O inquérito policial é o procedimento jurídico que antecede a ação penal, utilizado pelo direito brasileiro para a apuração prévia e demonstração da existência da autoria e materialidade de um fato típico e antijurídico. Na definição do jurista Ismar Estulano Garcia é um instrumento formal das investigações "compreendendo o conjunto de diligências realizadas pela autoridade para apuração do fato e descoberta da autoria. Relaciona-se com o verbo inquirir, que significa perguntar, indagar, procurar, averiguar os fatos, como ocorrem e qual o seu autor. Resumindo, é a documentação das diligências efetuadas pela Polícia Judiciária." [1]
No direito processual penal brasileiro a busca pela autoria e materialidade de um crime é realizada pela polícia judiciária através do inquérito policial. Não obstante encontrarmos doutrinadores afirmando ser este procedimento uma mera peça informativa, sabemos que o inquérito policial é conduzido por uma autoridade policial, com conhecimento jurídico, e que, devido sua natureza cautelar, busca as provas indispensáveis para que o autor da ação penal, seja pública ou privada, possa atingir os objetivos desejados de ver um delinqüente sendo punido pelo delito cometido.
Durante a condução do inquérito policial, o delegado de polícia, utilizando-se de seu poder discricionário de buscar a verdade real dos fatos, deve pautar-se pela legalidade de seus atos e, com isso, garantir a integridade do investigado, resguardando-se o seu estado de inocência.
A polícia judiciária possui papel fundamental dentro da persecução penal. É com esta atividade que o Estado angaria provas indiciárias que serão, posteriormente, utilizadas no transcorrer da ação penal, visando punir apenas os criminosos. Muitas vezes, o próprio inquérito policial pode concluir pela inocência, ou ainda, falta de provas de autoria em desfavor do investigado.
Para tal mister, o delegado de polícia, autoridade responsável pela presidência das investigações, deverá, sempre, manter o sigilo necessário dos autos, uma vez que, a divulgação precipitada de fatos ainda sendo investigados poderá ser prejudicial à sua completa elucidação. Em outros casos, como bem observou o jurista Eduardo Espíndola Filho, há crimes cuja repercussão no meio social pode causar sérios danos à tranqüilidade pública e, por isso, às vezes, o interesse da sociedade exige a sigilação [2].
Ora, durante o transcorrer do inquérito policial, não há efetivamente nenhuma acusação do Estado. Busca-se a colheita de provas. Por isso que, a divulgação de fatos acusatórios poderá atingir pessoas que, posteriormente, não sejam autores ou partícipes dos ilícitos penais em apuração.
O atual artigo 20 do Código de Processo Penal defere expressamente à autoridade policial a decretação do sigilo do inquérito policial, quando for aconselhável e no interesse da sociedade.
O desembargador do Espírito Santo, Antônio José Miguel Feu Rosa, expôs que trata-se, "sem dúvida, um poder que fica confiado ao arbítrio da autoridade. O Código deixa ao seu inteiro julgamento decidir sobre a conveniência, ou não, de manter o sigilo." [3]
Nota-se que existem alguns casos onde a exibição dos fatos auxilia a polícia judiciária na colheita das provas, como ocorre, por exemplo, com a divulgação pela imprensa a cerca de uma investigação de determinado crime, surgindo outras vítimas, e permitindo que a população possa colaborar com as autoridades policiais. Em tais casos, é possível alegar que o próprio interesse público motivou a divulgação dos fatos. Entretanto, tal procedimento não poderá ser utilizado como regra.
Diante das argumentações esposadas, encontramos alguns entendimentos onde o sigilo do inquérito policial estaria ferindo o princípio da publicidade. Sobre tal indagação, comungamos com as palavras do jurista Fernando da Costa Tourinho Filho, o qual alegou que "se em juízo, o princípio da publicidade sofre restrições, não é de se estranhar deva haver sigilo na fase do inquérito policial, na fase em que se colhem as primeiras informações, os primeiros elementos de convicção a respeito da existência da infração penal e sua autoria." [4]
Ora, não podemos imaginar uma investigação criminal sendo amplamente divulgada e acessada por todos. A publicidade dos atos investigativos poderá causar transtorno irrecuperável na busca da prova processual. Como por exemplo, não se pode vislumbrar sucesso na divulgação de uma interceptação telefônica de um investigado. Qual seria o resultado prático de tal diligência, caso o alvo das investigações fique sabendo da diligência antes mesmo que ela aconteça? Com toda a certeza, o ato investigativo não passaria de uma grande encenação teatral. Ademais, a própria Constituição Federal, em seus artigos 5º, LX e 93, IX e o Código de Processo Penal, em seu artigo 792, § 1º, contemplam a possibilidade de se restringir a publicidade de alguns atos processuais.
Decretado sigilo do inquérito policial pelo delegado de polícia, este não se estende ao promotor de justiça e nem à autoridade judiciária. Caso haja a figura de um investigado, mesmo ainda não havendo a formalização do indiciamento, o advogado poderá consultar os autos de inquérito, bem como fazer anotações e copiar peças. O próprio Código de Processo Penal, em seu artigo 14, dispõe que o indiciado poderá requer qualquer diligência à autoridade policial no transcorrer do inquérito policial. E ainda, o Projeto de Lei 4.209/2001, que reforma o Código de Processo Penal no tocante ao inquérito policial e termo circunstanciado, dispõe em seu artigo 8º que reunidos elementos informativos suficientes, a autoridade policial cientificará o investigado, atribuindo-lhe, fundamentadamente, a situação jurídica de indiciado, com as garantias dela decorrentes, ou seja, previstas no ordenamento jurídico.
