Após dezenas de reuniões da Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, instituída pela ONU e liderada pela médica Gro Harlem Brundtland, produziu-se, em 1987, o relatório “Nosso futuro Comum”, também denominado “Relatório Brundtland”, primeiro documento a trazer para a esfera pública o conceito de desenvolvimento sustentável.
Especialistas de diversas áreas consideram tal relatório um avanço, sobretudo, no que diz respeito à superação da dicotomia ecologia versus desenvolvimento. Diz o relatório: “o desenvolvimento sustentável não deve pôr em risco os sistemas naturais que sustentam a vida na Terra: a atmosfera, as águas, os solos e os seres vivos”. E prossegue afirmando que a exploração dos recursos, o direcionamento dos investimentos, a orientação do desenvolvimento tecnológico e as mudanças institucionais são necessárias para suprir as necessidades humanas atuais e futuras.
Também está assinalado em tal relatório que a “pobreza não é apenas um mal em si mesma, mas para haver a sustentabilidade é preciso atender às necessidades básicas de todos”. Na verdade, logo em suas páginas iniciais, o Relatório passa muito otimismo, como se vê nos fragmentos a seguir: “esta comissão acredita que os homens podem construir um futuro mais próspero, mais justo e mais seguro” e “este relatório não é uma previsão de decadência, pobreza e dificuldades ambientais cada vez maiores num mundo cada vez mais poluído e com recursos cada vez menores”; enxergamos, ao contrário, “a possibilidade de uma nova era, que tem de se apoiar em práticas que conservem e expandam a base de recursos ambientais”.
O Relatório Brundtland, passados trinta anos de sua publicação, já produziu efeitos positivos em várias áreas, sobretudo nas legislações pátrias, mas precisa continuar a ser discutido, pois a sua concretização fundamental em termos práticos exige o estabelecimento de uma nova ética na relação dos humanos com os seres da mesma espécie e destes com o ambiente. Como ensina Enrique Leff (2012), o conceito de sustentabilidade nasce da crise ambiental como uma crise civilizatória de insustentabilidade econômica, mas ainda não se traduz em uma nova consciência planetária capaz de desconstruir a racionalidade insustentável e de recompor o mundo por meio da instauração de um novo conceito.
Ora, é nessa desconstrução/reconstrução que reside a grande oportunidade ambiental de nossa civilização, de reconhecer que não pode mais manter a sua irracionalidade econômica que “objetivou, coisificou e finalmente negou a natureza”, que precisa incorporar fundamentos e critérios de inclusão e não de exclusão de milhares de pessoas das benesses desenvolvidas pelo gênio humano no decorrer de sua trajetória na Terra.
Significa construir uma consciência que evite a mercantilização e exploração da natureza e também das pessoas que vivem nela, as chamadas minorias, que são, na verdade, maiorias, pois o que as coloca na posição de minorias é o aviltamento de direitos, o condicionamento econômico e até mesmo o modo minoritário de sentir e ver a natureza, como no caso dos índios.
Nessa reconstrução, além da preservação da biodiversidade, há de se buscar novas formas de regenerar e fortalecer os sentidos da vida humana e de ressimbolizar o gosto estético. Tal movimento, que virá de uma nova consciência ética, eliminará o preconceito racial, que se fundamenta na superioridade de uma raça, a de origem eurocêntrica, sobre as outras. Assim como o estereótipo sexista que ainda insiste em considerar as mulheres como emocionalmente mais frágeis, menos racionais e menos empreendedoras que os homens. Sobre as mulheres, tais estereótipos guardam profundos laços com a irracionalidade patriarcal que subjugou as mulheres e as tratou como inferiores por séculos.
A nova ética a ser construída inclui o respeito aos povos indígenas, que reivindicam os direitos de organizar seus modos de vida em harmonia com a natureza, inclui o respeito às suas terras, que precisam ser regularizadas e protegidas. Inclui o respeito aos homossexuais e à vida privada, inclui respeito ao corpo, seja feminino ou masculino, assim como às opiniões divergentes e/ou minoritárias.
Nessa nova consciência ética não terá, de fato, lugar para a fome, nem para a morte de crianças por puro abandono, não por uma razão cristã da caridade, como também fomos ensinados a partir do pensamento ocidental cristão, mas por uma outra racionalidade ética, que haverá de se definir por um conjunto de práticas e ações pensadas e ressignificadas. Somente assim haverá a reconciliação da dita sociedade com a natureza.