Os princípios da isonomia e da capacidade contributiva na pretensão da justiça social

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O presente artigo versa sobre o Sistema Tributário Nacional e traz apontamentos sobre a relação entre a justiça tributária e a justiça social pela aplicação dos princípios constitucionais da isonomia e da capacidade contributiva.

Resumo: O presente artigo versa sobre o sistema tributário nacional e traz apontamentos sobre a relação entre a justiça tributária e a justiça social, com estudos que mostram a insatisfação da sociedade com o sistema de tributação e a insuficiência estatal de atender as demandas sociais. Estuda-se aqui os princípios da capacidade contributiva e a isonomia tributária com o sistema tributário brasileiro e aponta um método regressivo, mas busca a progressividade a fim da efetiva e real destinação dos recursos para o alcance da justiça social através da justiça tributária.

Palavras-chave: Justiça Tributária. Justiça Social. Princípio da isonomia. Princípio da capacidade contributiva.

Abstract:This article deals with the national tax system and provides notes on the relationship between tax justice and social justice, with studies showing society's dissatisfaction with the tax system and the State's insufficiency to meet social demands. The principles of tax capacity and taxonomy with the Brazilian tax system are studied here and it points to a regressive method, but seeks progressivity in order to effectively and reallocate resources to reach social justice through tax justice.

Keywords: Principle of contributory capacity. Principle of isonomy. Social justice. Tax Justice.


INTRODUÇÃO

O sistema tributário nacional funda-se na cobrança de tributos de forma justa, ainda que existam diferenças econômicas na sociedade, entretanto, questiona-se quanto à real justiça do sistema tributário ante a elevada carga tributária, a guerra fiscal, o arrocho imposto aos contribuintes e a verdadeira necessidade desta elevada tributação recair sobre a sociedade sem distinção quanto ao grau econômico individual.

Dentro desse quadro surgem alguns apontamentos a serem expostos a fim de possibilitar a análise quanto à injustiça tributária no retorno da arrecadação, pelo Estado, para conversão em atendimento das demandas sociais, o que demonstra a insatisfação da sociedade com o sistema tributário nacional.

Em análise, o questionamento se dá quanto à injusta tributação que confronta e desrespeita o princípio da capacidade contributiva e da isonomia, causando desigualdades sociais atenuadas e concentrada nas áreas mais sensíveis da sociedade que sofre grandemente o impacto da tributação igualitária à toda sociedade, indistintamente, com a justificativa de que o bem estar coletivo sobrepõe a capacidade contributiva do individual.

Relaciona-se a estas questões, a analise da compatibilidade de todo o sistema de capitação de tributos – leia-se também como recursos financeiros – com princípios constitucionais tributários, os quais serão estudados neste artigo. Junto a estes princípios, a discussão acerca da finalidade dos tributos, em sua essência regressiva ou progressiva, e um debate na busca da melhor forma para atingir a justiça social, com a redução de desigualdades por uma aplicação transparente dos recursos tributários recebidos.

Na prática, o que se critica bastante é a linha majoritária regressiva do sistema tributário nacional. A população almeja uma maior justiça na arrecadação dos tributos e a necessidade de uma real destinação dos recursos auferidos pelo Fisco, notadamente recolhidos através das contribuições, ligados ao custeio de direitos sociais.

Dessa forma, este artigo tratará sobre como funciona o sistema tributário nacional brasileiro, com a finalidade de conferir se as características são correspondentes com o ideal de justiça tributária e justiça social, defendidos pela Carta Magna, legisladores, juristas e outros.

Será feito uma análise do sistema tributário como um todo, não se preocupando em dividir o estudo do referido sistema em entes institucionais com ou sem capacidade e competência tributária.

     O estudo tem total atenção pelo sistema vigente, não se preocupando com outros momentos históricos constitucionais. O enfoque é perceber, na vigência deste sistema, a existência de desafios a serem enfrentados para que se alcance a justiça tributária e consequentemente uma melhora na justiça social. 


