Sumário: 1. Introdução; 2. Evolução do Instituto dos Honorários; 3. Princípio da Proteção; 4. Princípio do Jus Postulandi;5. Honorários nas Execuções Fiscais no Processo Trabalho; 6. Conclusão; 7. Referências Bibliográficas.
1. Introdução
Este trabalho tem por objetivo analisar a incidência de honorários advocatícios decorrente de sucumbência no processo do trabalho, especificamente nas execuções das contribuições previdenciárias decorrentes das decisões e acordos perante a Justiça do Trabalho, além daquelas oriundas dos acordos perante as Comissões de Conciliação Prévia, conquanto sobre estas haja entendimentos discordantes quanto à possibilidade de terem sua execução processada pela justiça laboral.
Para tanto, necessário se faz, inicialmente, entender a origem do instituto dos honorários advocatícios de uma forma geral, bem como o princípio do jus postulandi, derivado que é do princípio da proteção do trabalhador, naturalmente hipossuficiente, para, ao final apresentar de forma conclusiva, o posicionamento do autor do estudo sobre a matéria.
2. Evolução do Instituto dos Honorários
O Direito historicamente foi construindo com o fito de regular as relações intersubjetivas, concedendo os cidadãos ao Estado, parte de suas liberdades como contraprestação para que ele, Estado, sub-rogando-se destes direitos, amortecesse os atritos de seus componentes e mantivesse a paz social.
As normas de relacionamento foram com o tempo sendo sedimentadas, em alguns Estados de forma positiva - em outros de forma não escrita, afirmada pelos usos e costumes, bem como pela apreciação de casos concretos.
Com o passar do tempo e ante a cada vez maior complexidade na aplicação das normas, necessário se fez a formalização dos atos que passaram a ser reunidos em processos. Ante a complexidade dos atos intraprocesso, conquanto no início inexistisse o instituto da representação, os estudiosos do Direito passaram a intermediar os interesses das partes, sendo por tais serviços remunerados. O problema surgido se deu ao fato de que salário era a forma de retribuição por um trabalho realizado, trabalho este que, naqueles tempos, era indigno cabendo aos menos favorecidos intelectualmente. Para contornar o obstáculo o profissional liberal recebia como contraprestação pelos serviços um prêmio de honra ao mérito, daí o surgimento dos honorários do profissional liberal.
Dentro do processo três espécies de honorários advocatícios se apresentam, a saber: os honorários contratuais, por arbitramento e os honorários de sucumbência, este último pagos pela parte perdedora em favor do advogado da parte vencedora.
Em nosso ordenamento jurídico trabalhista, em decorrência do jus postulandi, a lei 5584/70 restringiu a condenação em honorários de sucumbência à hipótese de assistência sindical a empregado que receba remuneração inferior a dois salários mínimos, situação esta aceita pacificamente pela jurisprudência, inclusive cristalizada pelo Enunciado 219 do C. TST.
Com o advento da ordem constitucional de 1988, conquanto tenha a Lex Legum afirmado a essencialidade do advogado na administração da justiça, manteve-se a excepcionalidade quanto à possibilidade das partes comparecerem em juízo pessoalmente no processo trabalhista, homenageando o princípio do Jus Postulandi.
Não obstante, algumas situações que surgiram sob o manto do processo trabalhista merecem um olhar mais atento, como é o caso das execuções de contribuições previdenciárias decorrentes das sentenças proferidas no âmbito da Justiça do Trabalho.
Estes casos, por se tratar induvidosamente de execução fiscal, devem ser processado pelo rito da lei 6830/80, sendo devido, em caso de sucumbência, a verba honorária.
3. Princípio da Proteção
Segundo os ensinamentos do Professor uruguaio Américo Plá Rodrigues, o princípio da proteção informa essencialmente o Direito do Trabalho, "[...] pois este, ao invés de inspirar-se num propósito de igualdade, responde ao objetivo de estabelecer um amparo preferencial a uma das partes: o trabalhador."
O princípio em foco se encontra arraigado nas normas de direito material do trabalho, e tem por escopo a equalização dos pólos da relação sobre o manto deste ramo do direito. Historicamente, o direito do Trabalho nasceu como reação à liberalização das relações entre patrões e empregados, ante a necessidade de ser evitada a exploração absurda destes por aqueles.
Com o advento da máquina a vapor, dando início à Revolução Industrial, os postos de trabalho foram reduzidos drasticamente na inversa proporção do aumento da população dos centros urbanos, como lógico corolário dessa situação houve o aviltamento dos valores pagos como salários e o elastecimento das jornadas de trabalho, inclusive, e principalmente, para mulheres e crianças, mão de obra naturalmente mais barata e dócil.
