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Cooperativas de mão-de-obra:

a legalização do trabalho precário

01/05/2005 às 00:00
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Passados quase dez anos da introdução do parágrafo único ao art. 442 da CLT, a realidade do mundo do trabalho se encarregou de mostrar o quão prejudicial aos trabalhadores foi a declaração de que não havia vínculo entre o sócio e a cooperativa nem entre este (o sócio) e o tomador de serviços.


A inserção do parágrafo único no art. 442 da CLT.

Contexto da época.

1994. Cenário: implementação dos desígnios do Consenso de Washington. O Brasil deixa de ser considerado país subdesenvolvido para ser denominado país em desenvolvimento. Acontecem medidas políticas para o desmonte da estrutura administrativa do Estado e desregulamentação do trabalho, com medidas flexibilizadoras, para citar as que se relacionam com o assunto em foco.

Após a queda do Muro de Berlim, o capital não encontrou mais fronteiras. Sua inexorável marcha sobre o globo, com o consumismo e revoluções tecnológicas marcantes, alterou o perfil do mundo do trabalho. A busca do lucro pela especulação fácil, a mudança de investimentos para as bolsas de valores e papéis, não mais na produção, remodelaram o perfil do empreendimento econômico de sucesso. O dinheiro deixou de cumprir sua função social, passando, cada vez mais, a girar nas mãos dos mega-especuladores, que, por sua vez, não respeitaram fronteiras, nem mesmo Constituições, pela busca do poder. Tais fatos aceleraram as desigualdades econômicas e sociais, atingindo principalmente os trabalhadores. Subiram (e sobem) os índices de desemprego em toda a América Latina, filial do império americano ditador. O trabalho informal passou a ser uma saída de sobrevivência, não por opção, mas por pressão do mercado e omissão do Estado intitulado social. Conseqüentemente, houve queda na arrecadação de tributos, principalmente das contribuições sociais previdenciárias, uma das justificativas para as reformas previdenciárias.

O contexto em que inserido o parágrafo único no artigo 442 da CLT em 12.12.1994 é de insegurança política e omissão do Estado, enquanto Estado-Social. Nem o governo compreendeu, ou não queria ver, o que se passava e para onde poderia caminhar o mundo do trabalho assim, à merce do mercado. Ainda hoje invoca-se a flexibilização como a salvação do Direito do Trabalho. Apregoa-se que ela é apenas permitir que os trabalhadores negociem, coletivamente, com seus empregadores, os direitos da relação de trabalho. Também invoca-se que os trabalhadores podem se salvar coletivamente, se, unidos por laços de solidariedade e simpatia, formarem cooperativas de mão-de-obra. Sim! Pessoas que não puderam freqüentar bancos escolares ou obter diplomas, mas tiveram na escola da vida a dura lição da sobrevivência, aprendizes do "pau-pra-toda-obra", devem se organizar, até pela evidente necessidade de conseguir o pão de cada dia. Então introduz-se na CLT o seguinte dispositivo, cuja iniciativa foi do Poder Legislativo, legitimação inegavelmente popular:

Art. 442. (...)

Parágrafo único. Qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem entre este e os tomadores de serviços daquelas.

Insere-se o dispositivo no contraponto do ato-fato trabalho disposto no caput, que evidentemente faz prevalecer a realidade vivida. Abre-se um novo caminho para a terceirização de serviços, agora possível para outros setores do empreendimento econômico que não as atividades-meio de limpeza, conservação e vigilância. Veja-se, o texto do parágrafo único retro repete o disposto no art. 90 da Lei 5.764/71: "Qualquer que seja o tipo de cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados", mas acrescenta a contradição: nem entre este e os tomadores de serviço daquelas. O que se depreende da leitura é que está a se tratar das cooperativas de mão-de-obra, que nada produzem no mercado (bens ou serviços), nem dispõem de capital, equipamentos e instalações para venderem "seu peixe" (áreas agrícola, industrial, artesanal, de crédito), nem se compõem de profissionais liberais autônomos (médicos, dentistas e taxistas, por exemplo).

A CLT contém regras para os trabalhadores urbanos e rurais com vínculo de emprego. Se a relação de trabalho não é de emprego, rege-se pela lei própria. É o caso do sócio cooperativado. Se a cooperativa é legal e efetivamente potencializa a trabalho autônomo de cada um, estando presentes as características do art. 4º da Lei 5.764/71, com a prevalência do princípio da solidariedade, não se cogita da aplicação das regras da CLT. Basta o art. 90 da referida lei. Ou seja, se não há vínculo entre o sócio e a cooperativa, porque correta a relação entre eles, muito menos entre o sócio e o terceiro. O parágrafo único do art. 442 da CLT vai de encontro aos princípios do Direito do Trabalho, pois deixa implícita a possibilidade de intermediação de mão-de-obra.