1. O ESTADO E O PODER DE TRIBUTAR

O Estado, como instrumento de exercício do poder que emana do povo (art. 1º, parágrafo único da CF/88), em busca do bem comum, utiliza-se dos instrumentos permitidos pela carta magna de maneira a se respeitar os direitos e garantias fundamentais propiciando uma vida digna para todos.

Uma de suas características é o Poder De Tributar, que é a competência conferida pela Constituição Federal ao Estado para tributar os cidadãos respeitadas as limitações, arrecadando o necessário para atender às demandas sociais e trazer o bem coletivo, restando ao contribuinte o papel de suportar o encargo que mantém o sistema estatal, sendo não só um peso imposto, mas um dever dos cidadãos. Tal dever possui natureza de princípio constitucional, conforme Machado preleciona (MACHADO, 2011,p.44)

A solidariedade social não é apenas uma ideia. É um princípio de nosso Direito Positivo, pelo menos a partir da Constituição Federal de 1988, que o alberga expressamente em dispositivo segundo o qual constituem objetivos fundamentais de nossa República “construir uma sociedade livre, justa e solidária” (art. 3º, I).

A solidariedade, acima citada como princípio, está presente em todo o ordenamento constitucional e decorre do modelo econômico adotado no Brasil por seus constituintes, que incentivam a propriedade privada e a livre iniciativa. Tais estímulos acabam por gerar as desigualdades econômicas e/ou sociais, vez que, no Brasil há diferenças gritantes que restringem as oportunidades à uma parte menor da sociedade.

Mas é função do Estado, através do poder de tributar previsto na Constituição da República Federativa do Brasil, onde trata do sistema tributário nacional e da distribuição e orçamento, diminuir as mazelas advindas do sistema escolhido, conforme  Rosso (2009, p. 3):

Por mais surpreendente que possa parecer ao analista superficial, o direito de tributar nasce, justamente, da opção da Constituição brasileira pela liberdade de iniciativa e proteção à propriedade privada (art. 5º, XXII e XXIII, da CF/1988).O caminho adotado pela Constituição, entretanto, implica em compromissos em sentido contrário: o Estado Fiscal não prescinde do combate à injustiça social ocasionada pela liberdade de iniciativa. Cabe ao Estado, ao aceitar a liberdade de iniciativa, remediar os desequilíbrios por ela ocasionados.

No Brasil, a matéria tributária é abrangida pela Constituição Federal, o que resulta num Sistema Tributário com rigidez e grande influência de princípios direcionados às normas tributárias, os chamados princípios constitucionais tributários.

Sérgio Mota (2010, p.201) aduz que a tributação não cumpre somente a função fiscal de arrecadar, mas também possui função ética, trazendo os valores e direitos assegurados constitucionalmente por seus princípios para implementar a justiça social:

Portanto, a tributação no Brasil atual não mais deve ser considerada um mero instrumento de geração de recursos para o Estado, mas um instrumento que, embora tenha esse objetivo mediato, ‘deve estar em sintonia com os demais objetivos constitucionais’.

A finalidade (objetivo, fim a que se destina o tributo) buscada pelo legislador infraconstitucional impõe dever o tributo na atualidade cumprir indiretamente uma função (ação, utilidade para consecução de seus objetivos) que caberia diretamente ao Estado contemporâneo cumprir: a função social. Dessa forma, o tributo na atualidade é instrumento de alcance daquela função social do Estado e, ao mesmo tempo, também cumpre sua função social.  

Não se pode afirmar que a justiça social será equilibrada apenas pela justiça tributária, haja vista que os fatores culturais e históricos demonstram que a desigualdade social e econômica no Brasil é gritante.

Porém, busca-se do Estado, sendo ele gestor das arrecadações e possuidor dos instrumentos de desenvolvimento político, econômico e social, um ideal de satisfação dos direitos e garantias constitucionais que possam equilibrar o sistema.