Sob o lema "laisser faire, laisser passer" eram exaltados os valores da liberdade inerente a todos de trabalhar e produzir da forma que entendesse conveniente. Contudo, os defensores desse liberalismo eram componentes das classes dos produtores rurais, comerciantes, industriais, mesmas classes que, utilizando-se desses argumentos espoliavam os trabalhadores, muita vez, como já dito, mulheres e crianças.
Neste cenário, o Estado, como eco da sociedade envolvente, viu-se obrigado a intervir nestas relações de maneira a tentar equilibrar a equação patrão/empregado. Nasce assim o Direito do Trabalho fincado, visceralmente na necessidade de proteger o empregado naturalmente hipossuficiente frente ao outro pólo por natureza mais forte na relação.
Conquanto os princípios protetivos do Direito do trabalho digam respeito ao direito material, uma das formas de proteção informada por esse mesmo princípio foi incorporada ao ordenamento processual pátrio na forma do jus postulandi.
4. Princípio do Jus Postulandi
No processo trabalhista brasileiro, como de sabença geral, impera o princípio do jus postulandi, decorrente do princípio maior que é o da proteção do hipossuficiente. Este princípio incorporado à legislação positiva pelo artigo 791 da CLT confere possibilidade às partes procurarem em juízo sem a necessidade de estarem representados por advogados.
Constituindo-se exceção na processualística brasileira, o princípio trabalhista influenciou o legislador que, na feitura da Lei 9099/95, estendeu o jus postulandi às causas de menor complexidade cujo valor não exceda 20 salários mínimos (artigo 9º), quando de competência dos Juizados Especiais Estaduais, e 40 salários mínimos quando for da competência dos Juizados Especiais Federais (Lei 10259/2001).
Uma das conseqüências decorrentes do princípio do jus postulandi é a regra da inexistência dos honorários de sucumbência nesta espécie de processo, cuja exceção legal se encontra inserida no artigo 16 da lei 5584/70, que trata da assistência judiciária gratuita promovida pelo sindicato da categoria do trabalhador. Isto também se justifica por questões pragmáticas, vez que dificilmente se conseguiria receber honorários advocatícios em sendo o trabalhador hipossufuciente sucumbente na ação, como, aliás, é o que na prática geralmente acontece com os honorários decorrentes de perícia técnica cujo laudo resulta em desfavor do laborista.
O Tribunal Superior do Trabalho, na vigência da ordem constitucional anterior, tratou de sedimentar este entendimento, afirmando em seu Enunciado 219 (RA 14/85 - DJU 19.09.1985) que apenas na hipótese de assistência judiciária, consoante previsão da Lei 1060/50 regulamentada pela antecitada Lei 5584/70, haveria possibilidade de condenação em honorários sucumbenciais e, ainda assim, limitado ao porcentual máximo de 15%, reversíveis ao sindicato assistente.
Veio, então, a nova ordem constitucional ora vigente, em cuja qual se verifica o artigo 133 com a seguinte redação:
Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.
O dispositivo acima suscitou, de início, larga discussão acerca da manutenção do jus postulandi e do Enunciado 219 do TST, debate que ganhou maior dimensão quando da entrada em vigor do Estatuto da Advocacia – Lei 8906/95 - que logo no seu primeiro artigo preconiza:
Art. 1º. São atividades privativas de advocacia:
I - a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais;
Houve imediata resistência ao citado dispositivo infraconstitucional, redundando na proposição de Ação Direta de Constitucionalidade movida pela Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB, ao fundamento de que a norma estaria em desacordo com a Carta Magna especialmente no que se refere aos Art. 98, I e I; Art. 116 e Art. 005º, XXXIV, "a", e XXXV.
Sobre a ADIN em tramitação, sem apreciação meritória, o Plenário do STF, por maioria, concedeu, em parte, o pedido liminar de suspensão do Artigo 1º, inciso I, cujo extrato da votação adiante se transcreve:
Examinando o inciso 00I do art. 001º da Lei nº 8906, de 04.07.1994, o Tribunal, por MAIORIA DE VOTOS, DEFERIU, EM PARTE, o pedido de medida liminar, para suspender a eficácia do dispositivo, no que não disser respeito aos Juizados Especiais, previstos no inciso 00I do art. 098 da Constituição Federal, excluindo, portanto, a aplicação do dispositivo, até a decisão final da ação, em relação aos Juizados de Pequenas Causas, a Justiça do Trabalho e a Justiça de Paz, vencidos, em parte, os Ministros Sepulveda Pertence, Sydney Sanches e Moreira Alves, que interpretavam o dispositivo no sentido de suspender a execução apenas no tocante ao Juizado de Pequenas Causas, e o Ministro Marco Aurélio, que indeferia o pedido de medida liminar. Votou o Presidente nas preliminares e no mérito. Em seguida, foi o julgamento adiado em virtude do adiantado da hora.
