ATIVISMO JUDICIAL E A GREVE DE POLICIAIS CIVIS (ANÁLISE DA A.R.E. 654.432)

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Este artigo possui o escopo de apresentar, analisar, discutir e chegar a uma conclusão acerca do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal do Recurso Extraordinário com Agravo n°. 654.432 (BRASIL, 2017),

 RESUMO

Este artigo possui o escopo de apresentar, analisar, discutir e chegar a uma conclusão acerca do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal do Recurso Extraordinário com Agravo n°. 654.432 (BRASIL, 2017), vez que este recente julgamento, que declarou inconstitucional a greve de servidores das carreiras policiais, acabou por delimitar o direito fundamental à greve quando enfrentado por outros direitos fundamentais da sociedade como um todo. Com uma prévia fundamentação doutrinária acerca do fenômeno do ativismo judicial que se mostra fundamental para entender o contexto da decisão da Suprema Corte, este trabalho tenta facilitar a comunicação entre o cidadão e os Tribunais Superiores, resultando em uma participação mais efetiva do leitor nos rumos o Direito no Brasil.

Palavras-chaves: Greve; Supremo Tribunal Federal.

                                                     ABSTRACT

This article has the scope of present, analyse, discuss and reach a conclusion about the adjudgement by the Supreme Court of the Extraordinary Appel with Grievance n°. 654.432 (BRAZIL, 2017), because this recente adjudgement, that declared unconstitutional the strike police carrer servers, ended up delimiting the fundamental right of strike, when confronted other fundamental rights of an entire society. With a previous doctrinal foundation about the phenomenon of judicial activism that remains essential to understand the context of the Supreme Court’s decision, this article tries to facilitate the communication between the citizen and the superior courts, resulting in a more effective participation of the reader in the course of law in Brazil.

Keywords: Strike, Supreme Court.

 

 

 

 

 

1. INTRODUÇÃO

         1.1 Judicialização no Brasil

Para assinalar sobre a importância do estudo do processo de judicialização, faz-se significativo citar o ilustre professor e cientista político Stephen Ansolabehere que contextualiza o tema dizendo, 

“Nos países da América Latina e em muitas novas democracias, a reflexão acerca da relação entre política e direito tomou um novo rumo. Depois de centrar-se na dependência do poder judiciário com respeito ao poder político, ante a crescente importância que adquire a atividade judicial, inicia uma virada em direção à forma em que o poder judiciário intervém e processa conflitos políticos. Em outros termos, a balança começou a inclinar-se desde a preocupação pela dependência do poder judiciário à preocupação pela dependência do poder político das decisões judiciais. A tematização das citadas judicialização da política e politização da justiça toma parte deste novo impulso.” (Ansolabehere, 2007, p. 8)

Esse aspecto é marcante nas sociedade brasileira contemporânea com a crescente presença do poder judiciário nos assuntos que norteiam a coletividade, sejam eles de ordem econômica, científica, política ou social. Esse fenômeno se denomina Judicialização, Luís Roberto Barroso melhor conceitua Judicialização expondo que,

 “Judicialização significa que algumas questões de larga repercussão política ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais: o Congresso Nacional e o Poder Executivo” (BARROSO, 2008, p. 3).

Vários são os exemplo concretos de judicialização que podem ser citados como formas de ilustração, por exemplo, o julgamento da ADI (Ação declaratória de inconstitucionalidade) n. 3510, ação proposta pelo procurador geral da república que tratava da permissão para a utilização de células-tronco embrionárias, retiradas de embriões humanos e produzidas por fertilização in vitro, em pesquisas científicas e terapias genéticas. O tribunal neste caso foi chamado a atuar numa área onde se discutiam assuntos biológico-científico. Outros exemplos mostraram-se quando a corte se manifestou sobre o uso das algemas, a demarcação de terras indígenas na região da Serra do Sol, a quebra de sigilo judicial por CPI (Comissão parlamente de inquérito) e o caso da ADPF (Arguição de descumprimento de preceito fundamental) n. 153 que colocou sobre julgamento a lei na anistia.

O fenômeno que se descreve tem inúmeras causas, algumas delas expressas por características tipicamente nacionais, outras de cunho mundial. Mas o fenômeno da judicialização deve ser entendido como um fato de esfera política gerado pelas democracias hodiernas.

Luís Roberto Barroso, ministro do Supremo Tribunal Federal, destaca três grandes causas da judicialização, a saber, a redemocratização, a constitucionalização abrangente e o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade. A redemocratização é citada pois segundo o autor ela teve como ápice a promulgação da constituição de 1988, onde o judiciário deixa de ser simples meio técnico e passar exercer poder de fazer valer a constituição e as leis. Além disso é nesse momento que o ambiente democrático insere aos cidadãos a consciência de reivindicar via poder judiciário seu direitos e interesses, ampliou-se, inclusive, a área de atuação do Ministério Público, bem como a das defensorias públicas da união e dos estados. A Segunda causa citada é a constitucionalização abrangente, essa é denominação dada pelo autor, ao fenômenos que trouxe inúmeras matérias à constituição federal que antes eram deixadas para o processo político majoritário e para a legislação infraconstitucional. A constituição trouxe para si uma forma dirigente, ou seja, sua preocupação vai muito além de meramente organização estatal e estabelecimento de direito e princípios fundamentais, mas impulsiona transformações sociais e determina fins e objetivos a serem perseguidos pelo estados.

