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Direitos e garantias fundamentais e aplicabilidade imediata

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16/10/2018 às 11:15
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 6 Conclusão 

O tema objeto do estudo apresentou-se fascinante e ao mesmo tempo árduo. Apaixonante, como é sempre o estudo dos direitos fundamentais, decorrência direta do postulado da dignidade humana. Em outra mão, entender-se o alcance e significado da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais afigurou-se penoso diante das diversas circunstâncias que envolvem o tema, bem como ante a diversidade de posições da doutrina constitucional.  

Estudar a aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais é antes de tudo entender seu alcance e significado na ordem jurídica e na vida prática. Deste modo, faz-se necessário estudar a aptidão que têm os direitos fundamentais de produzir efeitos na vida prática, mudar a realidade fática, conferir-lhes efetividade.  

Com efeito, tal postulado foi instituído ante o temor de incorrer-se em uma neutralização dos direitos fundamentais, caso não se atribuísse a eles a máxima efetividade possível, a exemplo do que ocorreu na República da Alemanha, à época da Constituição nazista. À época, entendeu-se que os direitos fundamentais dependiam da regulamentação do legislador ordinário, que da forma como se encontravam no texto constitucional não tinham qualquer aptidão para produzir efeitos.  

Por outro lado, não podem ser desconsiderados diversos fatores que intervêm para que se dê máxima efetividade possível aos direitos fundamentais, tantos jurídicos quanto fáticos. Sem excluir muitos outros possíveis entraves, há que ser harmonizada a aplicabilidade imediata com a separação de poderes, a discricionariedade administrativa, os escassos recursos públicos disponíveis.  

Entre as posições doutrinárias que enfrentaram o assunto, há as correntes mais restritivas, que entendem que o postulado contido no § 1º do art. 5º somente se aplica “na medida do possível”, posição defendida por Manoel Gonçalves Ferreira Filho (1988). Para o doutrinador, quando da concretude da aplicabilidade imediata, há que ser respeitada a “natureza das coisas”, ou seja, na sua linha de pensamento, o dispositivo deve ser aplicado na medida do possível. 

A par da corrente mais restritiva, Eros Grau (1997) defende que os direitos fundamentais detêm aplicabilidade imediata em toda e qualquer situação, sem exceções, ou seja, o dispositivo do § 1º do art. 5º tem força máxima. Assim, os direitos fundamentais detêm a máxima efetividade e independem da intervenção legislativa ou do Poder Executivo para produzir efeitos. O julgador tem o dever de concretizar o direito fundamental quando decidir casos concretos a ele submetidos.  

Um pensamento mais intermediário, defendido por Sarlet (1998), apregoa ser a aplicabilidade um princípio e, como tal, seria de aplicação modulada, ou seja, seus efeitos seriam aplicados segundo as regras aplicáveis aos princípios, na medida do possível, não segundo uma regra do tudo ou nada. Na visão de Sarlet (1998), os direitos fundamentais devem ser efetivados na máxima  medida possível, somente sendo possível aferir o grau de concretização examinando-se cada caso concreto. Não se faz possível, a priori, estabelecer que dado direito fundamental seja  aplicável, de imediato, em todos os seus possíveis efeitos.  

No tocante à posição do STF quanto ao tema, há diversos julgados que refletem sua posição, que tem sido a de dar a aplicabilidade imediata aos princípios fundamentais. Quando se trata de direitos fundamentais, dentre outros, a igualdade, a integridade física do preso, à duração razoável do processo, o Pretório Excelso tem lhes dado máxima efetividade.  

Até mesmo no caso de julgados envolvendo os direitos fundamentais denominados “prestacionais”, que abrangem uma posição ativa do ente Estatal, como, a título exemplificativo, o direito à saúde, o STF tem entendido que cabe ao Judiciário conferir-lhe a máxima efetividade possível, determinando, em diversas decisões, que o Estado arque com tratamentos de saúde de pessoas hipossuficientes economicamente.  

Nessas hipóteses envolvendo políticas públicas, há o entendimento doutrinário, e do STF, de que o grau de discricionariedade do ente estatal para instituir políticas públicas é mínimo. Nessa linha, muito embora a Administração, quando no exercício do seu poder discricionário na execução de políticas públicas tenha certa margem de escolha discricionária entre uma política e outra, não tem, em outra mão, a opção de simplesmente não adotar qualquer  política pública que seja realizadora de direito fundamental.  

Dessa forma, alinhando-se à posição defendida por Sarlet (2008), o estudo conclui que  a aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais se constitui em um princípio e que, portanto, deve ser efetivado na maior medida possível, à luz de cada caso concreto. Tal interpretação não  se coaduna com uma regra de tudo ou nada, como os demais princípios devem ser concretizados segundo um mandado de otimização.  

Nessa linha, cabe ao intérprete, em cada caso concreto, atribuir ao direito fundamental  a máxima efetividade possível. No entanto, como se trata de um exercício de hermenêutica, a compatibilização do princípio deve ser feita com escopo em argumentos de ordem lógica e racional.  Dessa forma, o escopo inicial do estudo, de lançar um novo olhar sobre tema tão fascinante e complexo, foi alcançado, com as principais posições doutrinárias acerca do assunto, bem como com a forma como a Corte Constitucional tem tratado o tema.  

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Referências 

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Direitos e garantias fundamentais e aplicabilidade imediata  

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Sobre a autora
Marilene Carneiro Matos

Advogada, Formada pela Universidade de Brasília, Pós-Graduada em Direito Constitucional e Processual Civil, Mestra em Direito Constitucional pelo IDP - Instituto Brasiliense de Direito Público. Assessora Jurídica da Primeira Vice-Presidência da Câmara dos Deputados. Advogada com Área de Atuação em Direito Administrativo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MATOS, Marilene Carneiro. Direitos e garantias fundamentais e aplicabilidade imediata. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5585, 16 out. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/67138. Acesso em: 25 abr. 2024.

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