- Plenário, 28.09.1994.
A latere, o TST voltou a se pronunciar pela inalteração do entendimento anterior consubstanciado no E. 219, desta feita sob a vigência da CFRB de 1988, editando, assim, o Enunciado 329 (RA 21/93 - DJU 21.12.1993) nos seguintes termos:
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - ARTIGO Nº 133 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1988
Mesmo após a promulgação da Constituição da República de 1988, permanece válido o entendimento consubstanciado no Enunciado nº 219 do Tribunal Superior do Trabalho.
Não obstante a regra geral de impossibilidade de condenação em honorários advocatícios dentro do processo trabalhista, sem que preenchidos os requisitos da Lei 5584/70, notadamente estar assistido pelo sindicato da categoria e perceber contraprestação inferior a dois salários mínimos, alguns caso especiais, mormente nesses tempos de ampliação substancial da competência ex ratione materiae desse ramo Especial do judiciário pátrio, merecem estudos mais detido. Entre estes, exemplificativamente, verificamos as ações civis – ação rescisória [1], embargos de terceiro [2] e, modernamente, as execuções de contribuições previdenciárias decorrentes das decisões e acordos realizados perante a Justiça do Trabalho, sendo esta última a que analisaremos mais detidamente a seguir.
5. Honorários nas Execuções Fiscais no Processo Trabalhista
A Emenda Constitucional 20 de 1998, em seu artigo 1º, alterou o artigo 114 da Constituição, alargando a competência da Justiça do Trabalho por acréscimo do §3º nos seguintes termos:
Art.114......................................................................................
§ 3º. Compete ainda à Justiça do Trabalho executar, de ofício, as contribuições sociais previstas no artigo 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir.
Assim, passou a Justiça do Trabalho a ser competente para, inclusive de ofício, executar as contribuições previdenciárias decorrentes não apenas das suas sentenças ou acordos, como, igualmente, dos títulos extrajudiciais previstos pela alteração da CLT conferida pela Lei 9958/2000 (acordos perante as Comissões de Conciliação Prévia e Termos de Ajuste de Conduta perante o Ministério Público do Trabalho), cuja competência em executar também lhe cabe.
Nestas últimas hipóteses, há corrente de juristas que entende pela incompetência da justiça do trabalho para executar as verbas decorrentes dos acordos, mesmo quando homologados pelo juiz do Trabalho, porquanto entenderem que a lei especificou que a hipótese de incidência da competência restringir-se-ia às sentenças promanadas no seu âmbito.
É o pensamento, exemplificativamente, do Professor e Magistrado Sérgio Pinto Martins que verbera:
Nas comissões de Conciliação Prévia as contribuições previdenciárias também incidem sobre o acordo feito perante elas. O INSS poderia pretender ajuizar ação anulatória contra o acordo em decorrência de simulação ou fraude no estabelecimento das contribuições devidas. Não Há necessidade de se propor essa ação, porque a contribuição decorre de norma de ordem pública e do princípio da legalidade, que não pode ser modificado pela mera vontade das partes. O INSS não foi parte na transação, que não beneficia nem prejudica terceiros (art. 1.031 do CC). Logo o INSS não se vincula ao que for estabelecido nas comissões. Poderá levantar o débito da contribuição previdenciária e inscrevê-la em dívida ativa para posterior cobrança perante a Justiça Federal. Entretanto, se o empregado for cobrar o acordo não cumprido perante a Justiça do Trabalho, esta não será competente para execução das contribuições previdenciárias, pois não proferiu sentença.
Não obstante a altura do saber jurídico do eminente doutrinador, divergimos no particular, porquanto o objetivo do legislador foi desafogar a Justiça Federal atribuindo competência concorrente à Justiça do Trabalho para executar todas as contribuições previdenciárias decorrentes de controvérsias submetidas ao seu crivo, estando o termo sentenças colocado no sentido amplo, abrangendo também as decisões homologatórias em acordos, bem como nas execuções de títulos extrajudiciais cujo conhecimento da matéria de fundo a ela também caberia.
Esta nova modalidade de execução, todavia, deve ser processada pela Justiça Laboral em rito procedimental próprio, de conformidade com a Lei 6830/1980, porquanto se tratar de execução fiscal, tendo natureza diversa das ações trabalhistas.
