O art. 165, I do Código Tributário Nacional dispõe que:
"Art. 165. O sujeito passivo tem o direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, ressalvado o disposto no §4º do art. 162, nos seguintes casos:
I – cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou a maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido; [...]"
Por sua vez, o art. 168 do mesmo Diploma, estabelece o prazo para que o contribuinte pleiteie referida restituição, in ipsis litteris:
"Art. 168. O direito de pleitear restituição extingue-se com o decurso do prazo de 5 (cinco) anos, contados:
I – nas hipóteses dos incisos I e II do art. 165, da data de extinção do crédito tributário; [...]"
Assim, o "direito de pleitear a restituição" de tributos pagos espontaneamente ou "a maior" em face da legislação tributária aplicável "extingue-se com o decurso do prazo de 5 (cinco) anos, contados: [...] I – [...] da data da extinção do crédito tributário" (art. 165, I, c/c art. 168, I do CTN).
Os incisos do art. 156 do mesmo Diploma elencam as hipóteses de extinção do crédito tributário, sendo que apenas dois deles interessam ao deslinde da questão em análise, nomeadamente o I e o VII, vejam-se:
"Art. 156. Extinguem o crédito tributário:
I – O pagamento; [...]
VII – O pagamento antecipado e a homologação do lançamento nos termos do disposto no art. 150 e seus §§ 1º e 4º;"
O inciso I define o momento da extinção do crédito tributário referente aos tributos lançados de ofício, enquanto que o inciso VII, de seu turno, define-o quanto aos tributos lançados por homologação, como se denota do art. 150 do CTN, citado pelo referido inciso VII, que traz o seu regramento, nos seguintes termos, litteratim:
"Art. 150. O lançamento por homologação que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.
§ 1º O pagamento antecipado pelo obrigado nos termos deste artigo extingue o crédito, sob condição resolutória da ulterior homologação do lançamento.
§ 2º Não influem sobre a obrigação tributária quaisquer dos atos anteriores à homologação, praticados pelo sujeito passivo ou terceiro, visando a extinção total ou parcial do crédito.
§ 3º Os atos a que se refere o parágrafo anterior serão, porém, considerados na apuração do saldo devedor porventura devido e, sendo o caso, na imposição de penalidade, ou sua graduação.
§ 4º Se a lei não fixar o prazo à homologação, será ele de 5 (cinco) anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovado a ocorrência de dolo, fraude ou simulação."
Assim, nos casos de tributos sujeitos ao lançamento por homologação o pagamento, por si só, não extingue o crédito, mas apenas "o pagamento antecipado e a homologação do lançamento, nos termos do disposto no art. 150 e seus §§1º e 4º" têm o condão de extingui-lo (art. 156, VII, CTN).
A homologação, assim, é condição fundamental para que ocorra a extinção do crédito tributário, juntamente ("e") com o pagamento, a não ser que incida outra causa de extinção do crédito que não a prevista no inciso I que trata dos tributos lançados de ofício.
Se não houve homologação expressa, expirado o prazo de 5 (cinco) anos "sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito tributário" (art. 150, §4º, do CTN), conferindo ao contribuinte que tenha pago espontaneamente tributo indevido ou a maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido (art. 165, I, do CTN), o prazo de 10 (dez) anos a contar da ocorrência do fato gerador para que este pleiteie a sua restituição.
Os requisitos, como se vê, estão ligados por uma conjunção aditiva, o que demonstra que a lei não se satisfaz com a ocorrência de qualquer deles alternativamente, exigindo, sim, a concomitância dos pressupostos para a extinção (aí, sim, definitiva) do crédito tributário nos casos em que seu lançamento seja efetuado de acordo com o art. 150 do CTN, ou seja, o pagamento + homologação.