Dessa forma se faz importante a conexão entre a Justiça Tributária e a Justiça Social, pois, é dever e finalidade do Estado em sua atuação na tributação o bem estar coletivo levando em consideração o tratamento isonômico e a capacidade econômica individual, ambos garantidos pela carta magna.


2. PRINCÍPIOS NORTEADORES DA JUSTIÇA TRIBUTÁRIA

Para que as garantias fundamentais sejam respeitadas na seara tributária, o código tributário nacional, CTN, deve estar de acordo com as previsões constitucionais. Qualquer norma, para ter validade, deve respeitar os mandamentos que podem ser chamados de princípios. São comandos obrigatórios tanto para os indivíduos cumprirem com suas obrigações, como no caso de pagar de tributo, quanto para o Estado para com suas funções, no caso da tributação.

Princípio, segundo o doutrinador Celso Antônio Bandeira de Mello, citado por Roque Carraza, é:

[...] princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que tem por nome sistema jurídico positivo (CARRAZA,2009, p. 45)

Humberto Ávila, ao diferenciar das regras, define princípios como:

[...] normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementariedade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção.” (ÁVILA, 2005, p.71).

A justiça tributária, por sua vez, composta pelos princípios que a norteiam é extremamente complexa para ser definida ante a atual diversidade social do Brasil. Contudo, a Constituição Federal prevê expressamente a necessidade do equilíbrio socioeconômico entre as regiões do País, por meio de intervenção no domínio privado, utilizando-se da tributação para este fim, conforme expressa o artigo 151, I. Este dispositivo dá sentido e consolida a justiça tributária par equilibrar as desigualdades, senão vejamos:

Art. 151. É vedado à União:

I - instituir tributo que não seja uniforme em todo o território nacional ou que implique distinção ou preferência em relação a Estado, ao Distrito Federal ou a Município, em detrimento de outro, admitida a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do País;

A Constituição traz em seus artigos princípios norteadores para justa tributação, sendo eles o da isonomia e o da capacidade contributiva, que serão estudados adiante, ambos convergindo para o mesmo foco afim de atingir a justiça social pela devida aplicação dos tributos exercida pelo Estado.

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Pode-se observar que a Carta Magna faz aplicação da isonomia tributária quando em seu texto do artigo 150, II permite o tratamento desigual ao perceber situação diferente entre os contribuintes, senão vejamos:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;

O fator discriminatório apto a conferir tratamento isonômico realizador da igualdade circula o princípio da capacidade contributiva prevista no art. 145, § 1º da Constituição da República:

§ 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

Que, segundo Baleeiro (2010, p. 276) representa “sua idoneidade econômica para suportar, sem sacrifício do indispensável à vida compatível com a dignidade humana uma fração qualquer do custo total de serviços públicos”.

Desta feita, conforme se pode extrair, a justiça tributária se dá pela real aplicação dos direitos e deveres assegurados, respeitando as características individuais e coletivas a fim de haver o equilíbrio entre a tributação isonômica e a capacidade econômica para que o ser humano viva dignamente, fundada nos princípios norteadores.

2.1.PRINCÍPIO DA ISONOMIA

A isonomia tributária, umbilicalmente ligada ao valor supremo da igualdade previsto no caput do art. 5º da Constituição Federal de 1988, é um parâmetro indispensável à aferição da justiça tributária, estando insculpida no inciso II do art. 150 do texto constitucional.

Tal valor liga-se de forma profunda ao próprio sistema republicano, consoante preleciona Carrazza (2006, p. 78):

De fato, o princípio republicano exige que os contribuintes (pessoas físicas ou jurídicas) recebam tratamento isonômico. A lei tributária deve ser igual para todos e a todos deve ser aplicada com igualdade. Melhor expondo, quem está na mesma situação jurídica deve receber o mesmo tratamento tributário. Será inconstitucional – por burla ao princípio republicano e ao da isonomia – a lei tributária que selecione pessoas, para submetê-las a regras peculiares, que não alcançam outras, ocupantes de idênticas posições jurídicas. O tributo, ainda que instituído por meio de lei, editada pela pessoa política competente, não pode atingir apenas um ou alguns contribuintes, deixando a salvo outros que, comprovadamente, se achem nas mesmas condições.

