6. Classificação da polícia
As polícias no Brasil são mais comumente divididas em polícia administrativa e polícia judiciária. Tal divisão provém do modelo francês. Em 1667, quando da separação dos poderes naquele país, houve a separação da Justiça e da Polícia, surgindo assim a necessidade de distinção da polícia em dois ramos denominados: polícia administrativa e polícia judiciária. Essa separação ocorreu efetivamente em 1791, através da Assembléia Nacional Francesa, porém, tais princípios sobre a legislação policial surgiram com a Revolução Francesa em 1789.
No Brasil, a influência francesa chegou em 1831, com a publicação da Lei nº 261, de 3 de dezembro e com o Regulamento nº 120, de 31 de janeiro de 1842, que tratava sobre a execução policial e criminal, versando sobre a polícia administrativa e polícia judiciária, ficando a Polícia judiciária com a função de auxiliar a Justiça na busca da verdade real e de sua autoria, desta forma, agindo a posteriori, isto é, depois que a segurança foi violada e a boa ordem perturbada; enquanto que a polícia administrativa ficou com a função preventiva, agindo a priori, para evitar a infração. Para MENDES DE ALMEIDA, "A polícia administrativa informa; a polícia judiciária prova" (1973, p. 60). No entendimento do professor CRETELLA JÚNIOR, a polícia brasileira acumula sucessivamente a função de polícia administrativa e de polícia judiciária, desta forma deveria receber a denominação de polícia mista.
O professor Hely Lopes MEIRELES exemplifica assim a distinção entre a atuação da polícia administrativa e da judiciária: "quando a autoridade apreende uma carta de motorista por infração de trânsito, pratica ato de polícia administrativa, quando prende o motorista por infração penal, pratica ato de polícia judiciária" (1972, p. 298).
6.1. Polícia Administrativa
Também denominada polícia preventiva, a polícia administrativa tem como objetivo impedir as infrações das leis e sustentar a ordem pública. Sua atuação deve evitar o cometimento dos crimes.
O campo de atuação da polícia administrativa é extremamente amplo. A natureza dinâmica do homem o faz exercer as mais diversas atividades, com características bem peculiares. Tal liberdade de atuação e de expressão produz uma dinâmica nos ramos de atuação da polícia administrativa. À medida que tal liberdade possa atingir direitos de outras pessoas, violar leis e normas ou comprometer a ordem pública, faz-se necessário a intervenção da polícia administrativa.
A Lei 3 Brumário (Código dos Direitos e das Penas), em seu artigo 19, já definia:
A polícia administrativa tem por objeto a manutenção habitual da ordem pública em cada lugar e em cada parte da Administração Geral. Tende, principalmente, a prevenir os delitos.
A função de polícia administrativa pressupõe uma atuação imprevisível, pois é impossível determinar de qual recurso lançará mão o homem para cometer um delito. Assim, a atuação da polícia administrativa não deve ser limitada por uma legislação que pretendesse regular de antemão todos os atos da polícia. Essa liberdade de atuação é discricionária, porém, não é absoluta, pois é limitada pelo respeito às leis e aos direitos e garantias assegurados expressamente pela legislação. Tais limites não devem ser transpostos sem que haja uma verdadeira necessidade.
Dentro da polícia administrativa existe o ramo da polícia de segurança, que se confunde com o próprio conceito de polícia administrativa, pois é a essência da polícia por excelência, tem ela "por objeto a execução das leis e regulamento que disciplinam imediatamente a liberdade individual e coletiva". (VILLEGAS BASA, Derecho Administrativo, 1954, vol. V, p. 345).
...a polícia de segurança age "contra os eventos que ameaçam a vida, a liberdade, a propriedade; assegura aos súditos de todo ataque violento e ilícito à pessoa, honra, direitos, patrimônio; garante tanto a existência de todo o Estado, quanto a ordem pública e a segurança geral das pessoas e propriedade dos cidadãos. (RANELLETTI, La polizia di sicurezza, em Primo Tratado de ORLANDO, Vol. IV, parte 1ª, p. 301).