A redução dos custos com a contratação de cooperativas de mão-de-obra até pode ser economicamente interessante para o tomador, mas representa um défict social pesado ao país. É solução absolutamente precária e imediatista, assim como é para o trabalhador "o ganhar hoje para comer hoje", pois é instituto que precariza ainda mais o mundo do trabalho, cujos efeitos ondulatórios serão suportados, inexoravelmente, pela massa trabalhadora, maioria da sociedade brasileira.

O que fazem as cooperativas de mão-de-obra. Cooperar é relação que aponta para simbiose, ajuda mútua, participação de pessoas com objetivos comuns e um certo grau de afetividade pela finalidade a ser alcançada., trabalho em comum. As cooperativas, sendo sociedade de pessoas, são constituídas para prestar serviços aos associados (essa é a finalidade maior), podendo adotar por objeto qualquer gênero de serviço, operação ou atividade, até mesmo misturarem esses objetivos, restrição feita apenas ao serviço de crédito. Desses dados, se extraem dois princípios importantes para a qualificação das cooperativas, segundo o magistério de Maurício Godinho Delgado: o princípio da dupla qualidade, pelo qual se entende que o sócio, além de ser sócio-colaborador e participante nas atividades, é também cliente da sociedade, em relação aos serviços que ela oferece; e o princípio da retribuição diferenciada, que assegura ao sócio cooperativado ganhos maiores que obteria se estivesse atuando de forma sozinha e autônoma no mercado, através das cotas-partes que subscreveu e que lhe geram o rendimento proporcional, além de manter sua participação no a) fundo de reserva para eventuais perdas e ampliação de suas atividades (10%) e b) no fundo de assistência técnica, educacional e social, inclusive para seus familiares (5%).

À luz de tais dados, as cooperativas de mão-de-obra não detém bens ou insumos próprios, ao contrário, necessitam das instalações de outras empresas que necessariamente devem ser tomadoras dos seus serviços, sob pena de inexistirem. Tal ramo de cooperativa não interage no mercado em livre concorrência, oferecendo produtos ou serviços seus, mas precisa deslocar a energia produtiva de seus associados para outras empresas que se beneficiem diretamente dessa força trazida pelo homem. Ou seja, estão atuando no espaço da terceirização, nas relações triangulares trabalhistas. Embora o ramo da mão-de-obra não ser impedimento para a concreção dos princípios antes referidos, na prática se tem constatado fraudes, ou na constituição das cooperativas de mão-de-obra, ou no andamento ou mesmo na contratação com terceiros.

O princípio da solidariedade que informa a sociedade cooperativa não se choca com a finalidade de lucro do sistema econômico capitalista a que estamos, o Brasil, sujeitos. A cooperativa pode e deve auferir lucro, no entanto, deve dividir tais lucros em benefício dela mesma e especialmente dos seus sócios, já que uma das razões de sua existência é a prestação de benefícios aos sócios, pois potencializa o trabalho individual. Então, manter a prática da solidariedade é mais do que obter lucro simplesmente, mas sim, empregá-lo para os membros da sociedade. O que se tem observado, é que os gestores das cooperativas ficam com o lucro, repassando aos cooperativados apenas o pró-labore do mês, o qual é mascarado pela proporção das quotas-partes subscritas. Nesse sentido há total deturpação do princípio da solidariedade e da própria finalidade da cooperativa. Mascara-se a figura do intermediador de mão-de-obra, aquele que efetivamente lucra com a força do trabalho alheio, através da cortina da cooperativa, quando, no palco da vida, o que acontece é a prestação de serviços de trabalhadores sem vínculo de emprego, inseridos nas atividades fins dos tomadores de serviço. Evidente que o prejuízo é do trabalhador, que tem minimizada sua condição de dignidade, precarizados os meios para a prestação dos serviços, muitas vezes sem qualquer observância das normas de higiene, segurança e medicina do trabalho, sujeitos a toda sorte de riscos à saúde, e mais, sem a qualidade de empregado, não recebe horas extras, férias, décimo terceiro salário, FGTS, para dizer o mínimo.