Para clarear o entendimento do termo Constituição dirigente, interessante é citar as palavras de Marcelo Alexandrino,

 “O termo dirigente significa que o legislador constituinte dirige a atuação futura dos órgãos governamentais, por meio do estabelecimento de programas e metas a serem perseguidos por estes. O elemento que caracteriza uma Constituição como dirigente é a existência, no seu texto, das denominadas normas programáticas, mormente de cunho social. Como o próprio termo indica, tais normas estabelecem um programa, um rumo inicialmente traçado pela Constituição, que deve ser perseguido pelos órgãos estatais. São normas que têm como destinatários diretos não os indivíduos em si, mas os órgãos estatais, requerendo destes a atuação numa determinada direção, o mais das vezes de caráter social, apontada pelo legislador constituinte. Constituição dirigente representa, portanto, uma das marcas do Estado Social (Welfare State) – aliás, tal modelo de Constituição surgiu exatamente nesse tipo de estado”. (ALEXANDRINO, 2017, p. 22).

A última causa da judicialização mencionada pelo ministro Barroso é o abrangente sistema brasileiro de controle de constitucionalidade que, por um lado permite ao magistrado deixar de aplicar uma lei por considerá-la inconstitucional e por outro concede o controle por ação direta, ADI, ADC e ADPF, caso em que determinadas matérias podem der levadas, a rigor, diretamente à apreciação do Supremo Tribunal Federal. A abrangência do controle de constitucionalidade brasileiro reside no fato de adotarmos um sistema híbrido ou misto de controle de constitucionalidade, utilizando o mecanismo de controle difuso criado pelos norte-americanos, bem como o mecanismo de controle concreto ou abstrato de controle de constitucionalidade, este usado em larga escala por países europeus.

O controle difuso de constitucionalidade, que fora primeiramente mencionado, é o que permite que qualquer juiz deixe de aplicar uma norma por considerá-la inconstitucional, é importante deixar claro que este tipo de controle de constitucionalidade tem validade apenas para o caso concreto, não possuindo nenhuma espécie de efeito irradiante.

A supramencionada abrangência de nosso controle de constitucionalidade tem como ponto extremamente significativo o mecanismo de controle abstrato de constitucionalidade, a saber, aquele que permite o ajuizamento de ações direitas à serem apreciadas do plenário da corte, tais ações são a ação direta de inconstitucionalidade (ADIn), a ação declaratória de constitucionalidade (ADC) e a arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF). A grande utilização deste mecanismo de controle decorre do número significativo de legitimados para propor tais ações, legitimados estes que se veem previsto na carta constitucional em seu artigo 103°.

Art. 103°. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de inconstitucionalidade:

I – o Presidente da República;

II – a Mesa do Senado Federal;

III – a Mesa da Câmara dos Deputados;

IV – a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal;

V – o Governador de Estado ou do Distrito Federal;

VI – o Procurador-Geral da República;

VII – o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;

VIII – Partido Político com representação no Congresso Nacional;

IX - Confederação Sindical ou Entidade de Classe de âmbito nacional.

(Redação dada pela Emenda Constitucional n°45, de 2004)

Vê-se então que a Judicialização da política, como já expresso, é reflexo de vários aspectos jurídicos trazido pela Constituição de 1988, devendo ainda não se esquecer dos aspectos sociais centrais que influenciaram na maneira com que o poder constituinte originário idealizou a presente Carta Constitucional, aspectos sociais estes que remetem ao momento da redemocratização brasileira.  

Marcelo Alexandrino também acena da mesma maneira dizendo que,

 “No estado moderno, de cunho marcadamente social, a doutrina constitucionalista aponta o fenômeno da expansão do objeto das Constituições, que têm passado a tratar de temas cada vez mais amplos, estabelecendo, por exemplo, finalidades para a ação estatal.” (ALEXANDRINO, 2017, p. 5)

 O autor ainda finaliza demonstrando sua opinião quanto ao assunto,

“O fato é que levar para o texto da constituição demasiadas normas apenas formalmente constitucionais, que nada têm a ver com a estruturação do Estado, e que certamente melhor ficariam na legislação ordinária, prejudica a estabilidade da Constituição, pois as oscilações frequentes nessas matérias irrelevantes terminam por forçar, continuadamente, a aprovação de reformas do texto constitucional. (ALEXANDRINO, 2017, p. 17)

De fato, o fato de a Constituição Federal de 1988 ser analítica, densa e dirigente, afeta a estabilidade do texto constitucional, na realidade várias foram as vezes que a Constituição Federal fora emendada. Mas esses caracteres foram escolha do constituinte, o fenômeno da judicialização advém da escolha política da assembleia constituinte. Por certo, a judicialização da política é um fato, fato gerado pela escolha política majoritária do constituinte e expressão da analiticidade e dirigência da Carta Constitucional.

2.     DESENVOLVIMETO

2.1 A diferenciação de Judicialização e Ativismo Judicial

 

Judicialização como já analisado é um fenômeno político gerado por fatores advindos do processo democrático hodierno, cumpre-se aqui ainda fazer uma distinção clara entre o supramencionado fenômeno e o Ativismo Judicial. Rafael Tomaz Oliveira esclarece que “O ativismo judicial está umbilicalmente associado a um ato de vontade do órgão judicante (…) o ativismo é um problema interpretativo, um capítulo da teoria do direito.” (OLIVEIRA, 2012, p. 302).

