A oportunidade ambiental

29/05/2018 às 17:00
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Depois de muitos anos do relatório “Nosso futuro Comum”, conhecido como “Relatório Brundtland”, em 1987, ainda não se vê a consciência planetária necessária para mudanças racionais e efetivas na preservação do meio ambiente.

Após dezenas de reuniões da Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, instituída pela ONU e liderada pela médica Gro Harlem Brundtland, produziu-se, em 1987, o relatório “Nosso futuro Comum”, também denominado “Relatório Brundtland”, primeiro documento a trazer para a esfera pública o conceito de desenvolvimento sustentável.

Especialistas de diversas áreas consideram tal relatório um avanço, sobretudo, no que diz respeito à superação da dicotomia ecologia versus desenvolvimento. Diz o relatório: “o desenvolvimento sustentável não deve pôr em risco os sistemas naturais que sustentam a vida na Terra: a atmosfera, as águas, os solos e os seres vivos”. E prossegue afirmando que a exploração dos recursos, o direcionamento dos investimentos, a orientação do desenvolvimento tecnológico e as mudanças institucionais são necessárias para suprir as necessidades humanas atuais e futuras.

Também está assinalado em tal relatório que a “pobreza não é apenas um mal em si mesma, mas para haver a sustentabilidade é preciso atender às necessidades básicas de todos”. Na verdade, logo em suas páginas iniciais, o Relatório passa muito otimismo, como se vê nos fragmentos a seguir: “esta comissão acredita que os homens podem construir um futuro mais próspero, mais justo e mais seguro” e “este relatório não é uma previsão de decadência, pobreza e dificuldades ambientais cada vez maiores num mundo cada vez mais poluído e com recursos cada vez menores”; enxergamos, ao contrário, “a possibilidade de uma nova era, que tem de se apoiar em práticas que conservem e expandam a base de recursos ambientais”.

O Relatório Brundtland, passados trinta anos de sua publicação, já produziu efeitos positivos em várias áreas, sobretudo nas legislações pátrias, mas precisa continuar a ser discutido, pois a sua concretização fundamental em termos práticos exige o estabelecimento de uma nova ética na relação dos humanos com os seres da mesma espécie e destes com o ambiente. Como ensina Enrique Leff (2012), o conceito de sustentabilidade nasce da crise ambiental como uma crise civilizatória de insustentabilidade econômica, mas ainda não se traduz em uma nova consciência planetária capaz de desconstruir a racionalidade insustentável e de recompor o mundo por meio da instauração de um novo conceito.

Ora, é nessa desconstrução/reconstrução que reside a grande oportunidade ambiental de nossa civilização, de reconhecer que não pode mais manter a sua irracionalidade econômica que “objetivou, coisificou e finalmente negou a natureza”, que precisa incorporar fundamentos e critérios de inclusão e não de exclusão de milhares de pessoas das benesses desenvolvidas pelo gênio humano no decorrer de sua trajetória na Terra.

Significa construir uma consciência que evite a mercantilização e exploração da natureza e também das pessoas que vivem nela, as chamadas minorias, que são, na verdade, maiorias, pois o que as coloca na posição de minorias é o aviltamento de direitos, o condicionamento econômico e até mesmo o modo minoritário de sentir e ver a natureza, como no caso dos índios.

Nessa reconstrução, além da preservação da biodiversidade, há de se buscar novas formas de regenerar e fortalecer os sentidos da vida humana e de ressimbolizar o gosto estético. Tal movimento, que virá de uma nova consciência ética, eliminará o preconceito racial, que se fundamenta na superioridade de uma raça, a de origem eurocêntrica, sobre as outras. Assim como o estereótipo sexista que ainda insiste em considerar  as mulheres como emocionalmente mais frágeis, menos racionais e menos empreendedoras que os homens. Sobre as mulheres, tais estereótipos guardam profundos laços com a irracionalidade patriarcal que subjugou as mulheres e as tratou como inferiores por séculos.

A nova ética a ser construída inclui o respeito aos povos indígenas, que reivindicam os direitos de organizar seus modos de vida em harmonia com a natureza, inclui o respeito às suas terras, que precisam ser regularizadas e protegidas. Inclui o respeito aos homossexuais e à vida privada, inclui respeito ao corpo, seja feminino ou masculino, assim como às opiniões divergentes e/ou minoritárias.

Nessa nova consciência ética não terá, de fato, lugar para a fome, nem para a morte de crianças por puro abandono, não por uma razão cristã da caridade, como também fomos ensinados a partir do pensamento ocidental cristão, mas por uma outra racionalidade ética, que haverá de se definir por um conjunto de práticas e ações pensadas e ressignificadas. Somente assim haverá a reconciliação da dita sociedade com a natureza.

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Sobre o autor
Reis Friede

Desembargador Federal, Presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (biênio 2019/21), Mestre e Doutor em Direito e Professor Adjunto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Graduação em Engenharia pela Universidade Santa Úrsula (1991), graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1985), graduação em Administração - Faculdades Integradas Cândido Mendes - Ipanema (1991), graduação em Direito pela Faculdade de Direito Cândido Mendes - Ipanema (1982), graduação em Arquitetura pela Universidade Santa Úrsula (1982), mestrado em Direito Político pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1988), mestrado em Direito pela Universidade Gama Filho (1989) e doutorado em Direito Político pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1991). Atualmente é professor permanente do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Local - MDL do Centro Universitário Augusto Motta - UNISUAM, professor conferencista da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, professor emérito da Escola de Comando e Estado Maior do Exército. Diretor do Centro Cultural da Justiça Federal (CCJF). Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 2ª Região -, atuando principalmente nos seguintes temas: estado, soberania, defesa, CT&I, processo e meio ambiente.

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