Na esfera pública, administradores não atentos aos princípios do Direito Administrativo abrem licitações para a contratação de cooperativas de mão-de-obra para atender inúmeras atividades fins, como limpeza de ruas e praças, construção de obras públicas, serviços de educação e saúde, etc. Passam a adotar essa sistemática para suprir a necessidade de agentes públicos, olvidando da necessidade do concurso público para o provimento de cargos e empregos públicos no que tange às atividades fins da Administração. Para isso, cooperativas de mão-de-obra se formam concomitantemente ao processo licitatório, muitas vezes viciado desde a origem, com pessoas que, coordenando a constituição da sociedade e a contratação com o ente público, se aproveitam da boa-fé do trabalhador necessitado. Para ilustrar a realidade, circulou no Jornal Correio do Povo de 07 de outubro de 2003 notícia na seção policial, em que o Juiz da 1ª Vara Criminal de Erechim (RS) decretara a prisão preventiva de três diretores de uma cooperativa de trabalhadores que atuava prestando desde serviços médicos até limpeza urbana, sendo que na denúncia do Ministério Público Estadual havia a imputação a tais diretores e mais 23 pessoas pela autoria dos crimes de fraude a licitações, falsidade documental, corrupção ativa e passiva e formação de quadrilha. Tal cooperativa estava atuando irregularmente em diversas prefeituras do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Verdadeiras barbaridades de ilícitos se cometem contra os trabalhadores, necessitados de uma condição de sobrevivência.

Faço uma crítica ao Poder Legislativo, pela ausência de lei tipificando tais condutas de exploração de trabalhadores, seja de forma mascarada, seja até a forma de escravidão, como crimes para punir tais condutas com penas efetivamente retributivas. Embora haja formas de punição penal, estas devem estar enquadradas em outras condutas típicas, sendo a tipificação da redução do trabalhador à condição análoga a de escravo de difícil enquadramento, dada a escravidão por dívidas, o que propicia um considerável espaço para a atuação dos exploradores de trabalhadores.

Quanto ao Poder Executivo, a atuação da fiscalização pelos órgãos competentes não tem sido eficiente, diante da rápida e crescente expansão das cooperativas de mão-de-obra, em sua maioria atuando como coopergatos, ou seja, como típicas intermediadoras de mão-de-obra em inúmeros ramos dos setores da produção, desde o agrícola até no processamento de dados para bancos e consultorias, bem como na esfera dos entes públicos. De resto, pouco observa que o crescimento desmesurado e a atuação sem controle dessas coopergatos desestruturam os empregos formais, deixando o trabalhador à sua própria sorte, até mesmo para receber os seu ganho básico mascarado de pró-labore.

E o que tem feito o Poder Judiciário? As petições iniciais das ações trabalhistas, de regra, apontam para fraude na formação das cooperativas de mão-de-obra, e, via de conseqüência, pretendem a formação do vínculo de emprego com a cooperativa e a responsabilização solidária ou subsidiária dos tomadores de serviços. Noutras, com base no mesmo fundamento, o pedido é que o vínculo se forme diretamente com o tomador. Em ambos os casos, pedem mais o pagamento de inúmeras parcelas típicas da relação de emprego.

No site do TST, em 09.10.2003, consta a seguinte notícia, que bem exemplifica a fraude nas cooperativas de mão-de-obra e pontua o raciocínio do juiz do trabalho quando da análise dos casos concretos:


Vale é condenada por contratar cooperativas fraudulentas

A Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho manteve a condenação imposta à Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) por contratar cooperativas de trabalho fraudulentas para atuar na mina de extração de minério de ferro Timbopeba, no município de Ouro Preto (MG). A Vale terá de registrar todos os empregados contratados por intermédio das cooperativas e garantir a todos os direitos assegurados na Constituição. Essas cooperativas são constituídas apenas com o objetivo de burlar direitos dos trabalhadores e sua proliferação têm chamado a atenção de autoridades da Justiça do Trabalho e também da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

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A condenação é decorrente de acolhimento pelo TRT de Minas Gerais de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT). No recurso ao TST, a defesa da CVRD questionou, em preliminar, a legitimidade do MPT para propor este tipo de ação. O argumento foi rechaçado pelo relator do recurso, ministro Barros Levenhagen, para quem é inquestionável a atribuição constitucional reservada ao Ministério Público para defender, no âmbito das relações de trabalho, os interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos. Segundo ele, a decisão regional não deixa dúvidas de que uma das empresas mais importantes do País descumpriu as condições legais para a contratação de trabalhadores por empresa interposta.

