gustavo Villela, op. cit. p. 35.
- Apud, Leandro Beguoci, Prêmio para o bom senso. O economista Steven Levitt ganha medalha que para muitos vale mais que o Nobel. Seu talento? Pensar! São Paulo. VEJA. Economia e Negócios. Edição 1.837, ano 37. nº 3. 21/01/2004, p. 88.
- O Combate à corrupção nas prefeituras do Brasil. São Paulo: Ateliê, 2003, p. 24-30.
- "As quadrilhas que se formam para dilapidar o patrimônio público têm se especializado e vêm sofisticando seus estratagemas. O modo de proceder varia: apoderam-se de pequenas quantias de forma continuada ou então, quando o esquema de corrupção está consolidado, de quantias significativas sem nenhuma parcimônia". Antonio Marmo Trevisam e outros, op. cit. p. 19.
- José Maurício Conti, "Direito Financeiro na Constituição de 1988", 1ª ed. São Paulo. Oliveira Mendes. 1998. p. 4.
- Miguel Real, Licões Preliminares de Direito. 26ª ed. São Paulo: Saraiva. 2002. p. 105.
- Miguel Reale, Lições preliminares de Direito. op. cit. p. 115.
- Marçal Justen Filho. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 9ª ed. São Paulo: Dialética. 2002, p. 70.
- Cf. Comentários à Lei de Licitações...op. cit. p. 70-71.