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As tendências do Direito Civil brasileiro na pós-modernidade

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23/04/2005 às 00:00
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2) "CRISE" DO DIREITO CIVIL

O Direito é fenômeno histórico e social. É mutante por natureza, pois reflete o ideário e as aspirações de um povo em um determinado espaço de tempo. A inércia, portanto, não deve integrar seu conceito.

A constatação da existência de crise no Direito Civil moderno é inequívoca. Sua dogmática envelheceu; foi sucateada por nossa sociedade mutante. Mas, em primeiro lugar, imprescindível que pontuemos o conceito desde fenômeno.

Claro que, de forma alguma, significa seu fim, pois não há como negar que a juscivilística constitui o substrato do ordenamento jurídico de toda e qualquer sociedade. "É verdadeiramente a espinha dorsal de toda a ciência jurídica, como se tem dito e registrado ao longo dos tempos, desde a origem romana do Direito Civil". (HIRONAKA, 2003, p.94)

O termo deve ser compreendido simplesmente como superação de paradigmas (3), que se revela na inadequação dos institutos jurídicos do Direito moderno aos nossos tempos, assim como nos ensina Fachin:

Embora não seja unívoco, o termo paradigma vem aqui colacionado para simbolizar ruptura e transformação. É possível que não se tenha uma percepção exata do desenho desse novo fenômeno, mas, por certo, tais reflexões revelaram que aquela arquitetura anterior está corroída em pontos fundamentais. Esses pontos escolhidos não arbitrariamente, embora intencionalmente, foram o contrato, o patrimônio e a família. Centrada nesses vértices, a moldura do Direito Civil Clássico se revelou superada, embora seus novos contornos ainda não estejam definidos. (FACHIN, 2000, p. 222)

Dentro desta concepção, portanto, devemos analisar separadamente quais os paradigmas que estão sendo superados e quais estão sendo instaurados, em substituição. Para tanto, tomaremos emprestada a metodologia do Prof. César Fiúza que divide o fenômeno em "crise" das instituições do Direito Civil, "crise" da sistematização e "crise" da interpretação:

A crise do Direito Civil pode ser analisada sob diversos aspectos. Em primeiro lugar, a crise das instituições do Direito Civil, basicamente de seus três pilares tradicionais: a autonomia da vontade, a propriedade e a família. Em segundo lugar, a crise da sistematização. Em terceiro lugar, a crise da interpretação.(FIUZA, 2003, p. 24)

2.1) Crise das Instituições do Direito Civil. O paradigma do Estado Democrático de Direito

A ideologia fundante do liberalismo - assim como o estado de coisas por ele definido no campo jurídico - se mantém intacta até fins do século XIX e início do século XX, quando surge, então, o denominado Estado Social em substituição ao Estado Liberal.

Através de um gradativo intervencionismo estatal na esfera privada – processo que se iniciou com o advento da 1ª Grande Guerra - o contrato e a propriedade sofreram impactos em sua estrutura e, assim, o sustentáculo fundamental do liberalismo sofre seu primeiro abalo.

A Revolução Industrial, oriunda da ideologia liberal, iniciada no século XVIII, gerou como subprodutos a massificação das relações e a concentração urbana. Tais fenômenos têm reflexos diretos na principiologia contratual e colocam em xeque a autonomia da vontade. César Fiúza explica:

Como se pode concluir a mesma Revolução Industrial que gerou a principiologia clássica, que aprisionou o fenômeno contratual nas fronteiras da vontade, esta mesma Revolução trouxe a massificação, a concentração e, como conseqüência, as novas formas de contratar, o que gerou, junto com o surgimento do estado social, também subproduto da Revolução Industrial, uma checagem integral na principiologia do Direito dos Contratos. Estes passam a ser encarados não mais sob o prisma do liberalismo, como fenômenos da vontade, mas antes como fenômenos econômico-sociais, oriundos das mais diversas necessidades humanas. A vontade que era fonte, passou a ser veio condutor. (FIUZA, 2003, p. 27)

