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Responsabilidade civil do advogado

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01/06/2000 às 00:00
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6. Responsabilidade objetiva por vício do serviço advogado

A responsabilidade com culpa presumida, referida no Código do Consumidor, é relacionada exclusivamente ao fato do serviço, ou seja, quando o serviço causar dano à pessoa ou ao patrimônio do consumidor. A responsabilidade por vício do serviço (defeito de inadequação, oculto ou aparente) do advogado ou de qualquer profissional liberal é idêntica à dos demais fornecedores de serviços, sem qualquer restrição. A regra de exceção, prevista no § 4º do artigo 14 do Código do Consumidor, não alcança as hipóteses de vícios do serviço, previstas nos artigos 18 e seguintes, em prejuízo do consumidor. Compreende-se que em se tratando de dano, impõe-se a verificação da culpa. Em casos tais, o dano é conseqüência da má execução ou da inexecução culposa do serviço devido. Contudo, o vício (salvo quando também provocar dano) não é conseqüência, mas característica da própria execução defeituosa. A responsabilidade por vício é objetiva, não envolve necessariamente indenização por dano nem verificação de culpa.

O princípio de defesa do consumidor estaria seriamente comprometido se, para exercer as alternativas em caso de vício do serviço (reexecução do serviço, restituição da quantia paga ou abatimento proporcional do preço), dependesse de verificação de culpa do profissional(6).


7. Superação da distinção entre obrigação de meios e obrigação de resultado

Ao longo do Século XX, na teoria da responsabilidade civil em geral, notadamente com relação aos profissionais liberais, predominou, no direito brasileiro, uma distinção ou dicotomia que se transformou quase em petição de princípio: a obrigação ou é de meios ou é obrigação de resultado.

Como regra geral, a doutrina dominante diz que o profissional liberal assume obrigação de meios, sendo excepcionais as obrigações de resultado. Na obrigação de meios, a contrariedade a direito reside na falta de diligência que se impõe ao profissional, considerado o estado da arte da técnica e da ciência, no momento da prestação do serviço (exemplo: o advogado que comete inépcia profissional, causando prejuízo a seu cliente). O profissional não prometeria resultado, mas a utilização, com a máxima diligência possível, dos meios técnicos e científicos que são esperados de sua qualificação.

A farta jurisprudência dos tribunais brasileiros utiliza essa dicotomia, como pré-requisito para imputar a responsabilidade ou não do profissional liberal. Se o profissional se houve com diligência, pouco importa o resultado obtido, excluindo-se sua responsabilidade, liminarmente. Essa orientação dominante resultou em dificuldades quase intransponíveis para as vítimas de prejuízos causados pelos profissionais liberais, quando não conseguem provar que a obrigação por eles contraída é de resultado. No caso dos advogados, a configuração de sua obrigação como de resultado era e é quase impossível. Assim, restam os danos sem indenização, na contramão da evolução da responsabilidade civil, no sentido da plena reparação. Já sustentamos essa tese, sem reflexão mais aprofundada(7). Hoje, não pensamos mais assim.

A dicotomia, obrigação de meios ou obrigação de resultado, não se sustenta. Afinal, é da natureza de qualquer obrigação negocial a finalidade, o fim a que se destina, que nada mais é que o resultado pretendido. Quem procura um advogado não quer a excelência dos meios por ele empregados, quer o resultado, no grau mais elevado de probabilidade. Quanto mais renomado o advogado, mais provável é o resultado pretendido, no senso comum do cliente. Todavia, não se pode confundir o resultado provável com o resultado necessariamente favorável. Assim, além da diligência normal com que se houve na prestação de seu serviço, cabe ao advogado provar que se empenhou na obtenção do resultado provável, objeto do contrato que celebrou com o cliente.

O cliente que demanda o serviço do advogado para redação de algum ato jurídico (parecer, contrato, estatuto de sociedade etc.) tem por finalidade evitar que algum problema futuro venha a lhe causar prejuízo. Tem-se assim obrigação de meios como de resultado, o que torna inviável a dicotomia. Quando o cliente procura o advogado, para ajuizar ação, não pretende apenas o patrocínio mais diligente, mas a maior probabilidade de resultado favorável. Em qualquer dessas situações, cabe ao advogado provar que não agiu com imprudência, imperícia, negligência ou dolo, nos meios empregados e no resultado, quando de seu serviço profissional redundar dano.