É dizer, à luz do dispositivo supracitado, e pela aplicação de uma operação lógica simples, qual seja, se (A) e (B) são, então (C) deve ser (onde: "A" corresponde ao pagamento antecipado, "B" à homologação do lançamento, e "C" a extinção do crédito tributário), conclui-se, sem maior esforço exegético, que a extinção do crédito tributário nos tributos sujeitos a lançamento por homologação depende da concorrência inarredável de Dois Eventos. Faltando qualquer deles, inocorre a dita extinção, como sói acontecer com o pagamento sem a posterior homologação do lançamento.
A lei foi clara, não deixando dúvidas. Ela diz "e" (inciso VII, do art. 156 do CTN) e não "ou", como a princípio, numa leitura rápida, poder-se-ia entender.
Afirmação contrária homenagearia o entendimento de que a lei contém palavras inúteis, o que não se coaduna com o cânone do "verba cum effectu, sunt accipienda" (deve-se compreender as palavras como tendo alguma eficácia, pois não se presumem, na lei, palavras inúteis), muito menos com a racionalidade que deve pautar a atividade do intérprete, aplicador do direito. Aliás, essa é a lição que Carlos Maximiliano nos deixou com letras indeléveis, a de que "as expressões do Direito interpretam-se de modo que não resultem frases sem significação real, vocábulos supérfluos, ociosos, inúteis." [1] Se não fosse assim, qual seria, então, a utilidade do inciso VII do art. 156 do CTN ?
Assim, com a devida vênia dos que pensam diversamente, não há exegese possível que consiga afastar essa compreensão do indigitado inciso VII. Se o legislador foi pouco técnico ao se referir a uma condição resolutória no §1º do art. 150, e a uma suposta extinção provisória do crédito tributário neste dispositivo e a outra – esta definitiva –, no §4º, incontestavelmente lançou uma pá de cal sobre a questão ao exigir, no inciso VII, do art. 156 que, nos casos de tributos sujeitos a lançamento por homologação (art. 150, §§1º e 4º), para que se opere a extinção do crédito tributário a eles referente, devem se verificar duas condições, o pagamento antecipado e a homologação do lançamento.
Contudo, a Lei Complementar nº 118, de 09 de fevereiro de 2005, visando alterar esse regime jurídico, dispôs, em seu art. 3º que:
"Art. 3º Para efeito de interpretação do inciso I do art. 168 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional, a extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o §1º do art. 150 da referida Lei."
Já o art. 4º da mesma lei determina que, in verbis:
"Art. 4º Esta Lei entra em vigor 120 (cento e vinte) dias após sua publicação, observado, quanto ao art. 3º, o disposto no art. 106, inciso I, da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional."
O art. 106, I, do CTN, dispõe sobre a aplicação da legislação tributária a ato ou fato pretérito nos seguintes moldes:
"Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito:
I – em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados; [...]"
Assim, o legislador pátrio, não raras vezes cumpridor obsequioso e complacente dos interesses amiúde inconfessáveis do Executivo Federal, ao aprovar a Lei Complementar nº 118/05, além de ter brandido o punhal da imoralidade e com ele desferido um golpe baixo nos contribuintes, ao reduzir um prazo que o Guardião da Legislação Federal, o Superior Tribunal de Justiça, já havia assegurado em favor destes – mediante a simples e fiel aplicação do CTN, como acima esposado [2] –, pretendeu atribuir à pretensa interpretação que esta conferiu ao art. 168, I, do CTN, efeito retroativo.
Ocorre, entretanto, que não há interpretação, "spielberguiana" que seja, que logre afastar a clareza solar do inciso VII, do art. 156, a não ser que se passe a discutir o significado da conjunção aditiva "e", o que é impensável.
Portanto, o prazo decenal de que frui o contribuinte que recolheu espontaneamente tributo indevido ou a maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido (art. 165, I, do CTN), a contar da ocorrência do fato gerador, quando a homologação do pagamento é tácita, não é, como muitos dizem, resultado de construção pretoriana, mas simples interpretação literal [3] da lei. É a lei que confere a esses contribuintes o prazo de um decênio, e não uma tese qualquer desenvolvida por alguém. Repita-se, não há tese alguma, há mera observância da letra da lei.