A Revolução também afeta o Direito de Família; ela conduziu "a mulher para o mercado de trabalho, retira o homem do campo, proletariza as cidades, reduz o espaço de coabitação familiar, muda o perfil da família-padrão".(FIUZA, 2003, p.28-29)

O Estado intervencionista modifica as funções do Direito Civil e a moldura individualista começa a não se enquadrar em uma sociedade que passa a exigir a permanente integração do homem. O Direito Privado se apropria de instrumentos tradicionalmente de Direito Público. As normas constitucionais passam a ter aplicação direta nas relações jurídicas privadas.

A partir da promulgação da Constituição Federal de 1988 e da instauração de um Estado Democrático de Direito em nosso país, completou-se o ciclo de transformações sofridas no ordenamento jurídico, que adquiriu novas feições durante todo o último século.

O Direito Civil adquiriu novos contornos e seus institutos basilares foram repaginados. E mais importante: deixaram de ser basilares. A base passou a ser o homem e sua dignidade. Todo o resto deve estar funcionalizado para promoção do desenvolvimento do ser humano em todos os seus aspectos.

A propriedade, que nos últimos séculos, possuía um caráter de absoluteidade incontestável é relativizada e recebe conteúdo de função: "... passa a ser situação jurídica consistente na relação entre o titular e a coletividade (não-titulares) da qual nascem para aquele diretos (usar, fruir, dispor e reivindicar) e deveres (baseados na função social da propriedade)." (FIUZA, 2003, p. 28)

O dogma da autonomia da vontade é superado nas relações contratuais, colocando-se de lado o princípio liberal de igualdade formal para permitir a intervenção estatal regulando desequilíbrios e disparidades.

A família. Esta se multiplicou; pluralizou. É encarada "como direito vivido, e não mais como direito imposto e imaginário" (FACHIN, 2000, p. 314). Não é mais apenas matrimonializada; é também informal.

Ela é "repersonalizada". Ao Estado não mais interessa tutelar simplesmente os interesses de um grupo organizado como esteio da sociedade; procura-se proteger a família como ambiente ideal para o surgimento de condições que permitam o pleno desenvolvimento da pessoa humana.

Desta forma, surge a "família-instrumento", funcionalizada ao desenvolvimento de seus membros, onde o afeto é erigido a valor jurídico e os laços biológicos e patrimoniais assumem aspectos secundários.

O Direito de Família é regido por novos princípios: princípio da dignidade da pessoa humana, da solidariedade, da afetividade, do melhor interesse do menor e da paternidade – ou parentalidade, melhor dizendo – responsável.

Além disso, é marcada pela igualdade dos gêneros e dos filhos e pela pluralidade de entidades familiares: casamento, união estável, família monoparental, e tantas outras que possam vir a surgir na complexidade da atualidade em que vivemos e que merecem igual proteção.

2.2) Crise da Sistematização. Fragmentação em microssistemas.

Como já estudamos, a codificação foi um movimento que representou ideais políticos, econômicos e históricos da sociedade moderna. Assim, dentro dessa ideologia, durante a vigência do Estado Liberal, o Código Civil era o núcleo do Direito Privado.

Contudo, uma vez estabelecidos os Estados Nacionais, a dicotomia entre Direito Público e Direito Privado, a prevalência dos ideais econômicos liberais e a conseqüente superação de todos esses modelos, os códigos começaram a se tornar obsoletos.

Isto porque estático que é, o Código Civil não consegue acompanhar as alterações pelas quais passa a sociedade. Isso faz com que, ao lado da codificação privada, ocorra uma explosão legislativa, com o objetivo de suprir eventuais deficiências que emergem com o próprio surgimento da codificação.

A história nos demonstra a falibilidade do sistema codificado do Positivismo Jurídico, pois a sociedade humana é dinâmica, mutante, e força o Direito a acompanhar suas transformações.

