3. O ALCANCE DA JUSTIÇA SOCIAL ATRAVÉS DA JUSTIÇA TRIBUTÁRIA
O Estado, ao atuar como gestor das riquezas nacionais e como ente político responsável pela concretização dos direitos e garantias constitucionais, deve usar o poder de tributar como meio para alcançar uma maior justiça no meio social, impulsionado por seu objetivo institucional de erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais.
Grande parte da doutrina elenca como principal empecilho ao alcance de uma maior justiça social a partir da justiça tributária, o fato de que o sistema tributário nacional é eminentemente regressivo e apenas ocasionalmente progressivo.
Machado Segundo (2009, pp. 216-217) demonstra claramente o que significam essas variáveis:
Considera-se progressivo o tributo cujo ônus é tanto maior quanto maior for a grandeza econômica tributável, o que faz com o que o seu montante não seja apenas proporcionalmente maior, mas progressivamente maior. Quem tem mais, paga sensivelmente mais, considerando-se a chamada utilidade marginal de riqueza.
(...)
A tributação regressiva, por sua vez, consiste precisamente no contrário da progressiva. O ônus do tributo é tanto menor quanto maior for a grandeza tributada, o que faz com que as pessoas dotadas de menor capacidade contributiva suportem, proporcionalmente, uma carga tributária muito maior.
O mesmo autor exemplifica a aplicação dessas duas características:
Ao onerar com uma alíquota de 10% salário de R$ 500,00 mensais, por exemplo, retira-se do patrimônio do contribuinte quantia que lhe fará seguramente muita falta no atendimento de suas necessidades básicas. O mesmo percentual de 10%, incidente sobre um salário de R$ 5.000,00 faria também falta ao empregado, mas, embora a proporção seja a mesma, essa falta seria menor. Em se tratando de um salário de R$ 100.000,00, 10% já não fariam praticamente falta nenhuma. É essa utilidade, cada vez menor, que a riqueza tem para quem a acumula, que justifica, por imposição dos princípios da isonomia e da capacidade contributiva, uma tributação progressiva (Machado Segundo, 2009, p. 217).
Pochmann (2008), dentro de um estudo dirigido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), quantifica a desigualdade provocada pela preponderância da regressividade do sistema tributário nacional:
A Carga Tributária Bruta é constituída por tributos diretos – que incidem sobre a renda e o patrimônio – e por tributos indiretos – que incidem sobre o consumo. É sabido que a tributação indireta têm características regressivas, isto é, incidem mais sobre os mais pobres, enquanto que a tributação direta possui efeitos mais progressivos, incidindo mais sobre os mais ricos.
O Gráfico acima confirma essa regra geral para o Brasil, mas com um grave problema: o peso da tributação indireta é muito maior do que o da tributação direta, tornando regressivo o efeito final do nosso sistema tributário. Ademais, o grau de progressividade da tributação direta ainda é baixo no Brasil. O décimo mais pobre sofre uma carga total equivalente a 32,8% da sua renda, enquanto o décimo mais rico, apenas 22,7. Isto é absolutamente inaceitável, principalmente em um país de enorme desigualdade de renda como o Brasil.
Assim, pode-se concluir que atribuir efeito progressivo à tributação é um dos grandes desafios ao alcance de uma maior justiça na arrecadação dos tributos e um instrumento indispensável à realização da igualdade social e tributária.
Com a existência desse efeito progressivo em algumas espécies de tributação em nosso ordenamento jurídico, tais como o IPTU (Imposto sobre Propriedade Predial e Territorial Urbana), o ITR (Imposto sobre Propriedade Territorial Rural) e o IR (imposto de Renda), entende-se que tal efeito pode ser, sim, estendido a outros tributos.
Pode-se entender que a progressividade dos tributos é uma consagração da isonomia e do princípio da capacidade contributiva. Torres (2005, p. 312) chega a colocá-la (progressividade) como subprincípio da capacidade contributiva.
Nessa linha de pensamento, iniciando da premissa de que se admita, ou pelo menos se pretenda, que o Princípio da Capacidade Contributiva se aplique a todas as espécies tributárias, e não só aos impostos como defende Machado (Machado, 2010, p. 45), a técnica da progressividade, por ser seu subprincípio, deveria ser observada em todos os tributos.
Acontece que o ordenamento ainda pensa em aceitar tal conclusão, existindo algumas dificuldades na concretização da progressividade em tributos que onerem a renda, o patrimônio e, principalmente, o consumo.
Alguns autores entendem que a aplicação da técnica requer expressa previsão constitucional, o que acaba por esvaziar a ideia da progressividade como corolário da capacidade contributiva.
Outros defendem que a aplicação da progressividade – como nos casos do IPTU (Imposto sobre Propriedade Predial e Territorial Urbana), ITR (Imposto sobre Propriedade Territorial Rural) e IR (imposto de Renda) – teria conotação extrafiscal, e não poderia ser compreendida como consagração da capacidade contributiva.
Paralelamente, resiste-se à aplicação da progressividade sobre os chamados impostos reais. Seus detratores defendem que somente nos impostos de natureza pessoal é possível aferir a capacidade contributiva do indivíduo.
