Da (des)necessidade da análise da pessoa do infrator na aplicação do princípio da insignificância

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Este artigo visa analisar a questão da necessidade de se levar em conta ou não a pessoa do infrator para a aplicação do princípio da insignificância.

RESUMO

O princípio da insignificância consiste na possibilidade de uma limitação do poder punitivo do Estado, nos casos em que a conduta praticada não gerou uma lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado pelo Direito Penal, pois este, afasta ora a tipicidade do delito, quando praticado em sua for própia, ora afasta a culpabilidade  do delito, quando praticado na for imprópria. Tendo os sequintes requisitos para sua aplicação: a) mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; d) inexpressividade da lesão jurídica provocada. Entretanto, tais requisitos objetivos impostos não impõem nenhuma determinação acerca da necessidade de uma análise da pessoa do infrator na aplicação deste princípio. Tal necessidade possui, atualmente na jurisprudência, três posicionamentos firmados de formas diversas. O primeiro entende que a simples existência de reincidência e maus antecedentes implica na impossibilidade de aplicação deste princípio no caso concreto. O segundo posicionamento defende que, ao optar pelo Direito Penal do fato, o legislador impediu que elementos pessoais do infrator fossem levados em consideração nos casos concretos, deste modo, a possibilidade de uma existência de reincidência e maus antecedentes não impossibilita a aplicação deste princípio. E, por fim, o terceiro posicionamento, que defende que a simples existência de maus antecedentes e reincidência não implica em uma impossibilidade de aplicação do princípio, devendo ser feita uma análise casuística, para determinação e definição  se os elementos subjetivos são determinantes ou não para aplicação do presente princípio.

 

Palavras-chave: Princípio da Insignificância, Reincidência, Infrator.

1 INTRODUÇÃO

No decorrer da história da humanidade, nos acostumamos à tipica frase “olho por olho, dente por dente”, buscando, a todo custo, a realização de uma vingança privada contra aquele que causou mal. Entretanto, com a evolução do direito e a busca cada vez mais constante pela humanização dos povos, visando garantir a todos os direitos mínimos que cada ser humano deve ter, os Estados criaram mecanismos, tanto de prevenção, evitando que pessoas civis, não autorizadas pelo Estado façam a chamada justiça com as próprias mãos, quanto a punição, relacionada às duas pessoas, a que cometeu um delito e a que fez a chamada justiça com as próprias mãos.

Porém, mesmo com todos os mecanismos criados pelos Estados, é frequente no noticiário mundial, manchetes sobre a prática de vingança privada, praticada pela vítima, invocando a famosa frase “olho por olho, dente por dente”. Tais acontecimentos, não se limitam a outros paises, sendo esta uma notícia corriqueia, também, no Brasil, onde acontecimentos como a chamada vingança privada se tornaram, de certa forma, aceitos por parte da sociedade, bem como defendidos por parte da política brasileira.

Entretanto, o presente trabalho não abordará a vingança privada da vítima em si, embora abordado no texto apresentado, mas sim uma outra forma de vingança, a vingança estatal, configurada pelo excesso de punição apresentado pelo Estado, que no seu poder de punir, poder este dado pelo povo, pune de forma exagerada, inclusive em situações onde não está configurada lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico.

Desta forma, o Estado, se aproveitando de suas atribuições legais, trazidas pela Constituição Federal, na qual, entre elas está o direito de investigar, processar e punir qualquer pessoa que pratique um delito, acaba punindo, em determinadas situações, na qual não houve como consequência nenhuma grave lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado pelo Direito Penal.

Tentando evitar esse excesso do poder punitivo do Estado, é que se tem a possibilidade de aplicação do Princípio da Insignificância, também conhecido como princípio da bagatela, princípio este que afasta o poder de punir do Estado mediante enquadramento de requisitos objetivos próprios necessários para sua aplicação.

Contudo a aplicação de tal princípio, não aborda em seus requistos a necessidade ou não de análise da pessoa do infrator para sua aplicação e seu enquadramento.

Surge desta forma, o tema central em discussão do presente trabalho, qual seja, a necessidade ou não de análise da pessoa do infrator na concessão do benefício do princípio da insignificância, em especial, a relevância de existência de maus antecedentes e reincidência .

Deste modo, apresentar-se-ão no presente trabalho, a discussão acerca da tal necessidade de análise subjetiva da pessoa delituosa, bem como os pontos de vistas e argumentos de todas as posições divergentes acerca dessa necessidade, concluindo com a defesa de necessidade ou não de análise da pessoa do infrator.

Para tanto, se oferecerá uma análise história do delito, bem como todas as suas definições, definindo, logo após, o conceito de princípio da bagatela, bem como seus requisitos objetivos, abordando diversos assuntos interligados ao tema, como, por exemplo, direito ao esquecimento e direito penal do fato e autor, concluindo-se com as posições jurisprudenciais divergentes acerca desta necessidade de análise, apresentando entendimentos e justificativas.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

2 DO CRIME

 

2.1 Aspectos históricos do Crime

 

Inerente ao homem, o crime sempre esteve presente na sociedade, pois desde os primórdios da civilização existem relatos de crimes e condutas praticadas em desfavor de outros. Tal fato se mostra na passagem bíblica que relata o primeiro delito de homicídio praticado na história, descrito em Gênesis:

 

                                     Aí Cain disse a Abel, o seu irmão:

                                     - Vamos até o campo.

Quando os dois estava no campo, Cain atacou Abel, o seu irmão, e o matou.[1]

 

Desde então, a humanidade sempre se viu acompanhada pela prática de delitos, sejam fundadas em disputas pelo poder e posição hierárquica, seja por questões de menor importância, tais como a necessidade de autoafirmação ou supremacia sobre um rival por parceria amorosa.

De qualquer forma, com a evolução das sociedades, constatou-se que seria impossível extirpar totalmente a prática de delitos e, por tal razão, ao longo do tempo foram surgindo inúmeras formas de combate ou repressão aos crimes, tais como o Código de Hamurabi (1700 a.C.), que tinha como característica principal a famosa máxima “olho por olho, dente por dente” (Lei de Talião) e a Lei das doze tábuas romanas (449 a.C.).

Já na sociedade moderna, com a centralização nas mãos do Estado do poder punitivo, foram criados os códigos penais, tipificando as condutas consideradas nocivas à sociedade e impondo sanções às suas práticas, sendo a pena um poderoso instrumento de coerção de que se vale o Direito Penal para a proteção dos bens e interesses mais importantes da sociedade. [2]

Diante desta realidade, os estados criaram mecanismos para impedir e coibir a prática de delitos na sociedade, entre elas a tipificação do que seria crime e o que não seria crime, mediante elaboração de códigos penais que definissem tais condutas.

No Brasil não foi diferente, pois se utilizou de uma codificação das condutas delituosas em um código penal, conforme explica Eugénio Raul Zaffaroni, desde a chegada da família real portuguesa ao Brasil houve uma evolução legislativa em nosso país, na época Brasil Colônia, surgindo, a partir daí diversos movimentos, elaborados por políticos da época que buscavam e enfatizavam a necessidade de elaboração e criação de um código civil e penal.[3]

No ano de 1827, em 04 de maio, o deputado Bernardo Pereira de Vasconcellos e, logo depois, o deputado Clemente Pereira apresentaram projetos de código criminal, sendo que o projeto apresentado por Bernardo Pereira continha tanto a parte material quanto a parte processual, sendo este, mais completo. Quinze dias após Vasconcellos apresentar seu projeto, José Clemente Pereira apresentou outro projeto de código criminal na sessão de 15.05.1827. Em 1828, depois das apresentações de projetos para um código criminal, optou-se pela criação de uma comissão bicameral para estudar os projetos mais elaborados.[4]

Foi apresentado em 31.08.1829 um parecer e em 19.10.1830 deu-se a elaboração definitiva de um projeto, o qual, foi aprovado nas duas câmeras e subindo ao imperador em 07.01.1831 e publicado no dia seguinte. O referido código contemplava a pena de morte, entretanto, após a execução de um inocente, Dom Pedro ficou tão impressionado com a morte, que comutou todas as sentenças posteriores em que ela seria aplicada.[5]

Ainda, conforme explicação de Zaffaroni, após a proclamação da república, em 15.11.1889, o Ministro Campos Sales encomendou ao Conselheiro Baptista Pereira um projeto de código, o qual ficou pronto em pouco mais de três meses, o que após análise de uma comissão e alteração foi sancionado através do Decreto 22.213 de 14 de dezembro de 1932. Porém, tal código foi feito nas pressas, o que lhe causou grandes críticas e ataques.[6]

Chegando por fim, ao código penal de 1940, que foi proposto anteriormente por Alcântara Machado, foi submetido a uma comissão revisora e que após a definição do texto definitivo veio a ser sancionada em 07.12.1940, passando a vigorar em 01.01.1942. O presente código possuía 390 artigos e era dividido em duas partes, uma parte especial e uma parte geral.[7]

 

2.2 Do Conceito do Crime

 

Presente em nossa sociedade desde os primórdios da civilização, o crime sempre foi uma conduta tida como ilegal, todavia o atual código penal brasileiro não apresentou qualquer definição ou delimitação do conceito de crime.

Diante desta inércia do Código Penal, coube à doutrina a definição do que seria crime no atual sistema brasileiro e à jurisprudência a determinação do conceito aplicado.

Segundo Eugênio Raul Zaffaroni chama-se ‘Teoria do delito” a parte da ciência do direito penal que se ocupa de explicar o que é delito em geral, isto é, quais são as características que deve ter qualquer delito.[8] Desta forma, entende-se que a partir da presente afirmação que a teoria do delito, na qual apresentará a definição de crime, é a área do direito responsável pela definição e classificação do que é crime.

Ainda nas palavras de Eugênio Raul Zaffaroni

 

Pode-se argumentar-se que é delito a conduta do sujeito em questão, porque se ajusta ao preceituado no art. 155 do CP, mas pode suceder que, apesar de ajustar-se a esta disposição, no caso concreto o sujeito tivesse se apoderado das joias por engano, ou porque necessitava de dinheiro para cirurgia de seu filho que corria perigo de vida, ou que a joia fosse sua e acreditasse que a pertencia ao joalheiro, ou que tivesse tomado para ameaçar o joalheiro de que a  destruiria se não lhe entregasse uma carta comprometedora com este vinha lhe extorquindo dinheiro. Em qualquer destas hipóteses, igualmente terá que dar uma resposta: O sujeito cometeu um delito ou não cometeu nenhum delito?[9]

 

Deste modo, surgindo a dúvida do que seria crime e como se classificaria esta conduta, a doutrina majoritária apresenta três conceitos mais estruturalmente ordenados, da definição de delito e crime qual seja: a) Conceito Formal; b) Conceito Material; c) Conceito Dogmático ou Analítico.

Neste sentido, segundo Rogério Greco, o Conceito Material seria toda conduta que viola os bens jurídicos mais importantes.[10]

Sendo assim, conforme este conceito de crime, se puniria toda e qualquer conduta que afrontasse a lei, sendo apenas uma aplicação objetiva da lei, sem se fazer qualquer análise subjetiva do crime, neste caso o Juiz apenas seria uma boca da lei, aplicando indistintamente o previsto em lei.

Já o conceito material, segundo Damásio de Jesus

 

O conceito Material do crime é de relevância jurídica, uma vez que coloca em destaque o seu conteúdo teleológico, a razão determinante de construir uma conduta humana infração penal e sujeita a uma sanção. É certo de eu sem discriminação legal nenhum fato pode ser considerado crime[11]

 

Diante disto, podemos afirmar que o conceito material é uma definição e limitação de punição, somente aos bens jurídicos mais relevantes e importantes devem ser protegidos e quando violados, punidos.

Temos, por fim, a definição Analítica ou Dogmática de crime, que nas palavras de Guilherme Nucci

 

É a concepção da ciência do direito, que não difere, na essência, do conceito formal. Na realidade, é o conceito formal fragmentado em elementos que propiciam o melhor entendimento da sua abrangência.

Trata-se de uma conduta típica, antijurídica e culpável, vale dizer, uma ação ou omissão ajustada a um modelo legal de conduta proibida (tipicidade), contrária ao direito (antijuridicidade), e sujeita a um juízo de reprovação social incidente sobre o fato e seu autor, desde que existam imputabilidade, consciência potencial de ilicitude e exigibilidade e possibilidade de agir conforme o direito.[12]

 

Entendemos, seguindo a explicação de Guilherme Nucci, que o Conceito Dogmático ou Analítico do crime é composto por uma análise de diversos fatos e fatores, que deverá ser feita mediante a comprovação de que houve uma ação ou omissão, esta que deverá ser típica, ou seja, prevista em lei, ilícita e culpável, conceito este que passará a ser exposto individualmente a seguir.

 

2.3 Da Conduta

    

O Primeiro requisito analisado para aplicação do Conceito Dogmático do Crime é a conduta, ou seja, uma análise concreta da ação ou omissão praticada pelo agente, segundo Rogério Greco, Conduta é de ação de comportamento. Conduta quer dizer, ainda, ação ou comportamento humano.[13]

Neste sentido, a análise da conduta pode se dar, segundo Rogério Greco, de três formas, sendo a Causal, Final e Social. A primeira, ou seja, causal as entende da seguinte forma

 

Segundo a concepção Causalista, devemos analisar o conceito de ação em dois momentos diferentes. O primeiro, proposto inicialmente pela teoria clássica, no sistema causal-naturalista criado por Liszt e Beling, diz ser a ação o movimento humano voluntário produtor de uma modificação no mundo exterior (...). Num momento posterior, segundo a teoria neoclássica a ação, a ação nas lições de Paz Agudo, deixa de ser absolutamente natural para estar inspirada de um certo sentido normativo que permita a compreensão tanto da ação em sentido estrito (positiva), como a omissão (negativa). Agora a ação se define como o comportamento humano voluntário manifestado no mundo exterior.[14]

 

Deste modo, o causalismo, conforme explica Guilherme de Souza Nucci, se liga diretamente a uma conduta que modifica o mundo externo, sem qualquer juízo de valor com relação a vontade do agente, ou seja, com o dolo ou culpa[15].

Já o Finalismo de Hans Welzel, conforme explicado pelo Guilherme de Souza Nucci, crê que toda conduta deva ser valorizada de acordo com a vontade do agente. Assim, sob a luz da teoria do finalismo, conduta é toda ação ou omissão voluntária e consciente, que tem for finalidade um objetivo especifico, que pode ser realizada mediante dolo ou culpa[16], conforme explica Rogério Greco, afirmando que a ação pode ser

 

Ilícita (quando atua com dolo, por exemplo, querendo praticar qualquer conduta proibida pela lei penal) ou lícita (quando não quer cometer delito algum, mas que por negligência, imprudência ou imperícia, causa um resultado lesivo, previsto pela lei penal)[17]

 

Por fim, a teoria social da ação determina que ação, conforme explica Daniela de Freitas Marques, o conceito jurídico de comportamento humano é toda atividade humana social juridicamente relevante, segundo os padrões axiológicos de uma determinada época, dominável ou dominada pela vontade[18].