Já Velloso (2007, p. 47), evidencia a imediata conexão da ideia da isonomia com a realização da justiça:

A determinação do conteúdo do princípio da isonomia envolve, portanto, uma questão de justiça (Gerechtigkeitsfrage), pois deverá ser realizada à luz dos valores essenciais aos Estados Constitucionais de Direito, os quais constituem, sem sombra de dúvidas, expressões jurídico-constitucionais do núcleo essencial das teorias de justiça. Por isso é viável afirmar, com Weinberger, que a igualdade material é “isonomia segundo pontos de vista de justiça” (Gleichheit nach Gerechtigkeitsgesichtspunkten) e, via de consequência, que o princípio de igualdade, constitui um mandado de justiça (Gerichtkeitsgebot). Determina que se adotem tratamentos jurídicos justos ou, mais precisamente, que se efetuem juízos de igualdade fundados sobre critérios de justiça e se estabeleçam tratamentos jurídicos conformes a tais juízos.

A realização do comando da igualdade pressupõe, todavia, a utilização da coerência da isonomia, segundo a qual “se deve tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida das suas desigualdades” (ARISTÓTELES).

Na obra de Dworkin (2001) nota-se que a igualdade, como princípio jurídico fundamental, conduz à possibilidade de existir um equilíbrio entre a justiça e os direitos, como a distribuição de bens e o direito de igual tratamento, sendo necessário, para tanto, um justo e viável fator discriminatório.

Ainda em complemento, o princípio da igualdade, o justo esquema de tributação distingue os contribuintes de acordo com sua renda e pede mais do que têm mais, de modo a garantir que cada contribuinte arque com o mesmo peso, ou seja, o que seria o custo real para cada realidade social (MURPHY e Nagel, 2005, p.34).

A fim de adotar tratamentos tributários diferenciados, porém justos, deve-se verificar a consonância do fator discriminatório com os interesses protegidos constitucionalmente. Tal verificação só se efetiva, segundo o jurista Celso Antônio Bandeira de Mello (Mello, 2011, p. 41), quando há a concorrência de quatro elementos, quais sejam:

a)             que a desequiparação não atinja de modo atual e absoluto, um só indivíduo;

b)              que as situações ou pessoas desequiparadas pela regra de direito sejam efetivamente distintas entre si, vale dizer, possuam características, traços, nelas residentes, diferenciados;

c)               que exista, em abstrato, uma correlação lógica entre os fatores diferenciais existentes e a distinção de regime jurídico em função deles, estabelecida pela norma jurídica;

d)              que, in concreto, o vínculo de correlação supra-referido seja pertinente em função dos interesses constitucionalmente protegidos, isto é, resulte em diferenciação de tratamento jurídico fundada em razão valiosa – ao lume do texto constitucional – para o bem público.

Assim, surge a importante questão de se saber quais as diferenças entre os contribuintes que devem ser tomadas em consideração. Por certo, se isso ficasse a cargo dos aplicadores do Direito produzir-se-ia incerteza jurídica e, provavelmente, desigualdade, haja vista a capacidade humana de sobrepor direito que não se vislumbra aos mais favorecidos economicamente, ao de contribuintes cobertos pela proteção jurisdicional. Por fim, não haveria um padrão geral que valesse para todos ou que fosse aplicado por todos.

A partir dessa circunstância, é justamente para reduzir a incerteza jurídica e a potencial desigualdade na aplicação do Direito que surgem as generalizações, pois uma tributação preocupada com a busca maximalista da justiça fiscal (particularista) pode precisamente conduzir ao resultado oposto do princípio da isonomia, por deficiências inultrapassáveis na sua aplicação e execução.