Assim, se nesses casos de pagamento indevido ou a maior que o devido referentemente a tributos lançados por homologação for considerado como causa suficiente para a extinção do crédito tributário o pagamento antecipado, como quer a Lei Complementar nº 118/05, não se estará interpretando a lei, mas sim lhe revogando, com todas as conseqüências jurídicas daí decorrentes, como a necessidade de observância às garantias idealizadas por Francesco Gabba, e positivadas pela Constituição Cidadã de 1988 [4].
Ora, a Lei de Introdução ao Código Civil, o Decreto-lei nº 4.657/42 dispõe, no §1º do seu art. 2º que:
"[...] §1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior."
Como demonstrado, o art. 3º da Lei Complementar nº 118/05 é incompatível com a sistemática dos §§1º e 4º do art. 150 e inciso VII do art. 156 do CTN, tratando-se, na verdade, de um arremedo de revogação tácita travestida de uma "soi-disant" interpretação autêntica.
Portanto é intolerável que se possa querer atribuir à pseudo-interpretação que revogou o regime jurídico anterior eficácia retroativa, pois que é atentatória aos mais comezinhos princípios de direito constitucional e contrastante ao mais elementar sentimento de justiça.
E nesse diapasão, cabe trazer à colação a indignação de Celso Antonio Bandeira de Mello que se amolda perfeitamente ao presente debate e reflete a nossa própria:
"O Estado Brasileiro é um bandido. O Estado Brasileiro não tem o menor respeito pela outra parte, pelo cidadão. O Estado Brasileiro atua com deslealdade e com má-fé, violando um dos primeiros e mais elementares princípios do Direito, que é o princípio da lealdade e da boa-fé. O Direito abomina a má-fé."
(palestra proferida no IX Congresso Brasileiro de Direito Tributário, in Revista de Direito Tributário nº 67, Malheiros Editores, p. 54).
Em arremate, veja-se o que o saudoso Professor Geraldo Ataliba asseverou sobre a insegurança jurídica no país:
"Quem quer escrever um livro não escreve, pois a CF pode mudar; o legislador diz ‘por que eu vou fazer uma lei, se isto aqui vai mudar’? Os Tribunais dirão ‘porque vamos esforçar-nos em fazer uma bela jurisprudência se isto aqui também vai mudar’? E assim nós solapamos exatamente o chão sobre o qual pisamos, porque tiramos o essencial, o básico, o elementar, o condicional de todo o resto que é a segurança jurídica".
(cf. RDT 60/274)
Resta-nos a esperança de que a Judicatura irá exercer seu mister constitucional e assegurar o respeito aos ditames do Estado Democrático de Direito e à boa-fé que devem presidir as relações entre o Estado e os cidadãos, e não permanecer inerte perante os desmandos do Legislativo e do Executivo que, com a Lei Complementar nº 118/05, prestaram um verdadeiro desserviço à sociedade, e especialmente ao contribuinte.
Notas
1 Hermenêutica e Aplicação do Direito, 13. ed., Forense, 1993, p. 250.
2 Vide EREsp nº 435.835/SC, 1ª Seção, julgado em 24.03.2004, Rel. para o acórdão Min. José Delgado, ainda não publicado que, após penoso debate quanto à aplicabilidade da chamada tese dos "cinco mais cinco" também nos casos em que havia declaração de inconstitucionalidade de lei pelo Augusto Pretório Excelso em controle concentrado, ou ainda em controle difuso com ulterior suspensão de execução por Resolução do Senado Federal (art. 52, X, da CF), o que causou grande insegurança aos jurisdicionados, definiu, fazendo cessar a celeuma entre os contribuintes, que o referido prazo se aplica aos tributos lançados por homologação independentemente da existência de decisão da Suprema Corte ou de Resolução senatorial.
3 Sem embargos das discussões que se travam quanto à existência de uma interpretação literal pura e simples que, entretanto, excedem o âmbito das presentes considerações.
4 Inciso XXXVI do art. 5º.