Dessarte, é irrelevante que a obrigação do profissional liberal classifique-se como de meios ou de resultado. Pretendeu-se que, na obrigação de meios, a responsabilidade dependeria de demonstração antecipada de culpa; na obrigação de resultado, a inversão do ônus da prova seria obrigatória(8). Não há qualquer fundamento para tal discriminação, além de prejudicar o consumidor que estaria com ônus adicional de demonstrar ser de resultado a obrigação do profissional.

A exigência à vítima de provar que a obrigação foi de resultado, em hipóteses estreitas, constitui o que a doutrina denomina prova diabólica. A sobrevivênca dessa dicotomia, por outro lado, é flagrantemente incompatível com o princípio constitucional de defesa do consumidor (art. 170, V, da Constituição), alçado a condicionante de qualquer atividade econômica, em que se insere a prestação de serviços dos profissionais liberais.

Somente é possível harmonizar a natureza de responsabilidade subjetiva ou culposa do profissional liberal, que o próprio Código de Defesa do Consumidor consagrou, com o princípio constitucional de defesa do consumidor, se houver aplicação de dois princípios de regência dessas situações, a saber, a presunção da culpa e a conseqüente inversão do ônus da prova. Ao advogado e ao profissional liberal qualquer, e não ao cliente, impõe-se o ônus de provar que não agiu com dolo ou com culpa, na realização do serviço que prestou, exonerando-se da responsabilidade pelo dano.

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No mesmo sentido, veja-se a lição de Jorge Mosset Iturraspe(9), para quem essa distinção não favorece a tutela do consumidor de serviços e sempre foi utilizada na doutrina e na jurisprudência para amparar os prestadores de serviços, atenuando o rigor de suas obrigações, construindo um âmbito de inadimplemento contratual admitido. Diz ainda o autor que a qualificação das obrigações como de meios desvincula o dever do devedor do compromisso de alcançar um resultado de interesse do credor, juridicamente protegido, ou seja, o de lograr um resultado benéfico. "A tutela do consumidor se reforça, na medida em que se considera cada serviço como um resultado e uma finalidade em si mesmo, que responde ao interesse do credor, e na medida em que a prova sobre a impossibilidade ou aleatoriedade deve produzi-la o devedor do serviço, pois do contrário será considerado como inadimplente responsável".


NOTAS

  1. As Ordenações Filipinas, Livro 1, Título XLVIII, 10, já determinavam que "se as partes por negligência, culpa, ou ignorância de seus Procuradores receberem em seus feitos alguma perda, lhes seja satisfeito pelos bens deles".
  2. Cf. L. P. MOITINHO DE ALMEIDA, Responsabilidade Civil dos Advogados, Coimbra: Coimbra Editora, 1985, p. 18.
  3. Tratado de Direito Privado, tomo LIII, Rio de Janeiro, Borsoi, 1972, p. 134.
  4. Cf. Patrice Jourdain, Les Principes de la Responsabilité Civile, Paris, Dalloz, 1992, p. 129.
  5. R. Esp. 80.276/95-SP. 4ª Turma, DJU de 25.03.96.
  6. Cf. Paulo Luiz Netto Lôbo, Responsabilidade por Vício do Produto ou do Serviço, Brasília, Ed. Brasília Jurídica, 1996, p. 60.
  7. in Paulo Luiz Netto Lôbo, Comentários ao Estatuto da Advocacia, Brasília, Ed. Brasília Jurídica, 2ª Edição, reimpressão de 1999, p. 139-41.
  8. Cf. Oscar Ivan Prux, Um novo enfoque quanto à responsabilidade civil do profissional liberal, Revista de Direito do Consumidor, nº 19, jul-set. 1996, p. 205.
  9. La vigencia del distingo entre obligationes de medio y de resultado en los serviços, desde la perspectiva del consumidor, Revista Ajuris, Porto Alegre, março, 1998, p. 250.
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Sobre o autor
Paulo Lôbo

Doutor em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (USP), Professor Emérito da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Foi Conselheiro do CNJ nas duas primeiras composições (2005/2009).︎ Membro fundador e dirigente nacional do IBDFAM. Membro da International Society of Family Law.︎ Professor de pós-graduação nas Universidades Federais de Alagoas, Pernambuco e Brasília. Líder do grupo de pesquisa Constitucionalização das Relações Privadas (UFPE/CNPq).︎

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LÔBO, Paulo. Responsabilidade civil do advogado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 42, 1 jun. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/663. Acesso em: 22 nov. 2024.

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