Ainda para Damásio de Jesus

 

Essa teoria compreende que um conceito tão importante como o da ação, produtor de relevantes efeitos na estrutura do delito, não podia atender exclusivamente a princípios fundamentados nas leis da natureza. Diante disso, reconheceu a necessidade de situar o problema numa relação valorativa com o mundo social. O conceito de ação, tratando-se de um comportamento praticado no meio social, deve ser valorizado por padrões sociais.[19]

 

Após a análise das três teorias acerca do entendimento da ação, cumpre ressaltar que o atual código penal adotou a teoria finalista que entende que, nas palavras de Guilherme Nucci conduta é uma ação ou omissão voluntária e consciente, que se volta a uma finalidade.[20]

 

2.3 Da Tipicidade

   

Após determinado o que se entende por ação ou omissão, e a teoria incorporada ao código penal brasileiro, qual seja, a finalista, se passa a analisar o segundo elemento definidor de crime, isto é, a Tipicidade.

Segundo Guilherme Nucci, tipicidade é a descrição abstrata de uma conduta, tratando-se de uma conceituação puramente funcional, que permite concretizar o princípio da reserva legal (Não há crime sem lei anterior que o defina)[21]

Para melhor elucidar tal definição de tipicidade, segundo Rogério Greco, Tipo, como a própria palavra diz, é o modelo, o padrão de conduta que o Estado, por meio de seu único instrumento – a lei -, visa impedir que seja praticada, ou determina que seja levada a efeito por todos nós.[22]

Após elucidação de tal conceito, pode-se dizer que Tipicidade é a definição, mediante lei, que determinada conduta é crime e que a partir de sua promulgação, todos aqueles que a praticarem cometerão um crime, sujeito a partir de tal ação a sanções previstas no tipo penal.

O tipo penal, no qual transfere a determinada conduta grau de ilegalidade, proibindo assim tal conduta e estruturado em analisado em três partes, qual seja:

O primeiro é o Título do tipo penal, que nas palavras de Guilherme Nucci,

 

Título ou ‘nomem juris”, é a rubrica dado pelo legislador ao delito (ao lado do tipo penal incriminador, o legislador confere a conduta e ao evento produzido um nome, como o Homicídio simples é a rubrica do modelo de comportamento “matar alguém”)[23]

        

Entende-se então, após tal explicação que título do tipo penal é a nomenclatura dada a cada tipo penal, como o exemplo citado pelo doutrinador, onde cita a ação de matar alguém, devidamente denominada como Homicídio.

O segundo é o Preceito Primário, que na definição de Damásio de Jesus, são aqueles que se referem à materialidade da infração penal, no que concerne a forma de execução, tempo, lugar, etc., também chamados descritivos.[24]

           Aclarando tal explicação, Damásio de Jesus completa

 

Trata-se em geral, de um verbo transitivo com o seu objetivo: ‘Matar alguém”, “Ofender a integridade corporal de alguém”. O verbo constitui o núcleo do tipo, a sua parte mais significativa. As vezes a figura faz referência ao sujeito ativo, ao sujeito passivo, ao objeto, ao tempo, ao lugar ou a ocasião e aos meios empregados pelo agente.[25]

 

Após tal elucidação, pode-se concluir que o preceito primário, nada mais é, que a conduta praticada pelo agente, é a ação ou omissão que determinado agente, que poderá ser específico ou amplo está proibido de fazer, sujeito a sanção prevista na lei a todos aqueles que as praticá-las.

Já o terceiro é o Preceito Secundário, que nada mais é, conforme explica Guilherme Nucci, que a parte responsável pela definição da sanção aplicada a determinada conduta, ou seja, é a pena aplicada àqueles que praticarem o tipo penal incriminador.[26]

Deste modo, fica claro do que se trata o chamado preceito secundário, qual seja, há aplicação de uma sanção ao agente que praticar o delito determinado com tipo penal, sendo nada mais do que a punição a pessoa que praticar o delito previsto no tipo penal está sujeita a receber.

Após análise e conceituação da estrutura do tipo penal, passa-se a expor e conceituar os seus elementos, sendo este, segundo Guilherme Nucci, o modelo legal abstrato de conduta proibida, que dá forma e utilidade ao princípio da legalidade (...) fixando as condutas constitutivas do crime.[27] Deste modo, o tipo incriminador se forma com os seguintes elementos:

  1. Objetiva -  Que segundo Guilherme Nucci, “São todos aqueles que não dizem respeito à vontade do agente, embora por ela devam estar envolvidos”[28], ou seja, descrevem a ação que deve ser praticada para enquadramento no tipo penal.

O elemento objetivo do tipo incriminador se subdivide, segundo Rogério Greco, em Elementos Descritivos e Elementos Normativos[29], o primeiro, ou seja, Elemento Descritivo são aqueles que têm a finalidade de traduzir o tipo penal, isto é, de evidenciar aquilo que pode, com simplicidade ser percebido pelo intérprete[30]. Já o Elemento normativo, nas palavras de Guilherme Nucci, são os componentes do tipo desvendáveis por juízos de valoração, ou seja, captável pela verificação espiritual (sentimentos e opiniões). Sendo estes elementos mais difíceis de se alcançar, pois partirão do ponto de vista de cada examinador.[31]

  1. Subjetiva – Elemento subjetivo, segundo explicação de Rogério Greco, é o animus do agente, ou seja, a vontade que o autor do fato, sendo este todos os elementos voltados à vontade e intenção do agente.[32]                                           

O tipo penal incriminador, possui ainda elementos específicos, que segundo Rogério Greco, são:

  1. Núcleo:  que nada mais é, que o verbo que descreve a conduta proibida pela lei penal[33], ou seja, a palavra que define qual ação ou omissão é proibida, como por exemplo: Matar, roubar, subtrair, entre outros.
  2. Sujeito Ativo: é aquele que pode praticar a conduta descrita no tipo penal, ou seja, aquele que pode praticar a ação ou omissão descrita no tipo penal.[34]
  3. Sujeito Passivo: conforme o Rogério Greco,

 

O sujeito passivo pode ser considerado formal ou material. Sujeito formal será sempre o Estado, que sofre toda vez que suas leis são desobedecidas. Sujeito passivo material é o titular do bem ou interesse juridicamente tutelado sobre o qual recai a conduta criminosa, que em alguns casos, poderá ser também o Estado.[35]

 

  1. Objeto Material: é a pessoa ou a coisa contra a qual recai a conduta criminosa do agente. No furto, objeto do delito será a coisa alheia móvel subtraída pelo agente; no homicídio, será o corpo, etc.[36]

Após elucidação de todo estrutura do tipo penal, passa-se a analisar a parte subjetiva do tipo penal, qual seja a vontade do agente no momento de sua conduta, ou seja, a intenção do agente ao cometer o crime. Tal intenção se divide em duas modalidades, qual seja, Tipo Doloso e Tipo Culposo.

Conforme explicado anteriormente, o código brasileiro adotou a teoria finalista para definir o que seria a ação. Diante de tal escolha, o Código Penal traz em seu Artigo 18 o seguinte enunciado:

Art. 18. Diz-se o crime

I – Doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo.[37]

Nas palavras de Rogério Greco, dolo é a vontade e consciência dirigidas a realizar a conduta prevista no tipo penal incriminador.[38] Diante de tal conceito podemos entender que dolo nada mais é do que a vontade de se obter o resultado previsto no tipo penal, como, por exemplo, o previsto no Art. 121 do código penal, no qual se diz crime matar alguém, sendo o dolo neste caso a vontade e a consciência em tirar a vida de alguém.

O tipo doloso é distinguido em dolo genérico e dolo específico, sendo o dolo genérico, segundo explicação de Guilherme Nucci, nada mais é do que a desnecessidade de uma finalidade específica[39], ou seja, não há a necessidade de ser ter um objetivo específico, enquanto, por outro lado, o dolo específico é acompanhado de uma finalidade específica na prática de tal conduta, em outras palavras, o agente tem que praticar a conduta tipificada como crime e ainda tem que o resultado atingir determinada finalidade específica[40], como por exemplo o previsto no Art. 159 do código penal, que traz o seguinte texto:

Art. 159. Sequestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate.[41]

No artigo trazido como exemplo, podemos observar que não basta o agente sequestrar a pessoa, tem que ter a intenção de obter a vantagem trazida pelo artigo, sendo este então, um exemplo de dolo específico, pois a conduta tipificada é sequestrar alguém, mas com a finalidade específica de obter vantagem.

O tipo doloso incriminador possui duas modalidades, qual seja, o Dolo Direto e o Dolo Indireto ou eventual.

Dolo direto nada mais é, conforme explica Guilherme Nucci, do que a vontade do agente dirigida especificamente à produção do resultado típico, ou seja, o agente quis que o resultado acontecesse, executando todo o crime com o intuito de praticá-lo.[42]

Já o dolo indireto ou eventual, ainda nas palavras de Guilherme Nucci

 

A vontade do agente é dirigida a um resultado determinado, porém vislumbrando a possibilidade de ocorrência de um segundo resultado, não desejado, mas admitido, unido ao primeiro. Por isso a lei utiliza o termo “assumir o risco de produzi-lo”. Nesse caso, de situação mais complexa, o agente não quer o segundo resultado diretamente, embora sinta que ele pode se materializar juntamente com aquilo que pretende, o que lhe o que lhe é indiferente.[43]

 

Assim podemos concluir que o dolo indireto ou eventual se trata de uma modalidade na qual o agente na prática de uma conduta primária, assume o risco de praticar uma secundária, ou seja, o agente assume o risco de, na execução de sua conduta primária, cometer outros tipos ilícitos decorrente de sua conduta, como, por exemplo, o agente que pratica a conduta o tipo penal descrito no Art.  308 do Código de Trânsito Brasileiro, a saber:

 

CTB - Art. 308. Participar, na direção de veículo automotor, em via pública, de corrida, disputa ou competição automobilística não autorizada pela autoridade competente, gerando situação de risco à incolumidade pública ou privada:[44]

 

Neste exemplo citado, o agente ao participar de corrida, disputa ou competição automobilística não autorizada, em via pública está vislumbrando o resultado previsto no tipo penal, entretanto, além de tal conduta, assume o risco de cometer e praticar outros tipos penais, como por exemplo homicídio, atropelando alguma pessoa devido a corrida praticada por ele.

A segunda modalidade de análise do tipo penal é a Culpa, que traz sua definição no Art. 18 do código penal:

 

 Art. 18 Diz se o Crime

II – Culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência e imperícia.

Parágrafo único. Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente.[45]

 

Após explicação do previsto no código penal, passa-se às definições e estruturações propostas pela doutrina.

Segundo Fernando Capez, culpa

 

É o elemento normativo da conduta. A culpa é assim chamada porque sua verificação necessita de um prévio juízo de valor, sem o qual não se sabe se ela está ou não presente. Com efeito, os tipos que definem os crimes culposos são, em geral, abertos (...), portanto, neles não se descreve em que consiste o comportamento culposo. O tipo limita-se a dizer: “se o crime é culposo, a pena será de...”, não descrevendo como seria a conduta culposa.[46]

 

Conceituando ainda culpa, para Eugenio Raul Zaffaroni, tem-se como crime culposo, quando a pessoa, por sua conduta, dá causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia.[47]

Deste modo, entendemos como culpa, o agente que comete o previsto no tipo penal devido a uma falta de zelo pessoal, agindo com imprudência, imperícia e negligência.

Segundo Guilherme Nucci[48], o tipo culposo possui os seguintes elementos:

  1. Concentração na análise da conduta voluntária do agente, isto é, o mais importante na culpa é a análise do comportamento e não do resultado.
  2. Ausência do dever de cuidado objetivo, significando que o agente deixou de seguir as regras básicas e gerais de atenção e cautela, exigíveis de todos.
  3. Resultado danoso involuntário, ou seja, é imprescindível que o evento lesivo jamais tenho sido desejado ou acolhido pelo agente.
  4. Previsibilidade, o que é a possibilidade de prever o resultado lesivo, inerente a qualquer ser humano normal.
  5. Ausência de Previsão, ou seja, não é possível que o agente tenha previsto evento lesivo.
  6. Tipicidade, pois o crime culposo, precisa estar expressamente previsto no tipo penal.

Deste modo podemos concluir que o tipo culposo se passa por uma expressa análise da vontade e previsibilidade do agente, ou seja, ele não pode querer o resultado e nem acreditar que esse possa acontecer.

Para finalizar a definição de dolo e culpa há uma grande confusão entre dolo eventual e culpa consciente, pois tais definições abrangem a falta de vontade de se praticar tal conduta, todavia ambos ocorrem, tendo como grande diferença a previsibilidade.  Para Guilherme Nucci

 

Trata-se de distinção teoricamente plausível, embora na prática, seja muito complexa e difícil. Em ambas as situações o agente tem a previsão do resultado que sua conduta pode causar, embora na culpa consciente não o admita como possível e, no dolo eventual, admita a possibilidade de se concretizar, sendo-lhe indiferente. [49]

 

Deste modo, podemos definir a diferença básica e fundamental entre dolo eventual e culpa consciente na crença com relação ao resultado, enquanto a culpa consciente sabe do risco, mas não acredita que tal resultado irá se concretizar, no dolo eventual, é sabido pelo agente do risco e ele não se importa com o possível resultado, sendo para este indiferente.

 

2.4 Da Antijuricidade

 

Segundo Guilherme Nucci, ilicitude

 

É a contrariedade de uma conduta com o direito, causando efetiva lesão a um bem jurídico protegido. Trata-se de um prima que leva em consideração o aspecto formal da antijuridicidade (contrariedade da conduta com o Direito), bem como o seu lado material (causando lesão a um bem jurídico tutelado).[50]

 

Deste modo podemos entender como ilicitude toda conduta contrária ao tipo penal, ou seja, uma prática que que viola o bem jurídico tutelado pelo tipo penal. Ainda, nas palavras de Fernando Capez

 

É a contradição entre a conduta e o ordenamento jurídico, pela qual a ação ou omissão típicas tornam-se ilícitas. Em primeiro lugar, dentro da primeira fase de seu raciocínio, o intérprete verifica se o fato é típico ou não. Na hipótese de atipicidade, encerra-se, desde logo, qualquer indagação acerca da ilicitude. É que, se um fato não chega sequer a ser típico, pouco importa saber se é ou não ilícito, pois, pelo princípio da reserva legal, não estando descrito como crime, cuida-se de irrelevante penal.[51]

 

Tal definição, corrobora com a explicação e conceituação de ilicitude trazida acima, como uma conduta contrária à lei.

