CONCLUSÃO
A Constituição Federal definiu expressamente a competência para tributar de cada ente da federação, e previu que os impostos a serem criados pela União não poderão ter o mesmo fato gerador e ou a mesma base de cálculo dos demais impostos já discriminados no texto constitucional.
Em sendo assim, deve ser observado, que sobre a mesma situação fática desencadeadora da incidência do ITCMD não poderá haver incidência concomitante de imposto de outro ente federado, como no caso, a exigência do Imposto de Renda sobre a valorização imobiliária, cujo valor de mercado tem sido o valor pelo qual os bens imobiliários são transferidos à titulo gratuito nas sucessões hereditárias e nas doações em adiantamento da legítima.
Com isso, vale dizer, que ocorrendo a situação fática sobre a qual incide o ITCMD, não pode o mesmo fato gerador ser objeto de outro imposto como intentado pela União Federal.
Nesse caminho, nos termos suprarreferidos, em contraposição à exigência tributária perpetrada pela União Federal, tem se levantado a discussão teórica e judicial acerca da inconstitucionalidade do artigo 23 da Lei nº 9.532/1997, que teria invadido a competência tributária dos Estados, vez que estaria tributando fator gerador do ITCMD, cuja base de cálculo, sendo que o valor de mercado auferido em avaliação, por determinação legal, abrange próprio ganho de capital, afrontando-se, por conseguinte, o artigo 154, inciso I, da CF/88 que determina que impostos a serem criados pela União não poderão ter o mesmo fato gerador ou a mesma base de cálculo dos demais impostos já discriminados no texto constitucional.
Além do mais, ainda se questiona que a exigência de Imposto de Renda sobre ganho de capital para as transferências a título gratuito afronta o princípio da capacidade contributiva, em decorrência da dupla exação sobre o mesmo fato gerador; fere o princípio da legalidade estrita, em que apenas a Lei Complementar poderá estabelecer normas gerais em matérias tributárias, especialmente no que se refere à definição de fatos geradores, bases de cálculos, contribuintes e obrigação tributaria, referente aos impostos previstos na própria Constituição Federal.
De igual modo, também há o conflito normativo entre o art. 23, caput e parágrafos 1º e 2º, da Lei nº 9.532/97 que prevê o hipotético ganho patrimonial para o espólio e para o doador, no caso de transferência do bem por valor de mercado, enquanto o art. 22, inciso III da Lei nº 7.713/88, preceitua que tanto as transferências causa mortis, como as doações em adiantamento da legítima deverão ser excluídas da determinação do ganho de capital.
Portanto, os contribuintes que se encontrarem na situação de transferência gratuita de bem imobiliário pelo valor de mercado (o mais indicado para se reduzir o ganho de capital na eventual futura alienação), deverão procurar um advogado especializado para que possa ingressar com medida judicial a fim garantir seus direitos.
Notas
[1] Art. 155, inciso I da CF/88.“Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: I - transmissão ‘causa mortis’ e doação, de quaisquer bens ou direitos; [...]”
[2] O Código Tributário Nacional em seu artigo 35, prevê que:
“O imposto, de competência dos Estados, sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos tem como fato gerador:
I - a transmissão, a qualquer título, da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis por natureza ou por acessão física, como definidos na lei civil;
II - a transmissão, a qualquer título, de direitos reais sobre imóveis, exceto os direitos reais de garantia;
III - a cessão de direitos relativos às transmissões referidas nos incisos I e II.
Parágrafo único. Nas transmissões causa mortis, ocorrem tantos fatos geradores distintos quantos sejam os herdeiros ou legatários.”
Por sua vez o art. 38 do mesmo diploma, preceitua que “A base de cálculo do imposto é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos.”
[3] Embora o valor venal para alguns seja considerado o valor que o bem possa ser vendido, acaba por em certa medida ser a média do valor de avaliação de mercado. Assim, conforme HARADA, o valor venal é o “preço que seria alcançado em uma operação de compra e venda à vista, em condições normais do mercado imobiliário, admitindo-se a diferença de até 10% para mais ou para menos sobre o valor venal” (HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro-tributário, 17ª edição, Atlas, 2008, p. 423).
[4] Caso o contribuinte discorde do valor da avaliação do Estado deve comprovar que o valor de mercado diverge do valor considerado pelo Estado, impugnando-o.
[5] CTN
“Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:
I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;
II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.
§ 1º A incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção.
[...]