“O ativismo começa quando, entre várias soluções possíveis, a escolha do juiz é dependente do desejo de acelerar a mudança social ou, pelo contrário, de a travar” (GARAPON, 1998, p. 54). É a partir dessa conclusão que Rafael Tomaz de Oliveira assevera que “é aqui que aparece o ponto decisivo que diferencia ativismo de judicialização: aquele é dependente de um ato de vontade, este é contingencial, condicionado ao sistema político” (OLIVEIRA, 2012, p. 284).

Para o Ministro do Supremo Tribuna Federal, Luís Roberto Barroso, o ativismo do magistrado se manifesta de três diferentes maneiras, a saber, (1) por meio da aplicação direta da constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independente de manifestação do legislador ordinário, (2) por meio de declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patentes e ostensiva violação da constituição, (3) por fim quando há a imposição de condutas ou de abstenções ao poder público, notadamente em matéria de políticas públicas. (BARROSO, 2008)

Vários são os casos recentes onde houve manifestações ativistas por parte da suprema corte brasileira, por exemplo, quando o Supremo Tribunal Federal se manifestou dizendo que a vaga no Congresso Nacional pertence ao partido político, criando assim uma nova espécie de perda do mandado de parlamentares, caso não expresso na constituição federal. Outra situação quando se deu quando a Suprema Corte Brasileira determinou a distribuição de medicamento e de terapias médicas, este é um caso evidente de ativismo mediante imposição de condutas ao poder público.

Para dar por encerrado essa pare do assunto, cumpre-nos destacar a visão de Rafael Tomaz de oliveira que diz,

 “O nosso ativismo acaba por coibir os direitos fundamentais ao proceder o STF em esferas nas quais não lhe foi atribuída competência constitucional, sendo que não se verifica em seus fundamentos, pelo seus defensores, a manutenção dos direitos fundamentais, mas sim a possibilidade de infringi-los em razão do que a corte entende por motivos de relevância social. Nossos ministros agem como legisladores, sendo que não possuem legitimidade para tanto nem autorização constitucional para tanto. Acabam não conservando a constituição e até mesmo procedendo a alteração de seu texto a pretexto de conformá-la as mudanças sociais”. (OLIVEIRA, 2012, p. 299).

A análise do ilustre Doutor Rafael Tomaz de Oliveira encontra contrapontos na doutrina constitucional, por exemplo, o professor e Doutor em Direito Constitucional Luís Roberto Barroso assevera que,

“O ativismo judicial, até aqui, tem sido parte da solução, e não do problema. Mas ele é um antibiótico poderoso, cujo uso deve ser eventual e controlado. Em dose excessiva, há riscos de se morrer da cura. A expansão do judiciário não deve desviar a atenção da real disfunção que aflige a democracia brasileira: a crise de representatividade, legitimidade e funcionalidade do poder legislativo. Precisamos de reforma política. E essa não pode ser feita por juízes”. (BARROSO, 2017, p. 19).

Mas bem articulada parece a explanação do professor Luís Roberto Barroso, pois se feita análise rigorosa dos julgados do Supremo tribunal federal vê-se que se não na totalidade dos casos, mas em sua maioria, o STF tem decidido por estar sendo provocado a tomar as decisão na análise dos casos concretos.

O Brasil é um Estado constitucional democrático de direito. Ser constitucional, ou melhor, ter uma constituição significa limitar o poder do estado e zelar pela garantia aos direitos fundamentais, outrora ser democrático é a garantir o direito de ampla participação política, o respeito à vontade da maioria, por fim, democracia é o governo do povo. Porém em nem todas as ocasiões democracia e constituição andam em harmonia, há momentos em que as decisões do poder político majoritário fere direitos fundamentais da sociedade previsto em Constituição, e é nesse momento que se faz necessárias as decisões contramajoritárias do judiciário, de maneira a garantir que o maioria política constituída não extrapole os limites de seu direito, que mesmo em um estado democrático não é absoluto.

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{C}2.2{C}Greve

{C}2.2.1    O conceito de greve

Para começar a galgar em direção ao que será o temo central da presente pesquisa, o ativismo judicial no caso de greve dos policiais civis, é de bom proveito discorrermos ao menos de forma superficial sobre o tema greve em sentido amplo. Interessante ressaltar que a greve é um fato social, o que implica que seu estudo não se restringe à esfera jurídica, pelo contrário, tem seu tronco no âmbito sociológico.

Segundo o Jurista Paulo Nader,

 “Fatos sociais são criações históricas do povo, que refletem os seus costumes, tradições, sentimentos e cultura. A sua elaboração é lenta, imperceptível e feita espontaneamente pela vida social. Diante da definição do professor Paulo Nader compreendemos que a greve, como fato social, é uma criação histórica do povo e não do ordenamento jurídico.” (NADER, 2016, p. 28)

Nader ainda assevera que “Cada povo tem a sua história e seus fatos sociais. O direito, como fenômeno de adaptação social, não pode formar-se alheio a esses fatos. As normas jurídicas devem achar-se conforme as manifestações do povo.” (Paulo Nader, 2016). Da citação supratranscrita tiramos o entendimento de que greve, como fato social que é, tem reflexos no direito, e por isso deve ser objeto de normatização jurídica.