A Cooperativa Nacional dos Trabalhadores Autônomos Ltda. (CNAP) forneceu à Vale do Rio Doce 48 supostos cooperados para trabalhar em atividades-fim da empresa como escavação do solo e transporte de matéria-prima na mina da Timbopeba. Muitos cooperados informaram aos fiscais da Delegacia Regional do Trabalho (DRT) que já tinham trabalhado para a Vale antes, desempenhando as mesmas funções, nos mesmos locais de trabalho e recebendo remuneração superior. Segundo o TRT/MG, a CNAP, na condição de mera intermediadora de mão-de-obra, encaminhava "falsos cooperados" à CVRD que "nada sabiam sobre a cooperativa".

A Cooperativa de Administração, Gerenciamento e Consultoria de Empreendimento (Agenco) também agia como simples intermediadora de mão-obra, com a diferença de que os falsos cooperados exerciam atividades-meio, como o preparo e distribuição de refeições no restaurante da empresa, além do controle nutricional. Segundo o TRT/MG, o contrato entre a Vale e a Agenco ocorreu em 28/09/1998, antes do ingresso dos supostos cooperados. Já a empresa Serminas – Serviços de Mina Ltda. – tem uma característica atípica: não possuiu nenhum empregado, mas 50 "sócios". A empresa fazia o transporte de pessoas e materiais para a CVRD.

"Pela estrutura jurídica da Serminas, sem ter empregados e prestando os sócios, diretamente, serviços à CVRD e dela recebendo verbas tipicamente trabalhistas, é, sem dúvida, um instrumento criado para a execução da fraude trabalhista", sustentou o acórdão do TRT, mantido pela Quarta Turma do TST. O ministro Barros Levenhagen enumerou os requisitos necessários para que a relação jurídica entre o trabalhador e a cooperativa tenha natureza civil. É necessário que a constituição da cooperativa seja regular; que haja ânimo dos trabalhadores para integrar uma sociedade com o intuito de alcançar determinado objetivo; que os trabalhadores sejam verdadeiramente sócios da cooperativa, assumindo os riscos da atividade econômica; sejam autônomos e não subordinados.

"Se, ao revés, a realidade demonstra, como nos caso dos autos, que as duas cooperativas e empresa Serminas foram criadas apenas com o intuito de fraudar a legislação trabalhista, o teor do artigo 9º da CLT, intermediando mão-de-obra com o intuito de exonerar-se dos ônus trabalhistas e previdenciários decorrentes da relação de emprego, em evidente afronta aos direitos coletivos dos trabalhadores, não há como vislumbrar a ofensa aos dispositivos legais e constitucionais apontados pela CVRD, estando a atuação do MPT em estreita consonância com a legislação vigente", concluiu o relator. (RR 738714/2001)

Pode-se separar, então, as decisões judiciais trabalhistas, nos casos das cooperativas, em três espécies: a) de negar a fraude e, conseqüentemente, indeferir o pedido de vínculo de emprego e seus consectários (esta linha de julgado é em menor número, pois geralmente a prova dos autos demonstra a irregularidade na constituição da cooperativa e na adesão e prestação dos serviços); b) reconhecer a fraude (art. 9º da CLT), declarar o vínculo do trabalhador com a cooperativa mais o pagamento das parcelas trabalhistas e condenar o tomador dos serviços subsidiariamente, e, em menor número, condená-lo solidariamente (geralmente nesses casos o pedido de reconhecimento de vínculo é direcionado para a cooperativa, o que delimita a atuação do julgador); c) reconhecer a fraude (art. 9º da CLT), declarar o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, ante a verificação de intermediação ilícita de mão-de-obra (hipótese da notícia do TST antes transcrita).

A penalização do hipossuficiente. Entendo que os advogados, ante a fraude na constituição e andamento do trabalho cooperativado, ao peticionarem o reconhecimento de vínculo de emprego, smj., deveriam direcioná-lo ao tomador dos serviços, porque o efetivo beneficiário da energia produtiva (por sua natureza, insuscetível de retorno) e também porque pactuou com a fraude da intermediação. As ações que se direcionam à cooperativa acabam por prejudicar não apenas o trabalhador reclamante, porque a satisfação integral de seu crédito será quase que um milagre, mas também aos demais trabalhadores igualmente explorados, porque eles é que acabarão por pagar a conta com seu trabalho, já que as cooperativas de mão-de-obra não possuem bens. Mesmo que postulada e reconhecida a responsabilidade solidária ou subsidiária do tomador dos serviços, a solução social para a reposição da dignidade do trabalho não é atingida, na medida em que o empresário poderá arriscar manter a sistemática da contratação, pois à frente estará sempre uma cooperativa, que, ainda que tivesse sua personalidade jurídica desconstituída para atingir os gestores, poderia protelar o andamento do feito judicial por um tempo considerável, escudando-se no volume de processos, vindo a pagar ao final da causa com juros de mora que lhe favorecem.