Desse modo, conforme Humberto Ávila expõe (2004,p.78), surgem as normas de simplificação, segundo as quais "o contribuinte é obrigado a pagar tributos com base em padrões que desconsideram as suas características pessoais em favor da consideração a elementos médios, presentes na maior parte dos casos".

Para John Rawls (RAWLS,2000, p.14), os critérios de justiça partem do princípio de que todos os cidadãos são iguais e livres e conclui que as disparidades contributivas só devem existir se melhorarem a condição de vida dos menos favorecidos, munindo-se de que tais desigualdades sejam consistentes com a liberdade e justas oportunidades. Pode-se exemplificar ao dizer que equidade seria cobrar imposto mais caro daquele que possui maior renda, pois detém maior capacidade de contribuir.

O sistema tributário não pode ser usado como forma de discriminação, mas de equidade, e para tal é necessário que os critérios utilizados para uma diferenciação, na medida da necessidade de tratamento desigual, seja fundada em características como patrimônio, renda, atividades econômicas do contribuinte, entre outras.

Desta feita, percebe-se que a justiça tributária é alcançada através da aplicação do princípio da isonomia, devendo ser aplicada em respeito à equidade e os diversos princípios que permeiam o sistema jurídico brasileiro, levando em consideração características referente à cada contribuinte.

2.2.PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA

A capacidade contributiva é considerada por Carrazza (2010, p. 86) como “um dos mecanismos mais eficazes para que se alcance a tão almejada Justiça Fiscal”, instrumentalizando a igualdade republicana:

O princípio da capacidade contributiva hospeda-se nas dobras do princípio da igualdade e ajuda a realizar, no campo tributário, os ideais republicanos. Realmente, é justo e jurídico que quem, em termos econômicos, tem muito pague, proporcionalmente, mais imposto do que quem tem pouco. Quem tem maior riqueza deve, em termos proporcionais, pagar mais imposto do que quem tem menor riqueza. Noutras palavras, deve contribuir mais para a manutenção da coisa pública. As pessoas, pois, devem pagar impostos na proporção dos seus haveres, ou seja, de seus índices de riqueza (Carrazza, 2010, p. 86).

Na análise de Giardina e Ataliba (1988, p.154), observam-se alguns quesitos comuns entre as várias definições que existem, como: a) designar-se o destinatário legal tributário; b) estabelecerem-se os critérios para substituição e solidariedade; c) fixarem-se os fundamentos da repercussão tributária; d) determinar-se a natureza específica dos tributos; e) apurar-se o cunho extrafiscal de certos tributos; f) estabelecer critérios vinculantes para o legislador, na qualificação da base de cálculo; g) inferirem-se parâmetros para o legislador estabelecer as alíquotas; e h) evidentemente, apurar-se a inconstitucionalidade do tributo com hipótese vazia, sem substância econômica.

Os argumentos acima induzem à conclusão que o fator de discrímen, segundo a capacidade contributiva, é o poder econômico de cada contribuinte em potencial manifestado pelo fator imponível.

Pode-se afirmar que a capacidade contributiva está intrinsecamente relacionada com a necessária solidariedade, sendo primordial para nortear uma sociedade. A questão principal para aplicação do princípio da capacidade contributiva na busca por uma justa tributação é como o legislador deve definir as hipóteses de incidência tributária.

O resultado desta tentativa de identificar a capacidade contributiva como nexo de causalidade para o nascimento da obrigação tributária desemboca necessariamente no conceito de renda e sua manifestação, como reconhecem alguns autores.