Estudando a terminologia da palavra greve encontra-se o empecilho de sua de sua conceituação ter sido desvirtuada do decorrer do tempo, o que entendemos por greve hodiernamente não é o que se compreendia a séculos atrás.

Segundo o professor Santiago Pérez Del Castillo,

“A palavra greve que, em castelhano é huelga, deriva do verbo holgar, que significa suspender o trabalho, estar ocioso, descansar, tomar alento. Esse sentido estrito vem sendo deixado de lado e hoje tem um perfil técnico que corresponde adequadamente ao que se entende também na linguagem corrente. A palavra castelhana resulta apropriada para referir-se ao fenômeno porque foi conhecida pelo uso de uma série de notas que perfilam o conceito com precisão. Primitivamente foi um nome genérico que incluiu outras formas de estar sem desempenhar tarefas, mas na atualidade desprezou-se toda referência ao não trabalhar com ânimo de recreação, para consolidar-se no sentido de vacância não prazerosa e, ainda mais, de vacância com finalidade de protesto.” (CASTILLO, 1994, p. 6)

Para a caracterização de um movimento como sendo uma greve o Professor Santiago Pérez Del Castillo estabelece como necessária a presença de quatros elementos constituintes, a saber, a abstenção da prestação de serviços habituais, atitude decidida por acordo, caráter coletivo e a existência de um interesse profissional.

Fazendo uma explanação breve a respeito dos quatro elementos constitutivo de uma greve, encontra-se em um primeiro momento a abstenção da prestação de serviços habituais, tal abstenção não precisa ser completa, pelo contrário, pode ser um mero descumprimento contratual, uma diminuição da jornada de trabalho ou diminuição do ritmo de trabalho, desde que provoquem alteração dos fatores normais da prestação de serviço. Também não há necessidade der ser de tempo indeterminado, a previsão de temporalidade não exclui do movimento sua caracterização de greve.

Em um segundo momento tem-se como elemento a atividade decidida de acordo, aqui pouco há o que se falar, o elemento é autoexplicativo, a intenção de cada trabalhador individualmente se converge para o mesmo fim, que é o objeto, direito e garantia visado pelo movimento grevista.

Em terceiro plano salienta-se o elemento caráter coletivo, aqui se explicita que não há greve de um só, não obstante seja um direito subjetivo e a adesão ao movimento dependa da vontade de cada ser isoladamente, a greve só é admitida se for coletiva. A doutrina estabelece que para haver greve ela deve ter sido aderida por número suficiente de trabalhadores, então pode-se conclui que não há a necessidade de todos os trabalhadores aderirem a greve, o que há é a necessidade de o número de grevista, como escreve Santigo Pérez Del Castillo, ser representativo da opinião dos trabalhadores. Um adendo ainda se faz, é necessário que haja uma alteração na normalidade da função da empresa, se não houver tal alteração conclui-se que o número de grevista não foi representativo da vontade dos trabalhadores.

Como último elemento mostra-se a existência de um interesse profissional, este elemento argumenta que o objeto buscado pelo movimento grevista deve ser de caráter profissional, ou seja, ter vinculação com a relação entre patrão e empregado(s). Movimentos de caráter estritamente político e que não tenham interesse profissional envolvido não se caracterizariam greve.

{C}2.2.2    Greve dos servidores públicos

 

Primeiramente cabe definir qual o significado de servidor público, Vicente Paulo define servidor público da seguinte maneira,

“São agentes administrativos sujeitos a regime jurídico-administrativo, de caráter estatutário (isto é, de natureza legal, e não contratual); são os titulares de cargos públicos de provimento efetivo e de provimento em comissão.” (ALEXANDRINO, 2017, 313).

Com a promulgação da constituição federal de 1988 os servidores públicos, assim como qualquer cidadão, passaram a ter reconhecido o direito de greve. O direito está reconhecido no artigo 9° da Constituição Federal de 1988 que explana que,

Art. 9°. É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender. (Constituição Federal, BRASIL, 1988)

O artigo 9° é complementado no inciso VII do art.37 que diz que,

Art. 37 Inc. VII. O direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica. (Constituição Federal, BRASIL, 1988)

Analisaremos então a norma jurídica em si. O inciso VII do art.37 é classificado segundo o Supremo Tribunal Federal como uma norma sem aplicabilidade imediata, a saber, norma de eficácia limitada.

Bem define norma de eficácia Limitada Marcelo Alexandrino quando discorre que,

“As normas constitucionais de eficácia limitada são aquelas que não produzem, com a simples entrada em vigor, os seus efeitos essenciais, porque o legislador constituinte, por qualquer motivo, não estabeleceu, sobre a matéria, uma normatividade para isso bastante, deixando essa tarefa ao legislador ordinário ou a outro órgão do estado. São de aplicabilidade indireta, mediata e reduzida, porque somente incidem totalmente a partir de uma normatização infraconstitucional ulterior que lhes desenvolva a eficácia. Enquanto não editada essa legislação infraconstitucional integrativa, não têm o condão de produzir todos os seus efeitos.” (ALEXANDRINO, 2017, p. 60)

 Pois bem, o legislador constituinte deixou nas mão do legislador infraconstitucional a regulamentação da matéria que disserta sobre os mecanismos do direito de greve dos servidores públicos, o assunto ficaria então na competência do legislativo. Por se tratar de uma norma de eficácia limitada, a mesma só pode exercer seus efeitos jurídicos essenciais após regulamentação infraconstitucional, o que torna a regulamentação fato ímpar para a concretização do direito.