6.2. Polícia Judiciária
A Polícia Judiciária, também conhecida como polícia repressiva, funciona como auxiliar do Poder Judiciário na procura de provas dos crimes e contravenções e na busca por seus autores. Tal caráter a torna essencialmente repressiva. Segundo a Lei de Brumário4, Art. 20:
...a polícia judiciária investiga os delitos que a polícia administrativa não conseguiu evitar que se cometesse, reúne as respectivas provas e entrega os autores aos tribunais encarregados pela lei de puni-los.
A polícia judiciária tem por fim efetuar a investigação dos crimes e descobrir os seus agentes, procedendo à instrução preparatória dos respectivos processos e organizar a prevenção da criminalidade, especialmente da criminalidade habitual.
Na legislação brasileira, o exercício das atribuições judiciárias da polícia está previsto e disciplinado no Código de Processo Penal, nos arts. 4º e 23, que dizem respeito ao Inquérito Policial5.
6.3. Polícia Eclética ou Mista
Além das polícias administrativa e judiciária existe também a polícia eclética, ou mista, que exerce simultaneamente as funções preventiva e repressiva. A polícia brasileira se encaixa nesta definição pois um mesmo órgão acumula as duas funções.
Em seu tratado, CAVALCANTI acredita que esta divisão não corresponde à realidade: "a divisão embora aceita pela generalidade dos autores, merece ser criticada porque, dificilmente, será possível estabelecer uma distinção perfeita entre as duas categorias de polícia. A verdade é que mesmo dentro de determinada manifestação do poder de polícia, a medida pode revestir-se ou de um caráter administrativo, ou puramente policial, quer sua finalidade seja a tranqüilidade pública, quer o cumprimento de um regulamento administrativo. A classificação interessa, por conseguinte, mais à natureza da medida, do que propriamente à esfera dentro da qual deve agir a autoridade". (CAVALCANTI, 1956, pp. 10-11).
A prática ensina que a distinção entre Polícia Judiciária e Polícia Administrativa é delicada, passando muitas vezes, um agente, durante a sua atuação, da função de Polícia Administrativa para a de Polícia Judiciária.
6.4. A Classificação da Polícia do Senado
A Polícia do Senado é essencialmente eclética, visto que desempenha as funções de polícia administrativa, de segurança física das instalações do Senado Federal e de proteção aos senadores, e tem, entre suas prerrogativas, as funções de "investigação e de inquérito" (Resolução do Senado Federal nº 59/2002, art. 2º, IX), quando de fato ocorrido nas dependências sob a responsabilidade do Senado Federal.
A fundamentação jurídica para a atuação da Polícia do Senado Federal na função de Polícia Judiciária, além texto legal já analisado (Constituição Federal de 1988, art. 52, XIII, súmula do Supremo Tribunal Federal nº 397/1964 e Resolução do Senado Federal nº 59/2002, Art. 2º, IX), se encontra também definida no Código de Processo Penal (Decreto-Lei nº 3.689 de 3 de outubro de 1941), art. 4º, onde, em nova redação dada pela Lei nº 9.043, de 09/05/1995, temos que "A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria" desta forma a Polícia do Senado assume a função de Polícia Judiciária quando de crimes ocorridos em suas dependências, cabendo a ela a investigação e a instauração do inquérito policial.
7. Áreas de atuação da Polícia do Senado
A Polícia do Senado Federal tem por finalidade a proteção à integridade física dos Senhores Senadores, de autoridades brasileiras e estrangeiras presentes ao Senado Federal ou em dependência sobre sua responsabilidade, a proteção de seus servidores, bem como a proteção de seu patrimônio. Desta missão e das atribuições elencadas, como atividades típicas, pela RSF nº 59, de 2002, surgiu a necessidade de se estruturar a Polícia do Senado de modo que a sua missão fosse cumprida integralmente e com eficácia.