Entendo que a solução adequada, portanto, é o reconhecimento do vínculo de emprego diretamente com o tomador de mão-de-obra, condenando-o ao pagamento das parcelas trabalhistas típicas do contrato de emprego. Mesmo se tratando de ente público, apesar do óbice vinculativo do concurso público, deve o ente público tomador indenizar o trabalhador com todas a verbas típicas da relação de emprego, não apenas com o pagamento dos dias trabalhados, pois a fraude foi apurada e o ente público não pode se beneficiar da própria torpeza. De resto, há evidentes efeitos consolidados, quando esse trabalhador "cooperado" efetua atos administrativos típicos, que não podem atingir terceiros de boa-fé, estando, então, comprovada a atuação da energia produtiva em prol do ente. Ademais, o trabalhador terá prejuízos importantes se considerada a inexistência da qualidade de segurado junto à Previdência Oficial e a conseqüente falta de recolhimento das contribuições sociais importantes, penalização que lhe deixará marcas para o futuro.

É certo que a Constituição da República, em seu art. 174, §2º, incentiva a formação de cooperativas. No entanto, a Administração Pública não pode disso se socorrer, quando contrata cooperativas de mão-de-obra para inserir trabalhadores nas suas atividades-fins. Há evidente improbidade administrativa, pela quebra dos princípios da legalidade e moralidade, quando então, aparece o desvio de finalidade. O princípio da moralidade administrativa deve se integrar no Direito Administrativo como elemento indissociável para sua aplicação e finalidade, sendo, conseqüentemente, fator de legalidade. O inciso III da Seção I (regras deontológicas) do Código de Ética do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal dispõe que "A moralidade da Administração Pública não se limita entre a distinção entre o bem e o mal, devendo ser acrescida da idéia de que o fim é sempre o bem comum. O equilíbrio entre a legalidade e a finalidade, na conduta do servidor público, é que poderá consolidar a moralidade do ato administrativo."

O agente político investido de poder é servidor público e está sujeito à disciplina da Lei 8.429/92 (da improbidade administrativa). Tal lei dispõe que os agentes públicos devem velar pelos princípios da Administração Pública. O artigo 11 da mesma lei caracteriza como ato de improbidade aqueles que atentam contra os princípios da Administração Pública, tais como: I – praticar ato visando fim proibido por lei ou regulamento ou diverso daquele previsto na regra de competência; e V – frustrar a licitude de concurso público. No artigo 12 determina a conseqüência: independente das sanções penais, civis e administrativas, o agente o público fica sujeito às seguintes cominações, se atentar contra os princípios: III – ressarcimento integral do dando, se houver; perda da função pública; suspensão dos direitos políticos de 3 a 5 anos; pagamento da multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida; proibição de contratar com o poder público, ou receber incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 3 anos.

A denúncia dessas contratações irregulares pode ser feita por representação à autoridade administrativa competente, ou por esta de ofício (poder-dever), ao Ministério Público (inclusive o MP do Trabalho), este também de ofício ou a requerimento da autoridade; na observância da auto-tutela da Administração Pública, e, também, pelo cidadão via ação popular. A aplicação das sanções da improbidade independe da efetiva ocorrência do dano ao patrimônio público ou da aprovação ou rejeição das contas pelo órgão de controle interno ou do Tribunal de Contas.

Conclusão. De tudo, resta a idéia de que o dispositivo que aponta para a inexistência de vínculo de emprego entre o trabalhador cooperativado e a cooperativa, bem como entre este e o tomador dos serviços permitiu a precarização do trabalho, como se verifica no curso dos anos em que adotada tal prática ainda persistente. O lamentável, ainda, é que o aceno político é de indiferença para o trabalhador, na medida em que cooperativas de mão-de-obra, na forma como atuam, não são solução para o desemprego e para a filiação e arrecadação de uma massa trabalhadora à Previdência Social. Ao contrário, na forma em que atuam, friso, geram a sensação de desamparo e indignidade do trabalhador, deixado à merce de uma macro-economia em que as ações são voltadas para o lucro do capital.

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Sobre a autora
Gisela Andréia Silvestrin

servidora pública no TRT da 4ª Região (RS)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVESTRIN, Gisela Andréia. Cooperativas de mão-de-obra:: a legalização do trabalho precário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 664, 1 mai. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6657. Acesso em: 25 abr. 2024.

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