Assim, os índices diretos, como a posse de bens e a percepção de rendas, têm mais identidade com o conceito de capacidade contributiva, enquanto a circulação de bens e consumo de riquezas seriam apenas manifestações parciais (ZILVETI, 1998). Neste tópico, decisão do STF:

EMENTA: Ação Direta de Inconstitucionalidade. 2. Art. 3o, da Lei no 7.940, de 20.12.1989, que considerou os auditores independentes como contribuintes da taxa de fiscalização dos mercados de títulos e valores mobiliários. 3. Ausência de violação ao princípio da isonomia, haja vista o diploma legal em tela ter estabelecido valores específicos para cada faixa de contribuintes, sendo estes fixados segundo a capacidade contributiva de cada profissional. 4. Taxa que corresponde ao poder de polícia exercido pela Comissão de Valores Mobiliários, nos termos da Lei no 5.172, de 1966 – Código Tributário Nacional. 5. Ação Direta de Inconstitucionalidade que se julga improcedente. (ADI 453/DF. Relator: Min. Gilmar Mendes. Julgamento: 30/08/2006. Tribunal Pleno.

Nesse sentido, pode-se dizer que o Imposto de Renda é o mais arraigado a esse fundamento para qualificar a capacidade contributiva de cada um, cabendo ao aplicador da lei ter consciência do limite que a cobrança tributária pode alcançar. Conforme Ávila, ao tratar do conceito de renda, preceitua:

O conceito de renda é construído a partir do postulado da coerência substancial. Desse postulado decorre o dever de analisar, de um lado, os princípios constitucionais fundamentais na sua concretização tributária (o princípio da igualdade, art. 5o, caput, e art. 150, II, a inviolabilidade da dignidade humana, o art. 1o, os direitos fundamentais de liberdade, o art. 1o, art. 5o, caput e incisos II, XXII, XXIII, e art. 150) e, de outro lado, os princípios gerais tributários previstos no Sistema Tributário Nacional (pessoalização dos tributos e capacidade contributiva, art. 145, § 1o) e aqueles aplicáveis ao imposto sobre a renda (generalidade, universalidade e progressividade). O conceito de renda, apesar de não expressamente instituído, decorre de uma conexão entre direitos fundamentais, princípios constitucionais fundamentais e gerais e regras de competência. (ÁVILA, 2004, p.366)

Para reduzir a incerteza e potencial desigualdade na aplicação do Direito, assim como para tornar o sistema eficiente, lança-se mão das generalizações e das normas de simplificação tributária. Disso resulta que, não raras vezes, "o contribuinte é obrigado a pagar tributos com base em padrões que desconsideram as suas características pessoais em favor da consideração a elementos médios, presentes na maior parte dos casos" (ÁVILA, 2005, p. 78).

O princípio da capacidade contributiva exige, de um lado, que a tributação atinja fatos assentados em realidades econômicas (manifestações concretas de riquezas) e, de outro lado, que o contribuinte seja tratado de modo diferente na medida em que sua capacidade concreta diferencie-se da dos demais.

Desse modo, enquanto a praticabilidade coloca-se como medida de realização da igualdade geral, a capacidade contributiva, nesse aspecto, coloca-se como medida de realização da igualdade individual, pois exige vinculação às condições particulares do contribuinte.

É importante frisar que no §1º do art. 145 da Constituição Federal, a graduação econômica da tributação segundo a lógica da capacidade contributiva, baseada no critério da riqueza econômica do contribuinte, se circunscreveria aos tributos-impostos, e não a todas as espécies tributárias.

Tal interpretação, contudo, é alvo de críticas substanciais por parte da doutrina, que estende a ideia da capacidade contributiva não somente aos impostos, mas à todas as espécies de tributo.

É o que defende José Eduardo Soares de Melo:

A capacidade contributiva deveria estar subjacente em qualquer espécie tributária, revelada pelo valor do objeto (materialidade). Tendo em vista que a tributação quantifica-se por uma base de cálculo (a qual se aplica uma alíquota), salvo os casos excepcionais de tributo fixo, e como esta nada mais é do que o próprio valor (econômico) da materialidade, sempre será possível medir a intensidade (econômica) de participação do contribuinte no montante do tributo.