A ilicitude do crime possui ainda duas modalidades principais, quais sejam, a ilicitude formal, que nas palavras de Fernando Capez

 

É mera contrariedade do fato ao ordenamento legal (ilícito), sem qualquer preocupação quanto à efetiva perniciosidade social da conduta. O fato é considerado ilícito porque não estão presentes as causas de justificação, pouco importando se a coletividade o reputa reprovável.[52]

 

Deste modo, a modalidade formal é aquela tipicamente reprovável, porém não há sequer relevância quanto a opinião social, que reputa ou não tal fato. A segunda modalidade de ilicitude material, ainda nas palavras de Fernando Capez

 

Contrariedade do fato em relação ao sentimento comum de justiça (injusto). O comportamento afronta o que o homem médio tem por justo, correto. Há uma lesividade social ínsita na conduta, a qual não se limita a afrontar o texto legal, provocando um efetivo dano à coletividade.[53]

 

Sendo assim, ao contrário do formal, a ilicitude material é uma afronta ao que o homem médio entende como correto, neste caso há uma reprovação social ao fato praticado pelo agente.

Tais ilicitudes não são absolutas, e em determinadas situações, mesmo o agente cometendo o tipo penal incriminador ilícito, sua ação está elencada nas causas de exclusão de ilicitude, conforme explica Damásio de Jesus

 

A Antijuridicidade, segundo requisito do crime, pode ser afastada por determinadas causas, denominadas “causas de exclusão de antijuridicidade” ou “justificativas”. Quando isso ocorre, o fato permanece típico, mas não há crime: excluindo-se a ilicitude, e sendo ela requisito do crime, fica excluído o próprio delito. Em consequência o sujeito deve ser absolvido.[54]

 

As condutas que estão abrangidas pelas excludentes de ilicitudes estão previstas nos artigos 23, 24 e 25 do Código Penal.

Deste modo, segundo Rogério Greco, o artigo 23 preocupou-se em elencar as causas de justificação, cuidando, ainda, do chamado excesso punível, verbis: [55]

Prevê o artigo 23.

 

Art. 23. Não há crime quando o agente pratica o fato:

                                     I – Em estado de necessidade;

II – Em legítima Defesa;

III – Em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular do direito.

Parágrafo único. O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo responderá pelo excesso doloso ou culposo.[56]

 

Já o artigo 24, nos apresenta uma definição de estado de necessidade:

 

Art. 24. Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.

§ 1º Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo.

§ 2º Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços.[57]

 

Por fim, o artigo 25, seguindo o mesmo preceito do anterior, definiu o que se entende por legítima defesa:

Art. 25. Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.[58]

 

2.4 Da Culpabilidade

 

Culpabilidade, segundo Rogério Greco, é o juízo de reprovação pessoal, que se realiza sobre a conduta típica e ilícita praticada pelo agente[59]. No mesmo sentido, para Guilherme Nucci a culpabilidade

 

Trata-se de um juízo de reprovação social, incidente sobre o fato do autor, devendo o agente ser imputável, atuar com consciência potencial de ilicitude, bem como ter a possibilidade e a exigibilidade de atuar em outro modo, seguindo as regras impostas pelo Direito.[60]

 

Desde modo, entendemos que a culpabilidade é uma reprovação sobre o fato praticado pelo autor, ou seja, uma desaprovação social pela conduta praticada, mas, segundo Eugénio Raul Zaffaroni, surge aqui umas das maiores discussões da teoria do delito, pois, para ele, todos os outros elementos abordam a parte do homem, mas nenhum como a culpabilidade, trazendo a seguinte discussão

 

O que é reprovado? O injusto. Por que se lhe reprova? Porque não se motivou na norma. Por que se lhe reprova não haver-se motivado na norma? Porque lhe era exigível que se motivasse nela. Um injusto, isto é, uma conduta típica e antijurídica, é culpável quando é reprovável ao autor a realização desta conduta porque não se motivou na norma, sendo-lhe exigível, nas circunstancias em que agiu, que nela se motivasse. Ao não se ter motivado na norma, quando podia e lhe era exigível que o fizesse, o autor mostra uma disposição interna contrária ao direito. Assim, se um sujeito de certo grau de instrução e de posição social furta um anel numa joalheria, sem que ninguém o obrigue a isto, ou o ameace, e sem estar mentalmente enfermo, dizemos que esse sujeito podia motivar-se na norma que proíbe furtar, e que lhe era exigível que nela se motivasse, porque nada o impedia. Por essa razão lhe reprovamos o injusto, concluindo que sua conduta é culpável e reprovável.[61]

     

Concluímos então, que a análise e conceituação da culpabilidade é uma observância da análise da conduta do agente que praticou o delito, dando a este um grau de reprovabilidade de acordo com a conduta praticada.

A culpabilidade possui duas modalidades, culpabilidade formal e culpabilidade material.

Para Guilherme Nucci, a culpabilidade formal é a reprovação apresentada pelo autor do fato típico e antijurídico, dentro das peculiaridades que o norteiam, ou seja, observa a imputabilidade, consciência potencial de ilicitude e exigibilidade de atuação[62]. Desta forma, podemos entender como culpabilidade formal, é a reprovação apresentada a cada autor de um fato típico e antijurídico, observando suas singularidades, fazendo uma análise tanto do fato, quanto do autor.

Já a culpabilidade material, ainda conforme explicação de Guilherme Nucci, é a censura realizada concretamente, a todos os imputáveis, com consciência potencial do ilícito e de livre vontade, não se aplicando nenhuma causa de exclusão de culpabilidade e não fazendo nenhuma análise do agente e sim do fato.[63]

A culpabilidade, assim como todos os elementos do tipo penal, não é regra geral, e sua aplicação não é de absoluta, portanto as situações que afastaram o enquadramento da culpabilidade, neste sentido a culpabilidade possui, conforme explica Damásio de Jesus, três elementos: a) Imputabilidade; b) Potencial consciência da ilicitude; c) Exigibilidade de conduta diversa.[64]

 A partir daí, podemos entender que, na ausência de qualquer um desses três elementos, estamos diante de uma causa de excludente de culpabilidade, como por exemplo um agente menor de idade que comete um crime. Neste caso, mesmo havendo enquadramento em todos os requisitos do delito, este deixa de se enquadrar na culpabilidade, pois o mesmo deixa de preencher um dos elementos da culpabilidade, qual seja, a imputabilidade.

Buscando uma melhor divisão das excludentes de culpabilidade, Guilherme Nucci apresentou uma divisão para fins didáticos, quais sejam, as excludentes referente ao agente, que são

 

  1. Existência de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado (art. 26, caput, CP)
  2. Existência de embriagues decorrente de vício (art. 26, caput, CP)
  3. Menoridade (art.26, caput, CP)[65]

      

E às excludentes de culpabilidade que se referem ao fato ilícito praticado, nesta divisão, o doutrinador nos trouxe, uma subdivisão, sendo legais e supralegais, quais sejam:

 

  • Legais
  1. Coação Moral Irresistível (art. 22, CP);
  2. Obediência hierárquica (art. 22, CP);
  3. Embriaguez decorrente de caso fortuito ou força maior (art. 28,§ 1º, CP);
  4. Erro de proibição escusável (art. 21, CP);
  5. Descriminantes putativas;
  • Supralegais
  1. Inexigibilidade de conduta diversa;
  2. Estado de Necessidade exculpante;
  3. Excesso de exculpante;
  4. Excesso acidental.[66]

 

Deste modo, se conclui a discussão acerca da definição, conceituação, e estruturação de delito ou crime, bem como suas modalidades, enquadramento e excludentes de tais estrutura, abordando a conceituação de delito, a teoria do delito adotada pelo código penal, bem como toda estruturação da teoria do delito dogmática do direito, na qual definiu delito como uma ação ou omissão, típica, ilícita e culpável, não se esquecendo a exploração do histórico do delito na sociedade.   

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

3 DO PRINCÍPIO DA BAGATELA OU INSIGNIFICÂNCIA

 

3.1 Do Conceito

Com a evolução e desenvolvimento da sociedade, questões morais e éticas estão em constantes mudanças, fazendo com que bens jurídicos que eram importantes, deixem de ser tutelados pela legislação, pois não são mais tão relevantes na atual sociedade, e é dever do legislador se adequar a essas mudanças e atualizar a legislação vigente de acordo com os novos paradigmas, constantes em nossa sociedade.

Entretanto, tal atualização legislativa é demorada e lenta, fazendo com que determinadas leis ou condutas criminalizadas pela lei e não reprovadas pela sociedade fiquem vigentes em nossa atual legislação.

Visando se minimizar esta morosidade dos legisladores e buscando limitar o poder punitivo do Estado é que se tem diversos princípios inerentes ao direito penal, que tentam evitar uma punição indevida e fazer uma adequação na interpretação dos fatos a aplicação da legislação vigente e um desses princípios é o princípio da bagatela.

Princípio da Bagatela, também chamado de princípio da insignificância, como descrito acima é uma das modalidades de limitação do poder punitivo do estado e busca evitar a aplicação do direito penal em condutas socialmente aceitas ou justificadas pela sociedade.

Conforme explicação de Luiz Regis Prado

 

A irrelevante lesão do bem jurídico protegido não justifica a imposição de uma pena, devendo excluir-se a tipicidade da conduta em caso de danos de pouco importância. O princípio da insignificância é tratado pelas modernas teorias de imputação objetiva como critério para determinação do injusto penal, isto é, como um instrumento para a exclusão da imputação objetiva de resultados.[67]

 

Corrobora ainda com tal explicação, Fernando Capez

 

O Direito Penal não deve preocupar-se com bagatelas, do mesmo modo que não podem ser admitidos tipos incriminadores que descrevam condutas incapazes de lesar o bem jurídico. A tipicidade penal exige um mínimo de lesividade ao bem jurídico protegido, pois é inconcebível que o legislador tenha imaginado inserir em um tipo penal condutas totalmente inofensivas ou incapazes de lesar o interesse protegido.[68]

 

Desde modo podemos afirmar que o objetivo do princípio da bagatela é evitar uma injusta imputação penal, afastando a aplicação da lei penal em condutas que não ofendam bens jurídicos relevantes, bem como, aquelas que mesmo relevantes são justificadas e aceitas pela sociedade.

Exemplificando e colocando em casos práticos o conceito acima exposto, Rogério Greco, traz a seguinte situação

 

João querendo retirar rapidamente o carro da garagem, pois já estava atrasado para um compromisso, deixando de observar o seu exigível dever de cuidado, não verificou o pelo espelho retrovisor se havia algum pedestre passando atrás do seu automóvel e, afoitamente, engatou uma marcha à ré e pisou no acelerador, quando de repente, percebeu que alguém, naquele exato instante, atravessava a porta da garagem, vindo, em razão de sua conduta culposa, encostar o seu veículo na perna daquele transeunte, causando-lhe um pequeno arranhão com pouco mais de 2 centímetros de extensão, que chegou a sangrar levemente.[69]

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Temos então, no caso exposto, a tipificação de uma conduta prevista no art. 303 do código de Trânsito Brasileiro, in verbis

Art. 303. Praticar lesão corporal culposa na direção de veículo automotor:
Penas - detenção, de seis meses a dois anos e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.[70]

Surge então, na explicação de Rogério Greco, a partir do exemplo exposto, duas indagações que devem ser feitas, a primeira, é se João deve ser enquadrado no contido do Art. 303 e assim sofrer as sanções deste artigo? Bom, a conduta culposa de João, consistente em sair de sua residência na direção de veículo automotor sem o devido cuidado, causou (nexo de causalidade), o resultado ocorrido, que foi o dano leve causado no pedestre, sendo assim, teoricamente estaria enquadrada na conduta prevista no Art. 303 do CTB, surgindo então a segunda pergunta, esta conduta praticada por João é uma conduta típica?[71]

Para responder esta pergunta é preciso verificar o enquadramento da conduta a uma das modalidades da tipicidade, qual seja, a) Formal; b) Conglobante.[72]

Nas palavras de Rogério Greco “tipicidade formal, é a adequação perfeita da conduta do agente ao modelo abstrato (tipo) previsto na lei penal.”[73]

Já a tipicidade Conglobante nas palavras de Rogério Greco

 

É preciso se verificar dois aspectos fundamentais: a) se a conduta do agente é antinormativa; b) se o fato é materialmente típico. O estudo do princípio da insignificância reside nesta segunda vertente da tipicidade conglobante, ou seja, tipicidade material. Além da necessidade de existir um modelo abstrato que preveja com perfeição a conduta praticada pelo agente, é preciso que, para que ocorra essa adequação, isto é, para que a conduta do agente se amolde com a perfeição ao tipo penal, seja levada em consideração a relevância do bem que está sendo objeto de proteção. Quando o legislador penal chamou para si a responsabilidade de tutelar determinados bens – por exemplo, a integridade corporal e o patrimônio – não quis abarcar toda e qualquer lesão corporal sofrida pela vítima ou mesmo todo e qualquer tipo de patrimônio, não importando o seu valor.[74]

 

Desde modo, segundo Rogério Greco, para que possamos responder a última pergunta, se a conduta praticada pelo agente no exemplo citado é típica, devemos fazer outro questionamento, será que o legislador, no momento de elaboração do art. 3030 do CTB, quis que tal norma abrangesse lesões como a ocorrida no exemplo? Neste caso, a resposta só pode ser uma, não, o legislador não quis, que condutas como a do exemplo de João, fossem punidas. Neste caso em exame, resta afastada a tipicidade conglobante.[75]

Deste modo temos a possibilidade de aplicação do princípio da bagatela, pois embora haja a moldação perfeita da tipicidade material, quando analisamos a tipicidade conglobante se vê que o intuito do legislador não era aquele, podendo ser aplicado o princípio da bagatela.

Após tais definições e exemplificações, temos conceituado o princípio da bagatela próprio, qual seja, o enquadramento perfeito da tipicidade formal, mas não se enquadrando na tipicidade conglobante.

Cumpre ressaltar, que temos em nosso ordenamento jurídico uma lei específica que tipifica as contravenções penais, não podendo então, por via de regra determinarmos que uma contravenção penal, seja sempre sujeita à aplicação do princípio da Insignificância, conforme explica Fernando Capez

 

Não se pode, por exemplo, afirmar que todas as contravenções penais são insignificantes, pois, dependendo do caso concreto, isto não se pode revelar verdadeiro. Andar pelas ruas armado com uma faca é um fato contravencional que não pode ser considerado insignificante. São de menor potencial ofensivo, submetem-se ao procedimento sumaríssimo, beneficiam-se de institutos despenalizadores (transação penal, suspensão condicional do processo etc.), mas não são, a priori, insignificantes[76]

 

A despeito disso, há situações em que haverá o enquadramento completo, tanto da tipicidade formal, quanto da tipicidade conglobante, e mesmo assim será possível a aplicação do princípio da bagatela, casos em que mesmo devidamente tipificado, a conduta poderá ser afastada de culpabilidade mediante aplicação do princípio da bagatela, porém nestes casos, o princípio da bagatela aplicado será o impróprio, e não o próprio como anteriormente definido.