 O problema é que até no presente momento, em 2017, o legislador infraconstitucional não regulamentou tal assunto de sua alçada. A inércia do poder legislativo em regulamentar a matéria fez com que, após vários conflitos decorrentes do assunto, o Supremos tribunal federal viesse a se posicionar sobre o tema no julgamento de importantes mandados de injunção.

Em nota o STF diz que,

 O plenário do Supremo Tribunal federal decidiu, por unanimidade, declarar a omissão legislativa quanto ao dever constitucional em editar lei que regulamente o exercício do direito de greve no setor público, e por maioria, aplicar ao setor, no que couber, a lei de greve vigente no setor privado (Lei n° 7.783/89).

A inércia do legislativo, fez com que um número significativo de cidadãos ficassem a mercê da concretização de direitos constitucionais constituídos, traz-se então à discussão a questão da necessidade de posicionamento do judiciário, pois havia lide constituída a qual carecia de apreciação para solução dos conflitos.

A Suprema Corte brasileira alega que decidiu o caso por analogia. Mas, o que é analogia? Paulo Nader define analogia como sendo, “um recurso técnico que consiste em se aplicar, a uma hipótese não prevista pelo legislador, a solução por ele apresentada para uma outra hipótese fundamentalmente semelhante à não prevista.” (NADER, Paulo. 2016).

É interessante ainda salientar, como bem lembra Marcelo Alexandrino que,

“Em 2016, nossa Corte Suprema decidiu, com repercussão geral, que a administração pública deve efetuar, ela mesma, sem necessidade de autorização judicial, o desconto da remuneração dos dias de paralisação por motivo de greve de seus servidores.” (ALXANDRINO, 2017, p. 385)

Para encerrar o tópico, faz-se útil averbar que o direito de greve é vedado aos militares, sem nenhuma exceção, como mostra o art.142 parágrafo 3° inciso IV da Constituição Federal que diz “Ao militar é proibidas a sindicalização e a greve.” (Constituição Federal, BRASIL, 1988)

{C}2.2.3    O caso da greve dos policiais civis

Malgrado a decisão da Suprema corte seja a de aplicar, no que couber, aos casos de greve dos servidores público a lei que regulamenta o direito de greve dos particulares, o Supremo Tribunal Federal declara inconstitucional a greve dos policiais civis, em nota o STF disse que “o exercício do direito de greve, sob qualquer forma ou modalidade, é vedado aos policiais civis e a todos os servidores públicos que atuem diretamente na área da segurança pública.” (BRASIL, 2017)

No que concerne ao direito de greve dos policiais civis a questão se torna mais complexa por se tratar de um serviço essencial. Esclarece muito bem Castillo que,

 “É prevista atualmente no direito uma limitação do recurso à greve para aquelas atividades que, por sua natureza, não podem ser interrompidas. O problema fundamental consiste em determinar quais são estas atividades indispensáveis.” (CASTILLO, 1994, p. 26)

O comitê da Organização internacional do trabalho define serviços essenciais como aqueles serviço “cuja interrupção poderia colocar em perigo a vida, a segurança ou a saúde do indivíduo, no todo ou em parte da população.”

No brasil a lei n°7.783 em seu artigo 10° traz um rol de serviços essenciais,

Art. 10 São considerados serviços ou atividades essenciais:

I - tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;

II - assistência médica e hospitalar;

III - distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos;

IV - funerários;

V - transporte coletivo;

VI - captação e tratamento de esgoto e lixo;

VII - telecomunicações;

VIII - guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares;

IX - processamento de dados ligados a serviços essenciais;

X - controle de tráfego aéreo;

XI compensação bancária.

O rol dessas atividade, no entanto, é meramente exemplificativo, não excluindo outras funções da listagem, sendo a polícia civil considerada como serviço essencial pela garantia constitucional da segurança pública.

De relevância é a análise de mais dois artigos da Constituição Federal de 1988, primeiramente o parágrafo 1° do artigo 9° que disserta que,

 Art. 9° § 1°. A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade”

Pois bem abre-se aqui toda a discussão sobre a restrição do direito de greve por parte daquelas atividades que por natureza são essenciais à sociedade.

O outro artigo a ser trazido à analise juntamente com o parágrafo 1° do artigo 9° é o artigo 144 que escreve que,

Art. 144°. A segurança pública, dever do estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através do seguintes órgãos:

I – Polícia Federal;

II- Polícia Rodoviária Federal;

III – Polícia Ferroviária Federal;

 IV – Polícias Civis;

V – Polícias militares e corpos de bombeiros militares.

Estabelece-se então com base nos supramencionados artigos que a polícia civil caracteriza-se como serviço essencial à ordem pública, para proteção tanto das pessoas como de seus patrimônios, sendo seu serviço uma necessidade inadiável à sociedade.

O último ponto a ser debatido é referente à decisão em si, o direito de greve é um direito fundamental previsto na Constituição Federal de 1988, sabe-se no entanto que é característica dos direitos fundamentais o fato de não serem absolutos, ou seja, o critério de decisão a ser tomado quando há dois princípios constitucionais em conflito, é o critério da proporcionalidade ou razoabilidade. É o que o de fato ocorreu na decisão em questão, o STF adota o princípios da proporcionalidade para resolver a lide entre o princípio da segurança dos cidadãos (interesse geral da comunidade) e o princípio do direito de greve relativo aos policiais civis (interesse da classe em específico).