A dinâmica é o movimento que gera sua própria vida e busca contemplar eventual transformação. Tal circunstância se dá quando a regra não cobre mais com sua juridicidade positivada todas as circunstâncias. Cogita-se, então, de relações contratuais de fato, para mostrar exatamente que há determinadas relações das quais emergem efeitos jurídicos e que não correspondem a um dado paradigma que foi tipificado ou codificado ao final desse processo de refinamento que a codificação opera. Esses espaços de "não-direito" geram fatos que, em certos casos, acabam se impondo ao jurídico, o que gera um a transformação naquilo que foi refinado pela ordem jurídica. Desta certa mudança sem ruptura vem a nova ordem, e o ciclo produtivo das passagens se mantém. Lacunas convertem-se em regras. (FACHIN, 2000, p. 268)

O Código Civil de 1916 teve sua ideologia fundante - completude, centralidade e unicidade - abalada com poucos anos de vigência. Já nas décadas de 20 e 30, começaram a surgir leis extravagantes, frutos do crescente intervencionismo econômico e do dirigismo contratual do Estado, no intuito de disciplinar matérias não dispostas no corpo codificado.

Disciplinas que, longe de estarem revestidas de qualquer caráter emergencial, tratavam simplesmente de matérias não previstas pelo legislador codificador. Uma legislação extravagante que regulava novos institutos – surgidos com a evolução da sociedade – e que possuíam alto grau de especialização, formando, paralelamente ao Código, um direito especial.

Com o tempo, essa legislação extravagante passou a ser conhecida como legislação especial e representou profunda alteração na dogmática do Código Civil.

Este movimento forçou, então, a abertura do sistema. Surgiram outros sistemas, menores e específicos, que, por sua vez, se tornaram o centro para cada um daqueles setores que passaram a regulamentar de forma interdisciplinar, pois traziam não só normas de direito civil, mas de direito penal, administrativo, etc. Paulo Lôbo nos ensina que:

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Proliferaram na década de setenta deste século, e daí em diante, as legislações sobre relações originariamente civis caracterizadas pela multidisciplinaridade, rompendo a peculiar concentração legal de matérias comuns e de mesma natureza dos códigos. Nelas, ocorre o oposto: a conjunção de vários ramos do direito, no mesmo diploma legal, para disciplinar matéria específica, não se podendo integrar a determinado código monotemático. Utilizam-se instrumentos legais mais dinâmicos, mais leves e menos cristalizados que os códigos – embora, às vezes, sejam denominados "códigos", em homenagem à tradição, a exemplo do código do consumidor dotados de natureza multidisciplinar. (LÔBO, 2003, p. 204)

Assim, gradativamente, o Direito Civil deixa de ser baseado só em uma lei codificada, mas em muitas outras leis específicas que se aplicam a diversos setores da ordem privada.

Ao redor do código surgem microssistemas, cujo surgimento "se verifica em razão de instalação de nova ordem protetiva sobre determinado assunto, com princípios próprios, doutrina e jurisprudências próprias, autônomos ao Direito Comum." (SÁ, 2003, p.189)

Além disso, concomitantemente à expansão da legislação especial, os textos constitucionais passam, progressivamente, a definir princípios relacionados a temas de Direito Privado, dantes exclusivamente reservados ao Código Civil: "função social da propriedade, os limites da atividade econômica, a organização da família, matérias típicas do Direito Privado, passa a integrar uma nova ordem pública constitucional" (TEPEDINO, 2004, p. 07)

E, assim, conforme Ricardo Luís Lorenzetti, "os códigos perderam a sua centralidade, porquanto esta se desloca progressivamente. O Código é substituído pela constitucionalização do Direito Civil, e o ordenamento codificado pelo sistema de normas fundamentais". (LORENZETTI, 1998, p. 45).

Neste diapasão, Maria Celina Bodin de Moraes acrescenta:

Diante da nova Constituição e da proliferação dos chamados microssistemas, ... [ ] é forçoso reconhecer que o Código Civil não mais se encontra no centro das relações de direito privado. Tal pólo foi deslocado, a partir da consciência da unidade do sistema e do respeito à hierarquia das fontes normativas, para a Constituição, base única dos princípios fundamentais do ordenamento. (MORAES, 1993, p.....)