No princípio da bagatela impróprio, o fato nasce socialmente reprovável, e assim passível de punição, porém, logo após tal fato, situações em torno da conduta do agente o faz socialmente justificado e aceito pelo sociedade, afastando assim a culpabilidade do agente, conforme explica Cleber Rogério Masson

 

Em outras palavras, infração (crime ou contravenção penal) de bagatela imprópria é aquela que surge como relevante para o Direito Penal, pois apresenta desvalor da conduta e desvalor do resultado. O fato é típico e ilícito, o agente é dotado de culpabilidade e o Estado possui o direito de punir (punibilidade). Mas, após a prática do fato, a pena revela-se incabível no caso concreto, pois diversos fatores recomendam seu afastamento, tais como: sujeito com personalidade ajustada ao convívio social (primário e sem antecedentes criminais), colaboração com a Justiça, reparação do dano causado à vítima, reduzida reprovabilidade do comportamento, reconhecimento da culpa, ônus provocado pelo fato de ter sido processado ou preso provisoriamente etc.[77]

 

Deste forma, temos definido o princípio da bagatela (ou insignificância), nas suas duas formas, ou seja, o princípio da bagatela próprio, que se enquadra na tipicidade formal, mas não na tipicidade conglobante, aplicando assim o princípio da bagatela próprio e consequentemente afasta a tipicidade, a segunda forma definida anteriormente foi o princípio da bagatela impróprio, que na análise da tipicidade se amolda perfeitamente, ou seja, se tem configurada a tipicidade tanto formal, quanto conglobante, sendo o fato típico, todavia, pois circunstâncias e peculiaridades envolventes na conduta do agente, esta deixa de ser reprovável pela sociedade, passando a ser justificada e aceita a conduta praticada, mas nesta modalidade, não está afastada a tipicidade e sim a culpabilidade.

 

3.2 História do Princípio da Bagatela

 

Como a maioria dos princípios norteadores no direito penal, há uma grande dificuldade em precisar o momento e as circunstâncias exatas de seu surgimento, pois como fatos históricos, há correntes e relatos diferentes acerca da história, e com o princípio da Bagatela (insignificância) não é diferente.

Segundo a maioria da doutrina, o princípio da bagatela surgiu no Direito Romano, pelo dito popular que imperava está sociedade, qual seja, “minimis non curat praetor”, cuja tradução para o português é: O pretor não cuida de coisas pequenas.

Podemos observar, mediante tal afirmação, que o Direito Penal Romano introduziu a ideia de que o direito penal não deve se preocupar com infrações de pequena relevância, afastando assim, o poder punitivo do direito romano, conforme explica Fernando Capez

 

Insignificância ou bagatela: originário do Direito Romano, e de cunho civilista, tal princípio funda-se no conhecido brocardo de minimis non curat praetor. Em 1964 acabou sendo introduzido no sistema penal por Claus Roxin, tendo em vista sua utilidade na realização dos objetivos sociais traçados pela moderna política criminal. Segundo tal princípio, o Direito Penal não deve preocupar-se com bagatelas, do mesmo modo que não podem ser admitidos tipos incriminadores que descrevam condutas incapazes de lesar o bem jurídico. A tipicidade penal exige um mínimo de lesividade ao bem jurídico protegido, pois é inconcebível que o legislador tenha imaginado inserir em um tipo penal condutas totalmente inofensivas ou incapazes de lesar o interesse protegido[78]

 

Surge então, diante desse interesse inicial do Direito Romano em evitar punições em casos de lesividade mínima ao bem jurídico, o início do tido princípio da insignificância, que no decorrer da história teve seus preceitos e requisitos adequados de acordo com a cultura de cada sociedade.

 

3.3 O Princípio da Bagatela Sob uma Ótica do Poder Público

 

Conforme anteriormente exposto, o princípio da insignificância é uma limitação do poder punitivo do Estado, que nas suas atribuições legais, possui a função de julgar e processar todos aqueles que cometam um ato ilícito.

Esta limitação do poder punitivo do Estado se dá pela proibição de aplicar punições a situações onde não há lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado pelo Código Penal.

Observa-se deste modo, que tal aplicação deste princípio se faz necessária sob uma ótica pública, necessidade esta que se observa em diversos fatores, como por exemplo o enorme custo que se tem para se iniciar, processar e julgar um processo, ou ainda, o enorme montante processual que se tem no país, ou ainda, o custo que se tem para manter um preso em nosso país, e pior ainda, a escola do crime que são nossas penitenciárias.

Abordar uma utilidade pública para aplicação do princípio da bagatela é algo que, em uma simples análise se pode observar, como por exemplo o número de processos existentes em nosso sistema judiciário, que segundo o CNJ

 

O primeiro grau de jurisdição é o segmento mais sobrecarregado do Poder Judiciário e, por conseguinte, aquele que presta serviços judiciários mais aquém da qualidade desejada. 

Dados do Relatório Justiça em Números 2015 revelam que dos 99,7 milhões de processos que tramitaram no Judiciário brasileiro no ano de 2014, 91,9 milhões encontravam-se no primeiro grau, o que corresponde a 92% do total.[79]

 

Observa-se pelo dados apresentados, que já temos em andamento em nosso sistema jurídico brasileiro, uma quantidade exorbitante de processos, motivo pela qual, todos os meios possíveis para se evitar que mais processos sejam inseridos é de grande importância e relevância, pois se evitaria desta forma um número maior de processo, e é justamente o que busca o princípio da insignificância, evitar a punição em casos em que não houve lesão ou perigo de lesão  ao bem jurídico sejam punidos, não chegando desta forma, ao judiciário, casos irrelevantes e insignificantes.

Outro ponto relevante, conforme citado acima, é a questão do custo que se tem para mover um processo, das despesas e tempo que se gasta para processar e julgar, gasto este, que não se pode ter em casos que nem a necessidade de se iniciar tem, pois são insignificantes e não causaram lesão ou perigo de lesão, evitando assim, um gasto público desnecessário e mal gasto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

4 ANÁLISE CONSTITUCIONAL DO PRINCÍPIO DA BAGATELA

 

4.1 Princípio da Bagatela sob uma Análise Constitucional

 

Promulgada em 1988, mais precisamente em 05 de outubro de 1988, a constituição federal foi um marco democrático na história do Brasil. Elaborada pós ditadura, a atual constituição rompeu com os paradigmas da época, declarando-se um estado democrático de direito e garantindo a todos os cidadãos brasileiros um rol de direitos sociais, culturais, políticos, entre outros.

Dentre os direitos e garantias trazidas na nova constituição, o direito material penal e o processual penal não foram ignorados, sendo trazidos junto ao texto Constitucional, diversos artigos e princípios, que visam garantir estes direitos.

Entre os direitos assegurados estão o direito ao devido processo legal, no qual garante que todo e qualquer pessoa, que processada perante a justiça brasileira estará amplamente e plenamente amparada pela legislação vigente, sendo a ela garantida todos os direitos e o devido procedimento em seu julgamento, sendo a ela garantido a ampla defesa e o contraditório durante todo o processo.

Outro direito trazido na constituição de 1988 foi o direito de acesso à justiça, assegurando a qualquer pessoa, brasileiro ou não, a garantia de pleitear direito próprio, ou em determinados casos alheio, em juízo, impossibilitando em regra a possibilidade de afastar o poder judiciário para solucionar lides.

Além dos direitos exemplificados acima, diversos princípios foram introduzidos na constituição federal como forma de parâmetros para as demais normas vigentes em nosso país, bem como limitadores e informadores da essência que se pretendia passar, com a elaboração da Constituição Federal.

Um desses princípios é o da proporcionalidade que, nas palavras de Fernando Capez, é “maior rigor para casos de maior gravidade (art. 5º, XLII, XLIII e XLIV) e moderação para infrações menos graves (art. 98, I). Baseia-se na relação custo-benefício."[80]

Deste modo pode-se observar, pelos exemplos acima citados, que ao ser elaborada, a constituição federal buscou garantir aos cidadãos brasileiros direitos e garantias que mesmo que não sejam supremos, são regras que devem ser aplicados em todos os casos concretos em envolvam o direito e/ou princípios trazidos na Constituição Federal.

Porém há alguns princípios que, mesmo não previstos expressamente no texto legal, estão inseridos no ordenamento jurídico brasileiro, pois estes decorrem dos princípios expressamente previstos na Constituição Federal, e portanto, possuem o mesmo grau de eficiência e aplicabilidade, entre estes princípios sem previsão legal, mas com força normativa, está o princípio tema do presente trabalho, qual seja, o princípio da insignificância ou o princípio da bagatela, como também é conhecido, princípio este que busca conforme já explicado, a limitação punitiva estatal em situações em que a lesão ou perigo de lesão causados sejam insignificantes, bem como violações a bens jurídicos sem valoração social.

A atual Constituição Federal, proporcionou em seu teor, diversos mecanismos para garantir os direitos mínimos e fundamentais de todos cidadãos, e o princípio da insignificância foi um destes mecanismos, pois a sua aplicação buscará evitar uma punição de certa forma desnecessária, evitando assim uma violação de diversas garantias fundamentais, como por exemplo o direito de ir e vir e o de proibição de privação da liberdade.

 

4.2 Dos Princípios Interligados

 

O princípio da insignificância, como anteriormente estudado é uma forma de afastar o poder punitivo do Estado, ora afastando a tipicidade do delito, ora afastando a culpabilidade do mesmo, entretanto tal princípio, como estudado no tópico anterior, não possui um fundamento específico para sua aplicação, não estando expressamente previsto na legislação, contudo, tem-se como base para sua aplicação outros princípios previstos na constituição, princípios estes que passa-se a ser estudado.

 

4.2.1 Princípio Da Dignidade Da Pessoa Humana

 

Base para todos os direitos e princípios de nossa legislação, o princípio da Dignidade da Pessoa Humana é um norte, onde o legislador deve se apoiar ao elaborar leis, bem como o judiciário tem o dever de observa-lo e analisá-lo em cada caso concreto.

Tal princípio, nas palavras de Regis Prado tem o objetivo de[81] “consagrar e garantir o primado dos direitos fundamentais, abstendo-se de práticas a eles lesivas, como também propiciar condições para que sejam respeitados, inclusive com a eventual remoção de obstáculos à sua total realização.”

O princípio da Dignidade da Pessoa Humana não possui uma definição clara e taxativa, ficando a cargo da doutrina e da jurisprudência a definição acerca do conceito, mas, tem-se, de acordo com o entendimento majoritário, que tal princípio decorre de uma dignidade que deve ser aplicada a todos, garantindo a eles os direitos mínimos exigíveis para sua existência, fazendo com que todo ser humano tenha direito ao mínimo existencial.

 

4.2.2 Princípio Da Intervenção Mínima

 

O princípio da intervenção mínima, introduzido em nosso ordenamento jurídico, é uma forma de limitar o poder punitivo do Estado, limitando-o a punir somente os causadores de lesões a bens jurídicos relevantes.

Nas palavras de Rogério Greco

 

O direito penal deve, interferir o menos possível na visa em sociedade, devendo ser solicitado somente quando os demais ramos do Direito, comprovadamente, não forem capazes de proteger aqueles bens considerados da maior importância[82]

 

Ainda nas palavras de Cezar Roberto Bitencourt

 

O princípio da intervenção mínima, também conhecido como “Ultima Ratio”, orienta e limita o poder incriminador do Estado, preconizando que a criminalização de uma conduta só se legitima se construir meio necessário para a proteção de determinado bem jurídico. Se outras formas de sanções ou outros meios de controle social revelarem-se suficientes para a tutela desse bem, a sua criminalização será inadequada e desnecessária. Se para o restabelecimento da ordem jurídica violada forem suficientes medidas civis ou administrativas, são estás que devem ser empregadas e não as penais. Por isso o Direito Penal deve ser a ultima ratio, isto é, deve atuar somente quando os demais ramos do direito revelarem-se incapazes de dar a tutela devida a bens relevantes na vida do indivíduo e da própria sociedade.[83]

 

Deste modo, conclui-se que o princípio da intervenção mínima, é a busca de medidas alternativas que não o Direito Penal, para tutelar bens jurídicos relevantes, bem como para dar a devida sanção aqueles, que por algum motivo, violar tais direitos, se utilizando do Direito Penal, somente em último caso.

 

4.2.3 Princípio Da Fragmentariedade

 

O princípio da fragmentariedade, caminha lado a lado com o da intervenção mínima, estudado anteriormente, contudo, ao contrário do anterior, que busca um direito penal de ultimo ratio, tutelando apenas os bens jurídicos realmente relevantes, o princípio da fragmentariedade busca que somente ações ou omissões realmente graves e causem um real dano a outrem sejam punidas.

De acordo com Regis Prado,[84] o princípio da fragmentariedade faz com que somente certas formas de agressões, considerados intoleráveis pela sociedade sejam tutelados e punidos pelo Direito Penal, afastando o Direito Penal de condutas menos gravosas e fazendo com que, somente as ações ou omissões mais graves sejam matéria tratadas pelo Direito Penal.

Entende-se, de acordo com tal princípio, que condutas que não gerem danos a bens jurídicos relevantes, ou se essas forem causados a bens sem relevância social, ter-se-á por afastada a possibilidade de atualização do Direito penal para tutelas, sendo deste modo uma conduta atípica, pois há outros ramos do direito capazes de tutelar tais direitos e violações.