As principais áreas de atuação da Polícia do Senado, definidas na RSF nº 59, de 2002, são: A proteção de dignitários (Art. 2º, I, II e III); a proteção ao patrimônio do Senado Federal (Art. 2º, IV e VI, e Art. 3º); as de investigação (Art. 2º, IX e Art. 4º) e as de Inteligência (Art. 2º, VII).
7.1. Proteção de Dignitários
Dignitário é, segundo o Dicionário de Aurélio Buarque de Holanda, aquele que exerce cargo elevado; que tem alta graduação honorífica; ou o que foi elevado a alguma dignidade.
Nesse contexto, uma das principais funções da Polícia do Senado é a proteção dos senadores, em especial do presidente da Casa. Para tanto dispõe de equipes especializadas, treinadas e preparadas para atuar na proteção individual da autoridade e em seus deslocamentos tanto internos quanto externos. Essas equipes também são responsáveis pela segurança das sessões plenárias e pela proteção de qualquer autoridade presente na casa, seja nacional ou estrangeira.
7.2. Proteção ao Patrimônio do Senado Federal
É a polícia administrativa e de segurança da Casa, e a equipe que tem a função mais abrangente dentro da estrutura da polícia do Senado e, desta forma, possui o maior contingente. Sua presença é percebida em todas as dependências da Casa, em seus edifícios anexos, residências oficiais e outras dependências pertencentes ao Senado Federal ou que estejam sob sua responsabilidade.
Realiza o policiamento preventivo através de rondas internas e externas; mantém postos avançados de controle; é responsável por adotar medidas de proteção contra ações ou acidentes que possam ameaçar, atrapalhar, danificar, destruir instalações ou o patrimônio do Senado Federal, adota ainda medidas que visam impedir a interrupção (ainda que temporariamente) das sessões plenárias ou trabalhos administrativos da Casa, faz a prevenção e controle de entrada de visitantes e controla a entrada e saída de veículos e materiais.
7.3. Investigação e inquérito
Dentre as competências da Polícia do Senado as de investigação e inquérito estão entre as mais importantes. Como vimos na fundamentação legal da Polícia do Senado, todos os delitos ou crimes ocorridos em dependência sobre a responsabilidade do Senado Federal são investigados pela Polícia do Senado, sendo que, quando houver crime no fato apurado, deve ser instaurado o inquérito policial.
O Código de Processo Penal (Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941), art. 4º conceitua:
Art. 4º A Polícia Judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria.
Parágrafo único. A competência definida neste artigo não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função.
O art. 70 do citado Código trata da "competência pelo local da infração".
Art. 70 A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.
Conseqüentemente, quando conhecido o local da infração como sendo o Senado Federal ou uma de suas dependências, caberá o exercício do poder de Polícia Judiciária à Polícia do Senado Federal.
A instauração de inquérito policial carece de regulamentação interna e treinamento especializado, desta forma esta função ainda não é plenamente exercida pela Polícia do Senado Federal, que tem contado com o apoio da Polícia Federal e da Polícia Civil do Distrito Federal na instauração dos inquéritos policiais. A previsão é que até o final de 2004 o serviço cartorário da Polícia do Senado Federal esteja completamente implantado.
7.4. Inteligência
As atividades de inteligência são imprescindíveis ao serviço policial. Alguns autores chegam a afirmar que não existe polícia sem inteligência.
Segundo a conceituação oficial vigente em nosso país, "inteligência é a atividade que objetiva a obtenção, análise e disseminação de conhecimentos dentro e fora do território nacional sobre fatos e situação de imediata ou potencial influência sobre o processo decisório e a ação governamental e sobre a salvaguarda e a segurança da sociedade e do Estado". (Art. 1º §2º, Lei 9.883, de 7 de dezembro de 1999).