A Constituição Federal toma o lugar antes ocupado pelo Código Civil e passa a ser o estatuto central da sociedade civil e política. Seu advento significa o fim da centralidade sistêmica do Código Civil apesar de ainda existir relutância por parte da doutrina em admitir o necessário fim da dicotomia público-privado.

Assim, apesar da armadura imposta pela codificação, o Direito Civil foi forçado a acompanhar as transformações da sociedade contemporânea, superando a teoria liberal clássica. A própria codificação, trouxe em si, a semente para sua ruína ao tentar aprisionar a multiplicidade social dentro de um código engessado.

Hodiernamente, não podemos chegar à outra conclusão senão de que os códigos tornaram-se obsoletos e, mais grave, constituem óbices ao desenvolvimento do direito civil e da sociedade. A complexa vida contemporânea não se coaduna com a rigidez imposta pelas regras codificadas.

2.3) Crise da interpretação. Mudança dos paradigmas hermenêuticos.

A "crise" do Direito na contemporaneidade operou verdadeira revolução nos paradigmas hermenêuticos utilizados até então, sobretudo, tendo-se em vista a superação da idéia de sistema fechado preconizada pelas escolas positivistas, com a conseqüente instauração da mentalidade de sistema aberto lecionada pelos pós-positivistas.

A crítica ao Positivismo reside, acima de tudo, neste fato: na pretensão de um controle cognitivo absoluto da realidade; na ousadia de tentar aprisionar o espírito humano dentro de um sistema fechado, enclausurado.

O Pós-positivismo possui traços característicos básicos. Trata-se de um conjunto de idéias plurais que ultrapassam os limites do legalismo estrito do positivismo e do normativismo, sem, contudo, recorrer à razão subjetiva do Direito Natural.

Prof. César Fiúza define:

O chamado pós-positivismo consiste em um movimento de meados do século XX, que, contrapondo-se, principalmente, ao normativismo, acredita que o direito só existe de forma concreta na medida em que compõe interesses. Seu valor potencial, enquanto conjunto de normas abstratas e genéricas, não tem qualquer interesse prático, digno de ocupar o tempo do estudioso. (FIÚZA, 2003, p.44)

É marcado, ainda, pela ascensão dos valores, pelo reconhecimento da normatividade dos princípios e a essencialidade dos direitos humanos fundamentais. A discussão ética volta ao centro do direito.

Surge, portanto, uma nova hermenêutica, fundada em um pluralismo epistemológico, onde está presente a reelaboração teórica, filosófica e prática do Direito.

Para dirimir as questões, os Pós-positivistas têm como ponto de partida o caso concreto. Ou seja, a lógica positivista é invertida: não se parte mais do sistema para o caso concreto.

Isso significa que a aplicação da lei não se trata mais de enquadrar em sua moldura estreita, as particularidades de cada caso, restando ignoradas e decotadas todas aquelas que não caibam dentro de seu esquadro. A realidade é o parâmetro para se conjugar ideais de justiça e segurança jurídica.

Partindo-se do caso concreto, preocupando-se com suas particularidades, o intérprete adequará a norma ao caso – e não o contrário. Prof. César Fiúza escreve:

Ao entrar em contato com as peculiaridades do problema prático, o intérprete buscará adequar a norma, amoldando-se às necessidades do caso. Para tanto, conjugará o texto legal com os princípios e valores vigentes no ordenamento. A solução encontrada passará a integrar o sistema, que, assim, estará retroalimentando-se. (FIÚZA, 2003, p. 35)

Um dos primeiros mentores do pós-positivismo foi Recaséns Siches, que preconizou que o intérprete da pós-modernidade enfrenta três problemas ao se deparar com o caso concreto (FIUZA, 2003, p. 45): o primeiro é eleger a norma adequada para o caso concreto; o segundo é converter os termos gerais da norma aos termos particulares do caso; o terceiro é escolher o método correto para trata-lo.