 

 

4.2.4 Princípio Da Ofensividade

 

Nos moldes do princípio da intervenção mínima e da fragmentariedade, o princípio da ofensividade, ou como também chamado, princípio da lesividade, é uma limitação do poder punitivo do Estado, limitando-o este a punir somente os casos onde houver lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado, conforme explica Fernando Capez, o princípio da lesividade traduz a ideia de que

 

Não há crime quando a conduta não tiver oferecido ao menos um perigo concreto, real, efetivo e comprovado de lesão ao bem jurídico. A punição de uma agressão em sua fase ainda embrionária, embora aparentemente útil do ponto de vista da defesa social, representa ameaça à proteção do indivíduo contra uma atuação demasiadamente intervencionista do Estado.[85]

 

Ainda nas palavras de Rogério Greco[86] o princípio da ofensividade, chamado por ele de Lesividade, limitara ainda mais o poder punitivo do Estado, determinando quais condutas poderão ser incriminadas pelo direito penal e quais não poderão, ou seja, orientará o legislador, no sentido de saber quais as ações ou omissões não poderão ser tratadas pelo direito penal, devendo estas serem regulamentadas por outros ramos do direito

Observa-se ainda, que o princípio da ofensividade considera inconstitucional todos os delitos de perigo abstrato, conforme explica Fernando Capez

 

O princípio da ofensividade considera inconstitucionais todos os chamados “delitos de perigo abstrato”, pois, segundo ele, não há crime sem comprovada lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico. Não se confunde com princípio da exclusiva proteção do bem jurídico, segundo o qual o direito não pode defender valores meramente morais, éticos ou religiosos, mas tão somente os bens fundamentais para a convivência e o desenvolvimento social. Na ofensividade, somente se considera a existência de uma infração penal quando houver efetiva lesão ou real perigo de lesão ao bem jurídico. No primeiro, há uma limitação quanto aos interesses que podem ser tutelados pelo Direito Penal; no segundo, só se considera existente o delito quando o interesse já selecionado sofrer um ataque ou perigo efetivo, real e concreto.[87]

 

Conclui-se ainda, nas palavras de Fernando Capez, que o princípio da Lesividade tem a seguinte função

 

A função principal da ofensividade é a de limitar a pretensão punitiva estatal, de maneira que não pode haver proibição penal sem um conteúdo ofensivo a bens jurídicos. O legislador deve se abster de formular descrições incapazes de lesar ou, pelo menos, colocar em real perigo o interesse tutelado pela norma. Caso isto ocorra, o tipo deverá ser excluído do ordenamento jurídico por incompatibilidade vertical com o Texto Constitucional. Toda norma penal em cujo teor não se vislumbrar um bem jurídico claramente definido e dotado de um mínimo de relevância social, será considerada nula e materialmente inconstitucional.[88]

 

Tem-se assim, definido o princípio da fragmentariedade, qual seja, mais uma forma de limitação do poder punitivo do Estado, limitando-o este a punir somente as ações ou omissões que realmente causarem dano ou perigo de dano a bens jurídicos realmente relevantes a sociedade.

Deste modo, conclui-se à análise constitucional do princípio da bagatela, abordando seu enquadramento sob a luz da Constituição Federal, bem como, uma definição dos principias princípios interligados ao princípio da bagatela.

 

 

 

 

 

5 CRITÉRIOS PARA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA BAGATELA

 

5.1 Análise Sob A Luz Da Doutrina

 

Conforme exposto anteriormente, o princípio da bagatela ou insignificância é um mecanismo de limitação do poder punitivo do Estado, impondo-o a ele, que condutas não lesivas sejam afastadas do Direito Penal.

Todavia, tal princípio, ao ser aplicado no caso concreto, deve-se analisar os requisitos mínimos para sua aplicação, que em regra, na maioria das obras doutrinarias, reproduz o entendimento da jurisprudência, conforme explicação de Fernando Capez

 

O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, assentou “algumas circunstâncias que devem orientar a aferição do relevo material da tipicidade penal”, tais como: “(a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada”. Assim, já se considerou que não se deve levar em conta apenas e tão somente o valor subtraído (ou pretendido à subtração) como parâmetro para aplicação do princípio da insignificância. “Do contrário, por óbvio, deixaria de haver a modalidade tentada de vários crimes, como no próprio exemplo do furto simples, bem como desapareceria do ordenamento jurídico a figura do furto privilegiado (CP, art. 155, § 2º).[89]

 

No mesmo caminho, o doutrinador Cleber Masson[90], ao elencar os requisitos objetivos necessários para aplicação do princípio da bagatela, apresentou julgados jurisprudenciais dos tribunais superiores para apresentar os quatro principais requisitos para sua aplicação, sendo, a) mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma ou reduzidíssima periculosidade social da ação; c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; d) inexpressividade da lesão jurídica provocada.

Corroborando com tal definição, Rogério Greco[91], ao apresentar os requisitos para aplicação do princípio da insignificância, trouxe o julgamento do Habeas Corpus 96823 / RS 2ª Turma, julgado em 16 de dezembro de 2008, no qual continha os mesmos requisitos acima citado, qual seja, a) mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma ou reduzidíssima periculosidade social da ação; c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; d) inexpressividade da lesão jurídica provocada.

Conclui-se assim, que grande maioria da doutrina, ao elencar e definir os requisitos objetivos mínimos para aplicação do princípio da insignificância, remetesse a julgados do tribunais superiores, reproduzindo apenas o contido nos mesmos, podendo, deste modo, afirmar que os requisitos objetivos do princípio da bagatela são definidos e impostos pela jurisprudência.

 

5.2 Análise Sob A Luz Da Jurisprudência

 

Não havendo previsão legal acerca do princípio da insignificância, coube aos doutrinadores e a jurisprudência defini-lo e estrutura-lo, determinando as formas de aplicação e em quais casos seriam passiveis de aplicação.

Como explicado no tópico anterior, a doutrina em grande parte, apenas reproduz o contido em jugados dos tribunais superiores do país, definindo os requisitos objetivos mínimos para concessão e aplicação do princípio da bagatela, de acordo com esses julgados.

Então, ante a ausência de legislação pertinente ao assunto, ficou a cargo da jurisprudência definir e delimitar os requisitos que serão analisados no caso concreto para determinação de aplicação ou não do princípio da insignificância. Ressalta-se, que tais requisitos, perante a jurisprudência está pacificado, conforme trazido no julgamento do Habeas Corpus 139393/PR - PARANÁ do Supremo Tribunal Federal, cujo relator foi o Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, julgado em 18/04/2017, pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, que trouxe a seguinte indexação

 

Entendimento, supremo tribunal federal (stf), configuração, insignificância, delito, satisfação, requisito, mínima ofensividade, conduta; ausência, periculosidade, conduta; reduzido grau de reprovabilidade, comportamento; insignificância, lesão. Ausência, justa causa, ação penal, inexistência, reiteração delitiva, caso concreto.

- fundamentação complementar, min. Edson fachin: possibilidade, retroação, lei penal mais benéfica.[92]

 

Corrobora com tal indexação acima citado, a definição de princípio da insignificância trazido no Glossário Jurídico do Supremo Tribunal Federal, a saber:

 

Princípio que consiste em afastar a própria tipicidade penal da conduta, ou seja, o ato praticado não é considerado crime, o que resulta na absolvição do réu. É também denominado "princípio da bagatela" ou "preceito bagatelar". Segundo a jurisprudência do STF, para sua aplicação devem ser preenchidos os seguintes critérios:

i. a mínima ofensividade da conduta do agente;

ii. a nenhuma periculosidade social da ação;

iii. o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e

iv. a inexpressividade da lesão jurídica provocada.[93]

 

Demostrando tamanha pacificidade acerca dos requisitos para aplicação do princípio da bagatela, cita-se o julgado do HC 373348 / SP, HABEAS CORPUS 2016/0258358-1 do Superior Tribunal de Justiça, presidido pelo Ministro Ribeiro Dantas, na data de 27/04/2017, pela Quinta Turma, na qual em sua ementa trouxe a seguinte passagem

 

O "princípio da insignificância - que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. [...] Tal postulado - que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público." [94]

 

Diante dos citados julgados acima e do glossário jurídico do Supremo Tribunal Federal, pode-se afirmar, que a jurisprudência solidificou um entendimento de que, quatros requisitos objetivos mínimos devem ser observados ao aplicar o princípio da insignificância ante um caso concreto, qual seja, a) a mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada. Diante da presente estruturação dos requisitos objetivos para aplicação do princípio da bagatela, passa-se a expor um por um.

A primeira, qual seja, mínima ofensividade da conduta do agente, determina que a conduta do agente delituoso, passível de aplicação do princípio da insignificância, tenha causado uma ofensa mínima no bem jurídico protegido, contudo,  diante de um situação em que uma pessoa se vê violado algum direito seu, é difícil convence-la de que tal lesão mínima, ou que não trouxe prejuízos a mesma, pois conforme a natureza do ser humana, a busca pela vingança a alguém, que de alguma forma lhe causou mal, ocorre a todo momento, independentemente do grau de lesão, cabendo deste modo, ao juiz, no caso concreto, definir se tal conduta ofendeu ou não o bem jurídico protegido.

De acordo com o princípio da ofensividade, ou como também chamado, princípio da lesividade, o Estado somente poderá punir os agentes delituosos nos casos onde houver lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado, conforme Explica Fernando Capez

 

Não há crime quando a conduta não tiver oferecido ao menos um perigo concreto, real, efetivo e comprovado de lesão ao bem jurídico. A punição de uma agressão em sua fase ainda embrionária, embora aparentemente útil do ponto de vista da defesa social, representa ameaça à proteção do indivíduo contra uma atuação demasiadamente intervencionista do Estado.[95]

 

Tem-se assim, conforme definição do princípio da ofensividade, que o Estado somente poderá punir os casos em que há lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico relevante para a sociedade.

Conforme acima citado, o primeiro requisito previsto pela jurisprudência para aplicação do princípio da insignificância, é que a ofensividade da conduta do agente seja mínima. Em análise conjunta ao princípio da lesividade, pode-se definir que o presente requisito determina, que a lesão causada com a conduta do agente criminoso seja mínima, ou a menor possível.

Entretanto, surge perante esse mínimo exigido de lesividade causado com a conduta do agente algumas perguntas a serem realizadas, como, o que seria esse mínimo? e como se definiria esse mínimo? e qual critério para definição desse mínimo exigido?

Porém, não há uma definição específica do que seria esse mínimo e nem como tal definição seria elaborada, contudo, ao analisar o primeiro requisito, o juiz não analisará apenas o bem jurídico violado, mas também a pessoa que teve esse direito violado, pois a valoração de cada bem jurídico, dependerá de uma prévia análise da vítima, observando desta forma, o dano causado a vítima, decorrente da conduta delituosa.

Exemplificando está necessidade de análise da vítima, pode-se dar como exemplo, o furto de uma bicicleta, pois deste, surge duas vertentes, sendo a primeira, a possibilidade de este furto ser praticado contra o proprietário de uma grande empresa, no qual, possui em enorme condição financeira, neste caso, o bem jurídico lesado é insignificante ao  se analisar sob a perspectiva financeira da vítima, entretendo, a segunda vertente é a possibilidade de este furto ser realizado contra um trabalhador assalariado, que a utilizada todos os dias para trabalhar, neste caso, analisando sob a perspectiva da vítima, o bem jurídico é muito relevante, e causou uma enorme lesão a vítima, afastando assim, a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância, pois a lesão causada a vítima, foi muito além do mínimo exigido para aplicação do referido princípio. Neste sentido, exemplifica no mesmo caminho Cleber Masson

 

As condições pessoais da vítima podem influir no cabimento do princípio da insignificância. De fato, esse postulado não foi reconhecido pelo Superior Tribunal de Justiça em relação a fato criminoso ocorrido contra vítima analfabeta e de 68 anos de idade, que teve seu dinheiro sacado do bolso de sua calça, em via pública, em plena luz do dia, por existir interesse estatal na repressão de condutas desse quilate. Com efeito, a análise da extensão do dano causado ao ofendido é imprescindível para aquilatar o cabimento do princípio da insignificância.

A propósito, o Supremo Tribunal Federal não reconheceu este princípio em furto de bicicleta que, embora de valor ínfimo, foi subtraída de pessoa humilde e de poucas posses, que a utilizava para se deslocar ao seu local de trabalho, revelando a relevância do bem para seu proprietário e a repercussão extensiva da conduta em seu patrimônio.[96]

 

Temos assim, formado o entendimento, que o grau de lesividade, será analisado em cada caso concreto, analisando diversos fatores relevantes para definição desta lesão, como por exemplo o valor do bem jurídico lesionado e a situação econômica e cultural da vítima.

Já o segundo requisito, qual seja, que não aja nenhuma periculosidade social da ação, determina que a conduta do agente delituoso não contenha nenhuma periculosidade social. De acordo com o dicionário Aurélio periculosidade é

 

Característica ou condição do que é periculoso; particularidade de perigoso. Tendência para o mal; aptidão natural para cometer um crime; reunião dos acontecimentos que podem indicar o desenvolvimento e/ou execução de um crime, geralmente.[97]

 

Assim sendo, observa-se pelo segundo requisito que a conduta praticada pelo agente não pode conter, nem acarretar em nenhum perigo social, ou seja, a conduta praticada pelo agente não pode causar nenhum perigo a sociedade.

Já o terceiro requisito determinado pela jurisprudência é o de reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento, neste requisito, se busca o enquadramento de uma aceitação social acerca da conduta praticada, ou seja, a reprovação social tem que ser mínima.

Cumpre observar, que o terceiro requisito exige um reduzidíssimo grau de reprovabilidade, e não nenhuma reprovação social, e isto se dá, pela dificuldade ou até mesmo a beira do impossível, em se exigir que, todos os presentes em uma sociedade, reprovem determinada conduta.

Entende-se desta forma, que nos caos em que a sociedade aceitar ou entender a conduta praticada pelo agente, haverá desta forma, configurada e amoldada o terceiro requisito, qual seja, a de reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento.

E por fim, tem-se o quarto e último requisito, que é a Inexpressividade da lesão jurídica provocada, onde, de certa forma, se analisará se a lesão ou o perigo de lesão causada pela conduta do agente realmente foi insignificante.

Cumpre ressaltar, que da mesma forma que no primeiro requisito estudado, qual seja, a mínima ofensividade da conduta do agente, neste requisito também será necessário fazer uma análise da vítima no caso concreto, pois, assim como no primeiro, a inexpressividade de uma lesão para um sujeito com enorme capital financeiro se dá dará de uma forma, enquanto, a mesma lesão, a um sujeito de situação econômica mais vulnerável, pode causar uma lesão bem maior.

Desta forma, referente a relevância da necessidade de análise da vítima, explica e exemplifica Cleber Masson da seguinte forma

 

As condições pessoais da vítima podem influir no cabimento do princípio da insignificância. De fato, esse postulado não foi reconhecido pelo Superior Tribunal de Justiça em relação a fato criminoso ocorrido contra vítima analfabeta e de 68 anos de idade, que teve seu dinheiro sacado do bolso de sua calça, em via pública, em plena luz do dia, por existir interesse estatal na repressão de condutas desse quilate.

Com efeito, a análise da extensão do dano causado ao ofendido é imprescindível para aquilatar o cabimento do princípio da insignificância, A propósito, o Supremo Tribunal Federal não reconheceu este princípio em furto de bicicleta que, embora de valor ínfimo, foi subtraída de pessoa humilde e de poucas posses, que a utilizava para se deslocar ao seu local de trabalho, revelando a relevância do bem para seu proprietário e a repercussão extensiva da conduta em seu patrimônio[98]

 

Conclui-se desta forma, a análise dos requisitos necessários da aplicação do princípio da insignificância sob a ótica da jurisprudência, apontando todos os requisitos elencados pela jurisprudência, com suas peculiaridades e posicionamentos adotados pelos superiores tribunais.