A partir de tais afirmações é aceitável concluir que os entraves legislativos, políticos e interpretativos acerca da aplicação da técnica da progressividade perpetuam a injustiça na arrecadação de tributos, mantendo-a precipuamente regressiva e, consequentemente, não permitindo que se aplaque a injustiça no meio social através da justiça tributária.
Um sistema tributário justo, todavia, não se resume à busca de uma tributação mais eficiente, ou que proporcione um maior crescimento ou desenvolvimento econômico.
A busca por uma justiça tributária envolve não apenas a forma como o tributo é cobrado e se se respeita a capacidade contributiva do indivíduo, mas também o destino que os governos dão àquilo que arrecadam. “A questão da justa distribuição das cargas tributárias não poder ser separada de uma questão mais geral: a de saber se o governo efetua ou não a justiça distributiva.” (MURPHY; NAGEL, 2005, p.21).
O dever do Estado é proporcionar aos seus indivíduos todas as condições possíveis para que eles superem as adversidades provocadas pelo mercado ou por condições e situações preexistentes e que são alheias às suas decisões, ações ou omissões. A justiça fiscal se fundamenta, portanto, no equilíbrio entre a arrecadação de tributos que recaiam, preferencialmente, sobre a renda e o patrimônio - consoante a capacidade contributiva do indivíduo, tendo em vista o imperativo da igualdade - e à sua destinação.
Assim, o que o governo faz com os tributos arrecadados dos seus contribuintes define os níveis de consideração e importância que o Estado tem em relação aos seus indivíduos. Não importa somente se os tributos são cobrados da maneira mais justa, mas também se é justa a maneira global pela qual o governo trata os cidadãos e gasta o que arrecada.
A justiça social pode ser percebida através da tributação justa e de dispêndios da arrecadação em favor da própria comunidade, considerando todos os requisitos para benefício do contribuinte no recolhimento da tributação obrigatória em valor capaz de arcar mantendo a capacidade de ter-se uma vida digna.
Portanto, o produto da tributação justa e do uso correto da arrecadação pelo Estado convertido em prol da coletividade para atendimento das garantias prelecionadas na Constituição federal em seu artigo 6°, por exemplo, faz com que a justiça social no âmbito tributário seja alcançada.
4. CONCLUSÃO
Tendo sido exposto acerca do poder de tributar e seus os princípios limitadores que fundam a justa tributação e alcança a justiça social, faz-se necessário estudar se o sistema tributário no Brasil é justo a ponto de conduzir ou de propiciar maior justiça nas relações sociais.
Para tal entendimento é importante compreender que o sistema é composto de um conjunto de limitações constitucionais ao poder de tributar, estabelecendo limites de caráter principiológicos, especialmente pelos princípios da capacidade contributiva e da isonomia tributária.
A justiça tributária, por sua vez, no que tange à tributação, a forma de concretizar a justiça é ainda um desafio, isto acontece porque as necessidades estatais são maiores do que as receitas obtidas com a cobrança de tributos, além de que a injustiça e as desigualdades perpetuam no Brasil, principalmente quando se trata de matéria fiscal.
Porém, é obrigação imponível à toda população o pagamento de tributos, pois tal dever encontra-se equiparado aos fundamentais de cunho social, ainda que exista a dificuldade para conjugar a capacidade contributiva, especialmente porque existe a necessidade real de uma interpretação mais ampla do previsto no artigo 145, § 1º da Constituição Federal, buscando-se assim a justiça social no âmbito tributário.
De um esmero de justiça social, espera-se que haja a justa tributação e que possa ser implementada a sua forma mais eficaz tanto no processo de arrecadação quanto na devida destinação dos recurso tributários.
Para a aplicação da tão almejada igualdade tributária se faz necessário tratamento diferenciado como fator discriminatório munido da máxima isonomia, mas em concordância com os interesses constitucionais. Tais fatores giram em torno do princípio da capacidade contributiva, em que os interesses da coletividade devem ser suportados proporcionalmente à capacidade econômica de cada contribuinte.
Desta forma, a técnica da progressividade garantiria que o ônus tributário fosse maior para aqueles que possuíssem maior grandeza econômica, o que é caracterizado como principal desafio a ser enfrentado para o alcance da uma justiça tributária e social satisfatória. Entretanto, ainda é algo a ser enfrentado pelos legisladores, políticos e aplicadores das normas, pois hesitam em concordar com tal conclusão, o que acaba por enfraquecer o ideal de progressividade para o sistema tributário nacional, que poderia ser o efeito do princípio da capacidade contributiva.
A vinculação do legislador e do administrador no princípio da capacidade contributiva deve ser baseada não somente como horizonte, mas como efetivação dentro do campo tributário. Especialmente porque é necessário tornar a sociedade brasileira mais justa e igualitária no que tange ao recolhimento de tributos, sob pena de desrespeito aos princípios constitucionais, não concretizando, assim, sua função social de diminuir as desigualdades sociais e regionais.
Por fim, a justiça social pressupõe a correta e efetiva destinação dos recursos auferidos pelo Fisco, advindos das contribuições, que estão diretamente ligadas ao custeio de direitos sociais e a expansão da vinculação da receita tributária em detrimento da discricionariedade da Administração Pública, desafios que necessitam de uma participação política dos cidadãos nesta gerência de riquezas auferidas, através da democracia participativa, fiscalizando assim o respeito e concretização da justiça tributária que alcançará desta maneira, a justiça social.