Conclui-se então que apesar do supremo tribunal federal decidir aplicar ao setor público, no que couber, a lei de greve vigente no setor privado, tal decisão não exclui da apreciação do plenário a reflexão sobre cada atividade profissional em específico, devendo o tribunal levar em consideração a atividade desempenhada pela profissão e sua relação com o estado e os cidadãos.

 

 

3. DECISÃO DO PLENÁRIO

         A votação no plenário do Supremo Tribunal Federal que pôs fim à espera de milhares de servidores das carreiras policiais em todo o Brasil ocorreu no dia 5 de Abril de 2017. O Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) de n°654432 (BRASIL, 2017) discutiu a constitucionalidade da greve por parte dos Policiais Civis do estado de Goiás.

Embora o relator do caso, Ministro Luiz Edson Fachin, tenha se posicionado favoravelmente à legalidade da greve de policiais civis, ainda que limitada, seu esforço não foi suficiente para evitar o placar de 7 votos a 3 pela inconstitucionalidade da greve. Pela constitucionalidade, votaram com o Ministro Fachin os Ministros Rosa Weber e Marco Aurélio Mello. Contrários, os Ministros Alexandre de Moraes, Luis Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia.

O voto do relator se desenvolveu no sentido de que o direito à greve é um direito fundamental, restringindo-a, no entanto, a manifestações pacíficas, regulamentadas pelo Judiciário, sem o uso de armas ou qualquer indumentária relacionada à corporação e estabelecendo um percentual mínimo de servidores que obrigatoriamente continuariam a exercer suas funções.

Marco Aurélio Mello, ao acompanhar o relator, lamentou a derrota iminente da tese do relator, alegando que a inconstitucionalidade da greve distancia a Suprema Corte da Constituição Federal de 1988.

A seguir, trechos do voto do Ministro Alexandre de Moraes, que abriu a divergência que prevaleceu na votação acima especificada:

“(...) A carreira policial é uma carreira diferenciada, como o próprio artigo 144 da Constituição Federal reconhece ao afirmar que tem a função de exercer “a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos”, com a finalidade de “preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”, estando, inclusive, destacada do capítulo específico dos servidores públicos.

A carreira policial é o braço armado do Estado para a segurança pública, assim como as Forças Armadas são para a segurança nacional. É inegável que há um paralelismo importante aqui entre segurança interna e a segurança nacional, inclusive pela inexistência de atividades paralelas na iniciativa privada.

É essencial, portanto, fixarmos uma premissa essencial para a presente análise, qual seja, a atividade policial é carreira de Estado sem paralelo na atividade privada, o que a diferencia de várias outras atividades essenciais, como educação e saúde, que também são absolutamente essenciais para o Estado, mas apresentam paralelo na iniciativa privada, por expressa autorização constitucional.

No exercício da segurança pública, manutenção da ordem pública e da paz social, não há possibilidade de complementação ou substituição das carreiras policiais pela atividade privada, seja na segurança pública ostensiva, que não é analisada no presente recurso, seja na atividade de polícia judiciária, que é a função realizada pela Polícia Civil e pela Polícia Federal, no âmbito da União. Não há possibilidade de algum outro órgão da iniciativa privada suprir essa atividade estatal essencial exercida pela Polícia em prol da Sociedade. Atividade essa que, por si só, é relevantíssima, importantíssima e imprescindível ao Estado de Direito, mas também, cuja paralisação afeta o regular exercício da titularidade da ação penal pública pelo Ministério Público e da jurisdição pelo Poder Judiciário, porque a paralisação da Polícia Judiciária acarreta a paralisação da própria Justiça Criminal e do Ministério Público.

A Segurança Pública é privativa do Estado e, portanto, tratada de maneira diferenciada pelo texto constitucional. E é diferenciada para o bônus e para o ônus, pois, no momento em que há a opção pelo ingresso na carreira policial, a pessoa sabe que estará integrando uma carreira de Estado com regime especial, que possui regime de trabalho diferenciado, por escala, hierarquia e disciplina, existentes em todos os ramos policiais, e não somente como se propala na polícia militar, aposentadoria especial (e, insisto no que já vinha defendendo como Ministro da Justiça, a necessidade de todas as carreiras policiais preservarem a aposentadoria especial em virtude da singularidade, importância e imprescindibilidade da atividade), porte de arma para poderem andar armados 24 horas por dia, ao mesmo tempo em que têm a obrigação legal de intervir e realizar toda e qualquer prisão de alguém em situação de flagrante delito. Ressalte-se que todas as demais pessoas, inclusive autoridades públicas do Judiciário e do Ministério Público, têm a faculdade de efetuar prisões em flagrante, ou seja, “podem”, enquanto os integrantes das carreiras policiais “devem”.

Como compatibilizar o exercício dessa imprescindível, dignificante, honrosa, porém também penosa carreira de Estado com o exercício do Direito de Greve?

Como compatibilizar que o braço armado do Estado mantenha as necessárias disciplina e hierarquia com o Direito de Greve, sem colocar em risco a segurança pública, a ordem e a paz social?