Mister ter em mente que no caso da execução fiscal das contribuições previdenciárias, conquanto seja modernamente da competência da Justiça do Trabalho, as partes envolvidas não se vinculam por laço protegido pelo Direito material do Trabalho, não se justificando a vigência do princípio do Jus Postulandi, instituto, como já vimos, ínsito à condição de desvantagem natural de uma das partes, o empregado.
Notadamente, as partes envolvidas na execução não estão sob o manto do princípio da proteção, do qual decorre o insituto acima mencionado, resultando devido pelo perdedor os honorários do advogado da parte vencedora, mesmo no caso de desistência da execução com sua conseqüente extinção, inteligência da Súmula 153 do STJ.
Não se concebe que o Instituto Nacional de Seguridade Social faça uso deste princípio, nem se afigura razoável ao executado sustentar suas razões pessoalmente, como, de fato, não o faz. Aliás, este, ao nosso ver, não poderia procurar em juízo sem a presença de advogado, a teor da imposição contida no artigo 133 da CFRB cc o artigo 1º da Lei 8906/95, que neste particular não se encontra sob os efeitos da liminar concedida pelo STF na Adin 1127-8, porquanto não se insere entre os foros cuja aplicação do dispositivo questionado se encontra suspenso o da Execução Fiscal.
Na prática, ofende ao princípio da isonomia o fato de que o Estado obrigue a um seu cidadão constituir advogado para salvaguardar seu patrimônio, sem que ele – Estado -, ou qualquer de seus agentes, corram nenhum risco nos casos em que é vencido. Deixando ao particular todos os ônus decorrentes da ação promovida, muita vez de forma temerária.
6. Conclusão
De todo o exposto, depreende-se da perfeita possibilidade e, ainda, necessidade, quando da execução fiscal das contribuições fiscais decorrentes das decisões proferidas na Justiça do Trabalho, de condenação da parte sucumbente em honorários de advogado, que deverão ser arbitrados em conformidade com as determinações do CPC e da Lei das Execuções Fiscais 8.630/93.
E, ainda, que o deferimento de honorários de advogado na hipótese estudada, não afronta de forma alguma o princípio do jus postulandi, tendo em vista a natureza jurídica da execução fiscal, não conflitando, destarte, com a orientação do Colendo TST, consubstanciada nos Enunciados 219 e 329 daquela Corte Superior.
7. Referências Bibliográficas
NASCIMENTO, Amaury Mascaro; FERRARI, Irany; MARTINS FILHO, Ives Gandra. História do Trabalho, do Direito do Trabalho e da Justiça do Trabalho. São Paulo: LTr, 1998;
NASCIMENTO, Amaury Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Saraiva,1999.
REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, 1999.
PLÁ RODRIGUES, Américo. Princípios de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2000.
MARTINS. Sérgio Pinto. Execução da Contribuição Previdenciária na Justiça do Trabalho. São Paulo: Atlas, 2001.
MARANHÃO, Délio. Direito do trabalho. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1996.
Notas
1 Ação rescisória é instituto típico de direito processual civil, razão pela qual são devidos os honorários advocatícios, havendo ou não pedido de qualquer das partes. Decaindo um dos litigantes de parte mínima do pedido, responderá o outro pelos honorários. Aplicação do artigo 21, parágrafo único, do Código de Processo Civil. (TRT 9ª R. – AR 218/95 – Ac. SDI2 33.596/97 – Rel. Juiz Luiz Felipe Haj Mussi – DJPR 05.12.1997)
(...), a ação rescisória trabalhista se rege, por inteiro, pelo CPC, salvo unicamente a exclusão do depósito prévio (CLT, art. 836). E, também por isso, nela são cabíveis honorários advocatícios (CPC, art. 20). (TRT 1ª R. – AR 00125/89 – 2ª GT. – Rel. Juiz Azulino Joaquim de Andrade Filho – DORJ 11.06.1991)
2EMBARGOS DE TERCEIRO – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – A ação de embargos de terceiro é instituto tipicamente de direito processual civil e não de direito processual do trabalho, utilizando-se este, subsidiariamente, do instituto ali previsto. Desta forma, diversamente do que ocorre com a reclamação trabalhista, em tema de embargos de terceiro, cuja presença do advogado é indispensável, é perfeitamente cabível a condenação em honorários da parte sucumbente na demanda. Julgados improcedentes os embargos, o Terceiro Embargante deve ser condenado ao pagamento de honorários. Sentença reformada. (TRT 9ª R. – AP 719/98 – 5ª T. – Ac. 16.303/98 – Rel. Juiz Luiz Felipe Haj Mussi – DJPR 14.08.1998)