É uma metodologia ainda muito enraizada na segurança jurídica, mas a justiça já é colocada como objetivo maior do Direito. Recaséns Siches deu grande contribuição no que tange à importância do papel da Filosofia do Direito e à idéia de se buscar, a partir do problema, a axiologia do Direito.

Na esteira de Recaséns, várias obras são publicadas em contraposição à lógica formal do positivismo jurídico. São as chamadas Teorias da Argumentação (FIÚZA, 2003 p. 46), que apesar de suas diferenças, possuem todas o mesmo fundamento: o preceito de que a interpretação jurídica deve ser baseada na argumentação, evitando a aplicação dura e fria da lei.

As Teorias da Argumentação preconizam um sistema aberto, sobretudo, onde seja possível aprimorar mecanismos de interpretação capazes de promover justiça, de dar a resposta correta para o caso concreto.

No que diz respeito à normatividade dos princípios do Direito preconizada pelo Pós-positivismo, também existem teorias que procuram explicar o que são estes princípios e qual a forma de sua aplicação.

Bobbio e Del Vecchio preconizam que princípios são normas generalíssimas do sistema, alcançadas por meio de crescente generalização de outras normas do ordenamento. Dentro dessa teoria, por conseqüência, não há que se falar em conflito de princípios, tendo-se em vista que, por serem normas generalíssimas, eles possuem aplicação universal.

Esser criticou essa teoria afirmando que não é a generalidade que distingue o princípio da regra, pois princípios não se formam através de processo de generalização. Para ele, a generalidade não é causa do conceito do princípio, mas conseqüência.

Marcelo Galuppo sintetiza as críticas a essa primeira teoria:

Desde Kelsen sabemos, no entanto, que essa tese dificilmente é sustentável, pois, aprendemos com ele, como o sistema jurídico é um sistema dinâmico, não é possível deduzir de conteúdos (mais gerais) outros conteúdos normativos (mais particulares). Como Esser, já observara, não é a maior ou menor generalidade que distingue o princípio da regra. A generalidade não é um critério adequado para a distinção, porque, apesar de muitas vezes os princípios serem normas com elevado grau de abstração, eles não se foram por um processo de generalização (ou de abstração) crescente. (GALUPPO, 1999, p. 192)

A segunda teoria pertence a Robert Alexy (4). Para ele, a aplicação universal de princípios é irrealizável no caso concreto. Alexy entende que princípios são mandados de otimização, ou sejam, são normas que dizem algo que deve ser realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes.

Sendo assim, podem ser aplicados em diferentes graus, pois contém mandados prima facie, que comandam a análise do caso concreto e de todas as suas circunstâncias para sua aplicação. As regras, ao contrário, contêm mandados definitivos, sendo aplicáveis ou não no caso concreto. "Portanto, o que diferencia basicamente princípio de regras seria o fato de os primeiros serem razões prima facie, enquanto as segundas seriam razões definitivas" (GALUPPO, 1999, p. 193)

No caso de colisão entre princípios, Alexy preconiza que ambos os princípios conflitantes não deixam de ser válidos e que tal conflito se dá na dimensão do peso, o que nos conduz, invariavelmente, a uma idéia de hierarquização entre eles, ponto mais criticável da sua teoria.

Alexy preconiza que não se trata de hierarquização absoluta. Ocorre tão somente no caso concreto e é estabelecida através de um procedimento de ponderação, o qual possibilita a descoberta de qual dos interesses, abstratamente do mesmo nível, possui maior peso no caso, tendo-se em vista a existência de condições que implicam a precedência de um princípio sobre o outro.

A teoria de Alexy é muito criticada. Autores como Habermas (5) e Günther (6) afirmam que ele esvazia o caráter normativo dos princípios, pois entra em contradição com a compreensão deontológica do Direito que pretende defender.