Observa-se ainda, que tais requisitos são de cunhos teoricamente objetivos, devendo o aplicador da lei, no caso concreto, amolda-las na situação e verificar assim, a possibilidade ou não de aplicação deste princípio.

Cumpre ressaltar, que tais requisitos não determinam ou orientam seus aplicadores em nenhuma necessidade específica de análise da pessoa do infrator, abrindo desta forma, a discussão doutrinária e jurisprudencial da necessidade ou não de tal necessidade de análise do infrator.

 

5.3 No Projeto Do Novo Código Penal

 

Conforme anteriormente exposto, não há qualquer previsão legal acerca da aplicação e requisitos para aplicação do princípio da insignificância, sendo este regulamentado exclusivamente pela doutrina e jurisprudência.

Porém, tal inércia do poder legislativo, pode estar com os dias contados, pois tramita no Senado Federal, o projeto de lei 236 de 2012, no qual, criará, se aprovado, um novo código penal.

No presente projeto, há inclusão expressa, da possibilidade de aplicação do princípio da insignificância, determinando este como exclusão de tipicidade, apresentando o seguinte texto

 

Exclusão do fato criminoso

Art. 28. Não há fato criminoso quando o agente o pratica:

I – no estrito cumprimento do dever legal;

II – no exercício regular de direito;

III – em estado de necessidade; ou

IV – em legítima defesa;

Princípio da insignificância

§ 1º Também não haverá fato criminoso quando cumulativamente se verificarem as seguintes condições:

a) mínima ofensividade da conduta do agente;

b) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento;

c) inexpressividade da lesão jurídica provocada.[99]

 

 

Observa-se que, que tal possibilidade de previsão legal, trazida no projeto no novo Código penal, ao elencar o requisitos objetivos necessários para aplicação do princípio do insignificância, retirou um dos requisitos previsto pela jurisprudência, qual seja, a de nenhuma periculosidade social.

Deste forma, ao contrário da jurisprudência que elenca como objetivos necessários a mínima ofensividade da conduta do agente; nenhuma periculosidade social da ação; reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada, a previsão expressa trazida no projeto de lei do novo código penal elenca apenas a mínima ofensividade da conduta do agente; reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica provocada, afastando o requisito de nenhuma periculosidade social.

Desta maneira, se aprovado e sancionado, o novo Código Penal regulamentaria aplicação do princípio da insignificância, devendo este, a partir de então, ser aplicados em todos os casos em que se encontra preenchidos os requisitos objetivos e não somente nos casos em que o juiz entender viável.

Cumpre ressaltar, entretanto, que o texto legal apresentado no projeto do novo código Penal, regulamentando e aplicação do princípio a insignificância não apresenta qualquer orientação ou regulamentação acerca da necessidade ou não de análise da pessoa do infrator, se mantendo desta forma, a realidade atual, onde a necessidade ou não de se fazer uma análise subjetiva da pessoa do infrator se dá a entendimento de cada juiz ou órgão julgador.

 

 

 

 

 

 

 

 

6 DA ANÁLISE DA PESSOA DO INFRATOR COMO REQUISITO PARA APLICAÇÂO DO PRINCÌPIO DA BAGATELA

 

6.1 Direito Penal Do Fato Ou Direito Penal Do Autor

 

Conforme explicado anteriormente, o Direito Penal é o ramo do direito responsável pela tutela dos bens jurídicos mais relevantes na sociedade, sendo este o responsável ainda, por determinar as sanções aplicadas a todas as lesões ou perigos de lesões causadas aos bens jurídicos tutelados.

Havendo uma lesão ou perigo de lesão de um bem jurídico tutelado pelo Direito Penal, caberá ao poder judiciário aplicar as sanções cabíveis no caso concreto, devendo este órgão, observar todos os requisitos e peculiaridades do caso julgado. Entretanto, surge nesta análise uma questão de grande relevância a ser observada, qual seja, até que ponto a pessoa do infrator deve ser levado em conta para aplicação das sanções cabíveis no tipo penal incriminador?

Antes de responder tal pergunta, abordamos o âmbito histórico acerca da discussão do Direito Penal do Fato e Direito Penal do autor, que segundo Pedro Lenza

 

Na primeira metade do século passado, o Direito Penal voltou seus olhos para o autor do crime e, com isso, iniciou-se uma fase designada como direito penal do autor. Nesse contexto, uma pessoa deveria ser punida mais pelo que é e menos pelo que fez. A sanção penal fundava-se menos na gravidade da conduta e mais na periculosidade do agente. Justificavam-se, em tal ambiente, penas de longa duração para fatos de pouca gravidade, caso ficasse demonstrado que o sujeito trazia riscos à sociedade. Esse pensamento teve seu apogeu durante a Segunda Grande Guerra e influenciou grandemente a legislação criminal da Alemanha naquele período.

Com o final da Segunda Guerra Mundial, o modelo filosófico representado por essa concepção caiu em derrocada, retornando a lume uma diferente visão do direito penal, conhecida como direito penal do fato. Trata-se, sinteticamente, de punir alguém pelo que fez, e não pelo que é. A gravidade do ato é que deve mensurar o rigor da pena. Nos dias atuais, esse é o modelo vigorante em matéria penal e, segundo a quase unanimidade dos autores, o único compatível com um Estado Democrático de Direito, fundado na dignidade da pessoa humana.[100]

 

Devidamente abordado a parte histórica, passa-se a responder à pergunta anteriormente indagada, entretanto para respondê-la, deve-se preliminarmente analisar as duas modalidade de Direito Penal, sendo a primeira Direito Penal do fato e a segunda Direito Penal do autos.

A primeira, qual seja, Direito Penal do fato é uma modalidade de análise e limitação da análise a somente os fatos envolventes na conduta, não havendo que se falar em uma análise pessoal do infrator, aclarando tal explicação Fernando Capez traz a seguinte passagem

 

Adotada pela maioria da doutrina. Aqui a censura deve recair sobre o fato praticado pelo agente, isto é, sobre o comportamento humano. A reprovação se estabelece em função da gravidade do crime praticado, de acordo com a exteriorização da vontade humana, por meio de uma ação ou omissão.[101]

 

Neste mesmo caminho, nas palavras de Rogério Sanches Cunha

 

O Estado só pode incriminar condutas humanas voluntárias, isto é, fatos (e nunca condições internas ou existenciais). Em outras palavras, está consagrado o Direito Penal do fato, vedando-se o Direito Penal do autor, consistente na punição do indivíduo baseada em seus pensamentos, desejos ou estilo de vida.[102]

 

Entende-se, a partir das explicações acima, que o Direito Penal do fato é uma limitação do poder punitivo do Estado, proibindo este de punir condições internas do sujeito delituoso, ou seja, ao aplicar a pena, o aplicador da lei deverá se limitar somente aos fatos em julgamento, não devendo fazer qualquer juízo de valor com relação ao sujeito acusado, conforme explica Cleber Masson

 

Em um Estado Democrático de Direito deve imperar um direito penal do fato, e jamais um direito penal do autor, conforme mencionamos no capítulo 2, item 2.2,16 desta obra. Com efeito, o Direito Penal deve se preocupar com a punição de autores de fatos típicos e ilícitos, e não em rotular pessoas. Assim sendo, o juízo de culpabilidade recaí sobre o autor para analisar se ele deve ou não suportar uma pena em razão do fato cometido, isto é, como decorrência da prática de uma infração penal. O agente é punido em razão do comportamento que realizou ou deixou de realizar, e não pela condição de ser quem ele é.[103]

 

No mesmo sentido, tem-se o julgado do Tribunal de Justiça do estado do Rio Grande do Sul, na apelação crime nº 70000907659, julgada pela Sexta Câmara Criminal, com relator Sylvio Baptista Neto, que trouxe a seguinte passagem em seu acordão

 

As circunstâncias judiciais da conduta social e personalidade, previstas no art. 59 do CP, só devem ser consideradas para beneficiar o acusado e não para lhe agravar mais a pena. A punição deve levar em conta somente as circunstâncias e consequências do crime. E excepcionalmente minorando-a face a boa conduta e/ou a boa personalidade do agente. Tal posição decorre da garantia constitucional da liberdade, prevista no artigo 5° da Constituição Federal. Se é assegurado ao cidadão apresentar qualquer comportamento (liberdade individual), só responderá por ele, se a sua conduta ('lato senso') for lícita. Ou seja, ainda que sua personalidade ou conduta social não se enquadre no pensamento médio da sociedade em que vive (mas seus atos são legais), elas não podem ser utilizadas para o efeito de aumentar sua pena, prejudicando-o.[104]

 

Deste modo, fica claro o objetivo do Direito Penal do fato, qual seja, limitar o julgamento e aplicação da pena apenas aos fatos ocorridos, não devendo ser feito qualquer juízo de valor do acusado.

A outra modalidade de Direito Penal é o Direito Penal do autor, sendo que está, ao contrário da anterior, não há imposta nenhuma limitação punitiva, devendo o aplicador do lei, ao julgar o caso concreto, analisar, tanto os fatos, quanto a pessoa delituosa, ou seja, nesta modalidade há a possibilidade de punição por desejos, estilos de vida, e qualquer outro meio de análise que possa ensejar em uma mudança na punição, devido a pessoa do infrator.

Tal modalidade de Direito Penal nas palavras de Pedro Lenza surgiu

 

Na primeira metade do século passado, o Direito Penal voltou seus olhos para o autor do crime e, com isso, iniciou-se uma fase designada como direito penal do autor. Nesse contexto, uma pessoa deveria ser punida mais pelo que é e menos pelo que fez. A sanção penal fundava-se menos na gravidade da conduta e mais na periculosidade do agente. Justificavam-se, em tal ambiente, penas de longa duração para fatos de pouca gravidade, caso ficasse demonstrado que o sujeito trazia riscos à sociedade. Esse pensamento teve seu apogeu durante a Segunda Grande Guerra e influenciou grandemente a legislação criminal da Alemanha naquele período.[105]

 

Desta maneira, fica clara o objetivo do Direito Penal do autor, que é uma análise ampla e profunda, tanto dos fatos em discussão, quanto elementos subjetivos do autor delituoso, para se definir uma sanção à prática delituosa do agente.

Ressalta-se, que ao elaborar o atual Código Penal, o legislador optou por afastar o Direito Penal do autor e trazer como regra o Direito Penal do fato, entretanto tal escolha não impediu, nem proibiu que o aplicador da lei, ao aplicar uma sanção ao sujeito delituoso, considere elementos pessoais ou subjetivos do infrator, conforme explica Rogério Sanches

 

Alertamos, no entanto, que o nosso ordenamento penal, de forma legítima, adotou o Direito Penal do fato, mas que considera circunstâncias relacionadas ao autor, especificamente quando da análise da pena (personalidade, antecedentes criminais), corolário do mandamento constitucional da individualização da sanção penal.[106]

 

Neste mesmo caminho, de regra do Direito Penal do Fato, mas considerando a pessoa delituosa, Pedro Lenza traz a seguinte afirmação

 

De ver, contudo, que, muito embora vigore (com razão) a tese do direito penal do fato, há influências esparsas (e, cremos, inevitáveis) de direito penal do autor na legislação brasileira (e mundial), como ocorre com as regras de dosimetria da pena que levam em conta a conduta do agente, seu comportamento social, a reincidência etc. Também se pode dizer derivada da concepção do direito penal do autor a previsão das medidas de segurança, espécies de sanção penal fundadas na periculosidade. Nada obstante, para que não haja vulneração dos preceitos constitucionais, é mister que se compreendam extensíveis a elas todos os princípios penais assegurados na Lei Maior.[107]

 

Conclui-se assim, as definições com relação do Direito Penal do fato e do Direito Penal do autor, abordando-o o elemento histórico de tais direitos, bem como suas definições, chegando por fim ao aplicado na legislação brasileira.

 

6.2 Da Necessidade de Análise da Pessoa do Infrator na Aplicação do Princípio da Bagatela

 

Conforme anteriormente explicado, o princípio da bagatela é uma forma de afastar o poder punitivo do Estado nos casos em que o bem jurídico violado seja ínfimo ou irrelevante (princípio da bagatela próprio) ou mesmo, quando relevante, situações envoltas a conduta do agente, faz com que tal ação ou omissão sejam aceitos pela sociedade (princípio da bagatela impróprio), e para ser aplicado pelo magistrado, este deve observar os requisitos estipulados pela jurisprudência, conforme previsto no Glossário Jurídico do Supremo Tribunal Federal, qual seja

 

Princípio que consiste em afastar a própria tipicidade penal da conduta, ou seja, o ato praticado não é considerado crime, o que resulta na absolvição do réu. É também denominado "princípio da bagatela" ou "preceito bagatelar". Segundo a jurisprudência do STF, para sua aplicação devem ser preenchidos os seguintes critérios:

i. a mínima ofensividade da conduta do agente;

ii. a nenhuma periculosidade social da ação;

iii. o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e

iv. a inexpressividade da lesão jurídica provocada.[108]

 

Entretanto, tal conceito e requisitos apresentados pela doutrina e jurisprudência como necessários para à aplicação do Princípio da Bagatela, não abordam qualquer necessidade ou obrigatoriedade de se fazer uma análise pessoal e subjetiva da pessoa do infrator, surgindo então uma enorme discussão doutrinaria e jurisprudencial acerca desta análise.

Como explicado anteriormente, o legislador ao elaborar o atual Código Penal, optou pela utilização do Direito Penal do fato, afastando a punição decorrente da pessoa do infrator, mediante aplicação do Direito Penal do autor, porém, foi permitido que determinadas peculiaridades do infrator, possam ser levados em consideração para aplicação da pena.

Todavia, o princípio da bagatela é um excludente de tipicidade, nos casos do princípio da bagatela próprio, ou uma excludente de culpabilidade, nos casos do princípio da bagatela impróprio, restando deste modo, afastado a configuração de uma prática de delito, pois conforme inicialmente explicado, o delito se configura em uma ação ou omissão, típica, ilícita e culpável, e no caso concreto, e estando afastado qualquer uma das etapas acima citadas, não se configurará a prática de um crime.

Contudo, tem-se agora, essa discussão doutrinária e jurisprudencial, de que, se no caso concreto, ao aplicar o princípio da bagatela o aplicador da lei deverá observar os elementos subjetivos do autor ou não.

