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As tendências do Direito Civil brasileiro na pós-modernidade

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23/04/2005 às 00:00
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CONCLUSÃO

Traçado este sintético panorama da juscivilística brasileira, concluímos, de maneira inegável, que o Direito Civil contemporâneo vem atravessando uma fase de profundas transformações em seus valores constituintes.

Essa fase turbulenta, recheada de incertezas, deu origem à chamada "crise" do Direito Civil que, como já dito, nada mais é que a superação de antigos paradigmas e a instauração de novos, em substituição.

A sociedade contemporânea tem novas exigências e se estrutura em novos padrões de organização social, política e econômica. Portanto, a dogmática jurídica colecionado durante toda a modernidade não mais nos serve.

Dentre as inúmeras alterações que se vislumbram no cenário de mutação que ora nos apresenta, devemos destacar algumas, reportadas fundamentais para a compreensão do Direito Civil que vem se amoldando em nossos tempos.

A primeira delas é o fim - ou ao menos a relativização - da dicotomia entre Direito Público e Direito Privado, tendo em vista a interpenetração do Direito Civil com o Direito Constitucional, para a perfeita tutela dos interesses existenciais, tendo em vista que essa só pode ser garantida à luz dos princípios fundamentais constitucionais e do amplo compromisso social assumido por nossa Carta Maior.

O fim dessa compartimentação do Direito significa, ainda, a inadequação de um sistema jurídico que vise a promoção de segurança jurídica, que na concepção moderna representa a garantia de proteção da liberdade individual contras ingerências do Estado.

A história nos mostrou a necessidade da intervenção estatal na economia, que não é capaz de se autogerir e solucionar os problemas que causa. Sendo assim, a necessidade de códigos que representassem estabilidade e completude deixou de ser imperativa. Ao contrário, se mostrou inadequada em nossos tempos.

Hodiernamente, a busca precípua de um ordenamento jurídico deve ser a realização da justiça, sobretudo, de justiça social, através da permanente contribuição de todos os cidadãos para o bem comum.

É indispensável a existência de um sistema aberto, que não feche as portas para a complexidade da sociedade contemporânea, evitando que fatos sociais se situem à margem do regramento jurídico, exigindo uma hiperatividade legislativa, que ao contrário de revelar uma sociedade organizada, significa desorganização e subdesenvolvimento.

Um sistema aberto exige, ainda, pluralismo de fontes, restando superada a idéia positivista de que só a lei é fonte de direito. Aos princípios jurídicos é atribuída importância nunca dantes conferida. Assumem em definitivo papel no plano da aplicação.

O intérprete possui função diferenciada. Não lhe cabe somente subsumir a norma ao caos concreto, mas sim analisar todas suas circunstâncias, para aplicar aquela que melhor se adeque à produção de uma decisão justa e correta. Neste contexto tomam corpo as denominadas Teorias da Argumentação, que procuram encontrar mecanismos racionais desta adequação.

O Direito Civil é fragmentado, desagregado em uma série de corpos jurídicos autônomos: os microssistemas, dotados de princípios, que já não buscam vida no Código Civil, mas na própria Constituição Federal. A era da descodificação se amoldura.

Os pilares tradicionais da dogmática civil, autonomia da vontade, propriedade e família, perdem seu status. O direito civil é personalizado e seu centro epistemológico é ocupado pela ser humano e por sua dignidade, elevados, pela Constituição Federal à categoria de princípios fundamentais de nossa República.

Diante de tudo isso, não sabemos onde encaixar um novo código civil... Mas ele se impõe a nós e assim temos a tarefa de tentar minimizar seus impactos desastrosos na gradativa reestruturação que nosso Direito vinha sofrendo, por méritos da doutrina e da jurisprudência.


NOTAS

  1. Tendo o Direito Alemão optado pela codificação - para tristeza de Savigny -, o que culminou com a promulgação do BGB, código que inspirou muitos outros que surgiram em sua esteira.
  2. A escola da Exegese, inspirada no racionalismo setecentista, preconizava o Direito como sistema de regras lógico-dedutivas. A lei seria fonte única e suficiente que dispensava interpretações, por sua clareza e completude.
  3. Thomas S. Khun, mentor da teoria dos paradigmas, preconiza que um paradigma é aquilo que os membros de uma comunidade partilham e, inversamente, uma comunidade científica consiste em homens que partilham um paradigma.
  4. ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madri: Centro de Estudios Constitucionales, 1997.
  5. HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de janeiro: Tempo brasileiro, 1997. 2 v.
  6. GÜNTHER, Klaus. The sense of appropriateness.Trad.: John Farrel. Albany: State University of New York, 1993.
  7. DWORKIN, Ronald. Life´s dominion. Nova Iorque. Alfred A Knopf, 1993.
  8. Conceito central da teoria de Dworkin responsável pela atribuição de legitimidade ao sistema jurídico, relacionado, ainda, com as razões que constituem o substrato das normas jurídicas e se conecta diretamente ao conceito de justiça, imparcialidade e igualdade. Para Dworkin, uma decisão justa respeita a integridade do sistema e fornece a resposta correta para o caso.

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Sobre a autora
Renata de Lima Rodrigues

advogada em Belo Horizonte (MG),professora da PUC/MG, especialista em Direito Civil pelo Instituto de Educação Continuada da PUC/MG, mestranda em Direito Privado pela PUC/MG

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RODRIGUES, Renata Lima. As tendências do Direito Civil brasileiro na pós-modernidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 655, 23 abr. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6617. Acesso em: 17 abr. 2024.

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