Habermas afirma que a concepção da lei de ponderação e da lei de colisão de Alexy conduz a uma axiologização do Direito, pois tal ponderação só é possível à medida que preferimos um princípio em relação a outro e quando fazemos isso – ou seja, quando preferimos – os aproximamos de valores e não de normas. Na fala de Marcelo Galuppo:

Habermas entende que a maneira pela qual Alexy concebe as leis de colisão e de ponderação implica uma concepção axiologizante do direito, pois a ponderação, nos moldes pensados por Alexy, só é possível porque podemos preferir um princípio a outro, o que só faz sentido se os concebermos como valores. Pois é apenas porque são concebidos como valores que os seres podem ser objetos de mensuração por meio de preferibilidade, constitutiva do próprio conceito de valor, uma vez que o valor, conforme aponta Lalande, pode ser entendido como o "caráter das coisas consistindo em que elas são mais ou menos estimadas ou desejadas por um sujeito ou, mais ordinariamente, por um grupo de sujeitos determinados" (Lalande, 1960:1183. Grifos meus). Ao assumir tal posição, Alexy confunde normas jurídicas (em especial os princípios) com valores, o que torna a sua teoria inconsistente. (GALUPPO, 1999, p.196)

Alexy se preocupa em encontrar mecanismos racionais de ponderação e afirma que a fundamentação racional é aquela capaz de apontar suas razões, ou seja, as razões de preferibilidade.

Habermas, por sua vez, afirma que é necessária uma fundamentação deontológica, que leve em consideração a correção normativa, que pressupõe a possibilidade de fundamentar em termos racionais e definitivos uma determinada ação.

Para este autor, uma fundamentação baseada em valores nos dita aquilo que é bom para nós, enquanto uma fundamentação em normas dita aquilo que é universalmente correto.

Ronald Dworkin (7) afirma, a seu turno, que princípios são modelos que devem ser observados, independentemente do fim que sua aplicação poderá atingir, mas porque é simplesmente uma exigência da justiça ou de imparcialidade ou de qualquer dimensão de moralidade.

O conceito de Integridade do Direito (8) elaborado por Dworkin é aproveitado nas teorias de Klaus Günther e de Habermas para formulação do conceito de princípios e do procedimento de solução de conflitos entre eles, no caso concreto.

Estes dois autores consignam que a diferença entre princípios e regras reside no fato de serem normas que possuem razões distintas de fundamentação das ações. Os primeiros, possuem razões comparativas (consideradas todas as circunstâncias, a ação deve ou não deve ser executada) e as segundas possuem razões prima facie (a ação deve ou não deve ser executada).

Para eles, princípios são fluidos e abstratos e necessitam ser densificados no caso concreto, não se aplicando a toda e qualquer situação que reproduza suas circunstâncias de aplicação.

Günther leciona que os princípios são aplicados através de procedimento argumentativo, que obriga a considerar todas as características da situação em exame. Leva-se em conta um juízo de adequabilidade; um princípio pode excepcionar outro e a exceção se faz pelo próprio caso, onde o juiz deve realizar a exigência da Integridade.

Para ele, ao contrário de Alexy, princípios não estão em relação de subordinação, mas sim de coordenação.

Independentemente das divergências entre os autores citados acima, o que devemos ter em mente é que dentro desta concepção de sistema aberto, os princípios assumem papel importantísismo no sentido fornecer decisões coerentes e justas, integrando o sistema jurídico. Além disso, por serem normas, princípios não podem ser hierarquizados, tampouco podem ser objeto de preferências.

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Sobre a autora
Renata de Lima Rodrigues

advogada em Belo Horizonte (MG),professora da PUC/MG, especialista em Direito Civil pelo Instituto de Educação Continuada da PUC/MG, mestranda em Direito Privado pela PUC/MG

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RODRIGUES, Renata Lima. As tendências do Direito Civil brasileiro na pós-modernidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 655, 23 abr. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6617. Acesso em: 19 abr. 2024.

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