Aqui surge uma polêmica a ser debatida. A decretação do sigilo do inquérito policial atinge o advogado do investigado?
Ao julgar mandado de segurança sobre este assunto, o Ministro Francisco Peçanha Martins do Superior Tribunal de Justiça defendeu não ser possível imaginar a ausência do advogado no inquérito policial. Em seu voto vencido, afirmou que "a defesa pode conduzir à ausência de criminalidade, à negação da autoria, como pode conduzir a circunstâncias atenuadoras da pena. Porém, nas delegacias de Polícia costuma-se ver o advogado como um obstaculizador da Justiça Criminal. Mas que Justiça é essa, feita sigilosamente nos porões das delegacias para obter-se a confissão do indiciado?" (RMS n.º 12.516, 2ª Turma, rel. min. Francisco Peçanha Martins, j. 20.08.02, voto vencido, DJU 27.09.04, p. 282). Na mesma esteira de raciocínio, o Ministro Sepúlveda Pertence do Supremo Tribunal Federal, em julgamento de "habeas corpus" decidiu que o advogado tenha acesso aos autos de inquérito policial para consulta. (HC n.º 82.354-8/PR, 1ª Turma, rel. min. Sepúlveda Pertence, j. 10.08.04, v. u., DJU 24.09.04, p. 42, n.º 782).
Em que pese tais argumentos, é necessário ressaltar que o artigo 7º, inciso XIII da Lei 8.906/94 – Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil – dispõe que ser direito do advogado examinar em qualquer órgão do Poder Judiciário e Legislativo, ou da Administração Pública em geral, autos de processos findos ou em andamento, mesmo sem procuração, quando não estejam sujeitos a sigilo, podendo obter cópias ou realizar anotações. Partindo da premissa que este dispositivo legal se estende ao inquérito policial, pode-se entender que decretado o segredo de justiça pela autoridade competente, não poderá o defensor ter acesso aos atos investigativos realizados. Nesta posição, o Promotor de Justiça Fernando Capez assevera que ocorrendo a decretação do segredo de justiça, através de decisão judicial, o advogado "não poderá acompanhar a realização de atos procedimentais." [5] Em conformidade com este entendimento, o magistrado paulista Guilherme de Souza Nucci cita em sua obra posição jurisprudencial [6], a saber: "Em confronto estão o direito individual de vista dos autos de procedimento inquisitorial, de um lado, e de outro, o interesse público de manter o sigilo da investigação, ante a necessidade de preservar-se a segurança do Estado e da sociedade (artigo 5º, XXXIII, da CF). Incidente o princípio da razoabilidade, o interesse de menor relevância (privado) cede em homenagem àquele que garante o interesse coletivo (público), consubstanciado este no direito estatal de perquirir sobre possíveis ilícitos de extremada repercussão social." (TRF-4ª Região, MS 2001.04.01.005057-0-PR, 7ª T., rel. Vladimir Passos de Freitas, 02.10.2001, v. u.).
Ainda, no caso da lei 9.034/95, que define as investigações de crime organizado, existe a possibilidade de ser a investigação criminal realizada pessoalmente pelo juiz de direito, adotando o mais rigoroso segredo de justiça.
Não obstante a previsão legal já existente em nosso ordenamento jurídico, o Projeto de Lei 4.209/2001 que reforma o Código de Processo Penal no tocante ao inquérito policial e termo circunstanciado, dispõe em seu artigo 20 e § 1º que a autoridade policial, o Ministério Público e o juiz assegurarão, na investigação, o sigilo necessário ao esclarecimento dos fatos, tomando as providências necessárias à preservação da intimidade, vida privada, honra e imagem do investigado, do indiciado, do ofendido e das testemunhas, vedada sua exposição aos meios de comunicação.
Com isto, nota-se a preocupação do legislador em proteger a intimidade, vida, honra e imagem do investigado ou indiciado. Assim, deverá a autoridade policial, na condução do inquérito policial, ater-se à colheita das provas em busca da verdade dos fatos, para que, em seguida, possa ser instaurada a ação penal, caso haja elementos indiciários para tanto.
Notas
1 GARCIA, Ismar Estulano. Inquérito: procedimento policial. Goiânia: A.B. Editora. 1987. p. 7.
2 ESPÍNDOLA FILHO, Eduardo. Código de Processo Penal brasileiro anotado. Rio de Janeiro, Borsoi, 1954 apud TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. v.1. São Paulo: Ed. Saraiva, 1997, p. 197
3 ROSA, Antônio José Miguel Feu. Processo Penal. Brasília: Consulex, 2000, p. 123
4 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. v.1. São Paulo: Ed. Saraiva, 1997, p. 197, p. 197.
5 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. São Paulo: Saraiva, 1998. 2.ed. p. 69.
6 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. São Paulo: RT, 2004. 3. ed. p. 110