Alguns dos elementos subjetivos mais discutidos pela jurisprudência na aplicação do Princípio da Bagatela é a reincidência e os maus antecedentes, discutindo se, o fato de uma pessoa possuir maus antecedentes ou ser reincidente, implicaria de forma clara em uma impossibilidade de aplicação de tal princípio no caso concreto.

Antes de adentrar em tal discussão, cumpre inicialmente apresentar a definição acerca de reincidência e maus antecedentes. Reincidência, prevista no Código Penal, traz o segundo conceito

 

Art. 63 - Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Art. 64 - Para efeito de reincidência: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

I - não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

II - não se consideram os crimes militares próprios e políticos. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)[109]

 

Desta forma, pode-se afirmar que reincidência é a prática delitiva cometida pelo agente, após este ter sido condenado, com sentença transitado em julgado. Já os maus antecedentes, segundo Fernando Capez

 

Antecedentes: são todos os fatos da vida pregressa do agente, bons ou maus, ou seja, tudo o que ele fez antes da prática do crime. Esse conceito tinha abrangência mais ampla, englobando o comportamento social, relacionamento familiar, disposição para o trabalho, padrões éticos e morais etc. A nova lei penal, porém, acabou por considerar a “conduta social” do réu como circunstância independente dos antecedentes, esvaziando, por conseguinte, seu significado. Desse modo, antecedentes passaram a significar, apenas, anterior envolvimento em inquéritos policiais e processos criminais. Assim, consideram-se para fins de maus antecedentes os delitos que o condenado praticou antes do que gerou a sua condenação. Os delitos praticados posteriormente não caracterizam os maus antecedentes. Contudo, há julgado do Supremo Tribunal Federal no sentido de ampliar o conceito de maus antecedentes, ao levar em consideração as circunstâncias do crime e a personalidade do agente como fator indicador dos antecedentes.[110]

 

Mediante isto, conclui-se que maus antecedentes são todas as condutas desabonadoras praticadas pelo acusado antes da que gerou a sua condenação.

Abordado tais definições de reincidência e maus antecedentes, passa-se a abordar a discussão da necessidade ou não de análise da pessoa no infrator na aplicação do princípio da bagatela, tal discussão fica exemplificada de forma clara e ampla nos julgamentos do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, que em cada processo julgado, em cada voto de um ministro, fica demonstrado um posicionamento acerca da necessidade ou não de análise da pessoa do infrator na aplicação do princípio da insignificância.

Tem-se como exemplo o Agravo em recurso especial nº 1.020.261 – MG (2016/0309945-5), que buscava reformar um acordão do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, que manteve a condenação da primeira instância. Neste agravo, a defesa alegou que, diante do irrisório valor da res furtiva – "uma bermuda avaliada em R$ 10,00, que posteriormente foi devolvida ao estabelecimento", deve-se ser reconhecida a insignificância da conduta e, por conseguinte, a absolvição do réu, porém ao proferir seu voto, o Ministro Relator Ministro Rogério Schietti Cruz se opôs a aplicação de tal princípio, no qual cita-se o seu voto

 

Em que pesem os argumentos despendidos pelo ora agravante, entendo que a decisão recorrida deve ser mantida, pelos motivos a seguir expostos.

Na hipótese, o Juízo de primeiro grau destacou que "a vida dele [ora agravante] está enodada por diversas passagens policiais e por condenações definitivas por furtos simples, tentados e consumados" (fl. 208, grifei).

De fato, a análise da certidão de antecedentes criminais do réu (fls. 194-203) permite verificar que ele registra seis condenações definitivas pela prática de crimes de furto (Processos n. 071303028862-3,071301006290-7,071301003844-4, 071302009105-2, 071305053918-6 e 0101092-96.2011.8.13.0713), além de outros três processos, nos quais respondia por crimes de furto, em que foi reconhecida a extinção de sua punibilidade pela prescrição (071302009103-7, 071302009585-5 e 071302010197-6).

Não se trata, dessa forma, da simples menção à reincidência do réu, mas ao registro da prática reiterada de delitos da mesma natureza, ensejadores de condenações definitivas pretéritas, a evidenciar a sua contumácia em condutas destinadas a subtrair o patrimônio alheio, o que, nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, é suficiente para obstar, por si só, a incidência do princípio da insignificância, a despeito do reduzido valor da res furtiva, tal como consignado na decisão agravada.

À vista do exposto, nego provimento ao agravo regimental.[111]

 

Observa-se pelo voto do relator, que o seu parecer pela negativa de provimento, não se deu por uma mera reincidência, entendendo que se fosse o caso, seria possível a aplicação do princípio da insignificância, entretanto, o caso analisado pelo ministro relator, tinha como infrator uma pessoa com uma extensa ficha criminal e diversas condenações, o que, segundo entendimento do ministro afasta a aplicação do princípio da bagatela.

No mesmo caminho da jurisprudência anterior, têm- se o julgado do Supremo Tribunal Federal no Agravo regimental em habeas corpus nº 133.736 Paraná, que Tratava-se de agravo regimental interposto contra decisão do Ministro Gilmar Mendes que denegou ordem do habeas corpus, com base no artigo 192, caput, do regimento interno do Supremo Tribunal Federal, sendo que em seu voto, o Ministro Gilmar Mendes trouxe a seguinte passagem

 

(...) Como já demonstrado na decisão ora agravada, o art. 20 da Lei 10.522/2002 determina o arquivamento das execuções fiscais, sem baixa na distribuição, quando os débitos inscritos como dívida ativa da União forem iguais ou inferiores a R$ 10.000,00 (dez mil reais). Esse valor foi atualizado para R$ 20.000,00 (vinte mil reais) pelas portarias 75 e 130 do Ministério da Fazenda. Assim, por se tratar de norma mais benéfica ao réu, deve ser imediatamente aplicada, consoante o disposto no art. 5º, inciso XL, da Carta Magna, de modo que a aplicação do princípio da insignificância é medida que se impõe.

Desse modo, ambas as turmas do STF vêm adotando o entendimento de que o princípio da insignificância deve ser aplicado ao crime de descaminho quando o valor sonegado não ultrapassar aquele estabelecido no art. 20 da Lei 10.522/2002, atualizado pelas portarias 75 e 130/2012, ambas do Ministério da Fazenda, consoante se verifica dos seguintes julgados: HC 120.617/PR, Rel. Min. Rosa Weber, Primeira Turma, DJe 20.2.2014; e HC 112.772/PR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, DJe 24.9.2012.

No entanto, as turmas do STF já se posicionaram no sentido de afastar a aplicação do princípio da insignificância aos acusados reincidentes ou de habitualidade delitiva comprovada: HC 97.007/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, DJe 31.3.2011; HC 101.998/MG, rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, DJe 22.3.2011; HC 102.088/RS, rel Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, DJe 21.5.2010 e HC 112.597/PR, rel. Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma, DJe 10.12.2012.

Ademais, após as considerações trazidas pelo Ministro Teori Zavascki em voto-vista no RHC n. 115.226/MG, de relatoria da Ministra Cármen Lúcia, ressalvo minha posição pessoal, mas, em homenagem ao princípio do colegiado, adoto a orientação de afastar o princípio da insignificância quando os autos sinalizam a reiteração delitiva. Cito, ainda, o seguinte precedente: HC-AgR 122.286/PR, rel. Min. Rosa Weber, Primeira Turma, DJe 12.9.2014. Tecidas as considerações pertinentes, não sobejam dúvidas quanto à improcedência do recurso, não merecendo reparo a decisão proferida pelo STJ. Nesses termos, nego provimento ao agravo regimental.[112]

 

De tal forma, observa o entendimento de alguns ministros, tanto do Supremo Tribunal Federal, quanto do Superior Tribunal de Justiça, em fazer uma análise subjetiva do infrator, vinculando a decisão de aplicação ou não do princípio da bagatela aos elementos subjetivos do infrator, em especial a reincidência e maus antecedentes.

Entretendo, como já anteriormente levantado, tal necessidade de análise não é uma unanimidade entre a jurisprudência, desta forma, apresenta-se como exemplo, o julgado do Supremo Tribunal Federal, no Habeas Corpus 131.618 do Estado de Mato Grosso do Sul, no qual o Ministro Celso de Mello proferiu o seguinte voto

 

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: Peço vênia, Senhor Presidente, para conceder a ordem de “habeas corpus”, considerando, para tanto, os fundamentos que venho expondo, nesta Corte, sobre o sentido e a razão de ser do princípio da insignificância, que constitui, como todos sabemos, causa supralegal de exclusão da tipicidade penal em sua dimensão material (HC 92.463/RS – HC 94.653/RS – HC 94.772/RS – HC 95.957/RS – HC 101.696/MG – HC 102.921/MG – HC 115.246/MG – RHC 107.264/DF – RHC 122.464-AgR/BA, v.g.).

Tenho assinalado, nos diversos precedentes de que fui Relator, como os que venho de referir, que o princípio da insignificância (“De minimis non curat praetor”) deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal, de tal modo que, configurados os vetores que permitem identificar, em cada situação ocorrente, a presença do fato insignificante (RTJ 192/963-964, Rel. Min. CELSO DE MELLO), torne-se possível ao julgador reconhecer caracterizada a ausência da tipicidade penal em sua projeção material. (...)

Por vislumbrar presentes os vetores a que anteriormente aludi (RTJ 192/963-964), reconheço configurada, na espécie, a ocorrência do fato insignificante, que não se tem por descaracterizado em face de eventual situação reveladora de reincidência do agente. Sendo assim, e em face das razões expostas, peço licença, uma vez mais, para conceder, integralmente, a ordem de “habeas corpus”.

É o meu voto[113]

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          Observa-se, de acordo com o voto do Ministro Celso de Mello, que o seu entendimento é de que a reincidência o maus antecedentes não interfere na aplicação do princípio da insignificância, pois ao aplicar tal princípio no caso concreto, deve-se fazer, por parte dos aplicadores da lei, um enquadramento de todos os princípio a este interligado, e em caso de enquadramento perfeito, deve-se pelo magistrado, ser aplicado o princípio da insignificância.

Entretanto, há um entendimento se firmando na jurisprudência, e a cada julgamento fica mais exemplificado e solidificado, de que a reincidência e maus antecedentes por si só, não são causas impeditivas à aplicação do princípio da insignificância, devendo o magistrado, fazer uma análise casuística de cada caso, avaliando todos os elementos envoltos do caso concreto, para determinação de aplicação ou não do princípio da insignificância.

Tal entendimento fica exemplificado no Informativo nº 0548 do Superior Tribunal de Justiça, na qual apresenta o seguinte texto

 

DIREITO PENAL. HIPÓTESE DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.

Aplica-se o princípio da insignificância à conduta formalmente tipificada como furto tentado consistente na tentativa de subtração de chocolates, avaliados em R$ 28,00, pertencentes a um supermercado e integralmente recuperados, ainda que o réu tenha, em seus antecedentes criminais, registro de uma condenação transitada em julgado pela prática de crime da mesma natureza. A intervenção do Direito Penal há de ficar reservada para os casos realmente necessários. Para o reconhecimento da insignificância da ação, não se pode levar em conta apenas a expressão econômica da lesão. Todas as peculiaridades do caso concreto devem ser consideradas, como, por exemplo, o grau de reprovabilidade do comportamento do agente, o valor do objeto, a restituição do bem, a repercussão econômica para a vítima, a premeditação, a ausência de violência e o tempo do agente na prisão pela conduta. Nem a reincidência nem a reiteração criminosa, tampouco a habitualidade delitiva, são suficientes, por si sós e isoladamente, para afastar a aplicação do denominado princípio da insignificância. Nesse contexto, não obstante a certidão de antecedentes criminais indicar uma condenação transitada em julgado em crime de mesma natureza, na situação em análise, a conduta do réu não traduz lesividade efetiva e concreta ao bem jurídico tutelado. Ademais, há de se ressaltar que o mencionado princípio não fomenta a atividade criminosa. São outros e mais complexos fatores que, na verdade, têm instigado a prática delitiva na sociedade moderna. HC 299.185-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 9/9/2014.[114]

 

Deste modo, conclui-se a presente discussão, acerca da necessidade ou não de análise da pessoa do infrator na aplicação do princípio da Bagatela, observando que, por ser um tema sem regulamentação legal específica para sua aplicação, acabado deixando a cargo da Jurisprudência e da Doutrina a definição de tal aplicação, e como a maioria das matérias sem regulamentação, acabado se criando uma grande discussão e divergência de opiniões, onde cada aplicador da lei, aplica tal princípio de acordo com suas convicções doutrinárias.

Em suma, observa-se que se apresenta três entendimentos diferentes acerca da necessidade de análise ou não pessoa do infrator. De um lado, se tem os juristas que entendem que a existência por si só de reincidência ou maus antecedentes afasta a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância, deste modo, sendo feito uma análise tanto objetiva dos requisitos jurisprudenciais impostos para aplicação deste princípio, bem como uma análise subjetiva tanto da vítima, quanto da pessoa do infrator, bastando a existência de reincidência e maus antecedentes para barrar tal aplicação.

Outro entendimento formado por parte da jurisprudência é de que por se tratar de uma conduta de certo modo insignificante e que não causou grave lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico relevante, basta que, no caso concreto, esteja presente todos os requisitos objetivos necessários para aplicação do princípio da insignificância, sendo desnecessário em regra, de uma análise subjetiva da pessoa do infrator para decisão de aplicação ou não do princípio da bagatela.

Por fim, o terceiro entendimento, e o mais coerente, que exemplificado anteriormente mediante apresentação do informativo nº 0548 do Superior Tribunal de Justiça, apresenta uma ideia de necessidade de uma análise casuística para aplicação do princípio no caso concreto, ou seja, não é a  simples existência da reincidência ou de maus antecedentes que afastará de forma indistinta, a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância, sendo necessário uma análise de caso a caso, ponderando as peculiaridades de cada caso, fazendo uma análise ampla e fundamentada, ante a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância e não a simples existência de maus antecedentes ou de reincidência.

 

6.3 Princípio Da Bagatela Como Forma De Excludente De Tipicidade e Culpabilidade

 

Como anteriormente explicado, o Princípio da Bagatela, ou da Insignificância é uma limitação do poder punitivo do Estado, proibindo este, de usar, de seu poder de punir, nas ações ou omissões que em não há grave violação ao bem jurídico violado, ou a bens irrelevantes para o mundo jurídico. Tal princípio possui duas modalidades, qual seja, o Princípio da Bagatela Próprio e o Princípio da Bagatela Impróprio. A modalidade Próprio da princípio da bagatela ocorrera conforme explicação de Luiz Regis Prado, quando

 

A irrelevante lesão do bem jurídico protegido não justifica a imposição de uma pena, devendo excluir-se a tipicidade da conduta em caso de danos de pouco importância. O princípio da insignificância é tratado pelas modernas teorias de imputação objetiva como critério para determinação do injusto penal, isto é, como um instrumento para a exclusão da imputação objetiva de resultados.[115]

 

Observa-se, a partir da explicação de Regis Prado, que a aplicação do Princípio da Insignificância acarreta na exclusão da tipicidade da conduta, afastando assim a possibilidade de punição por parte do Estado. Tal exclusão se dá pelo fato de a ação ou omissão praticada não causou lesão a vítima, não configurando assim a pratica delituosa de um crime, pois tal conduta não está prevista na legislação e se está, em regra, não foi essa a intenção do legislador ao elaborar a lei, ou seja, não quis que condutas irrelevantes fossem punidos.