Art. 44. A base de cálculo do imposto é o montante, real, arbitrado ou presumido, da renda ou dos proventos tributáveis.”
Lei nº 8.981 /95
Art. 21. O ganho de capital percebido por pessoa física em decorrência da alienação de bens e direitos de qualquer natureza sujeita-se à incidência do imposto sobre a renda, com as seguintes alíquotas:
I - 15% (quinze por cento) sobre a parcela dos ganhos que não ultrapassar R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais);
II - 17,5% (dezessete inteiros e cinco décimos por cento) sobre a parcela dos ganhos que exceder R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais) e não ultrapassar R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais);
III - 20% (vinte por cento) sobre a parcela dos ganhos que exceder R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais) e não ultrapassar R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais); e
IV - 22,5% (vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento) sobre a parcela dos ganhos que ultrapassar R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais).
[...]
§ 2º Os ganhos a que se refere este artigo serão apurados e tributados em separado e não integrarão a base de cálculo do Imposto de Renda na declaração de ajuste anual, e o imposto pago não poderá ser deduzido do devido na declaração.
[6] A disponibilidade econômica se refere a incorporação de rendas ou proventos ao patrimônio de dada pessoa, tendo como resultando um crescimento econômico, mesmo que não exista liquidez imediata, como ocorre com a disponibilidade financeira de uma renda, que significa que o seu detentor tem imediata disponibilidade (dinheiro). Por sua vez, a disponibilidade jurídica, é um direito que ainda será materializado (um crédito, que correspondente à titularidade jurídica de renda ou dos proventos que aumentam o seu patrimônio), o que vale dizer, ainda não implica imediata disponibilidade em favor do credor.
[7] A denominada bitributação designa a tributação instituída por dois ou mais entes tributários sobre o mesmo fato gerador, como no exemplo, em que tanto a lei de um Estado, quanto a lei de um ou mais municípios consideram como fato gerador um mesmo serviço que será desencadeador da obrigação tributária, instituída em cada ente federado.
Como resultado, o mesmo fato gerador seria desencadeador do dever de pagar o imposto estadual sobre a circulação de mercadorias e a prestação de serviços de transporte Interestadual e Intermunicipal e de comunicações (ICMS), bem como do imposto municipal sobre serviços de qualquer natureza elencados na Lei Complementar nº 116/2003.
Por sua vez, o bis in idem se diferencia da bitributação em função de a existência da dupla tributação ser instituída pelo mesmo ente político sobre o mesmo fato gerador, como ocorre na tributação da renda e da contribuição social que possuem a mesma base de cálculo. Ainda, “a Constituição Federal vedou expressamente a bitributação e o bis in idem relativamente aos impostos, ao estabelecer as competências tributárias privativas em favor de cada ente político e determinar que o eventual exercício da competência residual da União se desse sobre fato gerador e base de cálculo distintos dos atinentes às bases econômicas já previstas no texto constitucional (art. 154, I)[...]”.(PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário. 7ª Ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2015, p. 93).
[8] A legitima é a metade do patrimônio (herança) de seu titular reservado aos herdeiros necessários, em que a doação recebida pelos herdeiros, importa adiantamento da legítima, coforme previsto nos artigos 544 e 1.846, do Código Civil Brasileiro, transcritos a seguir:
Art. 544. A doação de ascendentes a descendentes, ou de um cônjuge a outro, importa adiantamento do que lhes cabe por herança.
Art. 1.846. Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima.
[9] Art. 154, inciso I da CF/88. “A União poderá instituir:I - mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição”; [...].
[10] CF/88 – “Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:
[...]
§ 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.”
[...]
[11] Art. 146. Cabe à lei complementar:
[...]
III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;
b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;
[...]
[12] Lei 7.713/1988
“Art. 22. Na determinação do ganho de capital serão excluídos:
I - o ganho de capital decorrente da alienação do único imóvel que o titular possua, desde que não tenha realizado outra operação nos últimos cinco anos e o valor da alienação não seja superior ao equivalente a trezentos mil BTN no mês da operação;
III - as transferências causa mortis e as doações em adiantamento da legítima;
IV - o ganho de capital auferido na alienação de bens de pequeno valor, definido pelo Poder executivo.
Parágrafo único. Não se considera ganho de capital o valor decorrente de indenização por desapropriação para fins de reforma agrária, conforme o disposto no § 5 do art. 184 da Constituição Federal, e de liquidação de sinistro, furto ou roubo, relativo a objeto segurado.”