 (...) Observa-se que a capacidade contributiva não se refere apenas a impostos (art. 145, §1º), pois é possível inferir sua aplicação às taxas (art. 5º, LXXIV e LXXVII, da Constituição), no caso de o Estado ser obrigado a prestar assistência integral e tornar gratuito o registro civil de nascimento e certidão de óbito, aos que comprovarem insuficiência de recursos. Trata- -se de situações excepcionais, uma vez que as taxas levam em consideração os custos dos serviços públicos, e não, particularmente, a situação patrimonial/econômica do beneficiário. O princípio é aplicável, também, às contribuições sociais que tenham materialidades pertinentes aos impostos, tais como a Cofins (art. 195, I, b, da CF) e o PIS (art. 239 da CF) relativamente ao faturamento e à receita (Melo, 2010, pp. 32-33).

Nessa linha, Machado também se posiciona ao compreender qual seria o alcance da expressão “sempre que possível” no dispositivo supracitado:

Esse dispositivo tem suscitado algumas questões, duas das quais nos parecem realmente importantes.

[...]

Ao nosso ver o princípio da capacidade contributiva, ou capacidade econômica,diz respeito aos tributos em geral e não apenas aos impostos, embora apenas em relação a estes seja expressamente positivado na Constituição. (MACHADO, 2011, p.39)

Não se torna razoável que o legislador decida quando será aplicado, ou não, o princípio da capacidade contributiva, vez que a Constituição Federal traz essa norma como princípio fundante, devendo ser aplicado em todos os casos que preencherem os requisitos para tal.

Hugo de Machado demonstra um exemplo de como o princípio pode ser aplicado em outras esferas, em que revela o possuidor de renda, senão vejamos:

É certo que nossa Constituição contém regras no sentido de que o desenvolvimento econômico e social deve ser estimulado (art. 170), e especificamente no sentido de que a lei poderá, em relação à empresa de pequeno porte constituída sob as leis brasileiras, e que tenham sua sede e administração no País, conceder tratamento favorecido (art. 170, IX).

 O que se extrai do sistema tributário brasileiro, entretanto, é que o ideal de justiça tributária, que seria produto dos valores da igualdade e da capacidade contributiva impostos pela Constituição, está bem distante da realidade almejada.

Dessa forma, pode-se dizer que o Estado Democrático de Direito necessita da tributação para atender seus objetivos, sendo que a solidariedade fiscal fundamenta o dever de pagar tributos. Por outro lado, a referida obrigação tem como limitação a capacidade contributiva de cada um, o que deve ser mensurado através de critérios de justiça, para evitar que ocorram desigualdades no âmbito horizontal do princípio, alcançando tanto a justiça tributária quanto a social.

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Sobre os autores
Igor de Andrade Barbosa

Mestre em Direito Econômico e Desenvolvimento pelo Programa de Mestrado em Direito da Universidade Candido Mendes - UCAM. Especialista em Direito nas Relações de Consumo - UCAM. Especialista em Direito da Concorrência e Propriedade Industrial- UCAM. Diretor e Membro do Conselho Editorial da Revista Tribuna da Advocacia da Escola Superior de Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil do Tocantins. Professor e orientador da graduação (bacharelado) do curso de Direito da Universidade Candido Mendes - Ipanema (licenciado). Professor da graduação e da pós-graduação do curso de Direito da Faculdade Católica do Tocantins UBEC.

Denise Coltro

Acadêmica do curso de Direito pela Faculdade Católica do Tocantins. Acadêmica do curso de Administração pela Universidade Federal do Tocantins.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Bom, elaborei este artigo com a finalidade de concluir o curso de Direito com um trabalho publicado, a fim de dar mais visibilidade para o público acadêmico e outros à uma temática tão característica e necessária como a importância da devida e eficaz tributação baseada nos princípios constitucionais para o alcance da justiça social.

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