Já a outra modalidade de princípio da insignificância, qual seja, o princípio da bagatela imprópria, ao contrário da anterior, o bem jurídico violado é relevante e valorizado pela sociedade, entretanto, circunstancias envoltas da conduta, que levaram o infrator a cometê-la, a justificam, se tornando de certa forma, aceitos pela sociedade e justificadas socialmente, nesta modalidade a conduta nasce socialmente reprovável, e assim passível de punição, entretanto, logo após tal fato, situações entorno da conduta do agente o faz socialmente justificado e aceito pelo sociedade, afastando assim a culpabilidade do agente, conforme explica Cleber Rogério Masson

 

Em outras palavras, infração (crime ou contravenção penal) de bagatela imprópria é aquela que surge como relevante para o Direito Penal, pois apresenta desvalor da conduta e desvalor do resultado. O fato é típico e ilícito, o agente é dotado de culpabilidade e o Estado possui o direito de punir (punibilidade). Mas, após a prática do fato, a pena revela-se incabível no caso concreto, pois diversos fatores recomendam seu afastamento, tais como: sujeito com personalidade ajustada ao convívio social (primário e sem antecedentes criminais), colaboração com a Justiça, reparação do dano causado à vítima, reduzida reprovabilidade do comportamento, reconhecimento da culpa, ônus provocado pelo fato de ter sido processado ou preso provisoriamente etc.[116]

 

Percebe-se portanto, que o Princípio da Bagatela Impróprio, pelo fato de nascer socialmente reprovável não há que se falar em exclusão de tipicidade, pois o fato é socialmente reprovável e previsto na legislação, entretanto, como explicado anteriormente, situações e peculiaridades em volta da conduta do agente, faz com que está seja socialmente aceita e justificada, deste modo, não há que se falar em exclusão de tipicidade, mas sim em exclusão de culpabilidade, pois embora típico, o fato praticado é justificável, afastando assim, sua culpabilidade.

Conclui-se desta forma, que o princípio da bagatela, afastara, ora a tipicidade, nos casos de aplicação do princípio da Bagatela Próprio, ora a culpabilidade, nos casos de aplicação do Princípio da Bagatela Imprópria.

 

6.4 Direito ao Esquecimento e sua Aplicação no Princípio Da Bagatela

 

Conforme explicado no tópico anterior, há uma enorme discussão acerca da necessidade ou não de análise da pessoa do infrator na aplicação do princípio da bagatela, tal discussão, embora esteja centrado na questão subjetiva da pessoa do infrator, discutindo se sua reincidência ou maus antecedentes afasta ou não a aplicação do princípio da insignificância.

O entendimento de que tais requisitos subjetivos deve implicar diretamente na decisão de aplicação ou não princípio da insignificância, acaba trazendo uma nova questão a ser discutida, qual seja, até quando, os erros cometidos por uma pessoa, pesara em decisões futuras e trará consequências danosas a sua pessoa, por uma conduta cuja punição já foi paga, e se tal impossibilidade de aplicação do princípio da bagatela decorrente da existência da reincidência e maus antecedentes não implicaria um uma dupla punição, por um crime já pago.

Surge a partir desta discussão, um ponto crucial a ser analisado, qual seja, a implicação e aplicação do direito ao esquecimento nos casos em que pesa a impossibilidade de aplicação do princípio da insignificância.

Direito ao esquecimento, nas palavras de Pablo Dominguez Martinez

 

Pode ser caracterizado como uma esfera de proteção, uma redoma, que permitiria que uma pessoa não autorizasse a divulgação de um fato que lhe diga respeito, ainda que verídico, por causar-lhe sofrimento ou algum transtorno levando-se em consideração a utilidade e data da ocorrência em que a informação objeto de proteção foi realizada. A ideia de esquecimento está diretamente ligada ao pensamento da superação do passado, de redenção, possibilitando que um sujeito não tenha o seu direito à privacidade, à intimidade, ao nome, à honra, atingido por fatos já então consolidados pelo tempo.[117]

 

Desta forma, entende-se como direito ao esquecimento, o direito que uma pessoa tem, a que determinados fatos sobre a sua pessoa, que de lhe certa forma, lhe causem prejuízos, transtorno ou algum tipo de sofrimento.

Diante da discussão, alegou a defesa de um acusado, em um Julgamento no Superior Tribunal de Justiça, na pedido de Habeas Corpus 256210 / SP, que fosse aplicado o Princípio da Insignificância em um caso de tentativa de furto de um pacote de pilhas, onde ao ser flagrado reagiu com violência e a aplicação do Direito ao esquecimento ante a existência de antecedentes criminais do acusado, entretanto tal pretensão foi negada, apresentando o seguinte trecho em seu acordão

 

No caso vertente, em que a denúncia descreve a tentativa de furto de um pacote de pilhas de um estabelecimento comercial, muito embora se trate de bem de escasso valor econômico, a conduta do agente, que reagiu, com violência, à intervenção do estabelecimento comercial onde tentou realizar o furto, reveste-se de relativa ofensividade e reprovabilidade, o que, aliado aos seus antecedentes penais, afasta a incidência do princípio bagatelar.
Por outro lado, não obstante o paciente ostente onze condenações por furto e duas por roubo, é desarrazoada a fixação da pena-base em três vezes o seu mínimo legal cominado, considerando que a mais recente das sanções transitou em julgado para a defesa em 17.11.1999, há 14 anos, portanto.(...)
Sem perder de vista o entendimento jurisprudencial no sentido de que condenações prévias, com trânsito em julgado há mais de cinco anos, apesar de não ensejarem reincidência, servem de alicerce para valoração negativa dos antecedentes, soa desarrazoado admitir que essas treze condenações, tão longínquas no tempo, aumentem a pena-base em três vezes.
Recentes julgados desta Corte (REsp 1.334.097/RJ e REsp 1.335.153/RJ, publicados em 9/9/2013), relatados pelo Ministro Luis Felipe Salomão, aplicáveis na órbita do direito civil - máxime em aspectos relacionados ao conflito entre o direito à privacidade e ao esquecimento, de um lado, e o direito à informação, de outro - enfatizam que "...o reconhecimento do direito ao esquecimento dos condenados que cumpriram integralmente a pena e, sobretudo, dos que foram absolvidos em processo criminal, além de sinalizar uma evolução cultural da sociedade, confere concretude a um ordenamento jurídico que, entre a memória - que é a conexão do presente com o passado - e a esperança - que é o vínculo do futuro com o presente -, fez clara opção pela segunda. E é por essa ótica que o direito ao esquecimento revela sua maior nobreza, pois afirma-se, na verdade, como um direito à esperança, em absoluta sintonia com a presunção legal e constitucional de regenerabilidade da pessoa humana." (Voto do Ministro Luís Felipe Salomão).
 Semelhante doutrina há de ser recebida com temperança no âmbito do Direito Penal, mas reforça a necessidade de afastar a excessiva exacerbação da pena-base, operada pelo tribunal estadual ao realizar a primeira etapa da dosimetria da sanção imposta ao paciente, à vista das condenações transitadas em julgado pela prática de infrações patrimoniais. [118]

 

Entende-se, de acordo com a jurisprudência acima citada, o direito ao esquecimento, embora de cunho cível, deva ser aplicado e observado junto ao processo criminal, entretanto tal observância e aplicação do direito ao esquecimento não deverá ser absoluto, pois embora tais fatos sejam prejudiciais ao acusado, prevalece-se sobre a supremacia do interesse público, devendo-se, mesmo que observando o direito ao esquecimento, fazer uma análise subjetiva do infrator, ponderando pontos relevantes da vida do acusado, mesmo que, em certos momentos, estes devessem ser afastados mediante utilização do Direito ao Esquecimento.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

7 CONCLUSÃO

 

Conforme anteriormente exposto, o crime é definido pela corrente majoritária como uma ação ou omissão, típica, ilícita e culpável, possuindo para cada elemento do crime, suas peculiaridades e exceções para sua configuração.

O trabalho anteriormente exposto abordou justamente a possibilidade de exceção de dois elementos do crime, qual seja, a tipicidade e a culpabilidade, mediante aplicação do princípio da insignificância, também conhecido como princípio da bagatela, princípio este que se define como a possibilidade de afastar o poder punitivo do Estado.

Entretanto, não há em nosso ordenamento jurídico uma expressa previsão acerca da possibilidade de aplicação de tal excludente, muito menos seus requisitos, se fundamento tal princípio nos direitos e princípios constitucionais interligados a ele, como por exemplo da dignidade da pessoa humana e da legalidade, bem como o princípio da intervenção mínima e da fragmentariedade.

Deste modo, ficou a cargo da doutrina e da jurisprudência a definição de tal modalidade, bem como a determinação de seus requisitos, entretanto, a doutrina apresentou apenas as definições e conceitos, sendo que, na parte dos requisitos, apenas reproduziu o entendimento formado pelos tribunais superiores do país, elencando como requisitos, os mesmos formados pelos tribunais, qual seja, a) a mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada.

Porém, tais requisitos elencados e trazidos pela jurisprudência em diversos julgados e acórdãos, não abordam qualquer necessidade de análise da pessoa do infrator, ou seja, não direciona, nem determina se, ao aplicar o princípio da insignificância o aplicador do lei, deva ou não fazer uma análise subjetiva do autor delituoso e se a existência de reincidência e maus antecedentes se torna um implicador na aplicação de tal princípio, afastando assim a possibilidade de aplica-lo no caso concreto.

Ocorre porém, que nem mesmo na jurisprudência, que elencou tais requisitos objetivos, há um consenso entre os membros do poder judiciário, acerca da necessidade ou não de se fazer uma análise subjetiva do infrator.

Deste modo, em uma análise jurisprudencial, observou-se o que anteriormente foi alegado, a falta de consenso entre os aplicadores da lei, que em cada voto, ao julgar um caso concreto se posiciona por um lado.

Em regra, se firmou três entendimentos e posicionamentos nos diversos julgados acerca do assunto, o primeiro é o entendimento de que a existência de reincidência e maus antecedentes afasta a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância, pois entendem que a possibilidade de aplicação de tal princípio está vinculado ao enquadramento tanto dos requisitos objetivos, quanto dos requisitos subjetivos, qual seja, uma análise pessoal da pessoa do infrator. O segundo posicionamento firmado é de que ao aplicar o princípio da insignificância, o aplicador deve desconsiderar a pessoa do infrator, não sendo necessário se fazer uma análise das circunstâncias pessoais do agente delituoso, pois segundo os adeptos deste posicionamento, o sistema penal brasileiro é regido pelo Direito Penal do fato e não do autor, se limitando estes, a julgar os fatos inerentes ao caso concreto e não as condições pessoais do autor, aplicando assim o Direito Penal do fato. A terceira e última dos mais utilizados posicionamentos é uma mescla dos dois anteriores, pois segunda este posicionamento, deve-se ser feito uma análise uma análise da pessoa delituosa, entretanto, a simples existência de reincidência e maus antecedentes não afasta a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância, devendo ser feita uma ampla e profunda análise, ponderando todos os elementos e circunstancias relevantes para determinar se os fatos pessoas da pessoa do infrator são relevantes para determinação  da aplicação ou não do princípio da insignificância.

Deste modo, conclui-se diante de todo o alegado e demonstrado, que o terceiro posicionamento sobre a necessidade de análise da pessoa do infrator na aplicação do princípio da bagatela, é o mais coeso e sensato, pois neste posicionamento, não se determina a aplicação ou não deste princípio, pela simples existência de maus antecedentes e reincidência, ou ainda, pelo contrário, ignora a existência de qualquer fato desabonador e relevante, que deveria se ponderado na decisão de aplicação, pelo simples entendimento que tais fatos passados são irrelevantes. Nesta terceira posição se buscará um equilíbrio, um sopesar da fatos praticados pelo agente delituoso, bem como dos fatos vividos por este agente, ou seja, sua possível reincidência e maus antecedentes, chegando deste modo, a uma análise justa e relevante acerca da vida pessoal do sujeito delituoso, podendo desta forma se concluir de forma sensata e justa, se a reincidência e maus antecedentes no caso concreto serão ou não relevantes para aplicação do princípio da insignificância, fazendo desta forma uma análise casuística do caso concreto, para determinar a relevância de tal análise subjetiva do agente delituoso.

Ressalta-se ainda, que tal análise casuística defendida pelo terceiro posicionamento não fere o princípio da igualdade, pois nesta modalidade de não se aplica a modalidade formal, ou seja, a igualdade indiscriminada e igual a todos, mas sim a igualdade material, que busca um tratamento isonômico no casa concreto, ou seja, tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual, na medida de suas desigualdades,  resguardando desta forma, o princípio da igualdade, pois, por mais que de certa forma de tratamentos diferentes em casos fáticos parecidos, os mesmos se distinguem pela subjetividade do caso concreto, ou seja, pela análise pessoal de cada sujeito criminoso.

Conclui-se ainda, da importância social e econômica acerca da aplicação do princípio da insignificância, pois conforme exposto, o custo estatal para se iniciar e dar prosseguimento ao andamento processual de um processo, e ainda mais para processar e julgar um caso onde não houve lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico protegido.

Desta forma, conclui-se o presente trabalho, chegando a conclusão de que a análise ou não da pessoa do infrator na aplicação do princípio da insignificância, vai ser determinado no caso concreto, após uma análise casuística, tanto objetiva, quando subjetiva, de todo o envolto acerca da conduta criminosa, chegando assim, a uma aplicação justa do princípio da bagatela, aplicando este, somente nos casos em que realmente se fizer de direito.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

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Sobre os autores
Carlos Eduardo Pires Gonçalves

Graduado em Direito pela Universidade Paranaense (2004). Especialista em Direito Público com ênfase em Direito Penal pela Unp - Universidade Potiguar. Professor das disciplinas de Processo Penal II, Direito Penal III e IV, e Prática Processual Penal I e II no curso de Graduação em Direito da Unifamma. Leciona em diversos cursos de pós-graduação na área criminal.

Douglas Alexandre de Miranda Batista

Graduado em Direito pelo Centro Universitário Metropolitano de Maringá - UNIFAMMA.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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