Como compatibilizar a obrigatoriedade de os integrantes das carreiras policiais realizarem intervenções e prisões em situação de flagrância com o exercício do Direito de Greve?

Como compatibilizar a continuidade do exercício integral das funções do Ministério Público e a continuidade da jurisdição criminal com o exercício do Direito de Greve pela Polícia Judiciária?

Não é possível. Ninguém é obrigado a ingressar no serviço público, em especial nas carreiras policiais, ninguém é obrigado a exercer o que, particularmente, considero um verdadeiro sacerdócio, que é a carreira policial. Mas aqueles que permanecem sabem que a carreira policial é mais do que uma profissão, é o braço armado do Estado, responsável pela garantia da segurança interna, ordem pública e paz social. Não é possível que o braço armado do Estado queira fazer greve. O Estado não faz greve. O Estado em greve é anárquico. A Constituição não permite. (...)”

“(...) Na presente hipótese de aparente colisão de direitos, portanto, ao indagarmos quais os valores que a Constituição pretende proteger, não restam dúvidas em afirmar que pretende proteger a imprescindibilidade da garantia da segurança pública, a ordem pública e a paz social, no intuito de impedir qualquer ruptura na normalidade democrática interna.

A ruptura da segurança pública é tão grave que a Constituição Federal permite a decretação do Estado de Defesa para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional; inclusive, com a restrição de diversos direitos fundamentais, conforme previsto no artigo 136 do texto constitucional. Caso o próprio Estado de defesa se mostre ineficaz, haverá, inclusive, a possibilidade de decretação do Estado de Sítio, nos termos do inciso I do artigo 137 da Carta Magna.

Não se trata de exagerar na argumentação, mas sim de analisar realisticamente as consequências de uma decisão desta Corte liberando o exercício de algo, que, para mim – com o devido respeito ao eminente Relator e a todos que partilham da mesma posição –, é absolutamente incompatível com as carreiras policiais, que são constitucionalmente o braço armado do Estado para garantir a segurança pública, a ordem pública e a paz social. (...)”

“(...)Não tenho dúvidas de que, nessa hipótese, há á prevalência do interesse público e do interesse social sobre o interesse individual de uma categoria. (...)”

“(...)A própria Constituição Federal não deixa dúvidas, portanto, quanto ao estabelecimento da relatividade do exercício do Direito de Greve aos servidores públicos, permitindo:

(a) o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade;

 (b) o estabelecimento dos termos e limites do exercício desse direito ao gênero “servidores públicos”.

Dessa maneira, as restrições ao exercício do direito de greve aos servidores públicos são constitucionalmente possíveis, seja pelo estabelecimento de termos condicionais específicos ou limites parciais a todos os servidores públicos (gênero), seja por estabelecimento de limites totais a determinadas carreiras (espécies), como na hipótese em questão para as carreiras policiais, em virtude do atendimento às “necessidades inadiáveis da comunidade”, como determina o mandamento do artigo 9º do texto constitucional.

O estabelecimento do limite total para as carreiras policiais, ou seja, a vedação ao exercício do direito de greve a uma das espécies do funcionalismo público, é absolutamente compatível com as restrições possíveis pelo texto constitucional e não suprime de maneira absoluta o direito de greve estabelecido para o gênero “servidores públicos”, pois a constitucionalidade do direito de greve pelos servidores públicos não veda a necessidade de se examinar a compatibilidade de seu exercício com a natureza das atividades públicas essenciais como as carreiras policiais. (...)” (MORAIS, 2017, p. 6-9)

         O Ministro Luís Roberto Barroso, acompanhando a tese do Ministro Alexandre de Moraes, alegou que os desdobramentos da recente greve de Policiais Militares no Espírito Santo influenciaram decisivamente em seu voto. Senão vejamos:

“(...) Nós testemunhamos os fatos ocorridos no Espírito Santo, em que, em última análise, para forçar uma negociação com o governador, se produziu um quadro hobbesiano, estado da natureza, com homicídios, saques. O homem lobo do homem. Vida breve, curta e violenta para quem estava passando pelo caminho (...)” (BRASIL, 2017)

         Em sua explanação, o Ministro precitado refere-se à obra Leviatã, de Thomas Hobbes, como metáfora para o episódio da paralisação dos policiais capixabas, bem como para a hipotética repercussão a nível nacional caso fosse concedido tal direito aos servidores das carreiras policiais.

         Hobbes, em Leviatã, discorre sobre a natureza humana e seu comportamento em sociedade. De acordo com ele, por natureza, o ser humano é egoísta, inseguro, movido por paixões, sem senso de justiça, e tende a guerrear com outros de sua própria espécie. No entanto, a partir do momento em que decide viver em sociedade, cada homem aceita o estabelecimento de um contrato social, que é capaz de fornecer a paz em troca de uma parcela da liberdade de cada um. Esse papel é conferido ao Estado, que se torna soberano, poderoso, um legítimo leviatã (HOBBES, 2008).

         O vínculo entre este conceito e o caso concreto reside na possibilidade de, ao conceder o direito à greve às forças que atuam na segurança do país, retirar as condições de o Estado fazer cumprir o assim chamado contrato social, culminando no retorno da população a seu estado de natureza.