A Polícia do Senado possui em sua estrutura um serviço de inteligência, que busca principalmente resguardar e proteger o Senado Federal. Partindo dessa premissa, o Serviço de Inteligência da Polícia do Senado procura estar em constante contato com outros órgãos de inteligência do país, obtendo informações que possam ter influência direta ou indireta com o Senado Federal, com os projetos que lá tramitam ou com seus membros e servidores da Casa.
Esse serviço é responsável, dentre outras coisas, pelo levantamento de dados de pessoas sob investigação da Polícia do Senado; levantamento de dados e acompanhamento do pessoal e empregados envolvidos direta ou indiretamente com a autoridade e familiares; pelas investigações especiais, pelo registro áudio-visual das missões e pelas ações de contra-inteligência.
A contra-inteligência é um segmento da inteligência que busca identificar e neutralizar ações que possam comprometer a imagem da organização, sua integridade, os conhecimentos e dados sigilosos pertencentes à mesma.
O Senado Federal, como a Câmara Alta do país, é alvo em potencial de diversos grupos, com os mais diversos interesses ou mesmo de outros países que podem adotar ações para comprometer, sabotar, ou se antecipar a medidas e decisões tomadas por essa Casa legislativa. Desta forma as ações de contra-inteligência devem prevenir, obstruir, detectar e neutralizar qualquer tentativa de coleta, sabotagem, fraude, desinformação e propaganda contra a instituição.
A atividade de contra-inteligência está assim definida na lei que Institui o Sistema Brasileiro de Inteligência (Lei 9.883/99): "Entende-se como contra-inteligência a atividade que objetiva neutralizar a inteligência adversa" (Art. § 3).
8. A atuação da polícia e os Direitos Humanos
A questão do respeito aos Direitos Humanos é parte de um processo de amadurecimento da consciência, que passa pela proteção aos direitos sociais, econômicos e culturais. A história da humanidade é repleta de exemplos de doutrinas onde a moral e a ética são determinados por governos, religiosos e por costumes sociais.
Muitas dessas doutrinas segregaram por séculos grupos antagônicos que diferiam dos grupos dominantes apenas pelo sexo, cor, religião ou crenças. A esses grupos nada era permitido, não existiam direitos, apenas deveres.
Com a evolução da humanidade, passou-se a observar o Homem de uma outra forma, como um ser que possui direitos na sua sociedade. Neste momento, os direitos sociais, econômicos e culturais passam a ser valorizados, estudados e exigidos em diversas sociedades.
A evolução dessa mentalidade e a progressiva aplicação de mecanismos para possibilitar que o indivíduo, em sua sociedade, possa desfrutar dos seus direitos sociais, econômicos e culturais, levaram ao desenvolvimento da questão dos Direitos Humanos, o indivíduo passou a ser visto como um ser que tem direitos inerentes a ele como humano e não apenas como cidadão.
Essa nova visão passou a impor ao policial moderno novos limites de atuação e uma reflexão sobre sua autoridade de usar a força sob certas circunstâncias.
Sob esta ótica, para que o trabalho policial seja executado de forma eficaz, as instituições policiais devem ser comandadas e gerenciadas com base em princípios expressos na Resolução nº 34/169 da Assembléia Geral das Nações Unidas, de 17 de dezembro de 1979, são eles: respeito e obediência à lei; respeito pela dignidade inerente da pessoa humana e respeito pelos direitos humanos.
Por razões éticas e legais, a polícia deve se pautar pelo cumprimento de tais princípios. Os abusos e excessos devem ser punidos para evitar que todo o trabalho de se construir uma polícia justa, eficiente e comprometida com o Estado democrático, seja comprometido. Não se deve confundir esta preocupação com a proteção ao criminoso, pois seu objetivo é conter o abuso de poder e garantir a dignidade do ser humano e o cumprimento da lei de forma justa e eficaz.