         O Min. Luiz Fux, seguindo o caminho trilhado pela divergência, afirmou que a constitucionalidade da greve de policiais civis acabaria por prejudicar ainda mais o contribuinte:

“(...) Há outro dado que acho muito importante: quem paga a greve do serviço público é o contribuinte. Isso para mim é algo que define todas essas questões. Quando a criança de colégio público não tem aula, quem está pagando é a criança. Greve no hospital público é o contribuinte que está morrendo na maca fria ao desabrigo, de sorte que sou absolutamente contrário a essa flexibilização que o legislador propôs. Estou concluindo que o exercício de direito greve de policial civil é inconstitucional (...)” (BRASIL, 2017)

Já o Min. Ricardo Lewandowski discorreu sobre os riscos à ordem pública, alertando que é necessário observar a realidade sociocultural do Brasil antes de analisar a viabilidade deste direito:

“(...) Não vivemos na Suíça, na Suécia na Dinamarca ou até mesmo no Japão, onde consta que os policiais nem usam armas. Lá os policiais usam luvas brancas até para ajudar as pessoas a entrarem no metrô. Nossa realidade é totalmente outra(...)” (BRASIL, 2017)

         Em entrevista para o jornal “O Estado de São Paulo” um dia após a votação, a Ministra Cármen Lúcia aduziu que a análise interpretativa da Constituição deve sempre ser feita através de uma ponderação de valores. Desta maneira, de acordo com ela, não se pode exercer um direito - ainda que tido como direito social fundamental - sem levar em consideração o direito à vida livre, à vida segura, à paz. O direito de você ter sossego. (LÚCIA, 2017)

4. CONCLUSÃO

4.1. DESFECHO

         Em vista do exposto acerca da decisão acima esmiuçada, bem como da análise do que fundamenta o caso concreto analisado, conclui-se que a Suprema Corte brasileira, ao decidir pela inconstitucionalidade da greve de servidores das carreiras policiais, pôs um fim adequado a uma polêmica que atingia de maneira direta ou indireta a sociedade como um todo.

         Havia, até então, uma lacuna que acabava por colocar tanto os servidores quanto a população em uma condição de incerteza, agravada pelo elevado índice de criminalidade e pelas péssimas condições enfrentadas pelos policiais no que concerne ao equipamento de trabalho ultrapassado e salário defasado.

4.2. CONSEQUÊNCIAS PRÁTICAS

Como consequência direta da decisão enfrentada pelo STF, acaba por tornar-se cada vez mais difícil a possibilidade de ocorrência de novos episódios semelhantes ao da greve de policiais militares do Espírito Santo no primeiro semestre de 2017.

Como, no decorrer do processo, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral do caso, todos os processos que tratavam sobre o tema, assim como os próximos que eventualmente venham a tratar sobre o assunto, terão desfecho semelhante, vez que agora estão vinculados a esta decisão. A decisão, que resultou de uma colisão de direitos fundamentais, acabou também por criar um precedente valioso para casos em que os mesmos direitos fundamentais estejam colidindo.

Ademais, não houve nenhuma supressão de direitos injustificada, vez que os servidores de carreiras policiais ainda estão munidos de outras maneiras de se fazer ouvir suas reivindicações. Em contrapartida, o Estado reafirmou o direito de o cidadão comum poder usufruir ininterruptamente de todos os serviços essenciais oferecidos por ele, de maneira especial, a segurança.

 

 

 

 

7. REREFÊNCIAS

HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil. Col. Os Pensadores. Trad.: João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. 2ª ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. 636 p.


BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário com Agravo n.°654.432/GO. Estado de Goiás e Sindicato dos Policiais Civis do Estado de Goiás – Sinpol. Relator: Ministro Edson Fachin. Diário da Justiça Eletrônico. Julgamentos, 07 abril 2017. Acesso em: 16 ago. 2017.


GARAPON, A. O Guardador de Promessas. Lisboa: Instituto Piaget, 1998. 294 p.


BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n°54. Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde – CNTS. Relator: Ministro Marco Aurélio Mello. Diário da Justiça Eletrônico. Julgamentos, 30 abril 2013. Acesso em: 19 set. 2017.


BRASIL. Constituição (1998). Constituição da República Federativa do Brasil.  Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. 292 p.

OLIVEIRA, RAFAEL TOMAZ DE. A jurisdição constitucional entre a judicialização e o ativismo: Percursos para uma necessária diferenciação. Curitiba. 2012. Anais do X simpósio nacional de direito constitucional. Disponível em: <http://www.abdconst.com.br/anais2/JurisdicaoRafael.pdf>. Acesso em: 18 out. 2017.

NADER, PAULO. INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2016. 419 págs.

PAULO, Vicente; Alexandrino, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado. São Paulo: Editora Método, 2016. 1006 págs.

ANSOLABEHER, S. et al. “Does attack advertising demobilize the electorate?. American Political Science Review, vol. 88, n° 4, 1994. P. 829-838.

SANTIAGO, Perez del Castilho. O DIREITO DE GREVE. São Paulo: Editora LTR:1994.

 

 

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Sobre os autores
JOSÉ ANTONIO LUCAS VIRGINOTI DIAS

Acadêmico do Curso de Direito da UNIPAR - Universidade Paranaense

ALLAN NATAN LOVERA ROSSET

Acadêmico do Curso de Direito da UNIPAR - Universidade Paranaense

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Trabalho realizado no Programa de iniciação científica da UNIPAR - Universidade Paranaense, campus de Guaíra, Estado do Paraná.

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